Europa
As eleições do dia 22 de abril representam uma recomposição reacionária, antioperária do regime imperialista francês. Depois da crise aberta dos mecanismos de representação democrático-burgueses que haviam saído à luz, desde um ponto de vista eleitoral, com o voto de 2002 e o triunfo do "não" no referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu (TCE), recriou-se a polarização direita e esquerda tradicional para o segundo turno. Este resultado é uma vitória superestrutural para a burguesia francesa depois da crise quase terminal do regime da V República, que se deu como subproduto da derrota do TCE em 2005, da "revolta" das banlieues e da derrota parcial do governo nas manifestações anti CPE (Contrato Primeiro Emprego) de abril do ano passado.
Um anti-2002
Nas eleições presidenciais de 2002, o descontentamento com o Partido Socialista (PS) ã cabeça do governo da esquerda plural se expressou quando este partido não foi para o segundo turno, sendo superado pela extrema direita de Le Pen. O desgaste do PS se manifestou no crescimento dos votos da extrema esquerda: Lutte Ouviere (LO), Liga Comunista Revolucionária (LCR) e Partido dos Trabalhadores (PT), que alcançaram pouco mais de 10%. A abstenção chegou a um recorde de 28,4%. Este resultado gerou uma crise monumental na política francesa e uma enorme mobilização de massas contra o lepenismo, que foi interrompida abruptamente por todos os partidos do regime, incluindo a LCR, que fecharam fileiras em defesa da "República" e chamaram voto em Chirac. Neste sentido, as últimas eleições têm um conteúdo inverso que pode se ver: na baixa abstenção histórica, na forte eleição da direita da União por um Movimento Popular (UMP) de Sarkozy, na passagem para o segundo turno do PS, no ascenso da centrodireita da União pela Democracia Francesa (UDF) de Bayrou como terceira força, no retrocesso pela primeira vez em uma eleição presidencial da extrema direita de Le Pen e na diminuição significativa de votos tomando de conjunto os partidos ã esquerda do PS, que foram encurralados pelo engano do voto útil. Em suma, uma eleição que fortalece uma recomposição reacionária e antioperária do regime como mostrou a alta votação pela positiva da maioria do eleitorado e o debilitamento dos extremos, em particular dos partidos ã esquerda do PS, já que em grande medida o programa xenófobo e racista do lepenismo foi adotado por Sarkozy.
Sarkozy x Royal: duas vias para acabar com as conquistas do chamado "Estado de bem estar social"
Nicolas Sarkozy representa a tentativa de transformar a velha direita gaullista em um partido neoliberal, mais parecido com o Partido Republicano norte-americano. Conta com o apoio dos setores mais concentrados do capital francês. Seu programa busca liquidar as conquistas que ainda ficaram do chamado "Estado de bem estar social", abrindo brecha para um salto na exploração operária. São essas conquistas, como a menor jornada de trabalho, os subsídios ao desemprego ou um sistema de saúde universal tanto como a versão atual das leis trabalhistas, as que para os ideólogos da grande patronal constituem a principal desvantagem do imperialismo francês para sua atuação no mercado mundial. O ex-presidente do FMI, Michel Camdessus, francês e partidário de Sarkozy, fazendo uma comparação com a economia norte-americana declarou sem rodeios que: "Michel Camdessus... que passou muitos anos diagnosticando os problemas de outros países, tem um simples remédio para o seu país: trabalhar mais. Se você considera Sr. Smith no Arizonas e Monsieur Dupont em Maine-et-Loira, de agora até se aposentar Sr. Smith vai trabalhar 37% horas a mais que Monsieur Dupont durante sua vida. Obviamente, Monsieur Dupont tem maior produtividade, de 5 a 6% mais, porque começa a trabalhar um pouco mais tarde, termina o trabalho um pouco mais cedo e tem um período grande de férias, logo está em boa forma. Mas ao final de sua vida Sr. Smith terá produzido muito mais. Aqui está a história completa da economia francesa." (Financial Times, 16/04/2007) Este é o verdadeiro plano de Sarkozy e não o da defesa "da França.. que se levanta cedo, que trabalha duro..", como colocou durante sua campanha eleitoral. Se utilizando do velho discurso reaganista dos anos 1980 busca redefenir a "questão social", criando uma nova linha de demarcação, já não entre pobre e ricos, capitalistas e trabalhadores, mas entre assalariados e "incluidos", operários e estafadores. Busca, por um lado, diminuir significativamente o pressuposto estatal nos serviços sociais, considerado uma carga pesada pelo conjunto da patronal e, por outro lado, começar um consenso social reacionário que lhe permita atacar aos setores mais débeis e vulneráveis da classe operária que dependem subsídio estatal para viver, aprofundando a divisão dos trabalhadores com o objetivo de terminar reestruturando o conjunto da força de trabalho e começar a impor um salto na carga e duração da jornada de trabalho e da precarização. Na política exterior tem uma orientação menos europeísta que os demais candidatos, realizando uma visita vergonhosa ã Bush. Por sua vez, Ségolène Royal tem abandonado toda referência ao velho reformismo, retomando cada um dos temas da direita, como os do trabalho e do nacionalismo, concentrando-os em sua consigna central da "ordem justa", e se encaminhando até o blairismo, a variante mais direitista da socialdemocracia. Além disso, no segundo turno, lhe foi proposto indiretamente um pacto presidencial com a centrodireita de Bayrou, o que implicaria numa posterior unificação com a direita. Não ã toa este chamado foi saudado pelo primeiro ministro italiano Romano Prodi, que recentemente fundou o Partido Democrático, procedente da dissolução do partido da Margarita (proveniente da velha democracia cristã) e dos DS (Democratas de Esquerda, proveniente do velho Partido Comunista Italiano). Este giro ã direita implica o prático abandono de sua base social histórica, a dos operários e trabalhadores assalariados, subproduto do abandono de todo programa de defesa de seus direitos, e convertendo-se pelo contrário nos campeões da subordinação da competitividade da empresa, única forma inexorável de responder ás zonas da Europa e outras partes do mundo que se baseiam em uma mão-de-obra barata para evitar as deslocalizações. Como se vê, com métodos e formas distintas, duas variantes reformistas.
À esquerda do Partido Socialista
Como colocamos no início, as eleições mostraram um retrocesso das correntes ã esquerda do PS. Dentro deste marco se observa um forte retrocesso dos Verdes e a catástrofe eleitoral do Partido Comunista (PC), resultando a eleição mais baixa em toda sua vida. Por sua vez, Jose Bové, o camponês bonachão, altermundista, pretendeu capitalizar o voto ã esquerda do PS de muitos setores juvenis e populares vinculados ao mundo associativo e sindical, cansados da política social liberal do PS e que votaram "não" ã Constituição européia. Seu escasso 1,32% não está ã altura do golpe de efeito "anti-liberal" que aspirava encarnar. No seio da "extrema esquerda", o PT com seu candidato e campanha nacionalista tem obtido um resultado lamentável. O que chama a atenção é o brutal retrocesso da LO e sua candidata histórica, Arlette Laguillier. A perda de mais de um milhão e cem mil votos é um duro golpe objetivo para esta organização, no marco de que sua plataforma eleitoral foi mais moderada que em comícios anteriores e que, assustado pelo isolamento que supôs sua abstenção no segundo turno frente ã disputa Chirac x Le Pen em 2002, se apressou em reforçar seu apoio crítico e distanciado a Ségolène Royal para o segundo turno, respaldo que foi destacado pela candidata do PS em um ato após a eleição. A LO está pagando por sua escandalosa intervenção nos dois últimos processos acirrados da luta de classes na França, a revolta dos banlieues e o movimento anti CPE. Na primeira, cedendo aos preconceitos da aristocracia operária, denunciou a revolta como uma mostra de raiva lumpem e durante o movimento anti CPE esteve claramente na retaguarda. Estas posições os distanciaram dos trabalhadores mais avançados, dos imigrantes e dos jovens, apesar de ainda conservar um importante número de militantes.
A LCR: um êxito eleitoral que não luta por uma alternativa de classe
Neste marco de direitização eleitoral e o peso do voto útil, e no marco do retrocesso da esquerda ã esquerda do PS, se destaca o resultado eleitoral da LCR e seu candidato presidencial, Olivier Besancenot jovem carteiro de 33 anos que obteve 1.498.780 votos (4,08%), quase 300.000 votos a mais que em 2002. Estes números colocam a LCR como a principal força ã esquerda do PS. A campanha de Besancenot se concentrou em uma série de demandas imediatas e democráticas, como o fim do trabalho flexível e das horas extras, um incremento geral de salários e um salário mínimo de 1500 euros líquido por mês, entre outras.
Porém o problema central é que a LCR mantém uma estratégia permanente de frente antineoliberal, orientação que se opõe pelo vértice a uma alternativa de classe, ainda que nas eleições dos setores que propunham mais abertamente esta orientação e apoiavam a candidatura unitária de Bové ficaram em minoria. Esta política é conseqüência do abandono da luta pela ditadura do proletariado, ou seja, a luta pela perspectiva de um governo operário e popular, que exproprie os grandes capitalistas através da destruição do Estado burguês.
Como resultado disto, e da adoção de uma estratégia de "democracia até o final", a LCR apesar de levantar uma série de demandas, algumas bem radicais, não supera sua localização como o setor mais contestador ã esquerda do PS, que busca pressioná-lo pela esquerda frente a um eventual governo de Ségolène, ou no terreno da luta de classes - como foi durante a luta contra o CPE - supere as capitulações e traições da política de conciliação de classes da burocracia sindical, levantando um programa ofensivo contra o regime e o Estado burguês que permita aos trabalhadores passar ã ofensiva ou ao menos reagrupar os elementos mais conscientes da vanguarda.
Esta ausência de uma alternativa de classe faz com que os elementos de subjetividade e consciência que se desenvolveram nestas lutas não tenham continuidade, permitindo a confusão e em alguns casos a desmoralização da vanguarda o que facilita a penetração do engano burguês, como foi o caso do último ano, que desembocou na atual recomposição reacionária do regime. Frente a sua nova responsabilidade é de vital importância que as correntes mais de esquerda no seio da LCR busquem mudar o rumo estratégico desta, já que apesar de sua boa eleição (produto de refletir, ainda que seja de forma distorcida, as demandas dos trabalhadores e setores de luta), será incapaz de ser uma alternativa real para as necessidades de enfrentar o novo regime que tem o proletariado francês.
Perspectivas
A responsabilidade central da recomposição reacionária do regime imperialista francês, a um ano do retrocesso governamental frente ao CPE, recai nas direções oficiais do movimento operário e estudantil que, longe de aproveitar a debilidade da V República para derrotar Villepin, Chirac e seu plano, o sustentaram enquanto se foi montando a armadilha eleitoral. A atual direitização e a emergência de um regime ainda mais bonapartista, como seria um governo de Sarkozy, ou em menor medida de Ségolène, são o produto desta traição aberta da burocracia sindical e dos partidos reformistas como o PC e a capitulação da maioria dos partidos de extrema esquerda (desde a hostilidade da LO com os jovens dos bairros ou as ações "ultra-esquerdistas" dos estudantes como a tomada de estações, e o seguidismo desta e da LCR ás direções sindicais) à luta do CPE e em especial das banlieues.
Entretanto, no novo clima eleitoral que se expressou nos comícios não significa que o panorama social seja tranqüilo para o próximo ocupante do Eliseo. Pelo contrário, nas semanas prévias aos comícios assistimos a uma reativação de setores chave do proletariado na França. Os movimentos que emergeram no último período pouco tem a ver com as tradicionais lutas estritamente controladas pela burocracia sindical e lançadas para respaldar as alternativas de centro-esquerda nas fases pré-eleitorais. As lutas dos professores contra o aumento do volume anual de trabalho, dos trabalhadores de Alcatel, da Airbus contra as demissões, dos portuários do Porto Autônomo de Marselha, dos empregados da ANPE, dos trabalhadores da PSA (Citroën) de Aulnay que levaram adiante uma luta pela integração dos precarizados e por aumento salarial são algumas mostras.
São lutas, sobretudo no caso da Citroën Aulnay, que emergeram por fora da agenda sindical em reação aos golpes que a patronal e o Estado pretendem fazer ao mundo do trabalho. Isto não significa que os sindicatos não as tenham controlado para que não lhe escapassem das mãos. São o sintoma, entretanto, de um importante e decisivo retorno da questão social na França mediante seus próprios protagonistas, depois da relativa calma do período que sucedeu aos três intensos meses da luta anti CPE. Por sua vez, frente aos novos ataques de Sarkozy aos imigrantes e ás crianças órfãs, se criaram comitês de vigilà¢ncia para impedir a expulsão de crianças sem documentos e de suas famílias. As marchas organizadas em Paris em solidariedade aos estudantes e pais de estudantes sem documentos que os Estado pretende deportar, mostram certo retorno concreto da temática da solidariedade como já se havia visto nas férias de julho.
Mais recentemente, os acontecimentos da Gare du Nord no dia 27 de março, sobretudo quando durante várias horas pela tarde várias centenas de usuários, a grande maioria de trabalhadores ou estudantes que voltavam a suas casas, se opuseram coletivamente a um controle policialesco brutal, como sofrem dezenas a cada dia na capital, frente ã prisão de um viajante congolês. Esta situação deixa claro que mesmo com uma vitória no segundo turno do direitista mais brutal entre os principais candidatos da burguesia, o ex ministro do interior Sarkozy, hoje o mais provável é que o futuro governo terá que lidar com uma fração consistente das classes populares hostil ao discurso reacionário e racista da UMP, ou no caso de derrota, com sua versão mais civilizada porém igualmente reacionária, antioperária e anti-imigrante de Ségolène Royal. Frente aos futuros embates do próximo governo, o giro social liberal do PS e o debacle do PC, os dois partidos históricos da classe operária francesa, está colocada mais do que nunca a mobilização nas ruas e a maior unidade de ação contra todo ataque anti operário ou ás liberdades democráticas, uma vez que é necessário lutar por um partido dos trabalhadores independente com um programa revolucionário.
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