Enquanto os Estados Unidos e o Irã se preparam nos próximos dias para as primeiras conversas públicas bilaterais em Bagdá - o que indicaria que poderiam haver alcançado um certo consenso sobre o marco geral das negociações para estabilizar o Iraque - novos focos de conflitos que tinham se apaziguado voltam com força no Oriente Médio.
Os palestinos colaboracionistas e o Estado de Israel contra o Hamas
Apesar da formação de um governo de coalizão entre o Hamas e o Fatah no último 17 de março, o acordo alcançado com o aval da Arábia Saudita, gerou os mais duros enfrentamentos nas duas últimas décadas entre essas duas frações palestinas. O Estado de Israel nunca reconheceu este governo e continuou seus esforços para isolar e matar a fome em Gaza e empurrá-la até uma guerra civil. Mas essa política se voltou contra eles: quanto mais se vê o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) Mahmoud Abbas como colaboracionista dos Estados Unidos e do Estado de Israel, mais o povo palestino se distancia dele e de seu partido Fatah, que já são fortemente questionados pela sua corrupção e ineficiência.
A luta começou no fim de semana passado, depois de um plano muito discutido para formar uma força de segurança conjunta do Fatah e do Hamas, para ser utilizada nas ruas, que não prosperou supostamente pela resistência dos chefes de segurança do Fatah.
Este plano vem sendo boicotado por Mohamed Dahlan, conselheiro da Segurança Nacional, Rashid Abu Shabak, chefe da Segurança Preventiva, e sua gente, que estão formando esquadrões da morte. Estes dois personagens sinistros que formam parte do governo, foram impostos pelos Estados Unidos e pelo Estado de Israel. Este fracasso deu base aos enfrentamentos. Como consequência o ministro do Interior Hani Kawasmeh, que está mais próximo do Hamas que do Fatah, renunciou queixando-se da falta de cooperação por parte dos serviços de segurança. Neste marco, em 17 de maio o Estado de Israel abriu as portas da faixa de Gaza desde o Egito a 500 combatentes do Fatah, para apoiar as forças leais a Abbas, que lutam contra as do Hamas (leais ao primeiro ministro Ismail Haniyeh).
Estes 500 combatentes tem sido treinados por um programa impulsionado pelos EUA. Além disso, o Estado de Isral voltou a bombardear Gaza com a desculpa da retomada dos ataques contra a cidade israelense de Sderot com foguetes Kassam, porém cujo objetivo central é intervir na crescente luta entre o Fatah e o Hamas, com o explícito objetivo de eliminar o Hamas como força política e militar.
O primeiro ministro israelense, profundamente debilitado como consequência do "informe Winograd", que colocou em evidência as "severas falhas" na "planificação e execução" da guerra do Líbano em agosto do ano passado, tem rechaçado uma invasão. Teme uma segunda débaclê do exército israelense depois da "derrota estratégica" no Líbano ainda que lhe falte o respaldo necessário para decidir uma entrada massiva e prolongada de tropas no território palestino. Entretanto, frente ao fato de que nenhuma autoridade na Palestina possa impor uma tregua ao caos reinante, e apesar das dúvidas e divisões do establishment político e militar israelense, crescem as pressões a uma maior intervenção. O líder do Likud, Benyamin Netanyahu, tem insistido que Abbas é incapaz de exercer a direção da ANP. Falando sobre o 30° aniversário do ascenso do Likud ao poder em 1977, Netanyahu disse que o governo "deveria evacuar a todos os que forem necessários, emitir o fechamento da faixa de Gaza, deixar de prover serviços como água e eletricidade ou decidir uma invasão limitada de 4 ou 5 kilometros para distanciar o alcance dos Kassam". Por sua vez o deputado Avigdor Lieberman, do partido de ultra direita Yisrael Beiteinu, tem exigido uma atividade mais intensa na faixa de Gaza. Ameaçou, caso isso não aconteça, retirar seus 11 membros do Knesset (parlamento) e fazer cair o governo, dizendo: "A atual coalizão tem alcançado o momento da verdade. Ou acabamos com o Hamas, ou nós acabamos com o governo". Por sua vez, o comandante da divisão de Gaza das Forças de Defesa Israelenses tem dito ao primeiro ministro e ao ministro de Defesa que autorizem uma invasão. Este e outros personagens no Alto Mando querem destruir o Hamas "antes que Gaza se transforme em outro sul do Líbano". Escalando no conflito, o viceministro da Defesa, Efraim Sneh, tem dado a entender que não só se atacaria aos guerrilheiros. "Não se pode distinguir" entre os responsáveis políticos e as mílicias afiliadas ao movimento, disse ao ser perguntado sobre se os políticos podiam converter-se
Todos esses elementos mostram que estamos frente a uma nova escalada do Estado sionista contra o sofrido e martirizado povo palestino.
O covarde Exército Libanês ataca os campos de refugiados palestinos
No último fim de semana ocorreu um duro enfrentamento entre o grupo palestino, Fatah al-Islam e o Exército Libanês. Segundo os últimos dados oficiais, 48 pessoas - 23 soldados, 19 milicianos e 6 civis - morreram nos enfrentamentos do domingo. Logo, a disputa se estendeu com dois atentados em Beirut e um fustigamento brutal das forças libanesas sobre o empobrecido campo de refugiados Nahr al-Bared no norte do Líbano, onde se baseia este grupo palestino. Estes provem do Fatah al-Intifada, formado em 1983 por membros desiludidos da Organização para Liberação da Palestina (OLP). De seu seio, em 2005, após a retirada das forças sírias do Líbano surgiu o Fatah al-Islam. Para alguns é um instrumento da Síria para semear o caos e demonstrar qual é o único país que pode pacificar o Líbano. Para outros esse grupo radical sunita, ligado a Al Qaeda, tem sido atiçado pelo governo do primeiro ministro libanês Fuad Siniora e seus aliados para fazer oposição a influência do Hezbollah. O que está claro é que os enfrentamentos entre o Exército e os milicianos são os mais violentos desde que em 1990 acabou a guerra civil que sofreu o país durante 15 anos. Mais de 100 pessoas morreram no campo de refugiados de Nahar al Bared no começo do terceiro dia de enfrentamentos, segundo o muftí (líder religioso que decreta as fatuas ou decretos islà¢micos) da comunidade palestina no Líbano, Salim ao Lababidi. Em uma entrevista com o canal de televisão qtarí Al Yazira, apelou aos dirigentes libaneses, em especial ás Forças Armadas, para que parem o bombardeio sobre o campo. "A população do campo não tem nada a ver com o Fatah al-Islam. Este bombardeio deveria acabar, porque a maioria das vítimas são civis", assegurou. O temor de muitos é que se o horror não terminar, pode se estender a todos os campos de refugiados palestinos.
Esta luta demonstra uma nova manifestação de instabilidade em um país que até pouco tempo esteve submerso em uma grande crise na qual saíram ás ruas o movimento muçulmano Hezbollah contra o governo pró-imperialista de Siniora. Mostrando seu caráter conciliador e pró-burguês, após a greve com acampamento, o Hezbollah se retirou "pacificamente" das ruas de Beirut e frente aos ataques do Exército libanês aos acampamentos palestinos saiu a repudiar a violência contra o Exército. Segundo o jornal El País do Estado Espanhol: "O partido Hezbolah também condenou os ataques da mílicia islà¢mica num comunicado no qual rechaça ’qualquer ataque de qualquer facção contra o Exército Libanês e as forças de segurança que pretendam minar a segurança, a estabilidade e a paz civil do Líbano’ "
Com as eleições presidenciais e a sorte de um tribunal internacional para tratar dos suspeitos sírios pelo assassinato do ex primeiro ministro Rafik al-Hariri, a estabilidade política no Líbano estará condicionada ás negociações que Washington sustenta com Damasco e Teherán sobre o Iraque. Neste marco as tendências ã desintegração do país crescem a cada dia. Como disse o jornalista Robert Fisk, grande conhecedor da região e presente durante os atuais enfrentamentos: "Porém cada vez mais nos perguntamos se não estamos fazendo um relato da triste desintegração desse país. O Exército libanês está nas ruas de Beirut para defender Siniora, nas ruas de Sidon para prevenir distúrbios sectários, nos caminhos do sul do Líbano olhando a fronteira com Israel e agora, aqui no norte, assediando os pobres e golpeados palestinos de Nahr al Bared e os perigosos pequenos grupos que podem ou não estar recebendo ordens de Damasco".
Como mostram estes dois conflitos, o fracasso dos EUA de impor uma ordem reacionária depois de seu débaclê no Iraque, está levando a uma enorme instabilidade na zona, em grande medida atiçada pelos mesmos EUA e Estado de Israel, que buscam desatar os conflitos inter-religiosos ou inter-étnicos (brincando com fogo nessa perigosa e explosiva região), para evitar a consolidação de uma relação de forças hostil a seus interesses.
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