Construamos um Movimento por uma Internacional da Revolução Socialista (Quarta Internacional)
O sistema capitalista mundial está atravessando o sexto ano de uma crise econômica, política e social de dimensões históricas. Sob os golpes da crise e os ataques dos governos e dos capitalistas a luta dos explorados está retornando ã cena política.
A “Primavera árabe” abriu um novo ciclo ascendente da luta de classes, após décadas de retrocesso e ofensiva burguesa. A resistência operária, juvenil e popular atravessa os centros do capitalismo mundial, principalmente em países da União Europeia (UE) submetidos aos planos de ajuste, como Grécia, Estado Espanhol ou Portugal.
Desde os levantes do mundo árabe até a luta estudantil no Chile, passando pelos “indignados” no Estado Espanhol, os jovens do Yosoy132 no México e o movimento OWS (Occupy Wall Street) nos Estados Unidos, os que tomaram a Praça Tahrir no Egito contra a ditadura de Mubarak, os da Praça Taksim na Turquia, as centenas de milhares que inundaram as cidades do Brasil a juventude vem atuando como “caixa de ressonância” das contradições sociais e, em muitos casos, antecipou conflitos de classe. Os trabalhadores têm um protagonismo cada vez maior nas lutas, como vemos nas paralisações e greves gerais na Grécia e Portugal, na resistência contra as demissões na França e nos conflitos nas grandes multinacionais na China, o surto de ódio operário diante do massacre de centenas de trabalhadores têxteis (em sua maioria mulheres) em Bangladesh, produto da negligência patronal, a greve geral na Índia que envolveu mais de 100 milhões de trabalhadores, as grandes greves mineiras na África do Sul e a ruptura de setores do movimento operário com o Congresso Nacional Africano (CNA) e a direção do Cosatu [1].
Apesar de a crise ainda não haver golpeado em cheio a América Latina a região (particularmente a América do Sul) se transformou em cenário de grandes mobilizações, principalmente de jovens e estudantes, como mostram Brasil e Chile, enquanto no movimento operário estamos assistindo ás primeiras etapas do desenvolvimento de fenômenos sindicais e políticos com distintos ritmos e alcances em diversos países, no marco de um esgotamento progressivo dos governos “pós-neoliberais” como o de Evo Morales (Bolívia) ou de Cristina Fernández de Kirchner (Argentina).
A entrada em cena do movimento operário, como parte de novos fenômenos políticos e da luta de classes, no marco da crise histórica do capitalismo mundial marca, após décadas de retrocesso, o início de um processo de recomposição subjetiva do movimento operário. Isto coloca em um novo nível a crise de direção que aflige o proletariado e, ao mesmo tempo, abre enormes possibilidades para avançar na construção de partidos de trabalhadores revolucionários e pela construção de uma internacional revolucionária, para nós, a refundação da IV internacional. O presente manifesto está posto inteiramente a serviço desta perspectiva.
Uma crise histórica do capitalismo
Esta nova “primavera dos povos”, diferente da antecessora de 1848, não é consequência das dores do parto do capitalismo, mas fruto de sua decadência. Apesar da ofensiva neoliberal das últimas três décadas e da restauração capitalista nos estados operários, o capitalismo não pode encontrar o caminho para um novo ciclo de crescimento prolongado. As contradições entre a maior socialização da produção e a apropriação cada vez mais concentrada da riqueza social produzida, e entre a internacionalização das forças produtivas e as fronteiras nacionais voltaram a explodir levando o sistema a uma crise de magnitude histórica.
O capitalismo em sua decadência não ameaça apenas a continuidade da vida no planeta com seu crescente militarismo, o saque sistemático, a utilização anárquica dos recursos naturais e a contaminação ambiental, mas também submete milhões de trabalhadores a condições de exploração e precariedade insuportáveis, arrastando ao desemprego e ã miséria grande parte daqueles que só dispõem de sua força de trabalho para ganhar a vida.
A política dos governos, tanto “neokeynesianos” como “ajustadores”, é fazer com que a crise seja paga pelos trabalhadores, pelos jovens e classes médias empobrecidas, enquanto os bancos e as grandes empresas receberam bilhões de dólares para se salvarem, e continuam realizando lucrativos negócios. As patronais mais concentradas estão aproveitando a crise para aumentar a taxa de exploração e a produtividade, beneficiando-se da geração de um enorme exército industrial de reserva.
Com os resgates estatais dos grandes bancos e corporações, e a injeção de dinheiro no sistema financeiro, os governos capitalistas e os bancos centrais puderam afastar a perspectiva de um “crack” após a queda do banco Lehman Brothers. Contudo, estes mecanismos não levaram a uma recuperação econômica, mas ã recessão ou baixo crescimento nos países centrais e desaceleração nos “emergentes”, o que por sua vez convive com a criação de novas bombas-relógio: as enormes dívidas estatais que de maneira recorrente parecem levar a economia ã borda do precipício.
Nem China nem qualquer país dos chamados “emergentes”, com uma estrutura econômica dependente do capital internacional, podem atuar como motor capaz de tirar o capitalismo de sua crise, quando esta tem seu epicentro no coração do sistema imperialista.
Apesar das desigualdades, a crise tem um alcance verdadeiramente mundial. A desaceleração do crescimento na China não só pode afetar países que dependem de sua demanda de matéria prima, como grande parte da América Latina, mas também pode fazer explodir as profundas contradições sociais que geradas nas décadas de restauração capitalista, e levar ao centro da cena o proletariado mais concentrado do mundo.
Ainda não há nenhuma potência tradicional ou “emergente” em condições de disputar a hegemonia mundial com os Estados Unidos. Tampouco a crise levou a guerras comerciais de envergadura ou a que os governos adotem políticas abertamente protecionistas. Mas isso não quer dizer que não haja rivalidades e competição.
Nós, marxistas revolucionários, estamos em oposição aos que consideram que as disputas interimperialistas (que no século XX levaram a duas guerras mundiais) são algo do passado e que as burguesias sempre encontrarão saídas negociadas para a crise. Ou que pacificamente a China possa transformar-se num país imperialista e substituir os Estados Unidos sem que este tente manter seus privilégios de grande potência ou, pelo contrário, ser colonizada pelos países imperialistas dominantes sem oferecer nenhuma resistência.
Se o que caracteriza a época imperialista é o conflito entre diversas potências, as condições criadas pela crise capitalista, longe de favorecer as soluções harmônicas, exacerbam as tendências ás tensões interestatais e ao militarismo.
Os Estados Unidos, a principal potência imperialista, continuam sua decadência hegemônica, acentuada pelas derrotas de seus objetivos estratégicos no Iraque e no Afeganistão, no marco da emergência de potências regionais – como a Rússia e a China – que perseguem seus próprios objetivos. Esta perda de liderança se viu quando o governo de Obama teve que concordar em retroceder de lançar um ataque militar unilateral na Síria e aceitar a solução diplomática proposta pela Rússia.
Porém, apesar de sua decadência, os Estados Unidos tentarão por todos os meios reafirmar seu status como potência dominante, tirando vantagens das fortalezas que ainda conservam – como sua superioridade militar e a senhoragem [2] sobre o dólar – aproveitando as dificuldades maiores que seus competidores enfrentam, sobretudo, a Alemanha que deve lidar com a crise da UE. Isso supõe políticas imperialistas mais agressivas – como se vê na tentativa dos Estados Unidos de recuperar terreno na América Latina ou em seu giro diplomático e militar em direção ã região da Ásia-Pacífico para conter o ascenso da China –, que podem derivar em conflitos regionais e, eventualmente, levar a guerras entre potências no caso de que a crise econômica dê um novo salto.
Movimento operário e direção revolucionária
O retorno do movimento operário ã cena e a continuidade da crise mundial apresentam a perspectiva de maiores enfrentamentos entre as classes. Entretanto, apesar da disposição de luta que os trabalhadores estão demonstrando em todo o mundo, estes têm ã frente de suas organizações burocracias sindicais cuja função é conter o ódio operário e popular contra os capitalistas e seus governos. Para isso se limitam a convocar mobilizações e ações isoladas, e as paralisações gerais que encontram grande eco entre os trabalhadores não têm continuidade, evitando assim a perspectiva de verdadeiras greves gerais capazes de frear os planos da burguesia, ao mesmo tempo em que condenam ao isolamento as duras lutas da vanguarda operária. Desta maneira permitem que passem os ajustes, e preparam o caminho para a derrota.
A classe operária entra no combate carregando o peso das derrotas anteriores e de uma longa etapa de ofensiva burguesa e imperialista sob o programa neoliberal. A burguesia conta a seu favor com a fragmentação interna, sem precedentes, das bases operárias, como consequência da ofensiva neoliberal, da restauração capitalista nos ex-estados operários burocratizados e do desaparecimento da revolução socialista do horizonte dos explorados, produto da identificação dos regimes stalinistas com o socialismo.
Esta crise do movimento operário tem raízes profundas nos processos revolucionários e contrarrevolucionários do século XX, entre eles a burocratização da União Soviética e a imposição do stalinismo como “socialismo realmente existente”, e a preservação da social-democracia como direção reformista do movimento operário no ocidente após a II Guerra Mundial.
As direções reformistas do movimento operário impediram que os triunfos parciais – como os Estados operários deformados ou as conquistas do Estado de bem-estar social administradas pelos grandes sindicatos e partidos reformistas, e inclusive a derrota imperialista na guerra do Vietnam – fossem postos a serviço do objetivo estratégico da revolução proletária internacional, da qual as direções social-democratas, stalinistas ou nacionalistas burguesas no mundo semicolonial eram inimigas ferozes.
Durante a ofensiva neoliberal, a classe operária viu como suas organizações sindicais e políticas colaboraram com o ataque burguês. O capital aproveitou isto, porém ao mesmo tempo debilitou estrategicamente as mediações com as quais contava e as bases materiais do reformismo. O exemplo máximo foi a passagem da burocracia stalinista para o campo da restauração capitalista. A social-democracia deu um giro ao social-liberalismo e se transformou em agente direto da ofensiva burguesa, aplicando as contrarreformas neoliberais. Os partidos comunistas seguiram um curso similar, muitas vezes governando junto com a social-democracia.
O retrocesso nos níveis de consciência e organização é produto de uma crise prolongada de direção revolucionária. A experiência acumulada do movimento operário teve suas máximas expressões nos quatro primeiros congressos da III Internacional, antes de sua degeneração stalinista, e, depois, na IV Internacional fundada por Trotsky.
Entretanto, a IV Internacional, que representava a alternativa ao stalinismo e a continuidade do marxismo revolucionário, não se transformou, como previa Trotsky, em uma organização com peso de massas. Uma combinação de fatores, entre eles, o assassinato de Trotsky, o resultado contraditório da guerra que terminou dando mais prestígio ã burocracia stalinista pelo triunfo da URSS diante do nazismo, o bloqueio da dinâmica revolucionária em países centrais e o fortalecimento do reformismo sobre a base do desenvolvimento parcial das forças produtivas – partindo da destruição da guerra – fez com que o trotskismo ficasse marginalizado e enfrentando as pressões das tendências reformistas, stalinistas e terceiro-mundistas.
No período 1951-1953 o trotskismo se transformou num movimento centrista e, ao contrário de reatualizar as bases programáticas e estratégicas nas novas condições, acabou adaptando-se ás direções stalinistas, nacionalistas ou pequeno-burguesas, como Tito, Mao e Fidel Castro e até mesmo a Frente de Libertação Nacional argelina. Neste marco, onde o que primou foi a ruptura com a tradição revolucionária, o trotskismo teve batalhas parciais corretas e conquistas programáticas que permitiram manter certos fios de continuidade, ainda que estes tenham se debilitado até praticamente romper-se após a ofensiva neoliberal e a restauração capitalista.
Paradoxalmente, hoje em dia, quando condições objetivas estão se mostrando mais favoráveis e quando a classe operária começou a intervir mais claramente com seus próprios métodos de luta em distintas regiões do mundo, um setor importante da esquerda internacional aprofunda seu ceticismo na potencialidade revolucionária dos trabalhadores. Este ceticismo diante da perspectiva da revolução social fez com que grande parte das organizações que se reivindicam trotskistas decidissem construir partidos anticapitalistas amplos sem enraizamento na luta de classes nem delimitação estratégica, a adaptar-se ás direções nacionalistas burguesas e populistas – como o chavismo – ou variantes reformistas de esquerda (o Front de Gauche ou o Syriza [3]), substituindo a estratégia da revolução proletária pela de governos “antiajuste” ou antineoliberais”.
Após a burocratização dos ex-estados operários e a posterior derrubada do stalinismo, e diante da falta de alternativas operárias, nos últimos anos se desenvolveu uma variedade de tendências inspiradas no zapatismo mexicano, referenciadas no autonomismo e no anarquismo, que negam a necessidade de construir uma organização revolucionária e rechaçam a perspectiva da tomada do poder por parte do proletariado, Contudo, apesar de sua retórica, estas tendências se adaptaram majoritariamente ás variantes estatais populistas burguesas.
A crise capitalista nos dá a oportunidade de intervir de maneira audaz nos processos de luta de classes e nos fenômenos operários de reorganização sindical e política, para avançar na construção de fortes partidos revolucionários e internacionalistas e dar passos para construir uma internacional operária. Este Partido Mundial da Revolução Social, para nós, deveria ser a Quarta Internacional refundada sobre bases revolucionárias, com um programa de reivindicações transitórias que permita ao proletariado transformar-se numa força hegemônica, capaz de consolidar uma aliança com os pobres urbanos, os camponeses pobres e todos aqueles explorados e oprimidos para derrotar o poder burguês e encontrar uma saída verdadeiramente progressista ã crise capitalista. Caso contrário, serão as classes dominantes que, a sua maneira, com miséria, guerra e destruição encontrarão uma saída, como já o fizeram com as duas guerras mundiais do século passado.
Por um internacionalismo de combate e um Movimento por uma Internacional da Revolução Socialista (Quarta Internacional)
A necessidade do internacionalismo proletário surge do caráter mundial das forças produtivas, e da própria classe operária que deve colocar seus interesses comuns acima das fronteiras nacionais e das divisões que a burguesia impõe.
A experiência das revoluções sociais do século XX demonstrou, nos fatos, o que Marx já havia sinalizado no século XIX: que é impossível construir o socialismo em um só país. Para derrotar o imperialismo é preciso que os triunfos nacionais obtidos pelo proletariado sejam colocados em função da revolução mundial, com o objetivo de conquistar o “reino da liberdade”, isto é, uma sociedade comunista baseada na planificação racional, democrática e internacional da economia, que termine com a exploração do trabalho assalariado e toda opressão.
Os diferentes imperialismos, ademais de seus “estados-maiores” nacionais, contaram com suas instituições internacionais a serviço de manter a opressão dos povos e evitar a revolução. Historicamente, responderam com todos os meios a sua disposição – políticos, econômicos e militares – para derrotar as tentativas dos trabalhadores de expropriar os capitalistas e construir um novo Estado. Propor-se a conquista do poder em um país implica contar com a abertura de novas frentes de batalha nos outros países que permitam manter este poder e expandir a revolução. Por isso, o internacionalismo não é um princípio abstrato, mas uma questão estratégica.
A Fração Trotskista – Quarta Internacional surge no final dos anos 1980 – período de retrocesso do movimento operário e uma etapa marcada pela ofensiva do imperialismo e a restauração capitalista nos ex-estados operários – como um reagrupamento principista com o objetivo de defender a teoria, o programa e a estratégia revolucionária nos momentos em que a maioria das organizações que se reivindicavam do trotskismo os abandonava, buscando ao mesmo tempo aprofundar sua inserção no movimento operário e na vanguarda juvenil, e desenvolver uma prática internacionalista.
A etapa que começou a se abrir com a crise mundial capitalista e os novos fenômenos da luta de classes coloca com mais urgência que nunca a tarefa de erguer novamente a Quarta Internacional como organização de combate da vanguarda operária e juvenil. É evidente que nenhuma organização que se considere revolucionária, das atualmente existentes, pode resolver por si mesma esta tarefa de magnitude histórica. Contra toda autoproclamação sectária sustentamos que a construção de partidos operários revolucionários e a refundação da Quarta Internacional não serão resultado do desenvolvimento evolutivo de nossas organizações nem de nossa tendência internacional, mas resultado da fusão das alas de esquerda das organizações trotskistas com setores da vanguarda operária e juvenil que se orientem no sentido da revolução social, e que tenderão a surgir e generalizar-se ao calor da crise e da luta de classes.
Todavia, não se trata de esperar passivamente que se produzam estes acontecimentos, mas chegar a eles com a melhor preparação teórica, programática, estratégica e organizativa possível. Com esta perspectiva estamos propondo abrir uma discussão sobre a necessidade de impulsionar um Movimento por uma Internacional da Revolução Social como passo para avançar rumo ã refundação da IV Internacional sobre bases revolucionárias.
Chamamos especialmente os companheiros do Novo Partido Anticapitalista (NPA) da França, tanto os que integram conosco a “Plataforma Z” como aqueles que se agrupam na “Plataforma Y”, que veem necessário enfrentar a orientação da direção majoritária do NPA de estabelecer um bloco permanente com o reformista Front de Gauche de Mélenchon, e os companheiros do ex-Secretariado Unificado (SU) de outros países que enfrentam a orientação majoritária de generalizar este tipo de blocos com reformistas, como os que resistem à linha de subordinação ao Syriza na Grécia; ã ala esquerda dos trabalhadores mineiros de Huanuni [4], na Bolívia, com quem viemos dando uma luta contra as pressões do governo e seus aliados na burocracia da COB que pretendem fazer retroceder o processo de fundação de um Partido de Trabalhadores baseado efetivamente nos sindicatos e independente do governo, do Estado e dos partidos patronais; os companheiros do Partido Obrero da Argentina e a Coordinadora por la Refundación de la Cuarta Internacional (CRCI), com quem integramos na Argentina a Frente de Izquierda de los Trabajadores (FIT) [5] e temos coincidido em diversos fatos da luta de classes nacional e internacional; os grupos da esquerda trotskista grega que combatem a adaptação ao Syriza; e a todas aquelas organizações da esquerda revolucionária ou da vanguarda operária e juvenil que busquem o caminho ã revolução.
O reagrupamento revolucionário que hoje necessitamos não pode basear-se só apenas princípios gerais, devendo partir de acordos perante as grandes questões estratégicas que a crise capitalista já colocou em debate na esquerda mundial. Este manifesto não pretende ser um programa acabado, mas colocar em consideração os grandes núcleos estratégicos e programáticos que, junto com a prova da prática política e a luta de classes, do nosso ponto de vista delimitam no campo da esquerda uma estratégia verdadeiramente revolucionária. Sobre esta base chamamos ao debate e ã ação prática em comum na luta de classes.
A importância das consignas transitórias para enfrentar a crise capitalista
A crise capitalista torna mais vigente que nunca as consignas transitórias para evitar que as patronais e seus governos descarreguem os custos da crise sobre os trabalhadores. Diante do fechamento das empresas e dos planos de austeridade, que ameaçam decompor as fileiras da classe trabalhadora, a política das direções burocráticas e reformistas é aceitar as demissões e, no melhor dos casos, lutar para conseguir uma indenização maior. Foi o que vimos, por exemplo, na Continental e outras fábricas na França em 2009, quando os trabalhadores protagonizaram lutas com métodos radicais, mas com um programa mínimo. Lamentavelmente, nenhuma das organizações da extrema-esquerda francesa defende consequentemente uma perspectiva que vá além da legalidade burguesa ou que coloque em questão a propriedade privada e o lucro.
Os capitalistas usam quebras ou perdas econômicas como justificativa das demissões e fechamentos de empresas. Para enfrentar essa chantagem é necessário defender a abertura dos livros de contabilidade e a abolição do segredo comercial.
Contra a política de resignação diante dos fechamentos das fábricas, defendemos a expropriação sem indenização das empresas que fechem ou reduzam drasticamente seus postos de trabalho, com sua colocação em funcionamento sob controle operário. Nenhuma intervenção de funcionários do Estado burguês garantirá os interesses dos trabalhadores; somente o controle operário da produção, como escola de planificação econômica, pode preparar uma alternativa ã anarquia capitalista.
Os trabalhadores de Zanon, na Argentina, que durante a crise de 2001 tomaram a fábrica, a puseram para produzir e já estão há mais de 10 anos de gestão operária, são um exemplo para todos os trabalhadores que hoje enfrentam a crise, inspirando os trabalhadores da fábrica Vio.Me. [6] na Grécia. Zanon foi capaz de sobreviver sob a forma de uma cooperativa porque houve crescimento da economia argentina. Mas seu ponto forte foi sempre haver lutado por um programa para o conjunto da classe trabalhadora. Nós, os revolucionários, lutamos pela nacionalização de ramos da produção e dos serviços, sob controle operário e a planificação a serviço dos interesses dos trabalhadores e setores populares. Experiências como as de Zanon ou como a dos trabalhadores da Phillips Dreux na França (ainda que posteriormente tenha sido derrotada) e da Vio.Me. na Grécia, têm um enorme valor educativo porque mostram que os trabalhadores não necessitam dos capitalistas, e constituem posições desde onde impulsionar a luta contra a propriedade burguesa.
Essas demandas, junto com a divisão das horas de trabalho entre todos, sem redução de salários, mantêm toda a atualidade, sobretudo nos países mais afetados pela crise, como a Grécia ou outros países, como a França, onde as patronais, com o apoio dos governos, estão recorrendo a demissões e fechamentos para recuperar sua rentabilidade.
Os grandes bancos receberam bilhões de dólares por meio de resgates estatais que utilizam para continuar especulando e aumentando seus lucros. Diante disso, está colocada a necessidade da nacionalização dos bancos e sua unificação em um sistema estatal único de crédito e investimento, em função dos interesses dos trabalhadores e dos setores populares, preservando os depósitos de pequenos poupadores – os primeiros a serem confiscados diante da ameaça de crise bancária.
Além de defender as condições de vida dos trabalhadores, este programa serve para que o proletariado ganhe aliados entre a classe média arruinada e saqueada pelo capital, e as camadas mais prejudicadas dos pobres urbanos. Para levar este programa adiante a classe trabalhadora deve tomar medidas de autodefesa, incluindo a perspectiva de organização de milícias dos trabalhadores para responder aos ataques dos capitalistas, tanto de suas forças repressivas quanto de grupos paramilitares, como as tropas de choque da extrema direita europeia.
Ainda que a liquidação da propriedade burguesa dos meios de produção só seja possível no âmbito de um ascenso generalizado dos trabalhadores, a demanda de expropriação sem indenização das indústrias sob controle operário tem um caráter transitório pelo fato de estar indissociavelmente ligada e levar ã perspectiva de poder operário, prepara a classe trabalhadora para resolver esta tarefa.
O papel das consignas democráticas na luta pela hegemonia e poder dos trabalhadores
Aos olhos de milhões de trabalhadores e jovens está se tornando cada vez mais claro que por trás das formas parlamentares o que prima é o caráter despótico do domínio do capital. Isto é visto na tendência a reforçar o poder executivo. Na União Europeia estão ganhando cada vez mais peso as instituições burguesas não eleitas, como a burocracia de Bruxelas [7], com forte influência da Alemanha ou do Banco Central Europeu. Essas instituições liquidam os aspectos de “soberania nacional” dos Estados endividados, impondo programas de ajustes econômicos e auditando seus orçamentos, como fez o FMI na América Latina na década de 1990, e tomando decisões que condenam milhões de pessoas a sofrer anos de miséria. Por sua vez, esses planos da “troika” [8] aplicam-se com o apoio dos governos nacionais.
A crise dos partidos tradicionais e as tendências “antipolítica” são parte de um processo mais geral de desgaste dos regimes democrático-burgueses, que ficaram desacreditados ao terem exposta sua subserviência aos capitalistas.
Uma das expressões mais claras desse descontentamento é a crise do regime de transição no Estado Espanhol, que inclui as tendências centrífugas que ameaçam a própria continuidade da dominação da burguesia espanhola. Outro exemplo é a Itália, terceira maior economia da zona do euro, que vem acumulando uma profunda crise política que está longe de ser encerrada com a formação do governo de unidade nacional entre a centro-esquerda e a centro-direita de Enrico Letta.
A degradação da democracia burguesa durante a crise também se expressou nas tendências bonapartistas embrionárias, impulsionadas pela direção da UE, que levaram ã criação de “governos técnicos” ou de “unidade nacional” (como o de Papademos, na Grécia, ou o de Mario Monti e, posteriormente, o governo Letta na Itália) para tentar aplicar os planos de ajuste e as chamadas “reformas estruturais” a serviço do capital.
Na América Latina vemos o caso do Chile, no qual o anacrônico regime herdeiro da transição pinochetista vem se enfrentando ã mobilização juvenil que atualmente se combina com a entrada em cena do movimento operário. No Brasil, governado pelo PT de Lula e Dilma Roussef, manifestações de massas colocaram sobre a mesa o desgaste de um regime político que se divorciou das necessidades da população.
Durante os últimos 30 anos, a extensão geográfica da democracia burguesa para grande parte do mundo semicolonial e a ampliação dos direitos políticos formais para os “cidadãos”, especialmente nos países centrais (em oposição ã perseguição recorrente e a xenofobia contra os imigrantes), foi a cobertura para a ofensiva do capital que representou um ataque aos direitos dos trabalhadores e ás condições de vida das massas.
A alternância no poder dos partidos tradicionais inclui apenas variações mínimas do mesmo programa de ajuste e de redução dos direitos sociais como vimos, nas últimas décadas, a partir do giro neoliberal de todos os partidos social-democratas e nacionalistas-burgueses, e como vemos novamente agora diante da crise.
Os “representantes do povo” são cada vez mais vistos como o que são, ou seja, uma imensa casta de políticos burgueses e funcionários que junto com suas altas remunerações utilizam suas posições para garantir negócios pessoais, enquanto exigem das massas, sempre e cada vez mais, medidas de “austeridade” para “o bem da nação”.
Isso vem acompanhado do aprofundamento de traços bonapartistas. Junto com o maior destaque ao poder individual expresso no executivo, se desenvolvem níveis sem precedentes de mecanismos de controle social. Atropelar direitos individuais apelando ao atraente discurso de “segurança” tornou-se o argumento por excelência para a criminalização da pobreza, para perseguir os imigrantes e financiar enormes aparatos de inteligência interna para monitorar a população. As revelações feitas por Edward Snowden destacaram não só a extensão global dos mecanismos de controle e inteligência, mas também seu caráter vital para a dominação capitalista, que Obama deixou claro ao ensaiar uma defesa da espionagem massiva.
Neste contexto, não é por acaso que a casta de políticos burgueses e funcionários que impõem os ajustes estruturais recebe o repúdio das massas e tornou-se um símbolo, no plano do regime, do aumento da desigualdade social.
Esta crítica foi assumida por movimentos como os “indignados” do Estado Espanhol, o Occupy nos EUA e o “Yo soy 132” no México, ainda que com ilusões “autonomistas” (herdadas das ideologias neozapatistas, de teóricos como Toni Negri, altermundistas etc., que marcaram os movimentos juvenis no final dos anos 1990 e início do século XXI), mas sem atacar o caráter de classe dos regimes e da casta governante.
No entanto, o questionamento destas “democracias para ricos” conviveu, e ainda convive, com a ideia de que a democracia burguesa é a única democracia possível, uma visão reforçada pela expansão da democracia a novos países e pela burocratização dos ex-Estados operários.
Diante desta crise, as variantes populistas de direita apelam ao sentimento “antipolítico” para canalizá-lo e mantê-lo dentro dos limites do estado capitalista, enquanto as tendências autonomistas levam ã impotência ao se recusar a lutar pela conquista do poder político.
Setores importantes da esquerda que se reivindica revolucionária têm cedido ás ilusões democráticas. Antes de dissolver-se no NPA, a Liga Comunista Revolucionária (LCR) francesa havia retirado de seu programa a ditadura do proletariado, e sua direção majoritária havia adotado como estratégia a luta pela “democracia até o final”.
Por sua vez, a LIT-CI e a UIT-CI tomaram para si a teoria-programa da “revolução democrática”, dissociando as demandas democráticas da perspectiva da luta pelo poder operário. Ao contrario dessa separação, a luta pelas demandas que questionam o regime burguês está ligada indissoluvelmente à luta pelas demandas democráticas estruturais. Não pode haver uma democracia mais generosa que não esteja ligada nos países semicoloniais a tarefas como a revolução agrária e a independência nacional perante o imperialismo e, mais em geral, a um programa que não se detém diante das prerrogativas da propriedade privada capitalista.
Nós revolucionários marxistas, partimos das consignas democrático-radicais e democráticas transicionais legadas pela Comuna de Paris de 1871, entre elas: todos os funcionários e cargos eletivos devem ganhar o mesmo que um trabalhador médio; revogabilidade imediata de mandatos para todos os cargos eletivos; eliminação da instituição bonapartista presidência da república, assim como do oligárquico Senado, e a formação de uma Câmara Única que fusione os poderes executivo e legislativo e que seja eleita pelo sufrágio verdadeiramente universal onde votem todos os residentes maiores de 15 anos sem distinção de sua nacionalidade de origem; eleição de todos os juízes pelo sufrágio universal e a instauração de julgamentos por jurados; separação da igreja do Estado.
Na Argentina, o PTS agitou parte deste programa não somente nas campanhas eleitorais, mas também quando ocupou a bancada parlamentar da cidade de Neuquén como parte da FIT levantando que os deputados ganhem o mesmo que uma professora, ligando esta consigna ás lutas dos trabalhadores para fortalecê-las em seu enfrentamento com o regime.
Este conjunto de medidas está orientado a acelerar a experiência das massas com suas ilusões democráticas e facilitar o caminho ao poder operário. O caráter transitório destas consignas surge do fato de que sua realização efetiva levaria ao enfrentamento com o regime e o estado capitalista. Todavia, a hegemonia burguesa está ancorada na coerção, em uma série de destacamentos armados e aparatos de repressão que constituem seu apoio fundamental. Por isso, nós revolucionários, levantamos estas consignas democráticas transicionais na perspectiva da luta para destruir o estado burguês, seu exército permanente e seus batalhões de polícia para substitui-los por um Estado operário baseado em organismos de democracia direta e milícias operárias e populares.
Contra a União Europeia do capital
Pelos Estados Unidos Socialistas da Europa
Desde o início do projeto da UE nós, marxistas, apontamos o caráter profundamente reacionário deste bloco imperialista e antioperário, construído em função dos interesses das principais potências – Alemanha e França. A UE incorporou os países da Europa do Leste, transformando-os em semicolônias e reservatórios de mão de obra barata e qualificada, em proveito principalmente do capitalismo alemão, o que contribuiu para baixar os custos trabalhistas em toda a Europa, atacando conquistas dos trabalhadores nos países imperialistas, como mostra a flexibilidade trabalhista imposta na Alemanha.
Contra aqueles que sustentavam que a unidade era progressista e que a adoção do euro era o primeiro passo para uma unificação estatal maior, afirmávamos que esta chocava com o limite intransponível dos interesses das burguesias imperialistas europeias, o que tornava impossível a transformação deste bloco em um Estado supranacional. A crise colocou em relevo com toda clareza esse limite objetivo na construção da UE, que se expressa nas tendências centrífugas entre um núcleo forte em torno da Alemanha e as economias do Norte, e outro núcleo débil dos países do Mediterrâneo e do Sul. Até o momento, a grande burguesia europeia tem o projeto de manter a UE, em particular a alemã, já que a UE lhe garante grandes lucros para suas corporações e continua sendo o principal destino de suas exportações. Todavia, dificilmente a UE permanecerá tal como existiu até agora. Já está em curso uma disputa para redefinir o status de seus membros, na qual a Alemanha pretende reafirmar seu papel imperialista dominante, impondo suas condições e avançando na semicolonização dos países periféricos como a Grécia e Portugal.
Diante deste panorama surgiram duas posições igualmente burguesas e reacionárias. Por um lado estão aqueles que, partindo de rechaçar os planos de austeridade, buscam a possibilidade de reformar ou democratizar a UE. A maioria da esquerda europeia é defensora desta política, que expressa uma adaptação aos marcos de uma Europa do capital. Este é, por exemplo, o programa da direção do Syriza que transformou a defesa da UE e do euro em sua principal bandeira, e gerou ilusões de que era possível negociar os planos de ajuste com a “troika”.
Por outro, a ofensiva imperialista alemã resultou no surgimento ou fortalecimento de tendências soberanistas ou nacionalistas de extrema-direita que propõem como solução para a crise o abandono do euro e a volta ás moedas nacionais, fazendo demagogia com a defesa do “estado nacional” ligada a suas políticas xenófobas, racistas e anti-imigrantes. Alguns setores minoritários da esquerda, como o partido comunista grego, sustentam politicas similares, gerando ilusões de que pode haver uma alternativa de “capitalismo nacional” favorável aos trabalhadores.
Contra a utopia de democratizar a UE, proposta por setores progressistas, ignorando o caráter imperialista e reacionário desta “união”, e contra a demagogia da extrema-direita que agita ódios nacionais com o objetivo de dividir a classe trabalhadora não apenas nos diversos países da EU, mas também dividindo-a entre trabalhadores nativos e imigrantes para ligá-la a um setor das burguesias nacionais, os trabalhadores devem levantar um programa claro, independente de todas as variantes patronais, para que a crise seja paga pelos capitalistas.
Diante da crise da Europa do capital e dos governos ajustadores, para superar a fragmentação das fileiras dos trabalhadores, combater a xenofobia e as políticas anti-imigrantes dos governos europeus, ganhar os setores médios pauperizados e arruinados pela crise que, caso contrário, poderiam transformar-se na base social da demagogia da extrema-direita e eventualmente do fascismo, é necessário colocar a luta contra os distintos governos ajustadores e contra a “troika” e as instituições imperialistas da UE na perspectiva estratégica dos Estados Unidos Socialistas da Europa. Esta é a única alternativa progressista para os trabalhadores.
A “Primavera árabe”, a luta do povo palestino e a revolução permanente
Com a “Primavera árabe” o Norte da África se transformou no ponto mais agudo da luta de classes, abrangendo desde processos revolucionários profundos, como no Egito e na Tunísia, até intervenções imperialistas, como na Líbia, e guerras civis, como na Síria. Pela importância que tem a região para os interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos, do Estado de Israel e de outras potências imperialistas, e por suas causas democráticas e sociais comuns, além das desigualdades, estes processos concentraram uma série de debates programáticos e estratégicos na esquerda mundial.
A luta contra a ditadura de Kadafi e a intervenção imperialista colocou uma discussão muito importante entre a esquerda internacional, com aqueles (como a Liga Internacional de Trabalhadores, LIT-CI, e os companheiros da Izquierda Socialista, na Argentina) que, em nome da “revolução democrática”, terminaram não só adotando uma estratégia de colaboração de classes, mas também endossando a intervenção imperialista da Otan na Líbia, acobertada como “intervenção humanitária”.
Longe de serem “revoluções democráticas”, as “transições controladas”, emolduradas na necessidade imperialista de manter o status quo regional e a voraz espoliação dos países da região, essas “transições” negam a satisfação efetiva das profundas demandas dos explorados.
As burguesias árabes mostram uma vez mais sua histórica incapacidade de encarar consequentemente as tarefas da libertação social e nacional, já refletida no fracasso dos projetos do nasserismo, do baathismo, da Frente de Libertação Nacional argelina etc.
Em alguns países, como Egito e Tunísia, a classe trabalhadora teve um papel importante na queda dos regimes ditatoriais. No caso do Egito, setores avançados, como os trabalhadores da grande fábrica têxtil de Al Mahalla, vinham sendo vanguarda na luta contra Mubarak e, depois, contra as direções de empresas ligadas aos militares, e contra as leis antigreve. Também enfrentaram as políticas neoliberais do governo islamita moderado, encabeçado pela Irmandade Muçulmana, levando ás históricas mobilizações de milhões que inundaram o Egito em julho de 2013. Porém, para evitar o desenvolvimento revolucionário dos acontecimentos, o exército deu um golpe “preventivo” erigindo um novo governo bonapartista, antioperário e pró-imperialista, com as figuras da oposição burguesa. Inclusive terminaram cooptando como ministro do trabalho o principal dirigente da Federação de Sindicatos Independentes que havia se formado logo após a queda de Mubarak.
O golpe no Egito, que contou com o apoio da burguesia liberal e de setores que se apresentaram como progressistas, como o movimento Tamarod, mostra o fracasso das políticas de “revolução democrática” e colaboração de classes que pretendem desligar as demandas democrático-formais das demandas estruturais e da luta pelo poder dos trabalhadores. As organizações islamitas moderadas que ascenderam ao poder – como o partido Ennhada na Tunísia e o deposto Partido Justiça e Liberdade no Egito – são forças burguesas que pregam uma mescla de rigor religioso, populismo clientelista e neoliberalismo econômico. Nós, revolucionários, combatemos estas correntes políticas partindo de uma orientação de classe e anti-imperialista, e não construindo frentes com setores da burguesia liberal e laica ou com seu entorno político.
A dinâmica do processo revolucionário egípcio demonstra que não há revolução democrática que não resulte em respostas definitivas ás demandas ligadas ás condições de vida das massas, e estas não podem efetivar-se sem terminar com a opressão imperialista. Esta é a primeira questão democrática estrutural que deve ser resolvida pela revolução, e somente poderá ser levada até o fim pela classe trabalhadora.
Por isso, assumimos as demandas democráticas formais que foram uma das causas dos processos da “Primavera árabe”, em primeiro lugar a luta contra os regimes ditatoriais pró-imperialistas, assim como a luta por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, na medida em que contribuem para o desenvolvimento da experiência das massas com suas ilusões na democracia burguesa e facilitam o surgimento de organismos de autodeterminação. Assim fazemos, no marco de um programa transicional que ligue as reivindicações mais sentidas e imediatas das massas com as demandas democráticas estruturais como a libertação do jugo imperialista, para colocá-las na perspectiva de conquistar um governo operário, camponês e do povo pobre.
Nos casos de guerra civil aberta, como na Líbia, é insustentável separar a luta militar contra as ditaduras da luta contra o imperialismo, deixando em segundo plano qual classe hegemoniza o processo e qual é seu conteúdo social. A subordinação do político ao militar leva a confundir o êxito da intervenção da Otan na queda de Kadafi com um “triunfo” do movimento de massas, justamente quando a política dos Estados Unidos e outras potências é montar-se nos movimentos antiditatoriais para os limitar no máximo a uma mudança de governo para conquistar novos aliados-clientes, e evitar desta maneira que os processos adquiram uma dinâmica “permanentista”, isto é, que se elevem à luta contra o estado burguês e o imperialismo. Na Síria repetem a mesma política aqueles que se alinham acriticamente no “bando rebelde”, sem nenhuma delimitação, nem estratégia independente, das direções pró-imperialistas sustentadas pelos aliados dos Estados Unidos. Nos países centrais esta política levou a não lutar abertamente contra a intervenção, endossando a propaganda humanitária do imperialismo.
Mais em geral, no caso da agressão ou ocupação imperialista de um país semicolonial, como ocorreu no Iraque ou no Afeganistão, nós, revolucionários, nos pronunciamos pela derrota dos agressores e nos colocamos do lado militar da nação oprimida, sem que isto implique subordinação política a sua direção eventual. Lutamos para que nos países imperialistas a classe trabalhadora e a juventude se oponham ativamente ás aventuras bélicas de suas burguesias, já que todo avanço externo do imperialismo se traduz, internamente, no reforço da capacidade de ataque ao proletariado e as classes populares.
Denunciamos também as correntes chavistas e populistas que defenderam Kadafi e hoje defendem a ditadura de Assad na Síria apresentando-os como regimes “anti-imperialistas” progressistas. Na Líbia, apoiamos o levante armado contra a ditadura de Kadafi, um regime despótico e pró-imperialista que lançou uma guerra civil para esmagar a rebelião popular e conservar o controle do aparato estatal e as enormes regalias obtidas da apropriação da renda do petróleo, mas por sua vez denunciamos a intervenção da Otan e a política pró-imperialista da direção do Conselho Nacional de Transição (CNT), assim como o caráter reacionário das diversas organizações islamitas. Na Síria, estamos pela queda revolucionária do regime de Assad e contra toda ingerência do imperialismo e de seus aliados regionais; isso implica não dar nenhum apoio político ás direções pró-imperialista do bando “rebelde”, como o Exército Livre Sírio.
Estes processos demonstram que mais do que nunca se trata de combater para emergir o proletariado como sujeito social e político, capaz de dirigir a massa dos oprimidos e explorados que lutam contra as ditaduras até o objetivo da tomada do poder político.
A luta do povo palestino contra a opressão do estado sionista é parte indissolúvel dos processos no mundo árabe. Nós, revolucionários, defendemos o direito ã autodeterminação nacional do povo palestino, negada pelo imperialismo e pelo estado sionista. O estado de Israel trata como cidadãos de segunda a minoria árabe israelense e se opõe furiosamente ao direito de retorno dos refugiados palestinos porque isto questiona objetivamente o caráter exclusivamente judeu – e racista – do estado sionista. Por isso, defendemos o direito ao retorno de todos os refugiados palestinos, expulsos de suas terras pela colonização sionista e a continuidade dessa situação sob a ocupação militar e a extensão dos assentamentos de colonos. Contra a falsa solução de dois estados, e a estratégia reacionária das direções islà¢micas que buscam estabelecer um Estado teocrático, lutamos pelo desmantelamento do Estado de Israel como enclave pró-imperialista e colonial e por um Estado único palestino em todo o território histórico, uma Palestina operária e socialista onde possam conviver em paz árabes e judeus.
A revolução árabe só pode triunfar como revolução permanente, isto é, mediante a tomada do poder pelos trabalhadores apoiando-se nas massas pobres e por meio de seus organismos de luta, pois só esse poder (isto é, a ditadura do proletariado apoiada na aliança com as massas oprimidas do campo e da cidade) pode garantir e levar até o final as tarefas democráticas estruturais da revolução, em primeiro lugar a libertação do imperialismo e a luta contra seu agente regional, o Estado colonialista de Israel, com o objetivo de estabelecer uma Federação de Repúblicas Socialistas em toda região.
A luta contra o imperialismo e pela independência política da classe trabalhadora na América Latina
Entre o final da década de 1990 e os primeiros anos do século XXI, a América Latina viveu um ascenso de massas protagonizado, fundamentalmente, pelos aliados do proletariado – os pobres da cidade e do campo e setores mais explorados da classe trabalhadora, como os desempregados na Argentina. Produto destas mobilizações e levantes caíram os governos neoliberais que aderiam ao chamado “Consenso de Washington”, e assumiram governos autodenominados “progressistas” de corte populista ou nacionalista.
Estes governos se beneficiaram de uma década de crescimento econômico excepcional, durante a qual utilizaram uma parte da renda (agrária na Argentina, mineira na Bolívia e petroleira na Venezuela) para desenvolver setores burgueses ligados ao mercado interno via subsídios, tarifas baixas, desvalorizações etc., porém não fizeram nenhuma transformação estrutural e as patronais continuaram acumulando lucros fabulosos. Além disso, apesar de seu discurso, utilizaram o Estado para seu próprio benefício e para tentar criar uma burguesia “amiga”, como se vê nos escândalos que surgem de corrupção e enriquecimento dos funcionários desses governos.
Agora, quando se sente a desaceleração como efeito da crise mundial, começam a mostrar seu caráter antioperário: Cristina Kirchner, na Argentina, enfrenta as reivindicações salariais diante da inflação e mantém impostos sobre os salários; Maduro fez uma megadesvalorização na Venezuela e negocia com as patronais golpistas; Evo Morales, na Bolívia, lançou uma ofensiva contra os trabalhadores para defender o sistema de previdência neoliberal. No Brasil, o governo do PT reagiu com a repressão à queles que saíram ás ruas contra o aumento do transporte, a corrupção e as enormes desigualdades que caracterizam o país, e o resultado foi que centenas de milhares se somaram ás mobilizações mais massivas dos últimos tempos.
O processo inicial de esgotamento do ciclo destes governos “pós-neoliberais” vem do retorno ã cena do movimento de trabalhadores, dando lugar a fenômenos de luta e reorganização sindical e políticos. Na Argentina, em novembro de 2012, o país parou com a primeira paralisação geral, em dez anos, contra o governo kirchnerista. O chamado ã paralisação, por parte da CGT, central que havia sido ponto de apoio fundamental do kirchnerismo, e a ala opositora da CTA foi aproveitado pelos trabalhadores para expressar seu descontentamento, e os setores antiburocráticos e da esquerda classista, dos quais participa ativamente nossa corrente, protagonizaram as principais ações da jornada. A divisão do peronismo, ao lado do início de um processo de ruptura de setores da classe trabalhadora com o governo e a estendida raiva contra a burocracia, apresenta uma grande oportunidade para dar passos na construção de um partido de trabalhadores revolucionários na Argentina.
Na Bolívia, se desenvolveu em maio de 2013 a grande luta, iniciada pelo emblemático proletariado mineiro, contra a lei de previdência do governo de Evo Morales, durante duas semanas. Este marco na luta da classe trabalhadora boliviana coincide, por sua vez, com o processo de fundação do Partido de Trabalhadores, impulsionado fundamentalmente pelos trabalhadores mineiros de Huanuni. O projeto de fundar um PT enfrenta obstáculos. Um setor da burocracia ligada ao governo de Evo boicota diretamente o surgimento de uma organização política dos trabalhadores, enquanto outra ala da burocracia da COB busca contê-lo nos marcos do regime, evitando que esteja ligado aos processos da luta de classes e submetido ã democracia operária e ã base dos sindicatos.
No Brasil, em julho de 2013, depois das históricas mobilizações da juventude que comoveram o país, se desenvolveu uma jornada de luta nacional, convocada pela CUT e outras organizações sindicais, que se bem não teve o alcance de uma greve geral foi a primeira ação desta natureza, em décadas. A direção da CUT buscou por todos os meios conter esta jornada de protestos. Contudo, no marco da greve se produziram importantes ações do ativismo operário, como os bloqueios da General Motors.
No Chile, onde há anos a juventude vem se mobilizando pelo direito ã educação gratuita, realizou-se em 11 de julho de 2013 a paralisação nacional durante a qual ocorreram as maiores mobilizações operária desde a queda da ditadura de Pinochet, apesar da política da CUT que impediu que os trabalhadores privados se somassem ã paralisação. Avançou a unidade operário-estudantil na rua e se expressou uma vanguarda ã esquerda da burocracia da CUT e do PC que foi a protagonista das barricadas no dia da paralisação.
No Uruguai, também a histórica greve de 32 dias protagonizada pelos professores durante a primeira metade de 2013, é parte de uma mudança de clima no movimento operário, com um crescente descontentamento com a Frente Ampla.
Durante a década passada, ocorreu um avanço importante na recomposição objetiva das forças da classe trabalhadora (se bem que em condições de fragmentação entre setores efetivos e precários, submetidos ã extrema exploração). Isto foi acompanhado em muitos casos, como na Argentina, por uma recomposição sindical de setores de vanguarda do movimento operário.
Diante das constantes políticas dos governos “progressistas” para manter a subordinação dos sindicatos, é fundamental o combate no movimento operário pela independência completa e incondicional de suas organizações de luta perante o Estado capitalista, ao qual está indissoluvelmente ligada a luta pela democracia sindical e o combate para expulsar a burocracia sindical e para que os sindicatos tomem em suas mãos as reivindicações do conjunto da classe trabalhadora.
Defendemos que é fundamental lutar pela plena independência política dos trabalhadores perante os governos da região, o Estado e os partidos da burguesia.
O chavismo (agora em crise após a morte de Chávez) foi a variante mais de “esquerda” dos populismos latino-americanos. Este regime teve traços do que Trotsky definiu como bonapartismo sui generis de esquerda, isto é, elementos de regimes nacionalistas que se baseiam nas Forças Armadas e se situam como árbitros entra as massas operárias e populares e a débil burguesia nacional e o imperialismo, dos quais o cardenismo no México e o peronismo na Argentina são os exemplos mais notáveis. No entanto, comparado historicamente, o chavismo teve um alcance muito mais limitado, o que se expressou em que não produziu nenhuma mudança estrutural no caráter dependente e rentista [9] do país.
Chávez fez concessões aos setores mais pobres da população assentando uma relativa redistribuição da renda petroleira, aproveitando-se da elevação do preço do petróleo. No plano externo, teve uma política relativamente independente dos ditados de Washington, como se expressou nos casos da oposição ã Alca, criação da Alba, entrega do petróleo para Cuba, relação estreita com o Irã, alinhamento com China e Rússia etc. Por outro lado, teve uma política regional nos últimos anos que foi funcional aos interesses do imperialismo norte-americano na região, ao colaborar estreitamente com o governo pró-imperialista do presidente Santos na Colômbia, primeiro pedindo a rendição das guerrilhas e em seguida com serviços de inteligência comum que implicaram na captura e entrega de militantes das guerrilhas, assim como teve um papel chave na legitimação e estabilização do regime surgido em Honduras após o golpe patrocinado pelos Estados Unidos, confirmando sua entrada no Mercosul e passando para segundo plano a política da Alba.
O empresariado venezuelano, com o aval dos Estados Unidos, procurou derrubá-lo mediante um golpe de estado falido, em 2002, além de sabotar a indústria petroleira com o locaute de 2003 na PDVSA. Nossa corrente se opôs ativamente ao golpe e participou das ações operárias e populares para derrotá-lo.
Porém, apesar de suas contradições com as patronais tradicionais e com os Estados Unidos, o chavismo não mudou, no essencial, a estrutura do país. Ainda que com sua forte retórica “revolucionária”, o projeto de Chávez não deixou de ser um débil nacionalismo-burguês que pretendia conseguir melhores condições de captação da renda petroleira com o suposto objetivo de “diversificar a economia nacional”, “industrializar” o país em acordo com capitalistas nacionais e também capitalistas imperialistas associados, como se expressou nas grandes empresas mistas petroleiras e de exploração do gás, outorgando um papel considerável ao Estado nesta articulação por sua qualidade de ser não apenas o aparato de dominação política da sociedade, mas também o dono da renda petrolífera. Estas pretensões declaradas não passaram de planos e discursos, com um país submetido ao rentismo e ã enorme dependência das importações (e ao alto endividamento estatal). A década e meia que Chávez se manteve no poder mostrou os limites do nacionalismo-burguês e sua incapacidade para conquistar uma verdadeira independência nacional com respeito ao imperialismo. As nacionalizações que Chávez fez – e também Evo Morales na Bolívia – impli-caram numa relativa reversão das privatizações dos anos 1990. Entretanto, estas empresas foram recompradas dos grandes grupos econômicos, como Techint, no caso da Sidor, a preço de mercado ou pagando elevadas indenizações. Ao mesmo tempo, foram mantidos os negócios dos grandes capitalistas e surgiu um setor de novos ricos, a chamada “boliburguesia”, que fez sua fortuna ã sombra do controle estatal.
O ascenso de Chávez ao poder, após a ruína do regime do punto fijo, produto do Caracazo, evitou que se desenvolvesse uma dinâmica revolucionária. Em última instância, mediante uma profunda mudança do regime e ã custa de fazer concessões ás massas pobres e de politizar as forças armadas, o chavismo recompôs o Estado capitalista, estatizou os movimentos populares, conteve a luta de classes em momentos agudos como na derrota do golpe de 2002 e o locaute petroleiro de 2003, e tentou disciplinar a classe operária mediante medidas de criminalização das greves e a cooptação das direções sindicais para ter uma central operária atrelada ao governo.
Ainda que o chavismo fale de “socialismo” é evidente que na Venezuela não se tocou na organização social baseada na propriedade privada e na exploração capitalista.
A esquerda se dividiu diante destes governos populistas. Por um lado, surgiu no continente uma esquerda populista que tomou o “socialismo do século XXI” de Chávez como o modelo possível. Este possibilismo também se expressou na adaptação de grande parte das correntes de esquerda que se dizem revolucionárias ou marxistas ás variantes chavistas ou “evomoralistas” do populismo latino-americano, abandonando a luta elementar pela independência política da classe operária.
Inclusive houve correntes que diretamente passaram para o lado do reformismo burguês, da centro-esquerda e do nacionalismo e que foram desaparecendo, para todos os efeitos práticos, como tendência independente, entre elas a maioria da DS (SU) no PT, proporcionando inclusive ministros, The Militant, no PRD e alinhada a Andrés Manuel López Obrador (AMLO) no México, assim como se integrando ao PSUV na Venezuela. Outras correntes, como a LIT ou a UIT, tiveram uma política oscilante, porém igualmente capituladora. O grupo da UIT, na Venezuela, passou da subordinação ao chavismo durante anos, chamando a encher as urnas de votos para Chávez nas eleições presidenciais de 2006, para selar alianças com burocratas sindicais orgânicos dos partidos da direita; enquanto a LIT, quem também chamou a votar em Chávez nas mesmas eleições, confluiu no voto “No” com a oposição burguesa no referendo constitucional de 2007. Por trás destes vai e vens e zigue-zagues, sem ancoragem na mais firme independência de classe e anti-imperialismo, esta lógica da “teoria revolução democrática”, lógica que conduz a que nos casos de regimes com traços bonapartistas sui generis de esquerda, como o chavismo, essas correntes terminam se alinhando sob as supostas bandeiras da “democracia” levantadas pela direita sem denunciar que atrás das mesmas atua o imperialismo norte-americano.
Para os revolucionários a luta contra o imperialismo é uma questão de princípio. Não é possível assegurar a libertação nacional nem a unidade latino-americana sem romper com o imperialismo. Não se pode resolver a questão agrária, liquidar a opressão dos povos originários nem assegurar de forma duradoura e generalizada pão, trabalho, educação, saúde e vida dignos aos milhares de latino-americanos explorados, oprimidos e empobrecidos, sem afetar o grande capital e os latifundiários. A resolução das tarefas democráticas e nacionais não pode efetivar-se pela colaboração com a burguesia, atada ao imperialismo e aterrorizada pela mobilização das massas, sem a qual a reação não pode ser derrotada. Os representantes “de esquerda” do nacionalismo- burguês, sejam “oficiais bolivarianos” ou políticos progressistas, não podem ir além de suas limitações de classe.
A experiência de uma década serviu para ratificar a lição fundamental dos processos revolucionários e fenômenos políticos de todo tipo que marcaram o continente há mais de um século: a via das reformas graduais para a liberação social e nacional na América Latina é uma via morta, a maior das utopias por parte dos pretendidos “políticos realistas”, se não se quiser considerá-la a maior das fraudes políticas. Não há outra via que não seja a da revolução. E esta não é, desde já, a pretensa “revolução bolivariana”, nem pode ser concebida como alguma versão etapista ou democrática, senão como está colocada nos termos da revolução permanente.
As tarefas democráticas estruturais ficam inteiramente nas mãos da classe operária e seus aliados: campesinos pobres, indígenas, setores populares empobrecidos. Sua plena e efetiva resolução só pode ser garantida mediante a tomada do poder pelos trabalhadores. Mas ao fazê-lo é inevitável e imprescindível que devam fazer cortes cada vez mais profundos no regime da propriedade privada, assentando as bases da transição ao socialismo, enquanto que os fortes laços entre os países latino-americanos, assim como a necessidade de derrotar a reação imperialista, levarão ã extensão da revolução através do continente, no caminho da Federação de Repúblicas Socialistas da América Latina e da aliança com o proletariado norte-americano e internacional.
Contra o bloqueio imperialista e a restauração capitalista em Cuba
A política para Cuba divide águas na esquerda latino-americana e mundial. Aqueles que capitulam aos governos populistas, como o de Chávez, adotam uma posição similar perante Cuba, confundindo a defesa das conquistas que ainda se conservam da revolução com a defesa incondicional do regime de partido único do Partido Comunista Cubano (PCC) e dos Castro. Esta esquerda populista usa o velho argumento de que qualquer crítica ao governo de Raúl “faz o jogo da direita e do imperialismo” e, dessa maneira, pretende obstruir toda discussão séria sobre as medidas de restauração capitalista gradual que o regime cubano vem aplicando e que estão degradando cada vez mais as bases do Estado.
No outro extremo, a LIT sustenta que em Cuba já foi restaurado o capitalismo, que a luta contra o bloqueio imperialista não tem nenhuma importância e que a chave é levar adiante uma “revolução democrática” contra o regime cubano, que considera como uma “ditadura capitalista” (inclusive comparado ás ditaduras do Cone Sul da década de 1970). Esta política oportunista, que implica na unidade de todos os que se opõem ã ditadura, situa a LIT no mesmo campo restauracionista da dissidência interna pró-capitalista, os gusanos [10] de Miami e o governo de Obama.
Contra estas duas posições, que resultam na capitulação aos diferentes agentes da restauração capitalista, levantamos um programa de revolução política e social que parta da luta contra o bloqueio imperialista e da defesa das conquistas que, embora degradadas pela ação da burocracia ainda se conservam como produto da revolução, para acabar com o regime de partido único do PCC e a casta burocrática privilegiada. Defendemos o direito de reunião, expressão e organização sindical e política dos trabalhadores. Contra o regime de partido único e a política imperialista de estabelecer uma democracia burguesa-parlamentar, lutamos por um Estado operário revolucionário baseado em conselhos de trabalhadores, camponeses e soldados, e pela plena legalidade para os partidos que defendem as conquistas da revolução e os que se reivindiquem anticapitalistas. Lutamos para reverter as medidas de ajustes, como as demissões e os cortes de benefícios, como os refeitórios operários, revisar de maneira exaustiva e radical as medidas adotadas durante o “período especial” e o governo de Raúl, incluindo as concessões ao capital estrangeiro; pelo controle operário da produção e das empresas hoje em mãos das Forças Armadas Revolucionárias (um dos agentes internos da restauração capitalista); pelo restabelecimento do monopólio do comércio exterior e para reorientar a economia em benefício dos interesses da revolução e dos trabalhadores, dos campesinos e das massas populares cubanas, estabelecendo uma planificação democrática da economia. A luta contra a restauração capitalista em Cuba é parte da luta pela revolução social no conjunto da América Latina.
Por partidos de trabalhadores revolucionários e internacionalistas
Um partido de trabalhadores revolucionário deve tomar para si – como dizia Lenin – todas as injúrias, ofensas e abusos que afligem os setores populares e os oprimidos em geral. Esta é a condição de uma luta consequente para que a classe operária conquiste a hegemonia sobre as classes oprimidas e setores médios espoliados pelo capital, para derrotar a burguesia e tomar o poder.
Cedendo ao reacionário “espírito de época”, próprio da etapa de restauração burguesa, um setor importante das correntes de esquerda de origem trotskista defendeu que para fugir do “corporativismo operário” e adotar uma estratégia hegemônica era necessário construir “partidos amplos”, nos quais se diluía o caráter de classe para incluir neles a pluralidade dos “novos movimentos sociais”. Um “partido dos movimentos”, no qual se liquidam as barreiras entre reformistas e revolucionários mediante organizações comuns ou blocos políticos permanentes com programas mínimos, sejam “anticapitalistas” em geral ou diretamente “antineoliberais”.
Alguns exemplos desta política oportunista são a coalizão Respect, integrada pelo Socialist Workers Party (SWP) britânico com setores burgueses da comunidade muçulmana, ou a fundação do NPA, um partido sem delimitação estratégica, cuja direção agora impulsiona um bloco permanente com o reformista Front de Gauche de Mélenchon.
A ideia de que a hegemonia se expressa no interior do aparato de um partido e, portanto, que este deve conter dentro de si todos os movimentos de luta contra a opressão e de questionamento ao existente, com a classe operária como um movimento a mais, não somente é uma ficção que pretende confinar toda a diversidade das lutas das classes oprimidas e os “movimentos” sob um mesmo aparato, mas também transforma a própria hegemonia numa abstração por fora da luta entre as classes.
Hoje, diante do crescente protagonismo da classe trabalhadora e do processo de sua recomposição subjetiva, este ceticismo a respeito da classe operária e sua capacidade hegemônica, assim como a política oportunista que se correlaciona são cada vez mais perniciosos.
Aqueles que desdenham a construção de frações revolucionárias, em primeiro lugar nos sindicatos e, em geral, nos movimentos em que participam, não podem se ligar a setores de massas de nenhuma outra forma que não seja limitando seu programa para obter blocos políticos, quase sempre puramente eleitorais, com as direções reformistas.
Inclusive no terreno eleitoral a Frente de Izquierda de los Trabajadores na Argentina, que é composto pelo PTS, ao lado do Partido Obrero e da Izquierda Socialista, demonstrou que não é necessário fazer seguidismo ás variantes de centro-esquerda para obter o reconhecimento de franjas importantes dos trabalhadores e da juventude.
Diante da crise destes projetos de partidos amplos, que em muitos casos levam ã desmoralização e ã impotência, reafirmamos a necessidade de construir partidos operários revolucionários de vanguarda em escala nacional e internacional na luta de classes.
Frações revolucionárias nos sindicatos, frente-única e auto-organização
Durante as últimas três décadas houve reconfigurações da classe operária mundial. A incorporação de centenas de milhões de novos trabalhadores urbanos provenientes do campo, junto com o extenso processo de aumento dos assalariados de novos setores, especialmente no setor de serviços, faz com que atualmente a classe trabalhadora e suas famílias constituam a maioria da população mundial, pela primeira vez na história.
Entretanto, este processo ocorreu combinado a um enorme aumento da fragmentação. Ao lado da tradicional divisão imposta pelo capital entre a classe trabalhadora dos países imperialistas e das semicolônias e colônias, se somaram outras divisões que resultaram, junto com a proliferação de desempregados permanentes, no surgimento de trabalhadores “de segunda” (contratados temporários, subcontratados por empresas terceirizadas, trabalhadores sem contrato legal, fora de convênio coletivo sindical, “sem registros” ou diferentes combinações) que constituem quase a metade da classe trabalhadora mundial, em contraste com o setor da classe trabalhadora efetiva, com salários e condições de trabalho superiores ã média.
Esta divisão foi produto da ofensiva neoliberal e se deu conjuntamente com o retrocesso das organizações dos trabalhadores, e com a cumplicidade não só de suas direções políticas tradicionais (social-democratas, partidos comunistas, nacionalistas burgueses), mas também das direções sindicais burocráticas. A regra foi a exclusão sistemática dos desempregados, trabalhadores precarizados e sem registros dos sindicatos.
Esta contradição entre o enorme peso social do proletariado, por um lado, e sua fragmentação interna, por outro, faz da tática de frente única operária uma arma essencial para a luta de classes, exigida cada vez mais ao calor da crise capitalista e da crescente intervenção da classe trabalhadora.
Nós, revolucionários, impulsionamos a mais ampla unidade das massas em luta para resistir aos ataques do capital, e exigimos a frente única ás direções burocráticas do movimento operário, sobretudo quando existem diversas frações e organizações sindicais.
Em países como a Grécia, em que a classe trabalhadora protagonizou dezenas de greves gerais, mas com suas direções oficiais impedindo a unidade de ação, está colocada com toda urgência impor a frente única operária ás organizações de massas para desenvolver a luta contra os planos de austeridade e os ataques do governo da Nova Democracia-Pasok, enfrentar e derrotar a ameaça neonazista da Aurora Dourada e para acelerar a experiência das massas e disputar a sua direção com os reformistas. É necessário batalhar para que os sindicatos defendam um programa transitório que ataque os interesses dos capitalistas e supere toda política corporativa, apresentando uma alternativa operária para o conjunto dos explorados e oprimidos, que comece por repudiar o memorándum (plano de austeridade) e proponha a nacionalização dos bancos sob controle dos trabalhadores e a estatização sob gestão operário das empresas que quebrem, mostrando assim que há uma resposta operária para a crise. Neste sentido, é criminosa a política do Partido Comunista Grego (KKE) que dirige um setor importante do proletariado, mas se nega a levantar esta política de frente única para as direções majoritárias e organiza suas próprias ações, sendo um grande obstáculo para a perspectiva de uma verdadeira greve geral política que termine com o governo da “troika”.
Distintas correntes da esquerda interpretam em viés oportunista a tática da frente única, transformando-a em adaptação passiva ás direções sindicais burocráticas e reformistas. Ao contrário, esta tática tem por objetivo estratégico o desenvolvimento de frações revolucionárias capazes de lutar contra burocracia pela direção dos sindicatos. Nós, revolucionários, lutamos para conquistar a democracia sindical expulsando a burocracia, e pela total independência dos sindicatos em relação ao Estado capitalista. Para isso, desenvolvemos um trabalho sistemático nos sindicatos, enquanto organizações operárias de massa.
No entanto, inclusive onde a taxa de sindicalização se mantém mais elevada, como na Argentina, os sindicatos agrupam apenas a um setor dos trabalhadores, que geralmente são os mais bem pagos, enquanto deixam de fora não só os desempregados, mas os trabalhadores precarizados que dia após dia engrossam as fileiras da classe operária. Por esta razão, em condições de crise capitalista como a que estamos vivendo, quando os setores mais explorados da classe trabalhadora se lançam ao combate é necessário impulsionar organismos de frente única que incluam todos os setores em luta.
A criação de órgãos de coordenação de autodeterminação das massas mais aptos para o combate é de vital importância porque em determinado momento, e diante de uma mudança da relação de forças, a frente única defensiva frente aos ataques do capital pode se transformar em ofensiva, isso implicando em romper a legalidade burguesa e passar à luta pelo poder.
Em situações revolucionárias estes órgãos, ao se desenvolverem, podem se transformar na expressão do poder dos trabalhadores e dos oprimidos na luta para derrotar o Estado capitalista e, depois da revolução, na base fundamental do futuro Estado proletário.
A luta contra a opressão: “movimentos sociais” e partido revolucionário
Durante as décadas de ofensiva neoliberal, o Estado, principalmente nos países centrais, avançou num processo de integração dos movimentos pelos direitos civis – surgidos originalmente numa perspectiva mais radical nas décadas de 1950 e 1970 –, outorgando certos direitos, porém sem modificar no essencial as condições de opressão. Na atualidade, enquanto em alguns países os governos fazem concessões democráticas limitadas, como as leis do matrimônio igualitário, em outros partidos de direita e a igreja ameaçam o conquistado, como acontece no Estado Espanhol com o direito ao aborto.
O combate contra a opressão de gênero, a homofobia, o racismo e a xenofobia, e contra todas as formas de opressão e discriminação, é parte indissolúvel da luta da classe trabalhadora para conquistar a hegemonia na luta contra a dominação burguesa.
No caso das mulheres, não apenas se trata da maioria da humanidade, mas com esta crise capitalista encontra a classe trabalhadora em uma situação inédita na história, com a força de trabalho feminina representando 40% do total mundial, sendo que 50,5% destas trabalhadoras são precarizadas.
Nas últimas décadas a incorporação, por parte dos estados e organismos internacionais, da agenda feminista e dos direitos sexuais, o que propiciou a integração ao regime de vastos setores dos movimentos sociais, contrasta com o crescimento extraordinário da desigualdade social, fazendo com que milhões de seres humanos sejam condenados ã marginalidade e ás piores humilhações, enquanto se desenvolvem industrialmente o “negócio” do tráfico de pessoas, a exploração sexual, a violência contra as mulheres e outras formas de abuso.
Similar é o caso do racismo. Enquanto “elites” foram integradas, em distintos graus em países como os EUA, África do Sul e Brasil – chegando inclusive a que os Estados Unidos tenham pela primeira vez em sua história um presidente afro-americano –, a grande maioria da população carcerária é de negros oi latinos, e se mantém o racismo avalizado pelas instituições, como mostra o assassinato impune de Trayvon Martin.
Nos países imperialistas as comunidades de origem árabe-muçulmana representam uma fração importante das classes populares e da classe trabalhadora. Estas comunidades são objeto de políticas sistemáticas de estigmatização promovidas pelo próprio Estado, sobretudo depois dos atentados contra as Torres Gêmeas, e como parte da “guerra contra o terrorismo”. Em muitos casos, a discriminação se exerce em nome da defesa da laicidade ou, outras vezes, utilizando a questão do direito das mulheres ou dos homossexuais. Acima dessa cobertura falsamente democrática, estas medidas têm como meta fomentar uma maior fragmentação da classe trabalhadora.
A xenofobia e o racismo são ferramentas fundamentais na dominação de classe que a burguesia utiliza para desviar o ódio dos explorados para os trabalhadores imigrantes, dividindo as fileiras operárias entre “nativos” e “imigrantes” e criando uma unidade nacional reacionária.
Este racismo, instigado pelo Estado com suas políticas anti-imigrantes e seus campos de concentração para “ilegais” nos países imperialistas, está atualmente em ascenso em meio ã crise e tem levado ao fortalecimento de variantes de extrema-direita que exacerbam estes preconceitos.
Na África do Sul, após o Apartheid, as condições de vida da grande maioria da população negra não mudaram, e a polícia continua reprimindo e assassinando os trabalhadores, como ocorreu no massacre de Marikana. No Brasil, onde a burguesia conta a história de um país sem racismo, e agora podendo mostrar até um popular ministro negro no Supremo Tribunal, a população negra sofre com o trabalho precário, a falta de moradia, a repressão policial, assassinados e desaparecidos.
Da luta dos explorados e dos combates contra as múltiplas opressões que cruzam a sociedade capitalista surgirão as forças necessárias para derrotar a dominação da burguesia. A condição é que esta pluralidade não seja uma somatória de dissidências, mas que tenha seu centro em uma força social capaz de afetar os setores estratégicos da sociedade capitalista. Esta força não pode ser outra que não seja a classe trabalhadora.
Entretanto, a posição estratégica da classe trabalhadora no capitalismo, que a converte em sujeito fundamental da revolução, não a faz por si mesma portadora de uma estratégia hegemônica. De fato, o proletariado, submetido ás condições de exploração impostas pelo capital, é um dos principais destinatários da propaganda burguesa dos preconceitos sexistas, misóginos, homofóbicos, racistas e xenófobos, que em muitos casos moldam a consciência do operário médio e são aproveitados pelos partidos da extrema-direita, como a Liga Norte na Itália ou a Frente Nacional na França.
Os movimentos de liberação da mulher e pelos direitos civis são policlassistas, o que os torna permeáveis ã ideologia burguesa, que é a ideologia dominante que se impõe “naturalmente” na sociedade capitalista. Porém, por sua vez, em momentos de agudização da luta de classes, estes movimentos podem se radicalizar e possibilitar o surgimento de alas anticapitalistas, como ocorreu na década de 1970. Inversamente, a perda de radicalidade destes movimentos durante as últimas décadas coincidiu com o retrocesso subjetivo da classe trabalhadora.
Para os revolucionários é um problema de princípios enfrentar todo tipo de opressão e combater os preconceitos que a burguesia inculca na classe operária através do Estado, de seus partidos e de instituições como a igreja para reforçar sua exploração. Mas isso não significa se adaptar, por exemplo, ao feminismo pequeno-burguês em suas distintas variantes, abandonando a estratégia proletária e apostando na construção de partidos amplos baseados em múltiplos movimentos.
A contraposição que aqueles que renegam a revolução pretendem estabelecer entre um partido revolucionário de classe e os chamados “novos movimentos sociais” tem como base a identificação entre o partido e a classe operária de conjunto, por um lado, e dos “movimentos” com as ideologias impostas pelos setores pequeno-burgueses que participam deles, por outro.
O partido revolucionário luta para que os trabalhadores tome em suas mãos o combate contra toda opressão. Ao mesmo tempo em que participa e impulsiona os movimentos pela liberação da mulher, pela libertação sexual, contra o racismo busca construir frações revolucionárias no seu interior que se proponham a confluir com a luta da classe trabalhadora pela revolução socialista.
A questão do poder e a revolução: “governo de esquerda” versus “governo operário”
A adaptação de grande parte da esquerda ás variantes neo-reformistas se expressou na substituição da consigna de “governo operário” (ligada no marxismo revolucionário ã estratégia insurrecional para a conquista do poder), pela de “governo de esquerda” ou “governo antiajuste”, isto é, um governo de gestão do capitalismo no marco do Estado burguês.
Esta política se expressou no apoio dado pela maioria das correntes que se reivindicam trotskistas ao chamado do Syriza para formar um “governo de esquerda”, a despeito de o Syriza levantar um programa de colaboração de classes e de conciliação com o imperialismo europeu.
Não há ponto de contato entre esta política oportunista, que contribui para semear ilusões em possíveis governos de colaboração de classe, e a tática de “governo operário” (como máxima expressão da frente única operária) discutida pela III Internacional na década de 1920, e depois incorporada por Trotsky ao Programa de Transição como consigna antiburguesa e anticapitalista.
A condição para aplicar a tática de “governo operário”, dirigida ás organizações reais da classe trabalhadora, ainda que sejam reformistas, é que exista uma situação revolucionária e que esta política permita acelerar os preparativos para a tomada do poder, principalmente o armamento do proletariado para a insurreição e o desenvolvimento do partido revolucionário que seja capaz de disputar a direção do movimento operário contra as direções tradicionais.
A concepção revolucionária da frente única, aplicada ás organizações de massas da classe trabalhadora para desenvolver a luta, não tem nada a ver com chamar a votar, e inclusive adotar acriticamente o programa mínimo de variantes eleitorais reformistas de esquerda, como o Syriza, que de nenhuma maneira são direções com peso decisivo no movimento operário, mas essencialmente aparatos eleitorais construídos em torno de figuras midiáticas. Do que se trata é de ganhar, através da sua própria experiência, a maioria da classe trabalhadora para a revolução.
A insurreição capaz de impor o poder operário não pode ser obra de uma minoria e, tampouco, um produto espontâneo do levante das massas. É uma arte que implica uma direção que possa orientar conscientemente a ação das massas para a tomada do poder. A tática de “governo operário” está dirigida a fazer chocar as grandes maiorias de trabalhadores com o conjunto do regime burguês, busca acelerar as experiências das massas com as direções reformistas e, assim, incrementar a influência dos revolucionários.
As condições objetivas e subjetivas que estão se gestando com a crise capitalista nos colocará a necessidade de aplicar táticas e políticas audazes, como a de “governo operário”, mas estas, para conservar um caráter revolucionário, não devem se transformar em um fim em si mesmo, mas estar indissoluvelmente ligadas ao nosso objetivo estratégico: a destruição do Estado burguês e a tomada do poder por parte da classe trabalhadora, isto é, a ditadura do proletariado como regime transitório baseado em órgãos da democracia operária.
Os sovietes, a revolução operária e socialista e a ditadura do proletariado
Os trabalhadores só poderão derrubar o capitalismo por meio de uma insurreição violenta que divida e derrote o exército e a polícia, que destrua o Estado burguês e que por cima de suas ruínas estabeleça seu próprio poder político, um Estado operário transicional baseado nos órgãos de autodeterminação do proletariado e das massas exploradas, e o armamento geral da população.
Em situações revolucionárias estes organismos de autodeterminação ao se desenvolverem tenderão a se constituir na expressão do poder dos trabalhadores e explorados que se enfrentam ao Estado capitalista. O século XX esteve repleto de exemplos, começando pelos sovietes russos, surgidos da Revolução de 1905, e que na Revolução de 1917 formaram a base do poder operário. E também os conselhos de fábrica na Alemanha, em 1919, os conselhos operários da revolução húngara de 1956, ou as tendências ao surgimento destes organismos nos anos 1970 na América Latina, com a Assembleia Popular boliviana de 1970 ou os Cordões Industriais no Chile, entre muitos outros mais.
Os sovietes, conselhos, ou qual for o nome que adotem em cada situação concreta os organismos de auto-organização, são uma expressão da frente única das massas que, mediante a unidade de ação e da luta política das tendências em seu interior, preparam as massas para tomar o poder e que, sob uma direção revolucionária, se transformam em organismos da insurreição. Uma vez conquistado o poder, os sovietes são a base do novo Estado, de uma nova democracia operária.
A experiência stalinista perverteu em absoluto a relação ente órgãos de frente única das massas – os sovietes – e o partido, transformando a ditadura do proletariado em ditadura do partido único. O trotskismo foi a única corrente revolucionária que combateu consequentemente o stalinismo.
Para os marxistas revolucionários, a ditadura do proletariado é equivalente a um novo tipo de democracia, a democracia proletária baseada nos órgãos de autodeterminação de massas, nos sovietes ou conselhos de operários e no pluripartidarismo soviético, isto é, na liberdade de partidos reconhecidos pelos sovietes, onde o partido revolucionário luta pela direção e é a organização mais consequente na defesa da ditadura do proletariado ante a guerra civil e a ameaça da burguesia e do imperialismo. Esta é a forma política mais democrática do domínio da classe trabalhadora, que necessitará do Estado operário transicional enquanto existir o imperialismo e as classes inimigas e, portanto, estará colocada a necessidade de defender a revolução frente aos ataques da reação burguesa, tanto interna quanto externa.
Este Estado operário se baseia no estabelecimento de novas relações sociais surgidas da expropriação e nacionalização dos principais meios de produção, no monopólio do comércio exterior e na planificação democrática da economia, e no curso da transição ao socialismo, estendendo suas funções ao conjunto do povo organizado em sovietes, vai gerando as bases para sua futura extinção.
A conquista do poder por parte do proletariado é apenas o início de um processo de transformação de todos os aspectos da vida econômica, política e social de um país, uma vez que é um ponto de apoio para a extensão da revolução socialista ao terreno internacional, porque só derrotando o capitalismo em seus centros será possível avançar para o comunismo como projeto de emancipação da humanidade da exploração e opressão. Esta é uma das maiores lições que a história do século XX deixou para os revolucionários, da qual necessariamente deve partir uma internacional que lute pela revolução socialista.
Nosso objetivo é a conquista do comunismo
A palavra comunismo foi maculada durante grande parte do século XX sob o domínio do stalinismo que pretendeu identificá-la com as ditaduras burocráticas parasitárias dos Estados operários e direções traidoras que terminaram indo com armas e bagagens para a restauração capitalista.
Para aqueles que assinamos este manifesto, o comunismo, ou seja, a conquista de uma sociedade sem estado e sem classes sociais, livre da exploração e de toda opressão, é nosso “objetivo político” mais elevado, ao qual pretendemos ligar por meio da estratégia todos os combates e conquistas parciais. Lutamos por uma nova sociedade, uma “associação de homens livres que trabalhem com meios de produção coletivos e empreguem, conscientemente, suas muitas forças de trabalho individuais como uma força de trabalho social” (Marx).
Como Marx e Engels, “chamamos comunismo ao movimento real que anula e supera o estado atual de coisas”. As premissas deste movimento se encontram na sociedade capitalista.
Em suas origens o capitalismo se propôs, impulsionado pela concorrência, a diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir as mercadorias. No entanto, esta conquista do conjunto da sociedade, para os trabalhadores derivou em seu contrário. Para a minoria proprietária dos meios de produção, a burguesia, significou e significa mais e mais lucros. Para a maioria, os trabalhadores, implica na separação definitiva daqueles meios de produção, o roubo de uma parte cada vez maior de seu trabalho e uma distância cada vez maior entre suas condições de vida e as da minoria capitalista privilegiada.
Com os atuais desenvolvimentos da ciência, da tecnologia e do nível alcançado de produtividade do trabalho se poderia reduzir drasticamente o tempo que a sociedade consome na produção e reprodução de suas condições de existência materiais. Porém, o capitalismo é incapaz de generalizar os avanços da técnica, confinada a um seleto grupo de países e a um grupo de ramos da produção, enquanto a maioria das grandes massas de trabalhadores produzem com um nível tecnológico e de produtividade mais próximo ao do século XIX, com ramos inteiros da produção nos quais se utiliza o trabalho intensivo, proliferando as “fábricas do suor” [11] e as maquiladoras que extraem até a exaustão as forças dos seus trabalhadores.
O comunismo se diferencia do que pretenderam todas as revoluções anteriores ao desenvolvimento do movimento operário. Não se limita a uma nova distribuição do trabalho entre os indivíduos, mas se propõe, mediante o desenvolvimento da ciência e da técnica, reduzir o trabalho ao mínimo indispensável, até que represente uma porção insignificante das ocupações dos seres humanos. Que as pessoas possam dedicar suas energias ao ócio criativo da ciência, da arte e da cultura, desenvolver todas as capacidades humanas e a natureza. Nada mais distante do culto ao traestabelecer uma relação mais harmoniosa com balho (stakanovismo) com que as direções stalinistas quiseram tergiversar o comunismo.
O comunismo tem raízes profundas. Parte da luta constante da classe trabalhadora para libertar-se da submissão ao trabalho que se manifesta espontaneamente na resistência “silenciosa” de todos os dias: a tentativa de roubar minutos ao patrão, ã máquina, ou seu absenteísmo (faltas ao trabalho). A mesma tendência que se expressou e se expressa nas lutas históricas pela redução da jornada de trabalho e da semana de trabalho, pelas férias pagas, para diminuir os rit-mos de produção, pela organização no lugar de trabalho contra a ditadura patronal, pelo controle operário da produção.
Diante da existência irracional de milhões de desempregados, por um lado, e de trabalhadores submetidos ã escravidão de jornadas de 14 a 16 horas, e inclusive mais, em ritmos extenuantes de trabalho que destroem rapidamente os músculos, os nervos e a mente, por outro, uma medida elementar como a distribuição das horas de trabalho entre todas as mãos disponíveis com um salário que cubra as necessidades dos trabalhadores não só seria fundamental para a própria sobrevivência da classe trabalhadora, mas um primeiro passo lógico para reduzir a jornada de trabalho.
Mas os capitalistas enfrentam esta tendência por todos os meios. Contra ela desenvolvem cada vez mais o aparato do Estado, com suas leis e sua justiça de classe, com seus exércitos, suas polícias, seus serviços de inteligência, aperfeiçoam seus mecanismos de controle social. As guerras, a espoliação dos povos, a repressão estatal, as reacionárias instituições religiosas, a opressão das mulheres, o racismo, a xenofobia, a reprodução de exércitos de milhões de trabalhadores desempregados, de precarizados são, todos, mecanismos dos quais se vale a burguesia em sua busca cada vez mais reacionária para manter submetido o trabalho como fonte de lucro capitalista.
A chamada “globalização” não teve outra função que sustentar este estado de coisas. Para nós, tal qual para os fundadores do marxismo, o comunismo não é um ideal pelo qual haveria que se sujeitar a realidade para se proclamar o “comunismo aqui e agora”, como sugeriram os teóricos do autonomismo. Não se trata só de criar uma consciência do existente, mas de derrubar o que existe.
Daqui deriva o grande valor da Teoria da Revolução Permanente elaborada por Leon Trotsky: ao ser uma estratégia global que põe toda conquista parcial, incluída a tomada do poder em um país, em função do objetivo da revolução mundial e do processo de transformações sociais, políticas e culturais que após a tomada do poder se orientam para a liberação do trabalho, a extinção do Estado, das classes, da exploração e da opressão.
A luta pelo comunismo implica necessariamente destruir a maquinaria estatal burguesa, principal sustentáculo da exploração e da opressão, e que os trabalhadores ergam seu próprio poder, através do qual se reapropriem dos meios de produção da sociedade expropriados pelos capitalistas. Só assim as forças produtivas podem deixar de ser meios para a escravização do trabalho para começar a se converter em meios para sua liberação.
Porém, isso não pode ser mais do que início do processo. O comunismo não surge pré-formado das entranhas do capitalismo, mas, ao contrário, a nova sociedade ainda apresentará, no econômico, moral e intelectual, todos os aspectos da anterior. Por sua vez, a revolução não é um acontecimento simultâneo em nível mundial, mas começa em um país ou série de países que nascem rodeados de um mundo capitalista.
Disso vem a necessidade da ditadura do proletariado como período transitório entre o capitalismo e o comunismo, em que se desenvolve um processo de transformação de todos os aspectos da vida econômica, política e social de um país, ao mesmo tempo em que serve de ponto de apoio para a extensão da revolução socialista no terreno internacional.
O comunismo não é um Estado que pode ser implantado coercitivamente por uma burocracia. De fato, não está chamado a existir junto com nenhuma forma de Estado nem com a existência de classes sociais, como pretendeu fazer crer o stalinismo em suas diversas variantes. A construção do comunismo só pode ser fruto de uma atividade consciente. O desenvolvimento da mais ampla democracia operária baseada nos organismos de auto-organização, como os sovietes, é o único meio para avançar ao comunismo e ã extinção de toda forma de Estado.
As grandes revoluções, começando pela revolução russa de 1917, que conseguiu triunfar durante o século XX, foram feitas em países atrasados, semicoloniais ou coloniais. Porém, estas só podiam ser o primeiro passo da revolução mundial. O comunismo não pode surgir dentro dos limites dos países atrasados, já que não consiste em uma melhor distribuição da escassez. A escassez fará reavivar a luta pela subsistência e, com ela, todos os males da velha sociedade. A burocracia que se erigiu por cima da classe trabalhadora nos estados operários deformados e degenerados que existiram, em última instância, foi filha desta luta pela subsistência, produto do atraso e do isolamento. O século XX já demonstrou a inviabilidade da utopia reacionária do stalinismo de construir o “socialismo num só país”.
Se sob a bota de uma burocracia parasita as bases sociais do Estado – como a substituição da propriedade privada e da anarquia capitalista pela propriedade estatal dos meios de produção e a planificação econômica – permitiram que a URSS passasse de um país capitalista atrasado com resquícios semifeudais para se converter na segunda potência mundial, quão enormes são as possibilidades que se abririam para a construção do comunismo se o aparato técnico e a enorme riqueza de países como os Estados Unidos, a Alemanha ou o Japão fossem tomados em suas mãos pelos trabalhadores.
A ditadura do proletariado não tem como fim em si mesmo o desenvolvimento das forças produtivas nacionais e, menos ainda, pode tê-lo no século XXI com a atual interdependência, como nunca antes na história, da produção e do comércio mundiais. Só derrotando o capitalismo em seus centros imperialistas será possível se apropriar do mais avançado da técnica atual para colocá-la a serviço da liberação do trabalho.
Quando defendemos que o comunismo é nosso “objetivo político” mais elevado, que orienta o conjunto da nossa estratégia, não o fazemos como uma consideração abstrata. Mas, sim, como parte da reafirmação de uma estratégia revolucionária sobre o balanço da luta de classes de todo o século XX, onde a conquista de ditadura do proletariado foi defendida como um fim em si e não como um meio estratégico para a conquista do comunismo. Não só pelo stalinismo, mas também por grande parte das correntes trotskistas.
A teoria-programa da Revolução Permanente é a única que se enfrenta de conjunto ã teoria do socialismo num só país, em todas as suas variantes. Não trata somente da mecânica da revolução nos países atrasados, da relação necessária entre a revolução democrática e a revolução socialista, pois coloca uma estratégia global que liga o começo da revolução a escala nacional com o desenvolvimento da revolução internacional e seu coroamento em nível mundial, assim como a conquista do poder com as transformações na economia, na ciência e nos costumes que conduzem ao nosso objetivo fundamental: a conquista de uma sociedade de “produtores livres e associados” – o comunismo.
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