Alguns fatos políticos que marcam esse início de ano demonstram que as manifestações de junho de 2013, ao contrário de terem sido um "raio no céu sereno" que ficou para trás, como as classes dominantes e sua mídia querem nos fazer crer, causaram uma inflexão profunda no país, cujas consequências ainda reverberam. Os rolezinhos, o crescimento dos movimentos de moradia e a repercussão do assassinato de Kaique são fenômenos políticos da conjuntura que demonstram o "clima" favorável para o desenvolvimento de ações de massas dos setores mais explorados e oprimidos da sociedade. Esses se combinam com os movimentos contra as injustiças ligadas ã Copa, que seguramente darão lugar a acontecimentos políticos nos próximos meses.
Tais processos políticos se inserem em uma situação de deterioração das condições econômicas do país, com aumento da inflação e do desemprego. Seja em função de processos de restruturação produtiva ou de “ajustes” provocados pelos impactos mais acentuados da crise econômica mundial em determinados ramos da economia, esses processos políticos tendem a se combinar com conflitos entre trabalhadores e patrões, como vemos nas centenas de demissões impostas pela patronal da General Motors ou nas perspectivas de lutas por recomposição salarial envolvendo setores do funcionalismo público ao longo do 1° semestre, assim como setores da construção civil ligados ã Copa.
Por mais que a burguesia e os governos estejam buscando recompor uma situação de "normalidade" para a Copa e para as eleições – e de fato conseguiram recuperar sua popularidade, ainda que em níveis inferiores ao pré-junho – os escândalos de corrupção que envolvem o PT na prisão dos mensaleiros e o PSDB na máfia de superfaturamento do transporte metro-ferroviário de São Paulo; assim como os escândalos que desnudam a monstruosidade desumana do sistema prisional e o caráter assassino da polícia, seguem demonstrando a podridão desse regime de "democracia" dos ricos.
Essa relação entre a economia, o regime e a subjetividade do movimento de massas caracteriza uma situação transitória, com variados processos em “ebulição”, com fortes tendências ã politização das contradições econômicas e sociais, na qual distintos fatores podem servir como estopim para ascender novas manifestações de rua ou greves evolvendo setores de massas que recoloquem na ordem do dia a “agenda de junho”.
Nesse marco, é necessário abrir um debate na esquerda e entre os setores de vanguarda sobre qual a orientação política mais adequada para atuar nas distintas conjunturas desta situação e se preparar para os novos fenômenos da luta de classes.
A juventude proletária se coloca em cena com os rolezinhos
Os rolezinhos marcam a entrada da juventude proletária e negra mais pobre e marginalizada no cenário político nacional num patamar superior ao que havia sido sua participação nas jornadas de junho, nas quais essa cumpriu um papel minoritário em relação a setores médios da sociedade. A burguesia, seus ideólogos e sua imprensa buscam "interpretar" os rolezinhos como nada mais que jovens buscando se divertir enquanto fazem apologia ao consumo das marcas de grife. Se por um lado é verdade que os rolezinhos têm essa característica em sua origem, também é fato que eles começaram a ocorrer nos shoppings após a aprovação pela Câmara Municipal de São Paulo da proibição da utilização de vias públicas para a realização de bailes funks. A partir do momento em os rolezinhos passaram a enfrentar a repressão estatal, esses ganharam uma dimensão política por questionarem o apartheid social que marca profundamente a estrutura social do país. Jovens (em sua maioria negros) que vivem um estado de sítio permanente nas favelas e nas periferias – onde têm ocorrido frequentes rebeliões em função da ação assassina da polícia – decidem questionar o status quo que garante apenas ás elites (em sua maioria branca) o direito de ter espaços de diversão e lazer. Esse questionamento, combinado com a rotineira brutalidade policial e o apoio que os rolezinhos ganharam de amplos setores médios da sociedade (um "mix" com elementos parecidos aos que acenderam as faíscas de junho), acionou o alerta vermelho do governo, obrigando Dilma a pautar o assunto com seus ministros em reunião emergencial.
Está em aberto em que medida pode haver uma confluência entre a juventude dos rolezinhos e os jovens que protagonizaram as jornadas de junho num patamar superior de novas manifestações de massas ou em ações de vanguarda que aprofundem a crise já aberta, principalmente se o Estado volta ã carga com a brutalidade repressiva da polícia.
Quem matou kaique?
Em meio a todo racismo evidenciado pelos rolezinhos, mais um jovem negro e homossexual de 16 anos foi brutalmente assassinado em São Paulo. A indignação dos movimentos sociais expôs a tentativa da polícia de, assim como na época da ditadura, mascarar o assassinato como suicídio. Mesmo com as novas declarações de sua família confirmando a posição da polícia, a explicação de como alguém que cometeu suicídio arrancaria todos os dentes permanece um mistério. Antes de junho, assassinatos como o do pedreiro Amarildo ou dos jovens Douglas Rodrigues e Kaique, sejam pelas mãos da polícia ou de grupos de ultradireita, eram parte de uma rotina velada que todos sabiam existir, mas que ficava de certa forma “naturalizada” assim como o apartheid social que antes dos rolezinhos nos shoppings fechava os olhos para a violência que os jovens negros de periferia sofrem frente a qualquer tentativa de manifestação social, cultural, política ou de simples lazer coletivo em seus bairros. Depois de junho, essas formas de violência policial, assim como de racismo e homofobia, têm gerado permanentes movimentos de protesto e se transformado em temas políticos amplamente debatidos, contribuindo para desmascarar o reacionarismo do regime dominante.
Apesar de nos discursos os governos petistas tentarem se colocar ao lado dos setores mais oprimidos, torna-se mais evidente seu falso “progressismo” na medida em que não utilizam sua autoridade política para mudar essa situação, seja porque não querem perder votos em setores mais conservadores da sociedade, seja porque dependem de alianças com as oligarquias mais reacionárias do país para governar. Pelo contrário, o governo Dilma, ao mesmo tempo em que negou o direito ao aborto, fez vistas grossas para a “bolsa estupro” e empurrou com a barriga o projeto de lei que criminaliza a homofobia, foi o responsável pela nomeação do racista e homofóbico Marcos Feliciano para presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Com seu símbolo das UPPs amplamente questionado, o governo do PT passou a encabeçar, em conluio com governos do PSDB e de seu aliado PMDB, os grupos especiais de inteligência policial que perseguem e criminalizam jovens ativistas.
Depois da brutal repressão que incendiou a faísca de junho, a cada Amarildo, a cada Douglas ou a cada chacina como a que recentemente matou 13 pessoas em Campinas, a polícia vem sendo mais e mais desgastada aos olhos de amplos setores da população, como uma instituição que longe de estar a serviço da “segurança pública” cumpre o papel de sustentar – com métodos de guerra civil permanente contra a maioria da população pobre e negra mais explorada do país – o apartheid social que dá tranquilidade para a classe média branca passear nos shoppings centers e usufruir de seu consumo de alto luxo.
O crescimento desses movimentos de luta contra a violência policial e as distintas formas de opressão por um lado e, por outro, o crescimento dos assassinatos de homossexuais e de moradores de rua por parte de setores de ultradireita antecipam uma polarização social própria de momentos mais agudos da luta de classes.
A dinâmica crescente dos movimentos de moradia
Desde as jornadas de junho vemos um ciclo ascendente de movimentos de moradia especialmente em São Paulo, mas que se estende a outras importantes capitais importantes como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Enquanto no Rio se desenvolveram vários processos de mobilização em função das remoções para a Copa, em São Paulo os movimentos de moradia se constituíram como um dos importantes atores das jornadas de junho através dos cortes das principais rodovias de acesso ã cidade durante as manifestações. Tanto em São Paulo como na Grande Belo Horizonte (ou, mais precisamente, no importante centro industrial de Contagem), estão em curso grandes ocupações urbanas que reúnem milhares de famílias, como há vários anos não ocorria.
O papel que cumpre a prefeitura de Haddad como uma das principais “vitrines” para que o PT possa pleitear o governo de São Paulo nas eleições desse ano, combinado com a crise fiscal em que se encontra essa cidade e com o “espírito de junho” que dificulta ações repressivas de grande monta, fazem com que as tentativas de desviar com concessões ou derrotar pela força os enormes acampamentos que ocupam a zona Sul da cidade de São Paulo (tradicionalmente um “bastião” histórico do peso eleitoral do PT) possam dar lugar a crises políticas de dimensão nacional.
É necessário colocar de pé uma grande campanha nacional contra os ataques da General Motors
No final de 2013 a patronal da General Motors de São José dos Campos consumou a demissão de centenas de trabalhadores de uma de suas unidades nessa cidade (a chamada MVA), concluindo o fechamento da mesma. As demissões se dão num período em que a GM vem anunciando lucros altíssimos e crescentes. Com essa medida a GM dá mais um passo no processo de restruturação produtiva através do qual vem cortando seus custos de produção. Chantageando com o destino dos investimentos para suas distintas fábricas no Brasil e no exterior, a GM tem obtido polpudos subsídios fiscais e empréstimos a custo mais baixo por parte de todas as esferas de governo. Essa estratégia da GM corrobora perfeitamente com a estratégia do governo federal de manter os níveis de consumo baseado nos baixos níveis de desemprego, mesmo que ao custo de uma mais intensa e mais estendida precarização das condições de trabalho.
As demissões na GM devem ser encaradas como um ataque ao conjunto da classe trabalhadora, pois, pela importância dessa empresa e pelo fato dos seus trabalhadores terem um sindicato dirigido pela esquerda, abre mais um precedente para novos ataques que certamente ocorrerão frente ao cenário de debilitamento da economia. Para combater a estratégia da GM, A CSP-Conlutas e a Anel precisariam impulsionar um plano para transformar a luta contra as demissões e o fechamento da unidade MVA e contra a precarização das condições de trabalho dos operários da GM em uma grande causa nacional e internacional. Para tal, o sindicato precisa convocar um grande ato na porta da fábrica e um encontro de trabalhadores e estudantes em São José dos Campos, convidando sindicatos, organizações estudantis e populares, que coloque de pé um verdadeiro plano de luta para barrar as demissões, garantir os empregos, recuperar os salários e direitos perdidos com os acordos, promovendo atos, bloqueios de ruas e estradas e paralisações nas metalúrgicas de São José dos Campos. Essa campanha deve ser levada ã frente em todos os locais de trabalho e de estudos em que a Conlutas atua e precisa ser uma das bandeiras importantes de todo e qualquer processo de mobilização. Nenhuma campanha salarial pode estar desligada da mesma.
Em especial, o SINDMETAL deve se dirigir aos trabalhadores das demais fábricas da GM no Brasil que se encontram sob a nefasta influência da CUT e da Força Sindical para denunciar a chantagem patronal e unificar todos os trabalhadores das distintas plantas dessa empresa em uma só luta para barrar as demissões e o fechamento da MVA, para que os novos empregos sejam criados de forma proporcional ao número de trabalhadores de cada planta, e para que todos os direitos e condições de trabalho sejam equiparados aos de São José dos Campos e não o contrário, impondo essa unidade ás direções traidoras ou concretizando a unidade independente das mesmas.
O combate em defesa do emprego e das condições de trabalho deve se articular com a luta pela abertura dos livros de contabilidade da empresa para desmascarar a sangria de lucro que a patronal realiza sobre o suor dos trabalhadores. E como alternativa estratégica ã sede de lucros da patronal devemos propagandear a proposta de nacionalização de todo o ramo industrial automotor, colocando-o a serviço da produção de transportes públicos e carros populares a baixo custo.
Ao contrário de tudo isso, ou de outras formas de organizar um sério plano de luta, o PSTU aceita o acordo apresentado pelo TRT. No dia seguinte do acordo, o dirigente do PSTU, Mancha, assim é citado no Jornal Valor Econômico: “O secretário-geral do sindicato dos metalúrgicos de São José, Luiz Carlos Prates, mais conhecido como Mancha, diz que uma série de currículos de ex-funcionários da GM já foi encaminhada ã Chery. ‘Alguns deles já foram contratados e estão fazendo estágios nas fábricas da montadora na China’, informa”. Aceitar um acordo de melhoria das indenizações dos demitidos e seguir com a estratégia de exigir a intervenção do governo federal e pactos de mais investimentos com a patronal, bem como “distribuir currículos” dos demitidos, não pode ser considerada uma “luta”, apesar do PSTU na direção do sindicato assim o dizer. Pelo contrário, deve ser considerada mais uma batalha não dada em função de uma estratégia de conciliação de classes, ainda mais depois dessa mesma linha política ter dado lugar a tantas derrotas. Trata-se de uma estratégia que se contrapõe pelo vértice ás conclusões mais elementares das jornadas de junho: não podemos confiar nos governos capitalistas e a ação direta e independente é o único caminho para dobrar a vontade dos inimigos de classe.
Os movimentos contra as injustiças ligadas ã Copa
Com alguns milhares de apoiadores no facebook e alguns processos incipientes de organização em reuniões envolvendo distintos setores, os movimentos que criticam as injustiças ligadas ã Copa (mais conhecidos como #nãovaitercopa) já ganharam legitimidade suficiente para que o governo Federal e o PT tivessem que colocar em movimento sua máquina estatal, partidária e de "formadores de opinião" – intelectuais, jornalistas, ativistas da blogsfera, dirigentes sindicais, estudantis e populares – para defender a legitimidade do megaevento (chegando a criar um movimento #vaitercopa).
Dilma e seus seguidores se esforçam para colocar de pé uma campanha que coloque todas as críticas ã Copa como parte de um mesmo “bloco político” que a oposição de direita burguesa capitaneada pelo PSDB. Já se tornou um lugar comum que frente a todo questionamento de massas ao seu governo o PT impulsiona campanhas desse tipo, inventando verdadeiras “teorias da conspiração” de supostos “golpismos da direita”, buscando esconder que a boa parte da direita se encontra na própria base de apoio ao governo através dos Sarneys, Renan Calheiros, Collor etc. Com isso, tentam desqualificar e colocar na defensiva os setores que querem combater o governo petista pela esquerda.
Entretanto, depois de junho, amplos setores da população estão mais sensíveis ã evidente contradição entre os absurdos montantes de dinheiro dedicados ao megaevento por um lado e por outro as enchentes que mais uma vez arruínam a vida de dezenas de milhares de famílias, as filas e a péssima qualidade do sistema de saúde, a precariedade da educação, a falta de moradias etc. Essa contradição ainda mais exposta pela Copa, ligada ás remoções de inúmeras famílias de suas casas, ás leis de proibição dos protestos, ás leis que prejudicam muitos pequenos comerciantes em favor das máfias associadas ã FIFA e ao próprio caráter elitista dos eventos que necessariamente excluem a maioria esmagadora da população de qualquer possibilidade de assisti-los diretamente, faz com que amplos setores de massas tendam a apoiar ou participar em distintos níveis dos movimentos que se propõem a questionar tais injustiças.
As manifestações convocadas para o dia 25 de janeiro em várias cidades do país serão um primeiro “teste” para esse movimento. Mas daqui até a Copa está em aberto a dimensão que o mesmo poderá adquirir.
Retomar as bandeiras de junho, por uma campanha nacional pela estatização dos transportes com gestão dos trabalhadores e controle dos usuários
Para além de todas as questões que têm ganhado maior evidência na conjuntura, uma das principais lições de junho foi a força que adquiriu a concentração de energias em torno à luta contra a carestia dos transportes públicos. Por mais que junto ã massificação das manifestações tenham surgido muitas demandas que também ganharam peso, a questão dos transportes foi a que manteve maior destaque e que se colocou no centro dos acontecimentos, concentrando a principal conquista que deu lugar ao refluxo das mobilizações, deixando assentada a conclusão de que através de ações independentes das massas é possível obter demandas até então tidas como impossíveis.
A tradição da esquerda de fazer propaganda de respostas programáticas a várias questões sem hierarquia entre elas (misturando demandas justas com demandas de conciliação de classes) é uma herança petista que serve apenas para constituir plataformas eleitorais que alimentam transformações pelas vias institucionais da democracia burguesa. Para forjar uma nova forma de fazer política baseada na ação independente dos explorados e oprimidos através dos métodos da luta de classes, precisamos aprender a concentrar energias em um programa que possa de fato ser assimilado por setores de massa da classe trabalhadora e da juventude para se transformar em força política através da ação independente e unificada dos sindicatos e das entidades estudantis e populares.
A melhor forma de hoje ser consequente com essas lições das jornadas de junho é concentrar as forças das organizações de esquerda e todas as entidades que essas dirigem ou influenciam em impulsionar uma campanha política nacional que dê uma resposta de fundo ã questão dos transportes. A carestia e a precariedade dos transportes é um dos principais motivos que leva a juventude proletária e negra da periferia e das favelas a viver o apartheid social que hoje é questionado pelos rolezinhos. Sendo a demanda que ganhou maior amplitude de massas nas jornadas de junho, pode unificar setores mais amplos em torno de um programa pela positiva que dialogue com a indignação provocada pelas injustiças ligadas ã Copa do Mundo. Trata-se de um dos problemas mais sentidos pela população mais pobre que vive sem moradia ou em condições precárias. Esta tarefa estaria diretamente associada a necessidade do não pagamento da dívida interna e externa bem como pela imposição de impostos progressivos ás grandes fortunas.
É em base nesses fundamentos que a esquerda deveria unificar forças para impulsionar uma campanha nacional pela estatização dos transportes com gestão dos trabalhadores e controle dos usuários. Esse é o único programa que pode de fato garantir transporte público digno, de boa qualidade e a preço acessível para toda a população. É a única via possível para que as formas de gratuidade que a população decida ter não sirvam para enriquecer os capitalistas dos transportes (como ocorre atualmente com inúmeros subsídios e como seguiria ocorrendo com a implementação do projeto de “tarifa zero” elaborado pelo PT no governo de Erundina).
Hoje a esquerda tem um importante ponto de apoio que poderia ser utilizado para impulsionar essa campanha, que é o fato do PSTU (e por essa via a CSP-Conlutas) estar na direção do sindicato dos metroviários de São Paulo, num momento em que os escândalos de corrupção envolvendo desvio de verba pública no metrô estão no centro do cenário político nacional. Ligada ã campanha salarial dos metroviários que ocorre no mês de maio, uma campanha pela estatização dos transportes poderia ganhar uma enorme dimensão nacional ás vésperas da Copa. Pelo peso político que tem, o sindicato dos metroviários de São Paulo poderia convocar um encontro nacional de trabalhadores e jovens para impulsionar essa campanha.
Impulsionar essa campanha é uma das tarefas que deveriam ser tomada com centralidade pela CSP-Conlutas e pela Anel, buscando unirem-se em torno da mesma com as Intersindicais e entidades estudantis de base ligados a essas organizações. Essa necessidade mostra como foi um importante erro o PSTU ter suspendido o Congresso Nacional da CSP-Conlutas que estava previsto para o primeiro semestre de 2014. Ainda assim, os encontros que a CSP-Conlutas e a Anel estão convocando em substituição ao Congresso ainda podem e devem ser preparado de forma a cumprir esse papel, em articulação com um possível encontro convocado pelo Sindicato dos metroviários de São Paulo.
Colocamos a serviço dessa tarefa as forças que temos na corrente de trabalhadores Metroviários Pela Base, nossas forças como fração minoritária do Sintusp, nossa atuação na agrupação Professores Pela Base na Apeoesp, nossa militância na corrente de bancários Uma Classe, as companheiras que impulsionam o grupo de mulheres Pão e Rosas, assim como nossos trabalhos clandestinos em fábricas e as forças de nossos estudantes que constroem a Juventude As Ruas, que hoje junto a independentes estão na direção majoritária do C.A. de Filosofia da UFMG e do C.A. do IFCH da Unicamp. Nos propomos a debater essa tarefa nas entidades, atividades e assembleias de base das estruturas em que militamos e lutar por ela nos fóruns da CSP-Conlutas e da Anel, assim como em todos os espaços da esquerda.
Uma das tarefas fundamentais de um encontro como esse seria também impulsionar uma campanha nacional e internacional contra os ataques patronais na GM.
Por um programa que forje a aliança operário-popular
Um encontro nacional de trabalhadores e estudantes na atual situação nacional poderia não só ser uma plataforma para campanhas pela estatização dos transportes e em solidariedade aos trabalhadores da GM, mas também permitiria que os setores de vanguarda promovessem um programa operário independente para responder aos fenômenos políticos mais dinâmicos da conjuntura, buscando forjar uma aliança mais profunda entre os setores mais combativos da classe trabalhadora e do movimento estudantil com as lutas populares em curso. Um encontro como esse deveria levar para a base dos setores o compõem o debate sobre a necessidade de defender: a expropriação de todos os imóveis utilizados para a especulação imobiliária e um plano de obras públicas administrado pelos sindicatos para suprir o déficit habitacional do país gerando mais empregos; a expropriação dos shoppings centers para transformá-los em centros de lazer, esporte e aprendizado para a juventude proletária; e o não pagamento a dívida pública e junto a impostos progressivos aos capitalistas para financiar esses gastos sociais.
Uma perspectiva de greves no primeiro semestre
No marco da corrosão do poder de compra subproduto da inflação e da política dos governos de não dar aumentos salariais para não comprometer o pagamento da dívida pública, várias categorias do funcionalismo têm anunciado a preparação de greves para os próximos meses. Ao mesmo tempo, os operários das obras de construção civil ligadas ã Copa, em função da necessidade de finalização das obras, se sentirão mais fortes para pleitear a melhoria de seus ganhos. Esses dois fenômenos, ligados ã tendência de que ramos industriais mais atingidos pela crise mundial busquem demitir ou aumentar os níveis de exploração para manter suas margens de lucro ou descarregar seus prejuízos sob as costas dos trabalhadores, configura um cenário de possíveis greves no primeiro semestre.
Um encontro nacional de trabalhadores e jovens como propusemos acima poderia cumprir um papel chave na coordenação dessas lutas, impulsionando a unificação das lutas salariais e cercando de solidariedade todo setor que for vítima de ataques patronais. Tal unificação precisa se dar em torno a um programa que dê uma saída de fundo ás mazelas mais sentidas pela classe trabalhadora: pela unidade entre efetivos, terceirizados e temporários através da luta pela incorporação dos trabalhadores precários como efetivos das empresas em que trabalham sem a necessidade de concurso público, com salários e direitos iguais; pelo salário mínimo do Dieese (R$ 2.765,44) para todos, reajustado automaticamente de acordo com o aumento da inflação; pela divisão das horas de trabalho disponíveis entre todas as mãos dispostas a trabalhar, reduzindo a jornada de trabalho sem redução dos salários, de modo a manter e elevar o nível de emprego atacando os lucros patronais.
É necessário construir frações revolucionárias no movimento operário e no movimento estudantil
Frente ás possibilidades de novos fenômenos da luta de classes que se abrem nesse início de ano precisamos tirar lições das jornadas de junho para definir que orientação deve ter a esquerda para que essa possa cumprir um papel determinante em defesa de uma política que contribua para que a classe trabalhadora, em aliança com a juventude e o povo pobre, emerja como um sujeito político independente da burguesia.
Frente a todos os processos políticos e da luta de classes do último período, a burocracia da CUT, da Força Sindical e da CTB cumpriram um pape essencial em amortizar, conter e desviar possíveis processos de luta que colocassem a patronal e o governo contra a parede, protegendo seus “amos”. As jornadas de junho, à luta pela aparição com vida de Amarildo, a greve dos petroleiros contra a privatização do leilào de Libra, a greve dos professores do Rio de Janeiro contra a deterioração do ensino, os escândalos de corrupção envolvendo o PT e o PSDB: frente a todas essas questões a burocracia sindical impediu que os principais bastiões da classe trabalhadora que se encontram sob sua direção intervenham ativamente como sujeito político independente através de seus métodos próprios de luta, como greves, piquetes e ações de rua. Esse se constituiu como o principal limite para que se abrisse no país uma situação pré-revolucionária. Foi um papel ainda mais criminoso se levamos em consideração que previamente a junho a classe trabalhadora vinha passando por um ciclo ascendente de greves que culminou em 2012 com o maior índice de paralizações da última década, trazendo consigo uma disposição de luta que ficou claramente expressa no apoio massivo ã juventude nas ruas.
Qualquer participante das jornadas de junho sabe que as organizações tradicionais da esquerda (principalmente os partidos políticos como o PSOL e o PSTU, mas também as entidades sindicais e estudantis dirigidas por eles) cumpriram um papel marginal nas manifestações, tendo inclusive em várias situações sido identificados com as instituições do regime contra as quais se voltavam setores de massas. Nesse momento chave da luta de classes, o peso parlamentar do PSOL serviu para que sua principal figura pública – o senador Randolfe Rodrigues – aparecesse junto a Dilma defendendo a política do governo de desviar o movimento através de uma “reforma política” pela via do Congresso. O peso sindical do PSTU foi impotente para mobilizar setores de massas de trabalhadores das bases que dirige para se ligar ã juventude nas ruas nos momentos decisivos de junho através dos métodos da classe trabalhadora, ficando a reboque da política da burocracia sindical de esperar refluírem as ações de massas para realizar mobilizações parciais que aliviassem a pressão das bases sem colocar os principais bastiões da classe operária em movimento junto ã juventude.
Se em certo sentido pode-se dizer que a dimensão adquirida pelas jornadas de junho pegou todos “de surpresa”, por outro lado é impossível não tirar a conclusão de que essas organizações, no período precedente, não haviam se preparado para cumprir um papel determinante quando chegasse esse momento. É impossível negar que esse resultado foi construído pela prática corporativa ã qual as organizações de esquerda se adaptam na direção dos sindicatos e entidades estudantis, constituindo essas entidades como instrumentos impotentes frente a acontecimentos políticos que extrapolam suas estruturas, incapazes de se apresentar como uma clara e visível alternativa ao petismo.
É necessário concluir que a prática de fazer propaganda de bandeiras de esquerda através das superestruturas sindicais e estudantis ao mesmo tempo em que se adapta ao corporativismo na relação cotidiana com a base constitui uma tradição que constrói a impotência para a luta de classes. É necessário concluir que sem criar frações revolucionárias nas bases operárias e estudantis que sejam organicamente ligadas a setores de massa, que atuem em base ã soberania das assembleias e a representações por local de trabalho e estudo que realmente se pautem pela decisão de suas bases, e que se preparem para atuar politicamente mobilizando suas bases frente ás grandes questões nacionais é impossível construir uma alternativa real ao reformismo.
Ser consequente com essas lições implica em batalhar desde já para que os setores mais conscientes da classe trabalhadora e da juventude construam as tarefas aqui desenvolvidas em cada local de trabalho e de estudo, preparando assembleias massivas e politizadas. Só assim será possível construir frações de vanguarda de trabalhadores e estudantes que coloquem de pé um encontro de delegados de base capaz de dar visibilidade nacional e um programa de independência de classe através de campanhas políticas que retomem as jornadas de junho possam ir além.
Um encontro de delegados de base como o que estamos propondo , na medida em que adquira força política através da militância de frações de vanguarda nas estruturas sindicais e estudantis dirigidas pela esquerda que convençam setores de massas da necessidade de realizar greves que não sejam apenas corporativas e sim que assumam demandas políticas do conjunto do povo, permitirá que a esquerda não fique a reboque da burocracia sindical da CUT ou da Força Sindical e sim que obrigue as mesmas a realizarem frentes únicas que coloquem em movimento os principais bastiões da classe trabalhadora, sob pena de serem varridos por suas bases que passarão a ter como referência alternativa os setores de vanguarda que demonstrariam na ação uma outra forma de fazer sindicalismo e política: uma forma não corporativa de ação sindical, que faz política não através das vias “normais” das instituições tradicionais da democracia burguesa e sim através da luta de classes.
É a serviço dessa perspectiva que nós da Liga Estratégia Revolucionária, junto com setores independentes, impulsionamos a construção de uma nova corrente nacional de trabalhadores, assim como a Juventude As Ruas.
Por uma frente classista para atuar nas eleições
Em meio a todos os processos de luta que provavelmente atravessarão o ano, as eleições de outubro seguirão sendo um dos principais temas nacionais. Nesse marco, os espaços políticos proporcionados ã organizações de esquerda em função das eleições devem ser colocados a serviço de potencializar os processos de luta de classes nas ruas, nos locais de trabalho e de estudo. A perspectiva que desenvolvemos acima de um encontro de delegados de base impulsionado pelas organizações de esquerda e os setores de vanguarda, juntamente com todos os elementos programáticos que a ele relacionamos, seria com certeza uma base de apoio para a conformação de uma frente eleitoral que siga o exemplo da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina. Essa frente eleitoral no país vizinho obteve de 5 a 8% dos votos, elegeu três deputados federais e vários vereadores defendendo um programa classista organicamente ligado ás lutas e aos novos processos de organização da classe trabalhadora e da juventude numa perspectiva anticapitalista de combate ã conciliação de classes. Entre outras coisas, se fez conhecida por defender e implementar na prática o programa de que todo político, juiz ou funcionário público de alto escalào ganhe o mesmo que um professor.
Indo no caminho contrário, em seu recente congresso o PSOL, através da legitimação dos métodos de fraudes próprias dos partidos burgueses, escolheu Randolfe Rodrigues para encabeçar a candidatura ã presidência de seu partido. Essa escolha, apesar dos discursos que buscam vincular a campanha eleitoral do PSOL ás jornadas de junho, sinaliza claramente a favor de um programa de conciliação de classes e de todo tipo de alianças espúrias com setores ligados ao governo e com a oposição de direita, como se expressou nas últimas eleições. A mesma não inclui apenas as correntes das alas ã direita do PSOL, mas também setores que no último período vinham compondo o “bloco de esquerda” que se opôs ã candidatura de Randole. É o que podemos ver na disposição do MES de Luciana Genro a ocupar o cargo de vice de seu ex-adversário; e também na participação da juventude dessa corrente (Juntos!) na construção de um “plebiscito por uma reforma política” para o dia 7 de setembro, demonstrando seu monstruoso eleitoralismo ao eleger como campanha central uma política que passa longe de todos os processos políticos e de mobilização que atravessam a conjuntura e a situação política do país daqui até a Copa. O PCB, apesar de levantar a candidatura de Mauro Iasi como uma possível alternativa pela esquerda a Randolfe Rodrigues, também expressa um programa de conciliação comum com a atual direção majoritária do PSOL em seu currículo (como ter apoiado o governo Lula em seus primeiros anos e composto uma frente na eleição para vereadores com o candidato de Randolfe em Macapá, mesmo com este candidato sendo apoiado por partidos burgueses, e mais de um ano depois ter anunciado a desfiliação de seu vereador sem nenhum balanço de todo esse processo).
Nesse cenário, o PSTU, o PCO e as correntes da esquerda do PSOL, que são as organizações da esquerda que possuem legalidade para participar do processo eleitoral, deveriam colocar suas legendas a serviço da conformação de uma frente político-eleitoral que debata um programa classista junto aos setores de vanguarda que estarão adiante dos processos da luta de classes que marcarão o primeiro semestre, oferecendo sua agitação eleitoral para que tal frente seja integrada pelos principais lutadores dos mesmos. É necessário desde já abrir um debate entre essas organizações e setores independentes de vanguarda sobre as vias de constituição de uma alternativa classista nas eleições que combate não só as distintas alternativas da burguesia, mas também o projeto de conciliação de classes defendido pela direção majoritária do PSOL.
A luta por um encontro de delegados de base que unifique a intervenção de distintos setores da esquerda nos principais desafios da luta de classes no próximo período (para isto é preciso as correntes de esquerda superem seu rotineirismo) combinada com a constituição de uma frente política classista que utilize a agitação eleitoral a serviço de potencializar essa intervenção assentaria as bases para a abertura de um debate entre os setores que participarem desse processo sobre o programa, a estratégia e os métodos que devem guiar a construção de um partido revolucionário no Brasil.
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