Impulsionar um Movimento pela Internacional da Revolução Socialista – Quarta Internacional
Nos dias 15, 16 e 17 de novembro realizou-se em São Paulo o IV Congresso da LER-QI. Participaram trabalhadores da indústria alimentícia, metalúrgicos, metroviários, professores, bancários, trabalhadores da USP, além de estudantes que protagonizaram algumas das lutas mais importantes do último período, como as ocupações da USP e Unicamp, e a greve da UNESP, mulheres trabalhadoras precarizadas e militantes do Pão e Rosas, dos LGBTTs, jovens intelectuais, e militantes de extensa tradição trotskista. A participação da FT através da presença de Emilio Albamonte, dirigente do PTS, enriqueceu o conjunto das discussões, e fez com que esse Congresso assumisse um forte caráter internacionalista. Entrevistamos Simone Ishibashi, diretora da revista Estratégia Internacional Brasil sobre as resoluções internacionais que orientarão a LER-QI no próximo período.
JPO: Como se iniciou o debate internacional sobre o andamento da crise capitalista internacional?
Simone Ishibashi: O IV Congresso da LER-QI teve início com uma rica discussão sobre a situação internacional a seis anos da crise capitalista que assola o mundo. Para isso, retomamos a ligação entre economia, luta de classes e relação entre os Estados. Definimos que uma justa apreciação exige dois níveis de análise: um estrutural e outro que considere as contra-tendências utilizadas pela burguesia imperialista. Isso para evitar tanto uma visão superficial de que a crise teria sido superada pela mera recuperação parcial de índices da economia norte-americana, ou uma visão catastrofista, que leva a políticas equivocadas e frequentemente a uma atitude de espera que o colapso resolva o tema do fim do capitalismo. Do ponto de vista estrutural, definimos que nenhuma das questões fundamentais fora resolvida. É uma crise que se gestou como produto das contradições da criação do que chamamos “exuberante” capital fictício, desindustrialização norte-americana como subproduto da deslocalização produtiva, e que hoje ameaça a base pretensamente harmoniosa dos EUA e UE como compradores em última instância, e a China como provedora de mercadorias baratas, a fábrica do mundo, e não há nenhum outro se forjando no lugar. Tudo isso no marco da decadência da hegemonia do imperialismo norte-americano, sem que haja surgido outra potência capaz de substituí-la.
JPO: E como isso se combina com as tendências mais imediatas?
Simone Ishibashi: É preciso considerar as contra-tendências, responsáveis por uma dinâmica que diferentemente dos anos 1930 rapidamente levou ã quebra da economia e ã II Guerra Mundial. Dentre estas há o desenvolvimento da mundialização financeira, e em grande medida produtiva do capital, a intervenção massiva do Estado capitalista que manteve o crescimento da China em cerca de 8% e sustenta no imediato a demanda por commodities. Nos EUA a intervenção estatal conseguiu deter a queda livre da economia, e recompor parcialmente a cadeia de crédito. Nos últimos 3 anos o crescimento foi de aproximadamente 2,2%. Mas a taxa de lucro se recompôs em base a uma maior exploração da força de trabalho. Parte do capital monetário alimentou o crescimento das bolsas e outra parte foi exportada, por exemplo para o Brasil, em que os juros maiores permitiam mais lucro. E há um elemento subjetivo fundamental que é a crise de subjetividade da classe trabalhadora, que ainda que venha num processo de recomposição protagonizando lutas, este é mais lento que o nível dos ataques da burguesia internacional. Mas é categórico que entramos em uma nova etapa da luta de classes internacional com a primavera árabe no centro da situação, cujo debate divide águas na esquerda internacional e votamos seguir tomando-o com hierarquia. Há ainda novos fenômenos políticos na América Latina, com o fim do ciclo dos governos pós-neoliberais e as perspectivas que se abrem para a esquerda. Portanto, este debate foi muito rico, com importantes contribuições e opiniões da militância que defenderam posições distintas sobre os ritmos do avanço da crise capitalista com alto nível e muito embasadas, fortalecendo as análises sobre os possíveis cenários do desenvolvimento da crise e nossa preparação para as mudanças na economia brasileira e internacional.
JPO: A FT-QI está chamando a construção de um Movimento pela Internacional da Revolução Socialista – IV Internacional (MIRS-QI). Quais são seus fundamentos?
Simone Ishibashi: Como o camarada Emilio Albamonte colocou esta é uma orientação fundamental discutida na última Conferência Internacional da FT-QI, e ratificada pelo Congresso da LER-QI. Trotsky antes de fundar a IV Internacional forjou o Bloco dos Quatro que congregava algumas organizações que apontavam um giro ã esquerda, dentre os quais o SAP alemão, o Partido Socialista Revolucionário e o Partido Socialista Independente, ambos holandeses, além da LCI. Trotsky propôs um bloco não em base a princípios abstratos, mas em alguns pontos programáticos candentes e verificáveis na luta de classes daquele momento, dentre os quais a luta contra o stalinismo, contra a política sectária de “sindicatos vermelhos” entre outras questões. Isso permitia que estas organizações avançassem não apenas no debate, mas em experiências comuns de intervenção, de modo a avançar a uma confluência de princípios. A lógica legada por Trotsky é fundamental para que não caiamos nem numa política de “engordar” nossas próprias fileiras, crendo que a resposta para a estratégica tarefa de reconstruir um partido mundial da revolução seria o resultado do desenvolvimento evolutivo de nossa própria organização, nem ceder a uma política oportunista de promover unificações internacionais em base a pontos gerais e sem acordos profundos. Portanto, queremos debater e atuar politicamente junto com os setores que hoje avançam para tomar para si esta tarefa. Para nós isso sintetiza a necessidade de forjar um internacionalismo de combate.
JPO: E quais são as fortalezas internacionais da FT hoje para avançar neste sentido?
Simone Ishibashi: Viemos de um grande combate político que se expressa na histórica votação da Frente de Izquierda (FIT) na Argentina, com mais de 1 milhão e 150 mil votos. A FIT impulsionada pelo PTS, PO, e Izquierda Socialista demonstrou que não é preciso rebaixar o programa, para apresentar-se como alternativa viável aos setores que crescentemente percebem que nada podem obter de profundo dos governos pós-neoliberais, como o de Cristina Kirchner. Isso se combina a uma inserção importante que estamos conquistando na classe trabalhadora, que tem em Zanon seu símbolo mais importante, mas que se combina ã atuação em diversas estruturas operárias, em que houve uma significativa militância pela FIT. Neste sentido, a histórica votação da FIT começa demonstrar-se como uma superação da separação fundamental na Argentina entre o sindical e o político, com a FIT obtendo uma votação muito forte nas fábricas. Tal votação não é produto de um ascenso operário, mas do início da superação desta divisão histórica, com um caráter bastante político. Conseguimos obter nove deputados estaduais, dois senadores estaduais, e dezenas de municipais. Agora a tarefa é ligar a atuação destes parlamentares, como verdadeiros tribunos do povo, ligando-as com as demandas mais sentidas pelos trabalhadores e a luta de classes. Também viemos dando um combate importante para a conformação de uma organização revolucionária na França, com a intervenção no interior do NPA, em que constituímos a CCR, que defende claramente a necessidade de um partido revolucionário. Temos aí apoiado todos os combates de trabalhadores que pudemos, como a mobilização contra o fechamento de grandes fábricas, bem como defendido no movimento estudantil a necessidade de uma fração pró-operária, combatendo o corporativismo. Na Bolívia, por sua vez, atuamos pela fundação do PT em base aos sindicatos, como via de dar voz política aos trabalhadores que romperam com Evo Morales, enquanto no Chile viemos avançando em confluir não apenas com o grandioso movimento estudantil da “juventude sem medo”, forjada nos últimos dois anos, como também com os trabalhadores, como os portuários que protagonizaram grandes greves neste ano. Estes são exemplos de onde partimos, mas não os tomamos para nos contentar com o que somos, e sim como uma fortaleza para avançar a tarefas internacionalistas superiores. Daí a importância do MIRS-QI.
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NACIONAL
Entrevistamos Marília Rocha, operadora de trem do Metrô de São Paulo e delegada sindical que presidiu o Congresso, Diana Assunção, dirigente nacional da LER-QI e Tristán, do Rio de Janeiro representando a juventude da LER-QI.
Como o Congresso avaliou as manifestações de junho e seus impactos no país?
Diana: As grandes manifestações não surgiram do nada. Há anos estão se desenvolvendo processos de luta por questões locais. O ponto alto das lutas antes de junho foram as recorrentes greves nas obras do PAC e a greve nacional dos servidores públicos federais ano passado. A juventude, particularmente, vinha protagonizando várias mobilizações, greves e ocupações de reitoria nas universidades, sendo a própria USP um dos casos emblemáticos. Também a insatisfação com o Congresso Nacional e os políticos e partidos de forma geral não é de hoje e nem é exclusividade brasileira.
O que explodiu em junho foi expressão da contradição entre expectativas de avanços sociais cada vez maiores dos trabalhadores e do povo e um capitalismo em crise, com sua casta de políticos corruptos, cujo mensalào é só mais um capitulo, que não pode atender expectativas sociais mais elevadas do que o consumismo a base de credito farto e que não oferece outro regime político que não fundamentado na repressão e na corrupção. Enquanto estivemos reunidos em nosso Congresso, José Dirceu e José Genoino, fundadores do PT entre outros foram presos pelo já citado escândalo do mensalào a mando do Supremo Tribunal Federal. Porém, isso não diminui a ausência de legitimidade do conjunto dos partidos do regime, e ninguém crê na demagogia cínica dos petistas de que se trata de uma “conspiração da elite”, ou que se tratam de “presos políticos”. Por isso a tendência é que a raiva faça explodir no ano que vem, um ano muito político, novos fenômenos da luta de classes.
Tristan: Não é a toa que foi justamente a juventude a porta-voz das demandas sociais da maioria da população. Ao tomar as ruas em defesa do transporte publico e ser ferozmente reprimida, a juventude se transformou na grande referencia para trabalhadores e setores de classe media, em oposição a casta de políticos corruptos que governa o país. Em tamanho só se comparam aos atos das diretas já em 1984, porém naquele momento todos os partidos convocavam os atos (menos a ditadura e seu PDS), e aqui o papel de estopim coube a juventude através das redes sociais, convocando atos contra uma prefeitura petista (no caso de São Paulo).
Esses atos mudaram a situação política do país. Tanto os trabalhadores estão começando a se colocar em cena, como todos os setores oprimidos da população também começam a articular suas demandas. Ficou para trás a etapa da passividade lulista.No processo das mobilizações - que tiveram sua última expressão vigente na importante greve nacional dos petroleiros, elementos de radicalidade na greve dos professores do Rio de Janeiro e grandes mobilizações nas universidades públicas paulistas-, nesses processos é que estão se demonstrando os contornos da nova etapa, que certamente será de preparação para novos e mais profundos embates da luta de classes.
Quais os próximos passos?
Marília: Queremos lançar com o máximo de aliados que conseguirmos e a partir das estruturas operárias e estudantis onde estamos uma forte campanha pela estatização dos transportes sob controle de trabalhadores e usuários, única forma de alcançar a gratuidade. Os movimentos de junho expressam um sentimento de mudanças, mas uma grande profusão de demandas e temas, muitas vezes sem programa claro. Ao menos sobre a questão dos transportes achamos que é possível neste momento levantar uma demanda clara que possa ser escutada por milhões. Com a proximidade da Copa do Mundo o transporte público que em cidades como São Paulo é caótico, caríssimo e submete os trabalhadores a viajarem como gado, piorará ainda mais. Isso somado aos escândalos de corrupção envolvendo diretores do metrô e grandes monopólios imperialistas como a Siemens, faz com que esta seja uma demanda transitória fundamental e muito concreta. A partir do Metrô de São Paulo vamos buscar encabeçar esta campanha junto com a juventude e nossa ala que integra a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da USP.
No plano de organização, votamos no encontro de 2 de novembro com mais de oitocentos participantes organizar a nível nacional uma corrente nacional de trabalhadores. Um dos principais obstáculos ao avanço dos trabalhadores são as burocracias sindicais da CUT, Força Sindical, CTB e outras centrais. Ao mesmo tempo em que daremos a batalha nos locais de trabalho, pela auto-organização dos trabalhadores, por um programa de demandas transitórias, lutaremos também dentro da CSP-Conlutas pela formação de uma ala esquerda classista e combativa. E como a principal lição de junho é política também queremos colocar a discussão de que um dos pontos programáticos levantados por esta corrente seja a luta por um partido revolucionário de trabalhadores no Brasil e internacionalmente.
Como vocês avaliaram a atuação da esquerda desde junho?
Diana: As jornadas de junho mostraram que não existe no Brasil uma esquerda revolucionaria digna deste nome. O PSOL só pensa nas eleições de 2014. O PSTU fruto da sua adaptação ao regime sindical não cumpriu nenhum papel significante do ponto de vista revolucionário nas mobilizações ou depois dela. A atuação destas correntes no Sepe (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do RJ) foi mais uma mostra da impotência programática e estratégica da esquerda brasileira. Nossa discussão avalia que é preciso refundar a esquerda revolucionária no Brasil, em torno dos balanços de junho, das lições da luta de classes internacional e do balanço histórico da esquerda revolucionaria no Brasil.
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