O processo revolucionário iniciado na Bolívia exige que a classe operária forje uma expressão política própria, não só para começar a pesar com sua própria voz e sua própria fisionomia como classe na situação nacional, senão para levantar abertamente um programa operário e socialista, como saída de fundo para a crise nacional, que lhe permita unir suas próprias filas e postular-se como caudilho da grande aliança dos trabalhadores, camponeses, indígenas e do povo pobre, necessária para triunfar contra a reação burguesa e o imperialismo.
Até hoje, pese a amplitude do auge de massas e a radicalidade dos levantamentos de Outubro e Junho, o proletariado, que ainda não ocupa um papel central como sujeito social diferenciado[1], carece de uma expressão própria.
As conclusões do levantamento de Junho, onde voltou a fazer-se sentir a ausência de uma direção revolucionaria e a bancarrota da “estratégia de pressão” praticada tradicionalmente pelas cúpulas sindicais, não só frente ã crise revolucionaria, senão revelando-se como incapaz de obter as mais elementares demandas operarias, alimentam um importante debate sobre a necessidade de organização política própria dos trabalhadores, ainda mais urgente diante da necessidade de enfrentar desde posições de independência de classe ao reformismo do MAS.
Um importantíssimo debate sindical
É neste marco geral que é necessário localizar as discussões que, desde há algum tempo, vêm dando-se em meios sindicais sobre a necessidade de um “instrumento político”, como um braço político dos sindicatos. Esta proposta, votada no anterior Congresso da COB, foi relançada por Jaime Solares, a FSTMB e alguns ouros sindicatos.
Muitas organizações têm se oposto frontalmente: as ligadas ao MAS, os restos do stalinismo boliviano, como o PCB e o maoísmo e os setores “neoliberais” da burocracia sindical. Também rechaçaram a idéia, com argumentos formalmente ultra-esquerdistas, o POR. Por outra parte, muitos dirigentes sindicais que apóiam a idéia, o fazem desde uma visão reformista.
A pesar disto, a 2ª Reunião de Secretários Gerais, convocada pela COB em 20 de julho, aprovou a formação de um instrumento político e elegeu uma Comissão Política para discutir seu caráter, estatutos e programa. Se votou para integrar a mesma uma dezena de organizações sindicais, entre elas a FSTMB (Federação Sindical de Trabalhadores Mineiros da Bolívia). O plenário também elegeu como membro pleno da Comissão Javo Ferreira, dirigente nacional da LOR-CI.
As conclusões desta Comissão foram levadas ã Terceira Reunião, em Huanuni, dia 9 de agosto. Ali, com a presença de mais de una centena de representantes de cerca de 30 organizações sindicais (algumas outras enviaram sua adesão por carta), se aprovou por em marcha o instrumento político dos os trabalhadores, se aceitou a proposta da Comissão (a introduzir várias modificações surgidas do debate) e se adotaram importantes resoluções, como constituir secretarias especiais (do IPT) em cada organização sindical e uma nova reunião nacional a fins de agosto, encomendando-se ã Comissão Política as tarefas de coordenação.
Nos distintos debates e ao interior da Comissão Política, se manifestou uma dura luta política sobre o que deveria ser o IPT. Esquematicamente, podemos agrupar as posições vertidas em:
– a)As abertamente reformistas e eleitoralistas, que querem um “instrumento político” qualquer, para utilizar o peso dos sindicatos como ponto de apoio para um acordo frente-populista com burgueses e militares “patriotas”.
– b)As que defendem a criação de uma ferramenta política dos trabalhadores mas com vacilaçoes no caráter de classe e na definição do programa, buscando o “consenso” e sem apelar decididamente ã base operária, como a FSTMB e outros, que jogaram um importante papel en frear as propostas mais frente-populistas.
– c)A proposta de uma organização política para a independência de classe, baseada na democracia operária e com um programa transicional. Nossa organizaçao combateu por esta perspectiva, defendendo a necessidade de um instrumento político “baseado na COB, nos sindicatos e suas assembléias de base, que defenda a independência política dos trabalhadores e lute por impor uma saída operária e camponesa ã crise nacional; organizado segundo a mais ampla democracia operária, com dirigentes responsáveis frente ã base e liberdade de tendências políticas em seu interior.”[2]
Que instrumento político dos trabalhadores?
As decisões da Reunião de Huanuni eram um passo adiante. Apesar das ambigüidades e do caráter reformista do programa incluído na proposta, podia-se contar um marco classista para lutar por uma ferramenta política operária independente e baseada nos sindicatos.
Assim, a proposta de documento contém importantes definições que fazem o caráter de classe do instrumento.
Postula a defesa da independência de classe, tal como determinam os estatutos da COB; a ligação orgânica do instrumento político com a organizaçao sindical sobre a base da democracia operária; e a exclusão de “todo empresário (explorador de operários) ou representante da burguesia como podem ser: curas e militares ou indivíduos que tenham participado em funções de governo”. A ambígua formulação de um “estado operário, camponês, de nações originárias e do povo empobrecido” confunde sobre o caráter de classe do estado (operário e não capitalista nem “misto” ou “popular”) a construir após a tomada do poder. O “Programa mínimo”, não defende o governo operário e camponês e uma verdadeira assembléia popular, nem assinala claramente a nacionalização de todas as transnacionais e grandes grupos empresariais sem indenização e sob controle coletivo dos trabalhadores e a ruptura com o imperialismo. Tudo isto coloca a tarefa de continuar a luta por um verdadeiro programa de ação operário e socialista, conseqüentemente anticapitalista e antiimperialista.
Mas se este debate fosse levado ás bases, através da constituição de Secretarias do Instrumento Político em cada sindicato, das assembléias operárias, da organizaçao de núcleos operários militantes em cada fábrica, podia-se iniciar um grande passo adiante na organizaçao política independente dos trabalhadores.
Sem embargo, esta possibilidade está ás margens de ser abortada, ao menos no imediato. Um novo plenário da COB, dia 19 de agosto, fracassou por “falta de quorum” enquanto a maioria dos dirigentes, inclusive entre os que até agora apoiavam a idéia de um IPT, estão em busca de qualquer acordo reformista[3] ou estão negociando com o MAS e “apagam com o cotovelo o que escreveram com a mao”. Na realidade, em uma nova demonstração burocrática estão reduzindo a “papel molhado” essas resoluções progressivas, para não enfrentar o projeto frente-populista do MAS e demonstrando que, como dizia Trotsky, “a burocracia, tão tenaz para conquistar seus objetivos imediatos,é absolutamente incapaz de uma ação política sistemática em grande escala” como a que demanda organizar um partido operário de massas (ao que em todo caso, tentariam sempre imprimir um caráter reformista, de obstáculo ã evolução política da classe trabalhadora num sentido revolucionário).
A posição dos socialistas revolucionários
Nossa organizaçao luta por um partido de trabalhadores revolucionário, socialista e internacionalista, chave de um novo “estado maior” revolucionário ã frente da COB, dos sindicatos, das organizações de massas. É com esta perspectiva que participamos ativamente deste debate, sem esconder em nenhum momento nossas diferenças com a direção da COB, mas também sem sectarismo, dispostos a contribuir para todo passo progressivo no sentido da independência política da classe operária.
Temos intervindo na Comissão Política com as Teses “POR UM INSTRUMENTO POlà TICO DOS TRABALHADORES, contra a conciliação de classes e por uma saída operária e camponesa para a crise nacional”, reclamando que funcione segundo a mais ampla democracia operária e com um programa transicional. Como parte desta luta, apresentamos várias cartas públicas para reafirmar este combate e explicar, frente aos sindicatos e ã vanguarda nossas propostas e a luta política que temos dado no interior da Comissão e nos ampliados (pode-se ver estas cartas em nossa página web: www.lorci.org).
Apesar da defecção dos dirigentes, a tarefa de lutar pela organizaçao política operária independente do reformismo e de toda expressão política burguesa segue colocada. Chamamos os dirigentes e trabalhadores classistas e as correntes que se reclamam operárias e socialista a somar esforços em um bloco para opor uma alternativa operária ao projeto frente-populista do MAS, redobrando a luta nos sindicatos e na vanguarda pela organizaçao política independente dos trabalhadores em torno a um programa operário e socialista, o único que pode dar expressão conseqüente e até o fim ã moção posta nas russa pelos levantamentos de Outubro e Junho: a necessidade de uma verdadeira Assembléia Popular como órgão de poder das massas e de um governo operário e camponês baseado na mesma, única garantia para a nacionalização do gás e a satisfação das demandas das massas operárias, camponesas, indígenas e populares.
[1] Apesar de alguns sintomas avançados, como a greve dos petroleiros de Senkhata durante maio e junho, é um fato que a maioria das fábricas, ainda em El Alto, não pararam.
[2] Palabra Obrera N° 9, junho de 2005. Há outros artigos referidos ao tema em números anteriores.
[3] Entre estes contatos figuram FAPAG, uma corrente burguesa e “cristã” e o MIP de Felipe Quispe.
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