A cinco anos do golpe de abril, é necessário continuar tirando as lições mais importantes, e isso por quê, das jornadas de 13 de abril - verdadeira mobilização crucial e resoluta dos trabalhadores e do povo - quando se apontou para uma dura derrota ã reação interna e ao imperialismo, ainda que continuemos sem ver cumpridas nossas demandas fundamentais. No trecho seguinte abordamos a situação do momento e o programa que estava colocado para golpear definitivamente a burguesia e o imperialismo no nosso país, e que faz parte das teses programáticas da Juventude de Esquerda Revolucionária (JIR), cujos militantes atuais tivemos nesse episódio uma participação ativa, dentro da torrente do grande movimento de massas que enfrentou e derrotou esta intentona da reação interna e do imperialismo.
Ao chegar ao governo em 1999, Chávez propôs uma importante alteração no regime político, tentando consolidar novas formas políticas institucionais ante a crise terminal dos partidos tradicionais assentados no puntofijismo [1] , o qual foi ferido de morte com o Caracazo, assim como renegociar com o imperialismo yanque uma reversão nos termos de intercâmbio, contando para tudo isso com um grande apoio popular. Isso não agradou ã grande burguesia venezuelana nem ao imperialismo, pois viram, os primeiros, que seus privilégios mantidos por décadas corriam perigo, e os segundos, o temor de que a sangria de riquezas para a potência imperialista poderia limitar-se. Como vimos nesses últimos 8 anos de governo, tais temores não tinham muito fundamento, já que o projeto de Chávez contempla a convivência com a propriedade privada - os lucros dos grandes empresários vêm crescendo -, e o fluxo das relações comerciais com os Estados Unidos vêm aumentando, incluindo o abastecimento de petróleo que não foi alterado em nada. Inclusive se tem cumprido os compromissos internacionais com o pagamento religioso da dívida externa. Mas a alta burguesia do país em consonância com as transnacionais e os interesses imperialistas, independentemente dos partidos do puntofijismo que se alternavam no governo, estava acostumada a nomear os personagens políticos das equipes ministeriais, manter o controle absoluto da PDVSA - fonte de todas as suas riquezas -, parasitando a renda petroleira, em cumplicidade com os executivos venezuelanos herdados das transnacionais Shell, Exxon e Móbil que, com o pretexto de manter afastada a renda petroleira dos políticos e seu clientelismo, constituíam uma verdadeira casta, sendo os reais executores da política petroleira, já que nem os próprios Presidentes da República podiam ter o controle direto da mesma, constituindo-se o que se chamou de um verdadeiro “Estado dentro do Estado”.
Para o imperialismo, acostumado a mandar e a agir em território nacional, as reformas que Chávez tentava aplicar significavam a perda desta prerrogativa, apesar de que este engaveta as propostas eleitorais de questionar a dívida externa e adotar uma política econômica desenhada para preservar as reservas internacionais e honrar os compromissos com os organismos transnacionais, como honrar também os nocivos contratos com empresas internacionais por parte de PDVSA inscritos desde 1994, limitando-se apenas a modificar os termos dos novos contratos com investidores privados.
E como base de tudo isso, o fato de que o projeto de Chávez seja até o momento mais que uma tentativa de rascunhar os males que assola o povo trabalhador, como a situação de estagnação nacional e miséria das massas trabalhadoras e pobres causadas pelo capitalismo semicolonial garantido pelo puntofijismo, que provocou a rebelião popular do Caracazo em 1989 e o ascenso operário e popular que a sucedeu, o sistema político burguês venezuelano que havia garantido a espoliação imperialista dos recursos e da força de trabalho nacionais, assim como a dominação de uma parasitária burguesia nacional atrelada aos ianques, durante mais de três décadas entrou em franca crise com a rebelião popular de 1989, desmoronando-se cada vez mais nos anos seguintes. Chávez se alça sobre esse fenômeno, postulando-se como representante do repúdio dos operários, camponeses e do povo contra o puntofijismo. Quer dizer, a diferença dos governos burgueses do Ação Democrática e COPEI, - que se mostravam submissos e incondicionais ao imperialismo ianque -, não se apoiava, como os outros, na combinação de uma forte repressão com algumas concessões ás massas derivadas da renda petroleira, mas sim que se apoiava no movimento de massas nascido do Caracazo. Um grande temor portanto do imperialismo e da grande burguesia nacional é a possibilidade de que o movimento de massas, que através de Chávez aspirava conseguir suas demandas fundamentais, se desenvolva com mais força e passe dos limites de reformas institucionais mantidos por este.
Este é o pano de fundo que incitará a grande burguesia e o imperialismo em meados de 2001 ás tentativas de golpe para tirar Chávez do governo. Començará então a batalha deste com o setor majoritário da burguesia venezuelana e do imperialismo, para impôr seu projeto político. O elemento explosivo será a tentativa do governo de outorgar mais ingerência ao Estado quanto ã fiscalização do sistema educativo privado, através do Decreto 1.011, e mais ainda com os Decretos-Lei que contemplavam, entre outras coisas, uma tímida redistribuição de terra, a fixação de alguns direitos para os pescadores artesanais ante as grandes indústrias, assim como um controle estatal mais sério do negócio dos hidrocarbonetos, ainda que mantendo a abertura ao capital privado.
Por isso afirmamos que a reação da patronal e da burocracia sindical opositora, comandadas pelo imperialismo ianque, se devem, talvez, menos ás medidas concretas tomadas pelos Decretos-Lei, que ao fato mais estrutural de que Chávez fixara como meta novas formas políticas nas quais não entrava o caráter político do “Pacto de Ponto Fixo”, aliado fiel do imperialismo, perdendo todo o seu tradicional controle de sua principal fonte de riqueza, PDVSA, apoiando-se na grande raiva das massas exploradas e pobres, acumulada por anos contra o regime do puntofijismo.
Mas aproveitemos para esclarecer que o que propõe o governo, como se vê agora já com o controle da empresa petroleira, é associar-se, em outras condições, com o grande capital privado internacional pela via da criação de empresas mistas na área petroleira e de grandes concessões na área do gás, cujos principais cabeças são as mesmas empresas transnacionais que durante décadas sugaram as riquezas de nosso país, aplicando um programa de ampliação da capacidade produtiva com a participação de investidores estrangeiros, onde os tubarões internacionais continuarão beneficiando-se. Mas evidentemente, Chávez buscará uma reversão nos termos de intercâmbio nos quais antes as grandes transnacionais levavam praticamente tudo.
Certo é que por todo o histórico anterior, Chávez será submetido a uma pressão, por um lado, do imperialismo norte-americano e da grande burguesia nacional que vê no novo presidente uma ameaça para seus interesses, e por outro, ã pressão do movimento de massas que dá a ele respaldo e que desde 1989 irrompeu com força no cenário nacional exigindo solução a suas demandas mais imediatas. A alta burguesia aproveitará a crise da economia nacional que nesse momento era golpeada pela crise econômica internacional, para passar a ofensiva. Os personagens do antigo regime, junto ã burocracia sindical opositora da CTV e aos chefes das câmaras patronais, instigando as classes médias que viram cair seu nível de vida pelos rápidos fracassos econômicos de Chávez, entraram em uma febril atividade política com o objetivo de afastá-lo do poder. O projeto político de Chávez se viu então prontamente ameaçado.
A reação levanta a cabeça com o golpe de abril, mas as massas derrotam a conspiração da burguesia e do imperialismo.
Durante o ano de 2001, a burguesia opositora, junto aos partidos de oposição, aos meios de comunicação privados, ã igreja católica e ã “sociedade civil”, começam lentamente um processo de acumulação de forças, atrevendo-se já a convocar algumas mobilizações de rua. Mas estas marchas se chocam com as contramarchas organizadas pelos setores que apóiam o governo, enquanto a Polícia Metropolitana atua como força de choque das mobilizações opositoras.
Em dezembro a burguesia realiza seu primeiro ensaio, convocando uma “paralisação civil” de 24 horas para o dia 10, um verdadeiro um lock out contra os Decretos-Lei que propõe o governo. O lock out tem uma aceitação mediana nas zonas de classe média, graças, ao que parece, ao fato de a maioria dos empresários fecharem as portas das empresas ou dar o “dia livre” aos trabalhadores, e os comerciantes mais prósperos não abrirem seus negócios. O governo em resposta chama uma concentração para esse dia na Praça Caracas, onde discursa Chávez e, além de repisar que as Leis Habilitantes vão ser aprovadas, diz também que os concentrados não devem fazer mais nada, que deixem tranqüilos os empresários na sua paralisação, em fim, que não se deve dar importância a ela. Mas um setor dos presentes na concentração desobedece ao Presidente, mobilizando-se até a sede da Fedecâmaras, enfrentando a repressão da Polícia Metropolitana, mostrando assim a disposição de golpear realmente o centro político e econômico da reação.
O ano finaliza com um clima de polarização social e política em ascenso, com os “panelaços” da classe média de direita sendo já cotidianos, com a oposição convocando marchas constantes e até ensaiando uma paralisação patronal, mas com o movimento de massas enfrentando-os decididamente. Veremos então como já nos primeiros momentos, quando a mobilização das massas está recuperando-se, Chávez incita ã desmobilização das mesmas, ou no melhor dos casos ã mobilização controlada, a que não se confronte com a reação nas ruas, apesar de que em alguns setores seu chamado não tem eco pois muitos se mobilizam para enfrentar diretamente nas ruas a ofensiva da reação. Aqui já se mostrava a tendência que teve sua expressão crucial entre 11 e 13 de abril de 2002.
O governo além de seguir aprovando seus decretos, que já significava um desafio para a reação, decide trocar a gerência maior da PDVSA, retirando um general, posto na presidência pelo mesmo Chávez, que esteve comprometido com a reação e o golpe, e coloca em seu lugar um grupo de acadêmicos ligados a anos ã esquerda. Isso foi a gota d’água para que a reação decidisse avançar em seus planos.
A renúncia simultânea de todos os gerentes da PDVSA com o presidente da empresa ã frente o qual já estava premeditando, passou a expressar-se no desenvolvimento, por parte da “executiva nomeada”, de uma campanha de propaganda e agitação contra a “politização” da empresa, e a favor da “meritocracia”, contando com reuniões, assembléias e mobilizações internas de gerentes e executivos, que se realizaram rápida e febrilmente, desembocando num chamado a uma “paralisação ativa” nacional para 9 de abril, encabeçado pela CTV, Fedecâmaras, e pelos partidos de oposição. A reação se organizava.
O ponto forte da “paralisação” é a paralisação dos gerentes da PDVSA, junto ao fechamento de empresas por parte dos empresários. O lock out que inicialmente foi convocado por 24 horas, foi progressivamente estendendo-se até ser declarado indefinido. Em resposta propagaram-se as reuniões dos setores populares, de trabalhadores e organizações de vanguarda para enfrentar esta ofensiva; ocorreram brigas e enfrentamentos com grupos de oposição. No entanto, a política do governo não era a mobilização combativa para avançar aos locais de concentração da classe média de direita, nem um chamado a todos os trabalhadores e trabalhadoras, em especial ao setor da classe operária da PDVSA, para que tomem em suas mãos as fábricas e empresas. Pelo contrário, o governo decide retroceder em um gesto de negociação e substitui a recém nomeada junta diretora da PDVSA, para nomear como presidente Alí Rodríguez, que era um homem mais aceitável; mas a reação já havia soltado as amarras. O plano conspiratório já estava em curso.
Para 11 de abril, a reação, que realizava já a 3 dias contínuos concentrações e marchas, decide organizar uma mobilização até Miraflores para derrubar Chávez do governo. Eram dezenas de milhares, desde os setores mais acomodados de Caracas, que se dirigiam ao palácio, encabeçados pela Polícia Metropolitana. Em resposta, desde o momento do anúncio da oposição da ida a Miraflores, se acelerou vertiginosamente a mobilização popular, sendo dezenas de milhares os que rodearam o Miraflores para defender o governo e combater o possível retorno ao poder dos velhos políticos do puntofijismo, abrindo-se enfrentamentos terríveis. Em poucas horas, já eram dezenas os feridos e mortos dentre os milhares que defendiam o governo, em meio de um ou outro ferido do lado da reação. Em poucas horas se pronunciaram por meio de um vídeo transmitido nos canais de televisão privados, vários generais do alto escalào militar deslegitimando Chávez e o governo, “pelos sucessos atrozes cometidos pelo governo”; logo se soube que este vídeo foi filmado no dia anterior ao ocorrido.
Chávez, por sua vez, havia dito na noite anterior em cadeia nacional, que se passava a espada para a mão esquerda em sinal de combate. No entanto, no 11 de abril durante a tarde, enquanto o povo enfrentava os golpistas, ele transmite novamente em cadeia nacional sem fazer menção alguma aos acontecimentos nos arredores do palácio! Depois disso, não se soube mais nada de Chávez, nenhuma diretriz foi lançada, era como se não tivesse ocorrendo nada. Tão pouco nenhuma orientação do vice-presidente ou de algum ministro, as direções dos partidos políticos do governo tão pouco diziam alguma coisa: uma absoluta ausência de direção, justo no momento decisivo.
No início da noite chegou enfim uma nova “diretriz” por parte do governo: abandonar Miraflores, porque “a situação está muito difícil”. Pela manhã, diante de uma assembléia de dirigentes populares e de esquerda que se organizavam para combater a ofensiva golpista, o prefeito Bernal havia dito que tudo estava sob controle, “os poucos golpistas que existem nas Forças Armadas os localizamos, sabemos até onde dormem, quanto medem e quanto pesam”, disse. Evidentemente não se havia medido nem pesado muito bem os militares golpistas! Em meio ã ofensiva final da reação, o governo não se propôs a nada mais que usar componentes das FA para frear a polícia golpista. A Guarda Nacional, corpo que tradicionalmente reprime as mobilizações operárias, estudantis e populares, decidiu desobedecer ás ordens governamentais e declarar-se “neutra” no confronto; decide pois resguardar-se em seus quartéis. Em meio ao combate nas ruas, dos pronunciamentos do alto escalào deslegitimando o governo, Chávez não aparece nem por um minuto convocando o movimento de massas, mas sim que se tranca no Palácio em busca de apoio dos generais - é famosa a gravação em que desesperadamente tenta comunicar-se por rádio transmissor com o chefe do exército e este nunca responde, pois estava envolvido no golpe. Naquelas horas sinistras da madrugada as pessoas nas suas casas viram o general em chefe das Forças Armadas, Lucas Rincón Romero, anunciar que haviam solicitado a renúncia do presidente, “a qual aceitou” (sic), e prosseguiu, “os membros do Alto Mando Militar dispomos a partir deste momento nossos cargos ã ordem, os quais entregaremos aos oficiais que sejam designados pelas novas autoridades”. Chávez é preso em Miraflores. Assim terminava até esse momento a história da “revolução bolivariana”.
É que Chávez, segundo suas próprias afirmações, se entrega aos golpistas, ainda quando não havia pedido a renúncia que era exigida. O que significava que de fato se dava por derrotado. Ao admitir que se entrega sem travar um combate é uma demonstração de como atuam estas direções nacionalistas e reformistas que não têm nem um pingo de confiança no movimento de massas para organizá-las e preparar a contra-ofensiva, distribuindo armas ã população para preparar a defesa combativa e real, preferindo deixar tudo nas mãos das Forças Armadas.
No dia 12 de abril se auto-proclama Presidente da República Pedro Carmona Estanga, até então presidente da Fedecâmaras, dissolvendo a Assembléia Nacional e destituindo todos os membros do “velho” governo, assim como todos os membros dos poderes públicos, independentemente se foram ou não do governo. Uma ditadura direta. Se inicia a conformação de um novo gabinete, se suspende o convênio energético com Cuba, se anulam as Leis Habilitantes, se anuncia a possível abertura ã privatização da PDVSA, entre outros anúncios. Em uma reunião em Miraflores onde estão dirigentes associados empresariais, a CTV, representantes da igreja católica, e dos partidos de oposição, se negociam os acordos da “nova Venezuela”; enquanto isso a Polícia Metropolitana e a polícia científica (CICPC) reviravam casas, faziam presos e se desatava uma feroz perseguição contra tudo o que cheirasse a “chavismo” e a defensores do governo de Chávez.
No entanto, apesar da ausência total das direções oficiais, e do duro golpe que significou perder da noite para o dia todas as esperanças, de ver o governo cair sem que se quer fosse travada uma luta, começa desde os bairros e as periferias a organizar-se uma generalizada resistência ao plano de se instalar a ditadura empresarial que se organizava, novos gritos de guerra emergiam, avançando a passo redobrado, mostrando seu heroísmo, disposição de luta e de combate das massas laboriosas que não estavam dispostas a deixar-se vencer sem batalha. A partir de 12 de abril, ã noite, começou um vertiginoso ascenso nas principais ruas e avenidas da capital e nas principais cidades do país.
No dia 13, a preconceituosa burguesia tremeu de medo: dezenas de milhares saíram ás ruas nas principais cidades com o objetivo claro de tirar Chávez da prisão. Mas nessa luta, na verdade, estavam lutando pela defesa de suas conquistas, de suas liberdades democráticas, contra a volta dos velhos políticos que durante décadas os haviam humilhado e condenado ã miséria. As mobilizações definiram claramente onde teriam que ir, ã rua e aos quartéis. Nesse dia não havia uma pessoa que saiu ã rua para defender o governo de Pedro Carmona, não houve quem se atrevesse a contrariar as mobilizações sob a figura de Chávez. O que estavam querendo dizer é que não seriam novamente pisoteadas como o haviam sido até então por uma burguesia entreguista e exploradora. Se faziam listas de reservistas e civis que sabiam manejar armas desde a Brigada de Pára-quedistas em Maracay, para acompanhar os oficiais e soldados fiéis ao governo para um eventual enfrentamento. Esta era a única unidade militar, comandada pelo general Baduel, que se mantinha abertamente fiel ao governo. A massividade e combatividade das mobilizações, sua disposição em entrar no combate franco e claramente foi o fator determinante para fazer com que os setores “institucionalistas” e os chavistas indecisos das Forças Armadas se decidissem por retirar o apoio ao novo governo de Carmona e reclamassem a “volta da institucionalidade”, quer dizer, a volta de Chávez.
O quê se passava com a burguesia e com o imperialismo em uma situação como esta? Se arriscariam a ordenar a repressão das mobilizações? Uma saída desse tipo teria significado, sem dúvida alguma, desatar uma guerra civil. Se fazia necessária uma repressão cruel e generalizada; mas com a experiência do Caracazo, e com a massividade destes protestos em torno dos quartéis, por acaso todos os soldados obedeceriam ã ordem de reprimir? É evidente que se a reação se decidisse por uma saída de força contra a rebelião popular, isso traria um clima de confrontação tamanha que fraturaria imediatamente as linhas de mando das Forças Armadas, uma parte importante das tropas se colocaria do lado da rebelião popular, poderiam repartir armas entre o povo para fazer frente aos golpistas, e começaria um período de guerra aberta. A burguesia não estava disposta a arriscar-se tanto. Ao que parece em seus cálculos não foi colocada a possibilidade de uma resposta popular dessa magnitude. E temerosas de que as massas, em um enfrentamento aberto, buscassem mais, ou seja, não só libertar Chávez mas também liquidar contas com a burguesia e com os interesses do imperialismo, antes de correr o risco de perder tudo, decidiram restituí-lo. Assim, a derrota do golpe da reação burguesa e pró-imperialista orquestrado desde a Embaixada e o Departamento de Estado norte-americano, o 13 abril de 2002 foi produto das jornadas heróicas da ação contundente e massiva do povo pobre e da classe trabalhadora que mostrou seu punho ã reação burguesa pró-imperialista.
Mas triste foi o papel de Chávez em 14 de abril pela madrugada no seu regresso: chegou pedindo perdão com um crucifixo na mão. Não pedia perdão ás massas por havê-las posto ã margem de uma ditadura sangrenta ao não haver preparado nada para derrubá-la. Chamava a conciliação, a “retificar-se”. Chávez pedia perdão “ao país”, quer dizer, a todos igualmente, incluindo a reação, os inimigos irreconciliáveis do povo trabalhador; pois a quem mais a reação se opunha? Ato seguinte, Chávez chama a dezenas de milhares de mobilizados a voltarem a suas casas, a retomar a calma. Aos trabalhadores e ao povo pobre, que com sua mobilização combativa, havendo empenhado novamente o heroísmo nas ruas, o resgatou e derrotou um golpe pró-imperialista, como nunca se havia visto na América Latina, Chávez lhes diz que já cumpriram seu trabalho e que agora que deixassem tudo em suas mãos e nas mãos do Estado.
O outro anúncio do presidente foi a abertura de um “diálogo nacional” - um diálogo entre quem? Entre aqueles que ainda salivavam com o banquete que pensavam desfrutar com a repressão ás massas, e o governo reposto por estas. Onde ficaram as massas e sua mobilização revolucionária neste diálogo? Nos discursos, nada mais.
Por trás da derrota dos conjurados da burguesia opositora, são deixadas intactas as suas forças políticas e econômicas
Vimos então como novamente a força da iniciativa e da mobilização popular frearam os planos da burguesia e do imperialismo, assim como o 27 e 28 de fevereiro, onde se empenhava a força e combatividade dos trabalhadores e do povo pobre, com o método por excelência de toda rebelião popular: ganhar as ruas. Algo distinto do Caracazo, desta vez havia um objetivo político concreto, a derrota da tentativa de golpe ditatorial da burguesia pró-imperialista. Mas o que era similar ao 27 de fevereiro era que naquelas horas trágicas não havia direção alguma, pois o governo não teve nenhuma política frente a situação, estavam totalmente paralisados, sem iniciativa. Já não se tratava dos chamados ã calma ou a indiferença diante das paralisações parciais como do dia 10 de dezembro, mas sim que diante da ofensiva final da reação, se seguia insuflando a confiança das massas nas covardes Forças Armadas, lhes diziam que tudo estava controlado, e no máximo convocavam a mobilizarem-se nos arredores do palácio do governo, nada mais.
O assunto aqui é o caráter de classe burguês das instituições do Estado, do governo e do projeto de Chávez. Este levanta a idéia da “unidade nacional”, quer dizer da colaboração de classes, estabelece a “unidade cívico-militar” com as atuais Forças Armadas, o desenvolvimento da indústria nacional com setores “nacionalistas” da burguesia, enfim, todo o seu projeto segue apoiando-se nas instituições próprias do capitalismo e funcionais ã ordem burguesa. Acontece que para poder barrar as ofensivas da reação são necessários métodos e medidas revolucionárias, ou seja, que vão contra a institucionalidade burguesa, expropriar os golpistas e todos os donos dos meios de produção, as terras, o transporte, etc., e é isso o que Chávez não tem feito, não fez durante o golpe, nem está disposto a fazer.
Nesse caso de abril, para dar uma resposta que impelisse os planos pró-imperialistas era necessário, antes de mais nada, alertar politicamente, preparar o movimento de massas para a batalha, não fazer pedidos abstratos de calma, não dizer que tudo está controlado; essa é a primeira grande irresponsabilidade que já põe em desvantagem as massas, se lhes dizem que não se preparem para uma batalha quando é certo que esta virá. E a primeira medida fundamental, a expropriação imediata de todos os golpistas e setores da burguesia que os apoiavam, junto com o bloqueio a todos os interesses do imperialismo no território nacional, que já organizavam o golpe desde a Embaixada norte-americana. Assim, ligado a estas medidas drásticas econômicas, deveria ter sido dito que uma situação culminante se aproximava e instruir então todo o movimento de massas a colocar-se em alerta, a organizar-se de imediato em função da derrota da conspiração reacionária. Desde o primeiro dia da declaração de paralisação deveria ter sido feito um chamado a todos os trabalhadores e trabalhadoras das fábricas e empresas, e ã classe operária petroleira a que tomassem o poder de todas as instalações. Era necessário então organizar comitês de autodefesa operários, diante do certo confronto com os patrões, suas polícias e os jovens semi-fascistas da classe média de direita. Seria necessário organizar imediatamente as milícias do povo pobre prevendo a chegada do confronto. Diante da ofensiva armada da polícia da oposição, deveria proceder-se imediatamente com a entrega de armas ás milícias populares e comitês de autodefesa operários previamente organizados, e ao mesmo tempo fazer um enérgico chamado ã baixa oficialidade e aos soldados das Forças Armadas que se mantivessem com o povo.
Com essas medidas, jamais haveria triunfado o golpe de abril: com a força dos trabalhadores das fábricas e da indústria petroleira, com a força das massas populares mobilizadas e a organizadas para a autodefesa, assim como um chamado aos soldados das Forças Armadas, justo aqueles que controlam o poder de fogo, os planos da oposição pró-ianque não haveriam nem chegado perto.
A questão é que evidentemente uma vez desatada a força dos trabalhadores para a reativarem a produção contra a vontade do empresariado, e ao existir comitês de autodefesa operários e populares, isso teria gerado uma situação de surgimento de germens reais de poder operário e popular, teria gerado uma situação incipiente de duplo poder nas fábricas e empresas, assim como territorialmente nos bairros; e isso amedronta tanto a oposição burguesa quanto o governo nacionalista. Chávez sabia muito bem que existia a possibilidade de que nesse ascenso os trabalhadores poderiam lutar por mais, de não poder controlá-las, pois não estava descartado a priori que poderiam ver no horizonte o poder superar os limites impostos por Chávez e avançar realmente a um processo revolucionário de ataques diretos ã propriedade e ao poder dos empresários, banqueiros e latifundiários. Em uma luta com essas características e dimensões as massas podem avançar para conquistar sua independência política e fazer de Chávez refém da pressão operária e popular, ou inclusive, no caso de avançar revolucionariamente a luta, deixá-lo como uma velha experiência do passado, e impor um governo próprio dos trabalhadores que expropriará os expropriadores.
Sem falar no que esta política revolucionária haveria significado internamente nas Forças Armadas. Se houvesse ocorrido justo o que temia também a burguesia, a divisão, a fratura das linhas de comando, e claramente um processo rápido de decomposição da instituição, de desobediência, de “anarquia” nas tropas, de enorme pressão da mobilização operária e popular aos soldados, de contágio das tropas com o calor e o entusiasmo popular, a confraternização, a liquidação do monopólio da força do Estado. Enfim, justo os primeiros passos que todo processo revolucionário alcança e o que toda revolução necessita: dividir e destruir o exército constituído, o exército das classes dominantes!
Mas com a política de Chávez, os derrotados não foram as tais, graças ã política do governo, que não só havia permitido sua efêmera vitória, mas também logo depois de ser derrotada pela mobilização popular, negocia e manda as massas para suas casas. Se deixava assim ã rédia solta a impunidade, pois justo no momento que a reação estava na defensiva, desmoralizada, em que o mundo se dá conta de que ocorreu um golpe de Estado, e que o imperialismo ianque apóia evidentemente e há uma ofensiva popular triunfante, o governo ao invés de avançar definitivamente e derrotá-los, lhes estende uma mão, manda o povo para casa e deixa intacto seu poder econômico.
Ocorreu o “diálogo nacional” e ao final de setembro o Tribunal Supremo de Justiça decidiu que não havia razões suficientes para julgar os generais golpistas, que não houve golpe de Estado mas sim um “vazio de poder”. Após a atitude de Chávez, ficou nas mãos de uma das instituições burguesas mais reacionárias a sorte dos generais “gorilas”. Chávez havia pedido respeito ã decisão do tribunal, qualquer que fosse. No dia da sentença milhares de pessoas protestaram em torno do TSJ e fizeram frente ã repressão da Guarda Nacional - fato que demonstra muito bem a “unidade cívico-militar” que tanto prega Chávez. Também houve feridos e alguns mortos nos enfrentamentos com a Polícia Metropolitana. Chávez não apareceu nesse dia, nem uma aparição, nem um discurso, só apareceu no dia seguinte em forma de panfleto uma carta assinada por ele, na qual insistia no chamado a respeitar a decisão do tribunal. Uma vez mais, o chefe da “revolução bolivariana” põe todo o seu peso como líder de massas para respaldar a institucionalidade burguesa!
“Inconseqüências” ou “debilidades”?
Sim, como se fez popular, e o governo repete, “cada 11 tem seu 13”; o problema é que ao 13 se sucedeu um 14, quer dizer, a volta apaziguadora e conciliadora de Chávez, a expropriação política da vitória do povo trabalhador. Com esta política do governo, a reação se reorganizou e avançou com o paralisação-sabotagem em dezembro, submetendo o país a dois meses de desabastecimento e sabotando fortemente a indústria petroleira. Desta vez a tentativa também foi derrotada graças ã iniciativa operária e popular, cobrando particular importância a classe operária petroleira. No entanto, dessa vez tão pouco foi política do governo chamar os trabalhadores a tomarem em suas mãos a produção para vencer o lock out, nem a estender o controle operário que em duas refinarias petroleiras seus trabalhadores haviam organizado. Uma vez derrotada a paralisação-sabotagem, novamente permaneceram intactos os bens dos conspiradores e o conjunto da classe proprietária e exploradora nacional, assim como os capitais imperialistas comprometidos com a reação. Como se nada tivesse acontecido, até o dia de hoje seguem com suas propriedades fazendo grandes negócios e vivendo da exploração do trabalho assalariado.
Mas será que o governo poderia atuar de outra maneira? São “debilidades”, “inconseqüências”, “erros” ou algo parecido que produzem estas atuações? Contundentemente dizemos que não, as negociações de Chávez, sua paralisação nos momentos de crise, suas vacilações, são conseqüência do caráter burguês de seu projeto. Estas atuações estão em perfeita consonância com o projeto do governo.
Se o propósito de Chávez é desenvolver uma burguesia nacionalista forte, uma “economia mista”, aliado com setores como Empreven, Fedeagro, Confagan, etc., pode por acaso então levar até as últimas conseqüências a luta contra a burguesia? A única maneira de derrotar definitivamente as ofensivas golpistas e reacionárias é atacando o poder econômico da burguesia e do imperialismo, que é a base de sua fortaleza. Porém se são expropriados seus bens (fábricas, terras, bancos, transportes, etc.), se se nacionalizam seus bens e se instaura o controle operário sobre a produção, se se expropria os bancos, se se expropria os latifundiários, se são postos os meios de comunicação privados sob o controle popular, como se desenvolve uma burguesia nacional forte? Se na paralisação patronal, na qual por sua aventura os empresários deixaram de receber seus lucros durante 2 meses, o governo obriga os capitalistas a empregar as dezenas de milhares que despediram, se implanta o congelamento de preços, se decreta um aumento de salários que cubra a cesta básica, se impede o fechamento de fábricas e empresas, se não outorga os seus dólares até que não paguem suas dívidas, não se declarariam em falência uns atrás de outros os distintos setores? Como se desenvolve assim uma burguesia nacional forte? Todas essas medidas que enumeramos, necessárias para derrotar a reação e para satisfazer as mais elementares necessidades operárias e populares, objetivamente transcendem os limites da propriedade capitalista, com o qual não há projeto burguês viável, por isso o governo se decidiu, e se decide sempre, por não tomá-las.
Atenção especial merece que o avançar destas medidas revolucionárias que viemos traçando, dava espaço para o nascimento de um poder operário e popular, e o desenvolvimento desses organismos de poder revolucionário é totalmente incompatível com o bom funcionamento do papel bonapartista que Chávez se propõe cumprir, de fortalecer e utilizar o papel do Estado burguês como mediador da luta de classes, como agente harmonizador entre o capital e o trabalho.
Por isso, se há duas lições centrais nas Jornadas de Abril, é que são irreconciliáveis os interesses das massas exploradas e pobres e os da burguesia nacional e do imperialismo, e que se faz urgente a luta pela independência política dos trabalhadores e do povo frente ao governo de Chávez. É que sem independência política, que leve a confiar somente nas próprias forças e métodos de luta dos trabalhadores e explorados, levantando um verdadeiro programa de luta anticapitalista e portanto, conseqüentemente antiimperialista, a grande energia operária e popular desatada nas ruas e fábricas será conduzida por Chávez para os caminhos da negociação e do mantimento das propriedades e negócios capitalistas, como ocorre hoje. Por isso é imprescindível mais do que nunca a construção de um potente partido operário revolucionário que lute por um governo dos trabalhadores e do povo pobre e para avançar para uma verdadeira revolução operária e socialista.
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