Após dez anos no poder, no dia 3 de maio Tony Blair sofreu um duro golpe nas eleições ao Parlamento da Escócia, para a Assembléia de Gales e municípios na Escócia e na Inglaterra (com exceção de Londres). Estes comícios parecem produzir a metade do caminho entre uma outra eleição geral, e ainda que tenha menos participação que os comícios gerais e de terem como eixo geralmente as questões locais, razão pela qual não podem ter uma projeção das eleições gerais, não deixam de ser um termômetro do ânimo político da população, segundo uma enquete somente 22% da população confia em Blair e 5% dos entrevistados opinam que não tem melhorado a posição da Grã Bretanha no mundo. (The Guardian, 10/05/07).
Nas eleições municipais da Inglaterra o trabalhismo obteve cerca de 27% dos votos - perdendo quase 500 vereadores -, diante de 40% dos conservadores, que ganharam 800 vereadores, e 26% dos democratas liberais. Em Gales e na Escócia o trabalhismo perdeu cadeiras como produto do avanço dos partidos independentistas, uma vez que os conservadores e liberais seguiram relativamente estancados.
Tanto o Parlamento Escocês como a Assembléia de Gales são produto da política conhecida como “devolução” implementada por Tony Blair, através da qual lhes dá um certo grau de independência administrativa a estes países em relação ao Parlamento de Westminster, o governo central. Até a criação destas instituições, há oito anos, todos os assuntos de Gales e da Escócia eram discutidos em Westminster, e a partir de então as decisões relativas a questões de saúde, educação, administração dos pressupostos ficam na mão destas novas instituições. Em Gales foi o pior resultado do trabalhismo desde 1918, onde caiu de 29 para 26 cadeiras, dos 60 que compõe a Assembléia, enquanto que Plaid Cymru, o patido de Gales, que se apresentou com um perfil de "velho trabalhismo", aumentou em um terço suas cadeiras no parlamento, de 10 a 13. Se o trabalhismo continua tendo uma maioria simples, é porque tem perdido a maioria absoluta necessária para governar Gales, o que o obrigará a fazer coalizões com outros partidos.
A perda de 500 vereadores na Inglaterra é uma mostra da baixa popularidade diante de um governo que, ainda que mantenha um crescimento econômico alto, tem atacado o que restou do Estado de Bem-Estar e se embarcado em uma guerra impopular. Os conservadores são, a primeira vista, os que tem saído melhor preparados. Repetindo-se esse resultado nas eleições gerais voltaremos a presenciar o jogo da alternância entre trabalhistas e conservadores. Diantes desta situação de apatia, a aliança eleitoral Respect, cuja força motora é o SWP (Socialist Workers Party) através de sua colateral Stop The War, e que já conta com 20 vereadores, obteve 3 vereadores dos 42 distritos nos que se apresentou, repetindo uma porcentagem de voto similar ás eleições anteriores. Mas a novidade nestas eleições foi a emergência do Partido Nacional Escocês (SNP, por suas siglas em inglês) como primeira força política desse país. O SNP ascendeu de 20 a 47 cadeiras no Parlamento da Escócia, o trabalhismo perdeu pela primeira vez desde 1955 o controle da Escócia ao conseguir somente 46 cadeiras (dos 50 que tinha), seguido pelos conservadores com 17 cadeiras, os democratas liberais com 16, os verdes com 2 e 1 para um independente (The Guardian, 04/05/07). Entretanto, a situação na Escócia é incerta, já que o SNP não conta com a maioria no governo, e necessita de uma maioria de 65 para controlar o parlamento que está conformado por 129 cadeiras, e nenhum partido está disposto a fazer uma coalizão com o SNP, cujo líder, Alex Salmond tem anunciado que fará um referendo sobre a independência da Escócia da Grã Bretanha, política que não conta com o apoio de nenhum dos partidos no parlamento.
O voto protesto na Escócia
O resultado eleitoral na Escócia tem sido visto pelos analistas como um voto protesto (castigo) ã política privatista de Tony Blair, com o consequente aumento da desigualdade sociail e por sua participação na guerra do Iraque.
O SNP se apresentou com um perfil de centro-esquerda, prometendo durante sua campanha eleitoral três questões centrais: 1) a abolição do "council tax" (imposto municipal) [1] e sua substituição por um importo com base nos lucros; 2) a oposição ao plano de renovar o sistema de mísseis nucleares Trident, cuja base está em uma região da costa oeste da Escócia; e 3) a questão da independência/separação da Escócia com a Grã Bretanha.
A renovação dos sistema nuclear Trident, cujo custo se estima em 20 bilhões de libras, foi foco de vários protestos na base militar Faslane, não somente pelo seu alto custo mas também porque os submarinos utilizam energia nuclear, gerando um potencial risco de contaminação (não se descarta a possibilidade de um acidente) e faz da base um de ataque militar. A oposição ao plano Trident tem ultrapassado as fronteiras escocesas através de uma campanha de frente único que no dia 24 de fevereiro, junto ã coalizão contra a guerra e a campanha pelo desarmamento nuclear mobilizou cerca de 100 mil pessoas sob a consigna "Não ã substituição do Trident! E contra a guerra no Iraque. Representou uma das maiores rebeliões no Parlamento de Westminster, quando 161 ministros votaram contra a moção do governo de renovar o atual e obsoleto sistema nuclear.
O SNP tem discutido que vai submeter ao referendo a questão da independência, já que a política de “devolução” não é suficiente, por permite decidir questões mudanças na saúde e educação, mas não outorga o controle aos escoceses sobre o tema de defesa, sistema de impostos, e controle dos recursos naturais - a Escócia possui vastos recursos petroleros e de energia eólica. Em sua página na internet, o SNP apoia a separação sob o argumento de que "Se a Escócia fosse independente e tivesse seu próprio exército não enviaria soldados a uma guerra ilegal como a do Iraque" (http://www.snp.org). O tema dos recursos naturais se aborda da seguinte maneira: "Durante os últimos 30 anos o governo do Reino Unido obteve 200 bilhões de euros no que diz respeto aos impostos do petróleo extraído no Mar do Norte. Quase 90% das regalias petroleiras se obtém do setor escocês da plataforma continental. Se este não é petróleo escocês, então de quem é? (http://www.snp.org). Além do petróleo, a Escócia possui 25% dos recursos eólicos da Europa, esse por sua vez em se tratar de tecnologias limpas, são um aspecto explorado pelo SNP, para falar de uma potencia industrial sustentável para o ambiente.
Em seu manifesto eleitoral propõe "melhorar as condições para que prosperem os pequenos negócios e cresçam, assim podem criar melhor postos de trabalho". Promete por sua vez, "aumentar a quantidade de policiais nas ruas para frear o crime e ser duro com aqueles que vendem bebidas alcóolicas aos menhores alimentando assim as condutas antisociais" (http://www.snp.org)
Todas as promessas de um futuro melhor para a Escócia estão baseadas na independência, segundo o Manifesto Eleitoral, "Escócia tem o povo, o talento a o potencial para converter-se em um dos grandes êxitos do século XXI. Podemos igualar o êxito da Noruega independente, que de acordo com as Nações Unidas é o melhor lugar do mundo para viver. Podemos ir tão bem como a Irlanda Independente (do Sul), a quarta nação mais próspera do planeta. Com a Independência, a Escócia será livre para florecer e crescer. Podemos dar a nossa nação uma posição de vantagem para competir" (http://www.snp.org )
Seu manifesto evidencia que a política do SNP, apesar de sua teórica verde, alternativa, de prosperidade, de oposição ao governo central, é oferecer um ambiente favorável para os negócios, mais segurança, etc.. Fala dos recursos naturais que possui a Escócia mas não existe a menor pretensão de colocar todos estes recursos a serviço dos trabalhadores e do povo. Nem sequer coloca a nacionalização destes recursos, o que denuncia o viés reformista e burguês desta força, que se apoia em um aspecto populista, o referendo pela independência, mas no fundo busca aproveitar as vantagens econômicas, não para o benefício das massas trabalhadores, porém para se relocalizar como um país menor dentro da União Européia.
Mas no marco do governo de direita neoliberal e belicoso de Tony Blair, setores inconformados optaram por dar seu voto a este partido de centro esquerda como forma de expressar seu descontentamento, uma grande parte eram eleitores do trabalhismo, a esquerda e os verdes.
O relevante do resultado eleitoral na Escócia é que, independentemente do que resulte como coalizão ao governo em minoria, esta última é uma variante muito provável já que os verdes e os democrata-liberais já vem declarando que não irão fazer uma coalizão porque se opõe ã separação da Escócia, o que representa um revés para a política do Novo Trabalhismo e sua identificação com a guerra do Iraque.
Más notícias para as forças socialistas escocesas
A esquerda escocesa também tem sofrido uma derrota já que o Scottish Socialist Party (SPP) perdeu suas 6 cadeiras, e é claro que a base votante do Partido Socialista Escocês, que se define como um partido anticapitalista a favor da independência da Escócia, foi ganha com a retórica independentista do SNP, ao que se viu como um voto útil.
O SSP se formou em 1998 e foi produto de uma vidisão com o Socialista Party (ex Militant) inglês, o que levou a separar-se do grupo internacional (Comitê por uma Internacional Operária), por sua postura pro-independentista, e para presentar-se ás primeiras eleições para o parlamento escoCês, em oposição ao trabalhismo e ao aumento do SNP, colocando que gavia que formar um partido independente socialista na Escócia. Entre seus deputados mais famoso se encontrava Tommy Sheridan - conhecido por liderar a campanha contra o poll tax, pelo que foi preso e levado a julgamento, convertendo-se num símbolo da resistência ã Margareth Thatcher. No ano passado um, a propósito de uma acusação por parte de um meio de comunicação “amarelo” que acusou a Sheridan de ir a casa de massagens e participar de orgias, foi o pano de fundo de uma discussão política no seio do partido, onde havia duas alas: uma encabeçada por Sheridan que promulgava um partido amplo e similar ao Respect, e o outro setor que insistia nos problemas da Escócia.
Sheridan foi expulso do SSP e formou seu próprio partido, Solidarity Scotland, e se apresentou nas últimas eleições onde obteve 4,15% dos votos, enquanto que o SSP obteve 1,25%. Mas nem o Solidarity Scotland nem o SSP tem obtido cadeiras no parlamento escocês (que tem o sistema de representação proporcional).
O sucessor de Blair
Como estava previsto, Tony Blair apresentou sua renúncia como chefe do Partido Trabalhista e como Primeiro ministro desde o dia 10 de maio, entretanto esta será efetiva a partir de 27 de junho, até esse momento continuará em ambos os cargos. De acordo com o sistema eleitoral britânico, o Primeiro Ministro é o chefe do partido com maior quantidade de votos, quer dizer, não é uma votação direta, e a renúncia de Blair como chefe do trabalhismo cria a batalha dentro desse partido pelo sucessor ã frente do governo. Após o anúncio de sua demissão ainda há um período de 7 semanas em que permanecerá em seu cargo até que se nomeie um sucessor. Até o momento quem se coloca como candidato para chefe do laborismo são Gordon Brown, o atual ministro da economia, John McDonnell, da esquerda do trabalhismo e Michael Meachen, mas para que estes candidatos possam ser submetidos ao voto dos membros do partido trabalhista, devem contar com 44 assinaturas de apoio de deputados nacionais, e até agora o único que cumpre esse requisito é Gordon Brown, e se não há contendientes o sucessor natural será ele, após ser "confirmado" por uma conferência nacional do Partido Trabalhista prevista para dia 30 de junho.
Algumas das forças da esquerda da Grã Bretanha tem feito campanha de apoio a John McDonnell (deputador por um bairro do leste de Londres) por sua consequente postura de oposição ã guerra, sua defesa da educação e da saúde pública, que recebe além disso o apoio do grupo de deputados de oposição e de alguns sindicatos. É provável, entretanto, que McDonnell não chegue a juntas as assinaturas para apresentar-se como candidato para chefe do trabalhismo.
Sem competidores, com uma nomeação de Brown quase por abdicação, surgirá seguramente um governo débil, com um nível de popularidade muito baixo, que além disso herdará os males do blairismo - a guerra, a privatização dos serviços públicos, em particular a saúde e a educação, e o escándalo da corrupção de entrega de títulos de lord em troca de milionárias doações do Partido Trabalhista. Fica difícil entende o "blairismo" se não o relacionamos com o thatcherismo, já que o blairismo é uma continuação das políticas da "Dama de Ferro", sem a derrota infligida por ela Blair não teria podido levar adiante seu plano de privatizações. A eleição de Blair como chefe do trabalhismo foi uma expressão da derrota operária e uma continuidade do neoliberalismo regulacionista feroz de Thatcher, o que se expressa quando por exemplo Alex Callínico chama Blair de "O filho de Thatcher" (Socialist Worker, número 2050, 12/05/07)
Após anos de thatcherismo, que perpetuou uma verdadeira derrota ã classe trabalhadora britânica, através de leis antisindicais que o Novo Trabalhismo deixou intactas, nos últimos anos se tem dado pequenos sintomas de uma certa recomposição. Em particular, vimos a greve "selvagem" do Correio em 2004, em protesto contra as novas condições de trabalho que lhes queriam impôr, a greve dos metroviários em 2006 por questões salariais, e este ano se tem dado uma série de campanhas locais (organizadas pelo sindicato UNISON) pela defesa do hospital público, já que as privatizações, fechamentos e reestruturações significam a perda de postos de trabalho. Neste 1° de maio, 200 mil funcionários da administração pública sairam em greve em protesto pelos cortes dos postos de trabalho, as privatizações e os salários. Nos próximos meses está prevista uma marcha nacional pela defesa do Sistema Nacional de Saúde e do Hospital Público [2]. Veremos se este movimento se desenvolve e gera tensões com o próximo governo de Brown. A última vez que o movimento operário desafiou o trabalhismo foi durante o "inverno de descontentamento" em 1778-1779 [3], e os sindicatos seguem jogando sem problemas com seu mesmo rol negociador, mas se se recupera as forças do movimento operário, seguramente se abrirá um panorama distinto, apesar dos vínculos orgânicos com o PL, o que historicamente tem servido para evitar que a classe operária britânica adote uma política de independência de classe.
O que na realidade tem prosperado sob Brown e Blair é a "cidade de Londres", a capital mundial das finanças, quer dizer, somente tem representado benefícios para as grandes empresas, bancos e financeiras, porque, por trás dessa "cidade" cara e luxuosa que os trabalhadores imigrantes limpam, há outra realidade, a da população trabalhadores e dos stores pobreas, que vem as escolas de seus filhos fecharem, seus hospitais fecharem e que o acesso a moradia está cada vez mais difícil. Sob Blair, a brecha entre os pobres e ricos aumentou consideravelmente, e o ingresso familiar tem baixado, entre outras razões peloa prosperidade da cidade que tem ocasionado um aumento do custo de viagem e empurrado a pobreza para os setores mais marginais. Entretanto, o aumento da desigualdade social e o ataque aos direitos básicos como a saúde e a educação podem represebtar a contracara do "bem-estar econômico" de que tanto fala o Blairismo.
A política exterior, em particular a guerra do Iraque, mas também as injerências militares no Afeganistão, Kosovo, Sierra Leoa e sua aliança com os Estados Unidos, em uma tentativa de recompor as forças a nivel internacional, tem despertados as mobilizações mais numerosas do Reino Unido. Seu papel nestas guerra de Blair, foram o cenário de fundo para os ataques de 7 de julho de 2005, outro preço alto a se pagar.
Neste quadro econômico irá assumir Brown. Apesar disto, a herança de Blair vai significar um grande peso, até agora a única conquista que Blair pode sair a mostrar é o governo autônomo norirlandês, de poder compartido entre o Sinn Fein (o braço político do IRA) e o partido Demorático Unionista - o último regalo poucos dias antes de sua partida - mas é um êxito que pode escapulir como água entre as mãos diante de uma entrada em cena de lutas dos trabalhadores. Para muitos Blair já conta com menos popularidade que Margareth Thatcher, tanto por sua política interna como externa, entretanto, a ausência de uma resposta operária a sua política de ofensiva neoliberal é o que lhe tem permitido continuar no poder. Sua renúncia pode ver-se como uma expressão mais profunda das contradições neste país, uma das principais potências do mundo.
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