As organizações que integramos o Encontro Sindical Combativo (ESC) e a FIT realizamos os atos mais significativos do 1° de Maio em nosso país, em consonância com os atos de luta que se organizaram em vários países. Enquanto Cristina Kirchner tentou dissimular em atos intranscendentes o duro ataque ao salário real (via desvalorização, datas-base abaixo da inflação, pacotes de ajuste, etc.) e as suspensões e demissões que começaram, as “centrais sindicais” fizeram pequenos atos com pequenas políticas: a CTA opositora (incluindo o MST e a CCC) chama uma marcha no dia 8, Moyano anunciou no dia anterior ao 1 de Maio sua marcha com Barrionuevo e toda a agenda da direita para o dia 14, enquanto que a CTA e a CGT oficialistas chamaram a “defender o modelo”. Somente os atos da esquerda e do sindicalismo combativo levantaram uma política para que os trabalhadores não paguem pela crise: denunciamos o ajuste e a entrega ao imperialismo (Repsol, dívida externa), chamamos a continuar a paralisação nacional do 10A com uma nova paralisação ativa de 36 horas e um plano de luta, a defender os petroleiros de Las Heras e todos os processados por lutar, e a conquistar a independência política dos trabalhadores frente a todas as variantes patronais, para que nossa luta possa triunfar. O Clarín, o La Nación e Página12 [principais meios de comunicação da burguesia] tiveram de dar conta, em suas crônicas dos atos, da importância deste polo político, que dá continuidade ã destacada presença que conquistamos nos piquetes da paralisação nacional, sobretudo na Panamericana, depois do avanço da FIT nas eleições nacionais de 2013 (confirmado nas eleições municipais da cidade de Mendoza em março deste ano, onde mantivemos os 15% dos votos).
Enquanto as grandes patronais aproveitam momentos de crise para aplicar suspensões (indústria automotriz) e demitir em alguns casos ativistas (autopeças Gestamp, destilaria da Shell), nossos desafio é preparar-nos para enfrentar com êxito as duras batalhas da luta de classes que virão. Desde este ponto de vista analisaremos as distintas políticas que se apresentaram na Praça de Maio.
Massas, vanguarda e esquerda
Estamos frente a um momento histórico de mudança na classe operária, já que se trata do final de uma experiência com um peronismo de “centroesquerda” (agora direitizado, como terminam todos os centroesquerdistas). Mas esse processo de ruptura dos trabalhadores com “seu” governo é altamente contraditório. Vejamos. A paralisação nacional do 10A mostrou milhões de trabalhadores paralisando (mais que a já forte paralisação nacional do 20 de novembro de 2012), muitos contrariando suas próprias direções sindicais “oficialistas”, que incentivaram a não parar. Sobre a base deste fenômeno verdadeiramente “de massas” da paralisação se destacou um setor “avançado” de trabalhadores que tomou em suas mãos os piquetes; setor pequeno, mas muito significativo, porque em seu desenvolvimento está o destino da esquerda operária e socialista. Nas grandes greves dos professores de Buenos Aires e de Salta, a vanguarda que se mobilizou de forma independente da burocracia foi muito mais ampla, alcançando dezenas de milhares.
Por sua vez, no terreno eleitoral (expressão distorcida da consciência política), milhões de trabalhadores vêm de romper com o kirchnerismo, mas em sua maioria terminaram votando em Sergio Massa ou em variantes direitistas similares, enquanto uma camada minoritária de 1.200.000 apoiou a Frente de Esquerda.
Aqui, os atos do 1° de Maio mostram um primeiro dado significativo: se comparamos os resultados eleitorais da FIT de 2013 com os 660.000 votos obtidos em 2011 (na categoria de deputados nacionais), o crescimento eleitoral foi de 80%. Não obstante, a capacidade de mobilização da esquerda em seu conjunto não cresceu nessa mesma proporção (não nos referimos a várias dezenas de milhares, mas a crescer estes mesmos 80% ou mais nas marchas e nos atos), ainda que as colunas do PTS e do PO, similares e de longe as maiores, representassem 2/3 do ato na Praça de Maio, e as colunas do PTS mais que duplicassem as das demais forças da FIT nos atos de Mendoza, Córdoba, Rosário, Neuquén, Jujuy e Tucumán, ainda que nas duas últimas não houvesse ato unificado.
E se bem que o 1° de Maio seja uma data sem tradição de luta e mobilização massiva em nosso país (desde que o peronismo o transformou numa data “festiva”), com as colunas da esquerda o dia 24 de março [aniversário do golpe militar de 1976 na Argentina, NdT] se repetiram as mesmas proporções.
Nos piquetes do 10A , em várias fábricas e empresas, conseguimos que se mobilizassem junto ao PTS e demais organizações de esquerda setores de ativistas que habitualmente não participam para além das lutas de sua própria fábrica ou categoria. Se realmente queremos constituir uma força política que possa “virar a página da história” (como disse o companheiro Altamira no ato) e superar o peronismo (para o qual faltarão ademais ações históricas independentes da classe operária, o que Altamira não disse), nosso destino está na capacidade que tenhamos de multiplicar por milhares e dezenas de milhares (ao calor da luta de classes) os trabalhadores cada vez mais experimentados na luta, cada vez mais conscientes e mais organizados (em encontros combativos, agrupações classistas e em militância na esquerda revolucionária, de acordo com seu grau de compromisso, consciência política, ideológica e programática), que possam desempenhar o papel “dos operários temperados pelo partido de Lênin” (ver abaixo), em um verdadeiro processo revolucionário. Esta perspectiva esteve assinalada, lamentavelmente, apenas pelos oradores do PTS no ato.
Luta sindical e luta política
Altamira insistiu, de acordo com a orientação votada no Congresso do PO, em que “toda luta de classes é uma luta política” (afirmação conhecida do Manifesto Comunista), dado que há que “derrubar o poder político do capital”. Como afirmação geral e estratégica, é indiscutível e estamos de acordo, mas em seu desenvolvimento só se limitou a assinalar exemplos eleitorais, como que em Salta ou em Mendoza trabalhadores peronistas haviam votado na Frente de Esquerda, e reduziu a luta política apenas à quela que tenha caráter “socialista”. Não fez referência ã paralisação nacional do 10A, quando na história do marxismo o exemplo “clássico” da luta de classes adquirindo caráter político é a greve geral, já que supera a luta entre “operários e patrões” (luta econômica) para apontar ao governo e ao regime em seu conjunto, ainda que não seja abertamente socialista. É claro que a paralisação do 10A não teve um caráter revolucionário, mas é indubitável que teve um caráter mais diretamente político, ao enfrentar o ajuste governamental de conjunto, que a paralisação nacional do 20N (ainda que expressasse um mal-estar de conjunto contra o ajuste que se iniciava, teve entre seus motores centrais demandas mais pontuais, como o imposto ao salário). Foi ou não foi um passo qualitativo na prática política dos ativistas que se organizaram para garantir a paralisação e se mobilizaram para fazer piquetes junto ã esquerda classista, não somente em sua fábrica mas com trabalhadores de outras fábricas, professores, estudantes, etc.? Melhor calar sobre este fato, pois o PO esteve na retaguarda nesta tarefa na ação da luta de classes mais política dos últimos anos (exceto na presença e declarações de seus parlamentares). Em troca, sem mediar um ascenso revolucionário, exigem que o movimento operário seja já diretamente “socialista”, subordinando o desenvolvimento real da luta de classes a um fenômeno (por ora) eleitoral “socialista” como é a FIT.
Em última instância, por isto o PO se opõe a impulsionar iniciativas de reagrupamento combativo e antiburocrático do movimento operário, para a intervenção política na luta de classes, como o Encontro Sindical Combativo. E contrapõe a isso um chamado propagandista (e ultimatista, já que não propõem outra alternativa) a um “Congresso classista e socialista”. Seu chamado a “politizar” se reduz a “eleitoralizar” a luta de classes.
As iniciativas do Encontro Sindical Combativo não se limitam ã “luta sindical” (como equivocadamente sustentaram os oradores da IS [Esquerda Socialista, NdT]), mas apontam a, precisamente, fazer avançar o caráter político da luta de classes, levantando aspectos do programa que defendemos todas as correntes da FIT. Por isto, o Encontro Sindical Combativo de Atlanta votou, a 15 de março, uma jornada nacional de cortes de rua contra o ajuste e pela absolvição dos petroleiros de Las Heras, ou seja, não demandas “econômicas”, mas políticas, contra o governo e que enfrentavam o conjunto do regime (já tínhamos impulsionado a jornada do 27 de fevereiro em defesa dos petroleiros, que foi reprimida). Depois, convocada a paralisação nacional, decidimos que esses piquetes se realizassem como parte da paralisação. O ESC não é somente sindical, é um acordo de tendências combativas e antiburocráticas (não há nenhuma corrente que seja parte da direção de nenhuma das burocracias das centrais sindicais), e em seu seio se desenvolverão acordos e diferenças frente aos desafios que apresente tanto a luta de classes como a luta política (inclusive a eleitoral). Mas a chave é se hoje permite o avanço de milhares e milhares de ativistas operários que vejam neste polo, onde participa abertamente a esquerda, um ponto de apoio para desenvolver sua experiência de luta contra as patronais, a burocracia sindical e o governo. Neste caminho, se inscreve a convocatória a Encontros regionais para agrupar os trabalhadores mais combativos e mais conscientes de cada cidade ou região. Este tipo de agrupamento é uma forma importante de combater, nos fatos e não em palavras, o sindicalismo de limitar-se ás lutas de fábricas ou grêmios.
Por sua parte, a FIT não é a única ferramenta para a luta diretamente política (algo que também sustentaram os oradores da IS). É uma coalizão política de partidos que defendemos a independência de classe e levantamos um programa que culmina no governo dos trabalhadores. Mas ademais de algumas declarações e atos em comum, seu terreno de ação central é o eleitoral, já que não temos uma prática comum na luta de classes. E o terreno eleitoral é um dos terrenos de agitação e luta política, mas não é o único nem o decisivo. Desde o PTS insistimos em buscar acordos – além dos eleitorais – para a luta de classes, mas surgiram importantes diferenças (motins policiais, eleições na CTA, etc., além das diferenças históricas sobre a intervenção no movimento estudantil).
Para que a luta de classes se eleve ã política em sua verdadeira envergadura, ou seja, na luta pelo poder, a lição da história é que é indispensável um partido revolucionário que só pode nutrir-se dos novos milhares e milhares de operários e jovens que passem pelas variadas experiências da luta de classes, da luta política e da luta ideológica. Colocamos neste terreno também abrir um debate internacional e nacional, ao qual os companheiros do PO e da IS se opuseram.
Os “operários conscientes” de Lênin
Já polemizamos, nesta coluna (LVO 566), com a redução do leninismo a uma luta apenas contra a pressão “economicista” (sindicalista), desenvolvida em “Que Fazer?”, que nega a descomunal batalha empreendida por Lênin depois de 1914 contra a degeneração dos grandes partidos da Segunda Internacional, sobretudo do Partido Socialdemocrata Alemão, cuja base foi o desenvolvimento de uma burocracia política e sindical (apoiada na aristocracia operária) que se negou a colocar em risco seus cargos parlamentares e sindicais e lançar-se à luta revolucionária contra o guerrerismo imperialista de suas próprias burguesias.
Inclusive na história dos partidos que se reivindicam trotskistas, a adaptação aos regimes democrático-burgueses levou ao desenvolvimento de (mini)aparatos com uma estratégia de construção “geográfico-populacional” em função das “batalhas” eleitorais, e não em base ás posições estratégicas no movimento operário, pelo qual terminam totalmente impotentes para a luta de classes real (sem a qual não há “elevação” possível ã “luta política”).
Neste sentido, acreditamos que é pertinente uma lição que remarca Trotsky em sua “História da Revolução Russa”, quando polemiza com os historiadores que relacionavam ã Revolução de Fevereiro de 1917 um caráter puramente espontâneo. Ali assinala que, apesar da perseguição implacável do czarismo que havia deixado quase dizimada a estrutura de direção do Partido Bolchevique no interior da Rússia, “na revolução de Fevereiro os operários bolcheviques desempenharam um papel decisivo”. Tratava-se dos “operários conscientes, temperados e educados principalmente pelo partido de Lênin” que haviam passado pela experiência da Revolução de 1905, pela clandestinidade, pelo Ascenso de 1912 a 1914, pela guerra, etc. Em todos esses acontecimentos, foram-se forjando operários que romperam com os liberais, com os partidários dos Socialistas Revolucionários (SRs) e dos mencheviques, não pelo “discurso” dos bolcheviques, mas por convencer-se na prática da justeza de seu programa e de sua estratégia. Operários que, sem direção, souberam reunir as massas em forma revolucionária para impulsioná-las adiante, até lograr a queda do regime czarista em Fevereiro. Nesses mesmos operários se apoiará Lênin, quando de seu regresso, para impulsionar o giro decisivo da política do Partido Bolchevique para a luta por “todo o poder ao soviets” (as famosas “Teses de Abril”) contra a política conciliadora da direção bolchevique de Kamenev e Stalin.
Apostamos em impulsionar a intervenção em todos os terrenos da luta de classes (desde as lutas de fábrica até a participação nos piquetes das paralisações nacionais, passando por campanhas de grêmio para recuperar os sindicatos e a organização de encontros nacionais e regionais) e a luta política (campanha e ações pelos petroleiros de Las Heras, campanhas eleitorais da FIT com militância operária, etc.) e ideológica, com o fim de avançar o mais rápido possível na formação dessas camadas de operários e operárias que combinem a compreensão do programa da esquerda operária e socialista e nossos fins comunistas, com a prática real desse programa na luta contra o governo, o regime, as patronais, e a burocracia sindical. Eles são a seica que nutrirá o amadurecimento, ao calor da acentuação da luta de classes, de um grande partido revolucionário. Sem eles só se construirão aparatos eleitoralistas ou sindicalistas, não terá destino a revolução em nosso país e a “luta pelo socialismo” será uma saudação ã bandeira.
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