Por Felipe Guarnieri, delegado sindical da estação Santa Cruz [1]
Os rodoviários de Porto Alegre nos últimos dias realizaram uma greve histórica. Enfrentaram-se com a prefeitura, com os empresários do transporte, deixaram o governador Tarso Genro na defensiva e ainda tiveram que superar a burocracia da Força Sindical que atuou de mãos dadas com os patrões durante toda a greve. A luta dos rodoviários retomou o que foram as manifestações de junho nas ruas, não só pela força da mobilização dos trabalhadores, mas principalmente porque reabriu novamente o questionamento do nível de precarização dos serviços públicos, através da terceirização e privatização, que por um lado acarreta no ataque as condições de trabalho e nos direitos dos trabalhadores, e por outro impõe um péssimo transporte para população, super lotado, caro e sujeito a várias panes e falhas. Como podemos ver recentemente no Metro de SP com a quantidade de acidentes que ocorreram nos últimos dias, na L3 vermelha e na Linha 5 Lilas, deixando a população no sufoco enquanto governo e empresários faturam bilhões com o dinheiro da corrupção. Ainda que o conflito segue em aberto, já que os trabalhadores permanecem em estado de greve aguardando o julgamento do dissídio, nesses dias que estive em Porto Alegre pude perceber como a organização de base dos rodoviários para combater os patrões e a burocracia sindical, e o apoio que tiveram da população, foram dois fatores fundamentais que devem servir de exemplo para as novas lutas que surgirem em todo o país. A partir dessa luta histórica e com a questão do transporte sendo novamente um dos principais temas nacionalmente, reforça-se a importância do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, convocar com urgência junto ao Movimento Passe Livre, os Movimentos Sociais organizados, Sindicatos, oposições sindicais e a juventude, um grande encontro nacional para debater uma saída de fundo a crise dos transportes nacionalmente, construindo uma plano de lutas imediato para responder as reivindicações mais imediatas para os trabalhadores e a população, dentro de uma perspectiva de construção de uma grande Campanha Pela estatização dos transportes, sob gestão dos trabalhadores e controle dos usuários, que faça confluir a luta dos trabalhadores com as manifestações de rua nacionalmente.
Para entender melhor como foi todo esse brutal processo de mobilização dos rodoviários de Porto Alegre, abaixo o depoimento de Adailson, trabalhador da Empresa Trevo, membro da CIPA e uma das principais lideranças da greve, e uma entrevista que fiz com Valéria Muller, estudante e integrante do Bloco de Lutas, que apoiou ativamente a luta dos trabalhadores nos piquete e cumpriu um importante papel na organização do fundo de greve.
Abaixo reproduzimos uma entrevista com Valéria Muller, estudante e integrante do Bloco de Lutas, que apoiou ativamente a luta dos trabalhadores nos piquete e cumpriu um importante papel na organização do fundo de greve.
1-) Como se iniciou a greve dos rodoviários de Porto Alegre? Quais eram as principais reivindicações? Por que foi considerada uma greve histórica?
VM: Desde o ano passado os rodoviários de Porto Alegre vem se mobilizando. Já no início de 2013, depois de uma votação do dissídio turbulenta e manipulada pelo sindicato, os trabalhadores saíram em marcha pela anulação dessa votação. Embora não tenham conseguido o que pretendiam, o saldo organizativo desse processo se expressa durante o ano todo, quando por duas vezes os trabalhadores realizaram paralisações “relà¢mpago” e também operações tartaruga, com os ônibus circulando em velocidade reduzida. No final do ano, quando se abrem as negociações do dissídio de 2014, os trabalhadores elegem sua própria comissão para participar das mesas de negociação, pois não confiam no sindicato. Foram três reuniões de negociação onde os trabalhadores saíram de mãos vazias. Na assembleia do dia 23 de janeiro os trabalhadores, então, decidem pela greve. A pauta de reivindicações tem mais de 100 pontos, porém os principais são o fim do banco de horas, a manutenção do plano de saúde, que vinha sendo ameaçado pelos patrões, reajuste de 14% nos salários e aumento no vale alimentação de R$16,00 para R$20,00, além da jornada de 6 horas de trabalho. A greve é histórica, primeiro pela organização e mobilização geral da categoria, estancada durante anos por um sindicato vendido. Também pelo fato de que foram 13 dias sem nenhum ônibus rodando nas ruas da cidade, pois os trabalhadores desafiaram a justiça quando esta determinou que 70% da frota funcionasse. É a greve dos transportes mais longa da história da cidade, com apoio da população, e que ocorre em meio a uma crise dos transportes a nível nacional e demostra claramente que a culpa de todo o caos nos transportes é dos patrões, que têm ao seu lado a justiça, as prefeituras e os sindicatos pelegos.
2-) Com o sindicato ficando do lado do patrão, o que os trabalhadores fizeram? Como eles se organizaram?
VM: Ano a ano, a categoria vinha tendo seu dissídio vendido pelo sindicato, em assembleias manipuladas, com diversas pessoas que não eram trabalhadores rodoviários (contratados pelo sindicato) votando para aceitar as migalhas dos patrões. Só que em meados de 2011-2012, os rodoviários, cansados de trabalhar cada vez mais em piores condições e com salários reduzidos, começaram a se organizar a partir das bases e de maneira independente. É aí que nasce o Movimento Independente dos Rodoviários - o MIR. Posteriormente esse movimento foi ganhando o apoio de setores da esquerda, centrais e agrupações sindicais como a Conlutas, a Intersindical, a CUT e A CUT Pode Mais. Foi o MIR que liderou o comando de greve e também a comissão de negociação. Embora o MIR estivesse ã frente da direção da greve, seguidamente a base da categoria tomava decisões que nem todas as lideranças concordavam, porém a assembleia é soberana e por isso todos se centralizavam e defendiam essas decisões. Foi o caso da decisão de deixar 100% dos ônibus nas garagens, tomada após uma liminar da justiça conseguida pelo prefeito Fortunatti, que determinou que 70% da frota rodasse. A base da categoria entendeu que 70% dos ônibus na rua não era greve, e em resposta, colocou todos os ônibus na garagem, o que levou a justiça a considerar a greve "ilegal".
3-) Mesmo com 100% do transporte parado, a greve teve apoio da população?
VM: Um movimento muito inteligente que os trabalhadores rodoviários fizeram tão logo quanto decretaram a paralisação geral da frota foi declarar que colocariam todos os ônibus nas ruas se a prefeitura decretasse passe livre até o fim das negociações do dissídio. A conta, segundo os trabalhadores, deveria ser paga pelos patrões, que eram os culpados dessa situação e na época se negavam a negociar. Isso que os trabalhadores fizeram, e a posterior batalha para que os veículos de comunicação de massas divulgassem essa declaração, mostrou claramente ã população de Porto Alegre quem eram os culpados por essa situação. Além disso, aqueles trabalhadores que utilizam o transporte coletivo sabem que é dura a vida dos rodoviários e se solidarizaram com a situação desses trabalhadores, apesar do problema que é não ter transporte. Isso se expressa bastante em uma panfletagem realizada no centro de Porto Alegre pelo Bloco de Lutas Pelo Transporte Público em apoio a greve, onde as pessoas pediam o panfleto, se interessavam em saber e manifestavam seu apoio a greve, mesmo aguardando, em filas quilométricas, os táxis-lotação que seguiam rodando durante a greve e as vans escolares que prefeitura chamou para funcionar.
4-) Na última assembleia os trabalhadores votaram novamente pela rejeição do acordo com a patronal. Na sua opinião por que a greve não continuou até o dia do dissidio? Qual foi a posição dos agrupamentos de oposição?
VM: A disposição de luta da categoria é enorme, além de uma desconfiança no sindicato, que defendeu a proposta da patronal. Isso foi um fato importante na decisão de levar a ajuizamento o dissídio. Porém, a grande arma dos patrões contra os trabalhadores que lutam é o corte de salários, e foi isso que máfia dos transportes de Porto Alegre fez. Quinze dias de greve é uma quinzena inteira sem receber nenhum centavo. Os trabalhadores lutam, entre outras coisas, por salários melhores justamente porque o que eles recebem é muito pouco para manter suas vidas e suas famílias, então imagina com os descontos. Isso pesa muito na não manutenção da greve. A maioria dos trabalhadores estava fazendo greve pela primeira vez, então é compreensível que não organizassem logo de início um grande fundo de greve para amenizar essa situação. Porém, as centrais nacionais, os partidos de esquerda e organizações que apoiavam a greve tinham total condição de impulsionar essa importante política de independência de classe junto ã categoria, que garantiria, além da manutenção da greve até o dissídio, um prejuízo menor para os lutadores rodoviários. A maioria dos agrupamentos (Sindicato, MIR, apoiado pela CUT, PSOL, PSTU) estava por aceitar a proposta de 7,5% de aumento, R$10,00 de plano de saúde, R$19,00 no vale alimentação e o fim de banco de horas, que terminaria de fato somente a partir do mês de agosto. Porém, com o sindicato defendendo essa proposta, a categoria ficou muito desconfiada de que poderia ser uma armadilha. Além disso, na empresa Carris, que é a única parcialmente estatal, e que teve importante participação na greve, não tem banco de horas, então os delegados sindicais defenderam o ajuizamento como uma reivindicação de sua base, alegando que seria mais vantajoso para a categoria de conjunto e que ficariam em desvantagem aceitando a negociação. Com a desconfiança no sindicato e a defesa do ajuizamento, a categoria rejeitou a proposta, se mantendo em estado de greve até o dia 17 de fevereiro, quando o dissídio será julgado. Apesar do estado de greve, 100% dos ônibus rodam em Porto Alegre, e nenhuma corrente defendeu que fosse menos ou que se mantesse alguma forma de mobilização durante esse semana.
5-) Conte como foi sua experiência e apoio aos trabalhadores nos piquetes na garagem?
VM: Os operários do transporte têm muito a ensinar para a juventude. Estar lá com eles, desde as 04h da manhã, diariamente, participando do avanço da luta desde ás bases, foi sem dúvida uma enorme experiência da vida de militante. Era impressionante a gratidão que os companheiros rodoviários demonstravam pela juventude estar lá apoiando a greve, e também como assustava os patrões ver que a juventude e outras categorias, como os professores, estava junto nessa luta. No piquete os trabalhadores comentavam que a justiça é dos patrões e por isso "não é eles que definem até onde vai nossa greve," se mostravam dispostos a lutar até o fim, e planejavam suas ações futuras. Sobre a licitação que prefeitura fez ás pressas depois do início da greve, comentavam que "é trocar seis por meia dúzia", sabendo que não resolveria o problema. A luta repercute e eles comentam "imagina se isso aqui que a gente tá fazendo pega no Brasil todo." Eles mesmos têm as soluções para o transporte, eles mesmos sabem que é necessário tirar o transporte público das mãos desses empresários mafiosos. Sabem também da importância de ter a juventude lutando junto. Impulsionamos um fundo de greve, que foi deveras limitado, mas que ajudou nos gastos diários da greve, ao qual foram muito gratos. Depois de receberem seus contracheques cheios de descontos, disse que o patrão podia cortar seus salários esse mês, e era essa sua maior arma, mas que a experiência de estar aqui, se enfrentando com a patronal, com a prefeitura, com a justiça, isso nenhum patrão poderia tirar. E é essa experiência que os trabalhadores levarão ás suas próximas lutas, onde novamente contarão com o apoio da juventude. Saí do último dia de piquete ainda mais convencida da política que impulsiono junto ã pequena organização, ainda sem nome, que construo aqui em Porto Alegre: não há pessoas mais aptas para gerir o transporte do que os trabalhadores, e para isso os patrões precisam ser expropriados e as empresas, estatizadas, sem nenhum centavo de indenização; e além disso, de que só a própria classe trabalhadora pode ser agente de sua libertação; e de que lutarei até o fim junto ã minha classe, pela libertação de todas as trabalhadoras e trabalhadores do mundo inteiro, pelo fim do capitalismo, pela revolução socialista internacional.
Felipe Guarniere é delegado sindical da Estação Santa Cruz do Metro/ SP, em Porto Alegre acompanhando a greve dos rodoviários.
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