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Os motins policiais na Bahia e a falência da esquerda brasileira
por : Virginia Guitzel

24 Apr 2014 | Após a greve dos garis, que mostrou a classe trabalhadora emergindo como um forte sujeito politico derrotando os governos de Paes e Cabral no Rio de Janeiro, inclusive enfrentando a repressão policial e da guarda municipal e a justiça trabalhista, e demonstrando um forte sentimento antiburocrático mais generalizado nos setores mais precarizados se (...)

Após a greve dos garis, que mostrou a classe trabalhadora emergindo como um forte sujeito politico derrotando os governos de Paes e Cabral no Rio de Janeiro, inclusive enfrentando a repressão policial e da guarda municipal e a justiça trabalhista, e demonstrando um forte sentimento antiburocrático mais generalizado nos setores mais precarizados se aponta a impossibilidade de recuperar aspectos fundamentais do lulismo como o imobilismo social através das burocracias sindicais.

Desde as Jornadas de Junho a classe operária iniciou sua entrada na cena política, apesar do freio imposto pelas burocracias sindicais (CUT, Força Sindical, UGT etc.) e da impotência da esquerda – PSTU, que dirige a CSP-Conlutas, e o PSOL, que estrategicamente se constrói sem trabalho estrutural na classe operária – e sua estratégia de sindicalismo combinado com eleitoralismo. A Copa do Mundo, que há dois anos glorificava o “Brasil Potência”, hoje é contestada por 55% da população e esperada com uma forte pressão de diversas greves de trabalhadores que veem nesse evento uma grande oportunidade de exigir do governo suas demandas. Até mesmo a burocracia sindical, buscando pressionar o governo e a patronal para negociações, ameaça com greves no período da Copa do Mundo, coincidindo com as campanhas salariais (datas-base) de categorias como metroviários, aeroviários, motoristas e cobradores de ônibus, construção civil, entre outras, o que envolveria cerca de 4 milhões de trabalhadores. Claro está que a burocracia se nega a convocar um plano de lutas nacional, com assembleias para unir, organizar e coordenar todos trabalhadores em defesa de suas reivindicações.

A esquerda não existiu na grande greve dos garis, mas agora se empolga com os motins policiais

Diante desse quadro, a esquerda não tem mostrado capacidade de convocar e mobilizar centenas e milhares de ativistas que possam se constituir num polo antiburocrático e combativo, dando exemplos a partir de suas estruturas (fábricas, empresas, serviços) e sindicatos que possam gerar capacidade de exigir da burocracia uma frente única em defesa dos trabalhadores, das demandas de junho, contra o desperdício da Copa do Mundo, a repressão e a criminalização das lutas e dos lutadores. Durante a greve dos garis – no Carnaval – a esquerda estava em “férias”, não teve qualquer papel sério nem demonstrou entusiasmo e disposição para torná-la uma “causa nacional”. Nas greves que mobilizam centenas de milhares no Brasil – só no Rio de Janeiro, nas últimas semanas, foram 47 mil trabalhadores em greve –, a esquerda não tem peso dirigente, sequer como um polo combativo. Mostra do seu fracasso como esquerda classista e combativa.

Porém, agora, diante dos motins policiais, principalmente na Bahia, a esquerda brasileira mais uma vez dedica esforços, jornais e forças para defender os policiais militares, policias civis e bombeiros (também militares) como “trabalhadores da segurança” ou “servidores públicos”, comparando seus motins com as grandes lutas operárias como a emblemática greve dos garis do Rio de Janeiro. Abandonam todos os ensinamentos revolucionários de Marx, Engels, Lenin e Trotsky.

A direção do PSTU, que não fez qualquer esforço sério em defesa da greve dos garis do Rio, agora é entusiasta da defesa dos policiais (misturando com uma utópica e reacionária reforma do aparelho repressivo). Na declaração “A Bahia de todas as lutas: Toda solidariedade ã greve dos policiais militares e a luta do funcionalismo público!” chega ao absurdo de reivindicar o motim policial como parte das lutas do funcionalismo público, e com “destaque” especial: “O processo mais importante nesse momento é das diversas categorias do funcionalismo público estadual, com destaque para a mobilização que tem polarizado a sociedade soteropolitana e baiana: a greve da Política Militar, deflagrada na última terça feira, 15 de abril, junto com uma paralisação de 24h da polícia civil.” [http://www.pstu.org.br/node/20558]

Como se fosse pouco, engana e ilude a vanguarda e os trabalhadores propondo que “Não basta, contudo, apoiar as pautas dos policiais. É necessário fazer um chamado a esses trabalhadores para, a partir da sua experiência de luta, serem ganhos para estar do lado dos lutadores e do povo pobre, e não ao lado da repressão do Estado. Defendemos que é necessário ir além, é possível lutar por outra política de segurança, lutar para desmilitarizar a polícia: ter uma polícia civil única, acabando com a separação entre as atividades de investigação e policiamento, tendo uma única força não subordinada ás Forças Armadas. Os policiais teriam o mesmo direito de qualquer servidor público, como de se manifestar livremente.” O PSTU defende o “mesmo direito de qualquer servidor” para a polícia, em todo o país, a mesma polícia que mais mata no mundo, a polícia que ontem no Rio foi repudiada pela população dos morros de Copacabana pelo assassinato do dançarino DG, mais um que morre de “bala perdida”. Ou seja, esse partido que se diz revolucionário apoia o motim policial e defende uma reforma utópica e reacionária do aparelho repressivo, iludindo os trabalhadores com a falsa ideia de que é possível, com propaganda e “pedidos” fazer a força policial “passar para o lado dos trabalhadores” sem uma crise revolucionária e a classe operária organizada e preparada com sindicatos revolucionários e um partido revolucionário que imponha derrotas exemplares – políticas, econômicas e físicas ao Estado e suas forças repressivas.

Enquanto a direção do PSTU apoia o motim policial, e reivindica como “método operário” de luta, a população pobre de Salvador desmascara os métodos reacionários e racistas dos policiais para pressionar o governo e “justificar” o atendimento de sua “pauta”. A polícia, em seus motins, usa os trabalhadores e os pobres como reféns e alvo para pressionar o governo. Em todos os motins, principalmente na Bahia, grupos encapuzados atiram contra moradores nos bairros pobres, matam dezenas contando com a impunidade, visto que nunca houve investigação nem punição alguma. “O número de homicídios em Salvador e região metropolitana aumentou 57% de sexta-feira (18) até domingo (20). Nesse período, 44 pessoas foram assassinadas e outras 60 foram mortas durante a greve da Polícia Militar que durou de terça-feira (15) a quinta-feira (17). Em quase uma semana, 104 pessoas morreram assassinadas na capital e região.” [1] Essa é a “greve” dos policiais que o PSTU e a esquerda vergonhosamente apoiam e reivindicam como “luta operária”, abandonando os trabalhadores e pobres ã própria sorte! Já não se trata apenas da debacle teórica e política dessa esquerda, que em diversos artigos [2] temos demonstrado como abandonou os ensinamentos marxistas revolucionários, mas de um completo abandono de princípios básicos de solidariedade e defesa intransigente dos direitos e interesses da massa explorada e da classe operária.

Ao contrário, moradores de bairros operários de Salvador e região, protestam e denunciam o significado do motim policial. "Não estão respeitando ninguém - nem crianças. Somente este semana já tiveram chacinas aqui no bairro e em outros próximos, como Teresinha, Lote, Alto de Coutos e Periperi", comenta um morador em Salvador. "Estamos vivendo de uma forma terrível. Além destes crimes, também estamos com um toque de recolher - a própria polícia está passando por aqui com as viaturas, por volta das 18h, pedindo para que os moradores se recolham e entrem em casa desde o início da semana. Ninguém mais fica nas ruas, todo mundo tá com medo. Mas tudo que a gente quer é paz" [3], pede um morador. Mas a direção do PSTU quer vender a falsa ideia de que é possível “reformar” essa polícia e, ainda mais, fazê-la “passar para o lado dos trabalhadores”. Um desserviço ã causa operária e popular e uma capitulação vergonhosa ao Estado burguês e suas instituições cada vez mais degradadas, antioperárias e antipopulares. Uma esquerda que se diz classista e revolucionária mas que mostra sua falência (não crê na força da classe operária), pois ao abandonar o povo pobre se recusa a ser parte da construção de uma classe operária hegemônica (dirigente) – que assuma a defesa e os interesses de todos os oprimidos e explorados –, preferindo buscar “aliados” nos agentes do Estado burguês, como as forças policiais e serviços de repressão.

A esquerda está chamada a romper sua política capituladora diante do Estado e da polícia, iniciando desde já uma campanha pela investigação independente (sindicatos, organismos de direitos humanos, organizações e personalidades democráticas etc.) de todos os assassinatos e crimes diversos cometidos durante o motim policial, para apontar os culpados e mandantes, punindo-os exemplarmente, além de exigir que o Estado indenize todas as famílias que perderam seus entes queridos nessas chacinas policiais. Basta de impunidade para os criminosos do Estado!

Como sempre, governo concede e policiais voltam ã rotina repressiva

Apesar de colocar forças do exército para substituir os policiais amotinados, e até mesmo a prisão do seu dirigente Marcos Prisco, como sempre ocorre o governo cedeu ás pressões dos policiais. Os motins policiais servem para educar a vanguarda e os trabalhadores de que o Estado não é “neutro” e sempre vai assegurar suas instituições – a força repressiva fundamentalmente –, cedendo para manter o aparato estatal a serviço dos interesses burgueses contra os trabalhadores e o povo pobre.

Quando se trata de greves operárias os governantes e os patrões endurecem e tudo fazem para impedir vitórias. Enquanto os questionamentos dos gastos da Copa se disseminam na população, assim como os escândalos de corrupção, como agora se tornou o caso da Petrobrás, os governos do PT (e os demais) viram as costas e reprimem as lutas pelas reivindicações dos funcionários públicos (o governo petista na Bahia – Jaques Wagner – concedeu aos professores apenas 5,9%, e em duas parcelas) e as demandas populares de Junho – transporte, saúde, moradia etc. – mas não deixam de atender as exigências das forças policiais. “Foi concedido um aumento de 6% aos policiais por meio do reajuste de uma gratificação por trabalho especial - o salário-base de um PM na Bahia é de R$ 2,3 mil. Além disso, o governo aceitou rever o plano de cargos e salários da polícia e a proposta de Código de Ética da PM, que havia sido enviado ã Assembleia.” [4] Com a intermediação das negociações feita pela Igreja católica, com o arcebispo de Salvador, Dom Murilo Krieger, os amotinados “receberão reajuste de 25% a 60% na gratificação CET (condições especiais de trabalho), antes concedida somente a oficiais, e soldados terão promoção automática para cabo, entre outros pontos acertados”, além do compromisso assumido pelo Comando Geral da PM de "rever os processos administrativos disciplinares da greve de 2012 e a suspender apurações de faltas administrativas leves da greve deste ano” [5]. Os policiais voltaram ás ruas para, cinicamente, como dizem, “garantir a segurança e a ordem”, ou seja, continuar a repressão e a violência contra os trabalhadores e o povo pobre.

Enfim, concessões e impunidade para os policiais, repressão e criminalização para os trabalhadores e os lutadores sociais. A esquerda deveria organizar uma luta séria e decidida pelas reivindicações dos trabalhadores e as demandas de Junho, exigindo da burocracia um Plano Nacional de Luta com paralisação nacional, atos, piquetes e bloqueios de ruas e estradas para impor nossas reivindicações aos patrões, aos governos Dilma, estaduais e municipais. Nenhum centavo para os policiais e serviços de repressão! Dinheiro para os trabalhadores e o povo! Ao contrário dos desejos da direção do PSTU e da esquerda, apesar de mostrar elementos de decomposição do Estado, o fim dos motins policiais, nessa situação etapa, confirma o ensinamento de Leon Trotsky: “O mais importante, porém, é que todo policial sabe que os governos mudam, mas a polícia fica” (Revolução e contrarrevolução na Alemanha).

 

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