Nestas páginas, transcrevemos parte de uma extensa conversa que tivemos em Rio Gallegos, para o La Verdad Obrera, com os delegados da Adosac: Antonio Chacón e Federico Gerli e com a companheira professora e jornalista Patricia Damico, entre outros companheiros e companheiras de Santa Cruz. A entrevista acontecia enquanto em Buenos Aires, membros da diretiva da Adosac participavam da negociação salarial no Ministério do Trabalho com o ministro Tomada e o novo governador de Santa Cruz, Daniel Peralta. Porém, pra além dos resultados das mesmas, o objetivo foi trocar idéias e indagar sobre as reflexões políticas de uma parte da vanguarda dos grevistas de Santa Cruz sobre a crise na província e sobre as perspectivas de construção de um patido da classe trabalhadora, como o que impulsionamos desde o PTS.
– Como avança o processo de Santa Cruz, desde o ponto de vista do avanço na organização e na consicência dos trabalhadores?
Antonio Chacón: É preciso destacar que já tivemos conquistas inéditas neses 17 anos; que o governo tenha chamado uma mesa de negociação sem que coloquemos as medidas de luta é inédito; ter rechaçado uma conciliação obrigatória em assembléias massivas e por unanimidade é inédito; e, claro, a queda de Sancho com a mobilização, ainda que Kirchner tenha apurado também a mudança, a queda desse governador foi produto dessa luta. Cada uma dessas conquistas fortaleceu a organização, e ainda que o ponto de partida tenha sido a reivindicação salarial, se questiona todo um sistema de representação política e os companheiros entendem que a luta foi além da questão salarial. Este avanço toma sua relevância se lembrarmos que partimos de uma associação de professores que estava "adormecido", no qual propôr uma paralisação para acabar com o salário sem carteira assinada era quase revolucionário, ou seja, diretamente impensável.
Federico Gerli: Um grande avanço foi a generalização da reivindicação, que levou a formação da Mesa de Unidade Sindical com os municipais do SOEM, ATE e tem a ver com o fato de que 60% dos assalariados de Santa Cruz são estatais e que a deteriorização dos salários afeta a todos igualmente, e outro avanço foi a força das assembléias. Pela forma organizativa da Adosac, baseada em assembléias de todas as filiais da província, os professores fomos os que tomamos a iniciativa. As assembléias a estampa ao conflito, a condução real, surpreendendo a direção. Começamos em fevereiro com uma assembléia de apenas 70 companheiros em Gallegos e em poucas semanas tivemos assembléias de 500, 600, 700. E com este processo se formou um corpo de delegados de mais de 80 companheiros por escola e com assembléias por escola, onde os ativistas formam espécies de comissões internas que são chave para as atividades de greve. Uns se ocupam com o fundo de greve, outros com as tarefas de informação, ou seja, a organização vem se fortalecendo desde as bases.
Patricia Damico: Eu acredito que há um avanço na consciência dos professores mas também, como se socializou o conflito, excede a categoria e há maior consciência na população de Santa Cruz. Nós vimos em um primeiro momento que as assembléias discutiam como manter a greve. Em uma segunda etapa se começou a discutir política porque se entendeu que não somente o fundo de greve era fundamental, senão a discussão para ganhar o povo. A discussão política dos professores se estendeu como influência a todas as camadas da sociedade. O estabelecimento de acampamentos diante da Casa de Governo foi um salto para socializar a luta que começou a colocar não somente a questão salarial mas também o cansaço com o mesmos que governam a província desde os anos 1990.
– Que importância tem a entrada em cena de trabalhadores municipais junto à luta dos professores?
AC: É fundamental porque não apenas incorpora um setor importante numericamente mas também se insere o elemento mais genuíno do proletariado de Gallegos. Porque na associação de professores, é preciso ser claro, uma maioria se sente profissional, de classe média, ainda que cada vez mais se vejam parte da classe trabalhadora. Com os municipais, os trabalhadores, entra um setor mais proletário e pobre, que para sobreviver se vêem obrigadas a fazer horas extras. E são os protagonistas do enfrentamento com a polícia no dia 9 de maio e a repressão que desencadeou na marcha e na paralisação conjunta que obrigou a renúncia de Sancho. E aqui há uma percepção distorcida a nível nacional que diz que os municipais. Porém muitos municipais já antes que seu grêmio tenha participado ativamente se somaram por conta própria as marchas dos professores.
FG: Agora desde o corpo de delegados da Adosac chamamos a uma reunião com delegados de base e ativistas de outros setores. Se realizou a primeira com mais de 40 companheiros professores e municipais, no qual resolvemos convocar um plenário de base da Mesa Sindical e que a Adosac defina data e hora, ainda que a direção tenha manifestado certa desconfiança com este tipo de reunião. Se isto avançar se estenderia a democracia operária, se estaria dando um salto na consciência frente a formação de organismos de unidade de classe. Um grande desafio seria somar a partir daí os trabalhadores dos grandes meios de produção que em Santa Cruz estão no petróleo, ou, os trabalhadores da construção que hoje têm como obstáculo suas direções burocráticas. E também os estudantes que, no caso dos secundaristas, estão vivendo um processo interessante de politização influenciados pelos docentes.
Quero colocar uma questão política sobre a consigna "fora todos", porque em 2001, ainda que tenha partido de enfrentar o governo de De la Rua, isto colocava em branco a todo o arco político. Surge uma contradição desse "fora todos" em Santa Cruz quando o intendente da UCR, Héctor Roquel, fala na tribuna de uma grande marcha do 9 de maio, o dia da repressão aos municipais, anterior a queda de Sancho. Como é esta relação com a oposição patronal?
AC: Sobre esse fato pontual, Adosac havia votado que falariam somente os representantes da Mesa de Unidade Sincial, porém um velho dirigente da Adosac tomou a palavra e por isso esse companheiro não realizou a atividade de locutor nos atos seguintes. Porém, pra além disso, este conflito não foi que é a operação de imprensa do governo nacional, de um estado que só pode explicar o conflito dizendo que o impulsionam os radicais e a esquerda.
PD: O governo é tão míope que não identifica quem organiza a luta em Rio Gallegos. É como o que ocorreu a Alicia Kirchner, já no miden el timing das pessoas. O contato de Kirchner quando era governador era quando havia inauguração de obras e os que lhe deviam algo o cercavam e o saudavam, mas tem perdido o pulso do que passam essas pessoas, com a demagogia crêem que mantém tudo como era antes. É Alicia no país das maravilhas...
AC: A explicação deve ser buscada na raiva de anos de muitos operários com Kirchner porque tem antecedentes repressivos de muito tempo, desde 1991 quando mandou reprimir os municipais no Corrálon, quando depois lhe pôs a "guarda pretoriana" de suas patotas aos mineiros do Rio Turbio em frente a Casa de Governo, ou aos panelaços. Existe um duplo discurso do presidente que se esgotou. De todas as maneiras, todos vimos nesse ato um setor dos trabalhadores aplaudindo Roquel, sobre a questão dos municipais, o qual não nos deve estranhar porque não se conquistou a independência política de classe. Aí há algo interessante, que não necessariamente o caráter sociológico de classe, no caso dos municipais, coincide com a consciência de classe. Uma vez colocaram para Victor De Gennaro durante um congresso da CTA que, já que tinham como modelo Lula e o PT (isto foi antes de assumir o governo no Brasil) porque então não lançava um partido de trabalhadores. Então, De Gennaro contestou, que não se pode fazer um partido de trabalhadores baseado nas professoras, que é onde tem peso a CTA. Certo. Agora, da experiência fica claro o importante setor de docentes propagandistas, sua capacidade para chegar com suas idéias a todas as classes sociais; é dessa influência a que se referia Patricia. Digo isto porque, com a autoridade conquistada pelos professores nessa luta sobre o resto dos trabalhadores, bem poderiam converter-se nos propangandistas da idéia de uma alternativa política, de um partido da classe trabalhadora, não de fundá-lo somente com docentes, mas de transmitir e explicar a idéia da independência política de classe ao conjunto dos trabalhadores. Como vêem isto?
FG: Acredito que também é preciso levar em conta as trocas na composição do setor docente. Nos últimos anos para a família operária a saída é que os filhos trabalhem no Estado e já sejam como funcionários públicos, inclusive como policiais, e uma das saídas trabalhistas fundamentais no período de crise tem sido a carreira de professores. É tão transversal o setor docente na sociedade de Santa Cruz, que em todas as famílias há um docente ou um trabalhador da administração pública. É diferente de 20 ou 30 anos atrás, quando os que estudavam para dar aula eram filhos de comerciantes ou famílias de classe média, e hoje os filhos dos trabalhadores, digamos, vão dar aulas porque não tem fábricas que absorvem essa mão de obra. Isso ocorre em todo o país, sobretudo no interior, não somente em Santa Cruz.
PD: Outro elemento é a incorporação de muitos professores que vem "do norte", como dizíamos aqui, que provém de universidades onde há uma discussão política mais rica, onde existe uma sistemática militância, que vem com colocações políticas próprias, vem de Córdoba, de Salta, de Jujuy, de lugares onde a luta de classes tem estado mais presente.
– Então, a partir do fato que existe mais militância de esquerda nos professores, que o terreno sindical é o que se organiza democraticamente, há possibilidades que desde o setor mais consciente dos trabalhadores da Adosac surja a idéia até o conjunto dos trabalhadores de construir um partido de trabalhadores e que assim como dão o exemplo de como melhor lutar, também difundam a idéia de como melhor organizar-se politicamente?
AC: Isto está claro. Um grupo amplo de companheiros que nos colocamos na esquerda, temos origens de distintas correntes e temos uma percepção classista da realidade, temos o compromisso de que próximos conflitos não nos podem pegar tão desapercebidos, tão desarticulados, senão confluir atrás de uma alternativa que no princípio deve ser uma organização política com inserção sindical. Estes dois meses têm sido importantes, de tanto fervor na luta, tem passos adiante na consciência, porém não é somente o ponto de chegada mas também o ponto de partida para qualquer política alternativa. Então, todo esse ativismo e militância que se dá em toda a província e especialmente em Rio Gallegos deve organizar-se, buscar acordos que devem estar em uma perspectiva classista, antiburocrática e que em algum momento possa ser a base da construção de um partido de classe.
FG: Não sei se notaram mas se tem chegado a um nível de consciência que uma das consignas mais gritadas é "unidade dos trabalhadores e os que não gostam, que se danem" ou "quem não pular é da patronal". Está se refletindo no subjetivo a questão de que 80% dos habitantes somos assalariados e trabalhadores, e essa situação está refletindo na consciência. Creio que é questão de trabalhar, de colocar na base como gerar uma alternativa que represente realmente os interesses desse setor majoritário da população que somos os trabalhadores. Sobretudo em uma província onde essa contradição se vive cada dia mais claramente: um pequeno grupo é dono de tudo, se apropia da riqueza, que está manejada desde empresas que têm os recursos naturais, a obra pública, até a indústria turística, tudo nas mãos de um setor minoritário da população. Se começa a ver que uma minoria se enriquece tremendamente e a maioria padece com salários de miséria. Isso está mobilizando a consciência e o conflito de professores que tem servido para consolidar isso e colocar sobre a mesa essa discussão política de fundo.
AC: Aqui o maior desafio é que ou a provincia é conduzida pelos grandes empresários petroleiros, das mineiras, junto aos testas de ferro do presidente, a patota do Rudy Ulloa e a Frente pela Vitória e seus sócios, ou é conduzida pelos trabalhadores. Esse é o desafio que é preciso assumir que pode gerar muita discussão. Aqui a oposição ã Frente pela Vitória, chame-se UCR ou Arnold, quer discutir somente uma porcentagem das riquezas da província, como se repartir essa porcentagem das regalías do Estado, porém não querem discutir os negócios ou a privatização dos hidrocarbonetos. Um partido de trabalhadores teria que tomar estes problemas. Por exemplo, as pessoas que vivem nas áreas mineiras se colocam os problemas da contaminação ou os questionamentos que surgem agora, as adjacências das novas áreas de exploração petroleira para o negócio milionário de um par de empresas, o tema da pesca, tudo isso a comunidade discute, e todas essas reivindicações isoladas devem ser unificadas em um projeto político, unificá-los em um mesmo punho que golpeie com um objetivo classista o sistema que está corrompido e que está oprimindo. A chave para isto é que se não se começa nesse momento de luta a dar passos a uma organização deste tipo estamos condenados a viver assim mais 17 anos até que voltemos a reivindicar questões salariais.
– Como vêem a esquerda na província e que o papel a cabe nesta tarefa?
PD: Eu acredito que o que nós necessitamos agora, depois de haver passado por esta luta, é termos contato com companheiros de experiência. Hoje na província não existe o antecedente da conformação de um partido com tais características, mas sim de associações programáticas e pré-eleitorais, porém não há antecedente de um verdadeiro partido que levante um programa assim. Muitos viemos de militância e experiências de partidos de esquerda. Eu quero destacar aos companheiros que vieram colocar-se a disposição de nossa luta, e em particular aos que estamos pensando até o futuro, no que fazer depois disto, porque tem muita gente que quando terminar a greve vai voltar pra casa, mas muitos outros discutirão o que fazer a partir disso aqui. Então temos que recabe a experiência porque essa discussão agora é nossa responsabilidade. Disse um companheiro de Zanon que esteve aqui que não fica outra alternativa aos lutadores senão tomar essa responsabilidade, e quando se tem convertido nos melhores lutadores tem que converter-se nos melhores políticos para reproduzir essas experiências de luta.
FG: Eu acredito que hoje estão dadas as condições para que um trabalho de estruturar uma força política com identidade classista e com propostas políticas claras opositoras ás patronais, tenha bons frutos, com o objetivo de tomar o controle que é a classe patronal tem. E a esquerda neste sentido, creio que tem que juntar a todos os que tenham uma concepção classista e colaborar com esta construção que não vai ter o nome dos partidos que hoje existem, será fruto de uma construção na base operária, e a tarefa fundamental que tem todas as organizações de esquerda constituídas é colaborar nisso, assim como os militantes que não estamos hoje organizados em nenhum partido, que aportemos em cada setor onde haja trabalhadores para abrir essa discussão. Por exemplo, em uma reunião de professores se disse "Que fazer em outubro? Bem, os professores façamos uma chapa e votamos nos professores". Coloco este exemplo para dizer que já está aberto o debate político, já se entende que da categoria depende de decisões políticas que se tomam desde o Estado, e que se isso não mudar estaremos eternamente em conflito da categoria.
PD: E não é uma teorização, as pessoas têm visto que estes deputados não respondem ao povo, estão desacreditados, as condições são boas para se colocar o problema.
AC: A idéia do partido da classe, o partido de trabalhadores está subjacente em um setor importante, não da maioria porém um setor muito importante pois é o ponto de partida para trabalhar essa idéia, para desenvolvê-la, para colocar com esse objetivo as forças de esquerda e nos dirigirmos aos trabalhadores.
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