Em uma recente declaração sobre a situação no Egito, o Secretariado Internacional da LIT-QI tenta responder, em alguma medida, as críticas a suas vergonhosas posições, críticas que iniciamos desde a FT-QI. Novamente, tratam de defender sua posição de que no Egito houve uma revolução democrática triunfante, e que a queda do ex-presidente Morsi foi produto da ação revolucionária das massas e não mediante um golpe do Exército e seus sócios civis, que abriu o caminho a uma ofensiva contrarrevolucionária por parte do novo governo.
Ao que parece, já não basta ã LIT-QI dizer que “É verdade que o aparato de segurança segue reprimindo, mas o caráter da repressão não é generalizado, mas seletivo”, para explicar os massacres contra os acampamentos da Irmandade Muçulmana, os mais de 16.000 detidos por razões políticas, as leis antimanifestação, as escandalosas sentenças de morte em massa, e a perseguição a movimentos políticos e sociais por parte do governo. A LIT-QI, a fim de manter em pé sua teoria da revolução democrática, agora deslizam para posições sobre o estado, a repressão e a luta de classes que os afastam do marxismo revolucionário.
Os tempos da política, ou: é tempo de uma política revolucionária
Em sua nova declaração, a LIT-QI insiste em que “A repressão ás mobilizações da Irmandade Muçulmana tinha uma justificativa no momento imediato ã queda de Morsi, quando existia uma possibilidade de que as mobilizações da Irmandade Muçulmana pudessem conseguir o retorno do governo de Morsi e impor um já derrotado pela mobilização revolucionária das massas.” Isto não seria novidade na triste posição da LIT, se algumas linhas abaixo não lêssemos que, “Por outro lado, estamos contra a repressão atual ã Irmandade Muçulmana, porque essa é a legitimação do regime para o ataque contra o conjunto do movimento de massas.” Então, com o que ficamos? A repressão realizada em ambos os casos pelo Exército legitima o ataque ao conjunto das massas ou está justificada?
Para explicar esta incrível posição (e de passagem, seguir justificando suas vergonhosas vacilações) a LIT-QI nos apresenta uma novidade (dentro da deriva desta corrente): “A defesa das liberdades democráticas nunca é um princípio para os marxistas. É sempre uma questão relativa, subordinada à luta de classes. Para localizar nossa posição devemos responder ás questões: liberdades democráticas para quem? Liberdades democráticas para que? Em outras palavras: repressão para quem, repressão para o quê?”. Ou seja, para a LIT-QI, não havia problemas em reprimir e massacrar as mobilizações da Irmandade Muçulmana (“para quem?”) já que isto defendia a revolução vitoriosa (“para quê?”). Mas toda esta argumentação com tom “esquerdista” que tenta justificar sua vergonhosa posição ante a repressão é totalmente confusa e omite um gigantesco detalhe: não se trata aqui de um governo operário enfrentando a reação armada contra a revolução, como tiveram de enfrentar os bolcheviques ã cabeça dos soviets na Rússia de 1917 contra a reação armada interna de Koltchak, Denikin e Yudenich. É o Exército, o pilar do estado capitalista egípcio, aquele que leva adiante a repressão!
Como diz a LIT-QI, nossa posição contra a repressão por parte do Exército não se trata de uma questão de princípios abstrata. Os marxistas revolucionários não só repudiamos estes acontecimentos, mas rechaçamos todo tipo de repressão, perseguição e ilegalização exercida pelo governo cívico militar, já que isto fortalece os inimigos da classe operária. Nisto, seguimos a tradição do marxismo revolucionário. Para mencionar alguns exemplos, tomemos Trotsky, que diante do apoio por parte do Partido Comunista e da socialdemocracia ás medidas do governo holandês contra os fascistas, dizia, “Por isto, a consigna pela dissolução e desarmamento das bandas fascistas através do estado (o voto por esta espécie de medidas) é absolutamente reacionária (os socialdemocratas clamam: ‘O estado deve atuar!’). Isto equivaleria a fazer um chicote com o couro do proletariado, que os árbitros bonapartistas talvez utilizassem para acariciar suavemente algum traseiro fascista. Mas nossa responsabilidade e dever incontornável é proteger o couro da classe operária, não entregar o chicote ao fascismo”. E em outro texto adverte que “Tanto a experiência histórica como teórica provam que qualquer restrição da democracia na sociedade burguesa é, em última instância, invariavelmente dirigida contra o proletariado, assim como qualquer imposto que se imponha recai sobre os ombros da classe operária. A democracia burguesa é útil para o proletariado apenas quando lhe abre o caminho para o desenvolvimento da luta de classes. Consequentemente, qualquer ‘dirigente’ da classe operária que arma o governo burguês com meios especiais para controlar a opinião pública em geral e a imprensa em particular é, precisamente, um traidor. Em última análise, a acentuação da luta de classes obrigará as burguesias de qualquer tipo a chegar a um acordo entre elas mesmas; aprovarão então leis especiais, toda espécie de medidas restritivas e toda classe de censuras ‘democráticas’ contra os trabalhadores. Quem ainda não tenha compreendido isto deve sair das fileiras da classe operária”.
A posição da LIT-QI, justificando a repressão contra a Irmandade Muçulmana por parte do Exército egípcio se encontra muito próxima ã dos partidos liberais e afastada 180° da posição sustentada por Trotsky. Assim, passam de falar sobre a “revolução democrática” a dedicar-se a buscar (e inventar) argumentos para justificar sua vergonhosa reivindicação da brutal repressão por parte do Exército a todo um setor da população.
A falta de consciência das massas ou as desastrosas posições da LIT-QI
Os autores da declaração voltam a tratar de dar lições ã esquerda que nega que no Egito haja havido uma revolução democrática triunfante, e que por isto não conseguiu compreender o quão complicado e contraditório é o processo. Dizem-nos que “As massas egípcias, deste modo, não saem derrotadas com a queda de Morsi. Saem vitoriosas, mas com uma enorme confusão em sua consciência. Consideram as Forças Armadas, o centro do poder burguês e seu maior inimigo, como um aliado que ajudou a derrubar Mubarak e Morsi. A crise da direção revolucionária e a inexistência de uma alternativa própria dos trabalhadores têm conseqüências terríveis na realidade egípcia.” Que a falta de direção revolucionária tem “conseqüências terríveis” não é uma descoberta; o que teríamos de nos perguntar é se a LIT-QI opina que sua posição justificando a repressão ã Irmandade Muçulmana por parte do Exército terá contribuído para construir uma “alternativa própria dos trabalhadores”. Claramente, o curso de posições da LIT-QI, primeiro cobrindo com um suposto mandato popular o golpe contrarrevolucionário dos militares contra Morsi e depois justificando a repressão do Exército, aproxima-os mais ás posições sustentadas por movimentos como o TAMAROD (movimento juvenil que começou juntando assinaturas contra Morsi e terminou justificando a repressão, e com um setor apoiando o chefe do Exército Al-Sisi em sua campanha eleitoral) que a uma verdadeira política revolucionária, capaz de luta por jogar abaixo o regime político e conseguir que o poder passe das mãos da burguesia para as mãos da classe operária e dos oprimidos, única forma de dar resposta ás demandas profundas da Primavera Árabe.
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