Uma nova proposta em debate
Com a “VI declaração da Selva Lacandona” o EZLN reapareceu na cena política nacional. Na mesma, propõe a “unidade dos operários e camponeses”, e a aliança com “setores de esquerda”, sob um “programa nacional de luta” para lutar contra o neoliberalismo. Nas últimas semanas, o EZLN se reuniu com organizações políticas, sociais e sindicais com o fim de articular sua “outra campanha” que se coloca contraposta ã campanha eleitoral de 2006. Isto se dá no contexto de novas contradições e mudanças na situação nacional.
Depois do triunfo eleitoral de Vicente Fox em 2000, apresentado por muitos como a abertura de um novo ciclo de estabilidade burguesa, desde o ano de 2003 as instituições do regime de alternância sofreram importante desgaste e aumento o descontentamento operário e popular. O movimento de massa incipientemente começou a colocar-se em sintonia com as lutas que recorrem a América do Sul, ainda que longe de ações como as jornadas revolucionárias da Bolívia ou as lutas operárias na Argentina. As mobilizações dos trabalhadores eletricistas, a luta e o processo anti-burocrático na saúde e, mais recentemente a greve dos trabalhadores estatais em Chiapas e dos mineiros de Sicartsa, são indicadores de uma nova subjetividade operária que começa a se forjar.
O ressurgimento político do EZLN, que em anos recentes se limitou a governar os municípios autônomos, caindo em um forte isolamento fruto de sua estratégia autonomista, é um intento de posicionar-se frente a este fenômeno, que recorre o movimento operário e de massas. Em um contexto de instabilidade política e social, as declarações de Marcos despertam expectativas entre os trabalhadores, os camponeses e a juventude descontentes com o “governo da mudança”.
A repressão contra as bases zapatistas e as reações do regime
No mês prévio ã VI Declaração se intensificou a militarização de Chiapas. Declarações do Exército sobre supostas plantações de maconha e acusações de “narco-terrorismo”, e o cancelamento por parte do Banco Bilbao Vizcaya das contas bancárias de “Enlace Civil” (de apoio internacional ao EZLN) foram parte desta ofensiva, enquanto o Exército mantém 111 posições e mais de 17000 efetivos em Chiapas. Ante este ataque, os socialistas da LTS defendemos a urgência de prestar solidariedade aos camponeses e indígenas, defendendo o EZLN e suas bases de qualquer ataque do estado burguês, exigindo o fim da repressão e a saída imediata do exército e a dissolução dos bandos paramilitares.
Nos dias seguintes ã “Sexta Declaração”, Fox afirmou de maneira aventureira que se abria “um novo diálogo” e a possibilidade de integração dos zapatistas ao “sistema político”. Ainda que esta linha política não teve continuidade, o regime poderia tratar novamente de atrair o EZLN e conseguir sua integração política, para conter o descontentamento das massas e fortalecer as desprestigiadas instituições.
A crítica zapatista do PRD
A crítica ao PRI, do PAN e do PRD despertou expectativas entre muitos lutadores operários e juvenis. Os socialistas da LTS compartilhamos grande parte da denúncia do EZLN e também opinamos que o PRD é “mais do mesmo”. É por isso que nos anos passados defendemos que o PRD era um suporte da falaciosa transição pactuada (1994) e da alternância (2000), e denunciamos como este partido burguês aplicou o chicote onde governou. Mas em 1994 a direção zapatista chamava indiretamente a votar em Cárdenas, ao dizer: “nem um voto ao PRI nem ao PAN”. Esta política de acordos com um partido burguês (traidor, nomeia Marcos hoje) contribuiu a que muitos trabalhadores e camponeses confiassem no PRD. Hoje o EZLN modificou sua atitude e sua delimitação do sol asteca provocou a satanização por parte do jornal “La Jornada” e da intelectualidade “progressista” que o acusam de “fazer o jogo da direita” para debilitar a campanha do PRD e do AMLO (o que recorda as difamações que lançaram contra os grevistas “ultras” em 1999). Os socialistas da LTS chamamos a repudiar e denunciar esta campanha de perseguição e linchamento, para além das profundas diferenças estratégicas que nos separam da direção do EZLN.
Nesta situação, se o que se pretende é lutar verdadeiramente pelos interesses dos camponeses, indígenas e operários, é necessária uma estratégia e um programa de independência política dos partidos patronais, e de luta contra as instituições da burguesia, como desenvolvemos abaixo.
A luta pela unidade dos operários e camponeses
A VI declaração defende que “Um novo passo adiante na luta indígenas só é possível se os indígenas se unifica aos operários, camponeses, estudantes, professores, empregados... ou seja, os trabalhadores da cidade e do campo”. Junto a isto, que “vamos construindo, junto com esta gente que é como nós, humilde e simples, um programa nacional de luta, mas um programa que seja claramente de esquerda, ou seja, anticapitalista, ou seja, antineoliberal, ou seja, pela justiça, democracia e a liberdade para o povo mexicano”. E diz que para isto enviará uma delegação a percorrer o país, buscando uma “política de alianças com organizações e movimentos não eleitorais que se definam, em teoria e prática, como de esquerda”, impulsionando por sua vez, uma “CAMPANHA NACIONAL para a construção de outra forma de fazer política, de um programa de luta nacional e de esquerda, e por uma nova Constituição”. Isto supõe aprofundar a questão de como construir a unidade operária, camponesa e popular e sob qual perspectiva, objetivos e programa.
Nós da LTS pensamos que lutar pela “justiça, democracia, e a liberdade para o povo” requer uma estratégia de organização e mobilização independente dos partidos e instituições do regime. Exige superar toda ilusão no Congresso, o grande mecanismo de desvio do descontentamento popular, e romper com o PRD. A unidade operária e camponesa e a luta por suas demandas, deve assentar-se sobre a independência em relação ao regime e seus partidos.
Isto o constatamos no ano de 2001, quando o Congresso votou uma reacionária reforma da Lei sobre Direitos Indígenas. Neste momento afirmamos que não se aproveitou a oportunidade de potencializar o movimento das massas rurais, pois não se chamou um Plano Nacional de Luta que unificasse a resistência sob uma greve nacional contra o regime de alternância.É que lamentavelmente enquanto a caravana zapatista despertou grande apoio popular, a direção do EZLN teve uma política de “convencer” o Congresso a vota uma lei favorável. Todos vimos o que foi acionar esta corja de ladrões a serviço dos proprietários de terra (incluídos o PRD). Qualquer ilusão em que as instituições e partidos da burguesia podem resolver as demandas operárias e populares, somente trará desmoralização e novos enganos. Uma estratégia combativa e de luta deve fazer eixo na mobilização nas ruas, chamando a confiar exclusivamente na ação dos oprimidos e explorados.
Nos últimos anos as lutas operárias e camponesas foram por caminhos distintos. Se as burocracias sindicais foram as principais responsáveis, a direção do EZLN não teve política para se aproximar da classe trabalhadora, como na greve do sindicato da “Ruta 100” ou nas recentes greves em Chiapas. Agora a VI Declaração chama ã unidade de “operários e camponeses”. Para forjar esta unidade a primeira tarefa dos sindicatos é enfrentar - com a mobilização nas ruas - a militarização. Esta unidade é imprescindível, já que para impor as demandas das bases zapatistas e derrotar os planos do governo, é necessária a participação da classe operária que, concentrada nas grandes indústrias e serviços é a força fundamental que move as engrenagens da economia capitalista. É com base em um programa que integre o conjunto das demandas, que a classe operária pode encabeçar a luta de todo o povo oprimido e explorado.
Uma grande luta requer que discutamos democraticamente os passos a dar. Para isto, os acordos entre as direções das organizações são insuficientes, como é o curso adotado pelo EZLN nos encontros em Chiapas, nos quais se divide a assistência entre organizações políticas, sindicais e sociais, Em lugar disto, há que impulsionar a organização a partir das bases, e convocar um grande Encontro Nacional de organizações operárias, camponesas, indígenas e populares, baseado em delegados eleitos, com mandato e revogáveis. Sindicatos como o SME, os trabalhadores da Saúde e os operários de Sicartsa, assim como organizações como o EZLN, poderiam chamá-lo e ali os delegados eleitos com mandatos das comunidades zapatistas, dos sindicatos e organizações camponesas, poderiam tirar um plano de luta e mobilização que preparasse a realização de uma paralisação nacional contra o governo e seus planos.
UMA LUTA CONSEQUENTE CONTRA O REGIME DE ALTERNÂNCIA
Os partidos que o EZLN critica são os pilares deste regime, garantidores da exploração e da opressão. Estes cinco anos demonstraram que a “transição democrática” só favorece os negócios da patronal, e que não se resolverão as demandas das comunidades zapatistas e do conjunto do povo trabalhador. Por isto, uma mobilização conseqüente deve orientar-se contra o regime da alternância e toda falaciosa “reforma democrática” que busque preservá-lo.
Frente a isso, o EZLN propõe uma “nova constituição”. Mas esta “nova constituição” será obtida em convivência e nos marcos das instituições garantidoras da exploração capitalista? Isto seria contraditório com a resolução das demandas dos camponeses e indígenas (como a terra), que não serão atendidas sob uma constituição compatível com o regime de dominação capitalista. Isto o demonstra a experiência histórica: ainda que a constituição de 1917 e seus artigos 17 e 23 (que fizeram desta constituição burguesa a mais avançada de seu tempo), foram funcionais para manter o regime de propriedade privada e desviar as aspirações dos camponeses insurrectos em direção ã ilusão numa “nova constituição”. A atual miséria no campo é prova disso.
Uma das grandes lições da revolução de 1910/1920 é que para impor as reivindicações há que derrubar o regime de domínio (“abaixo o mal governo”, diziam os zapatistas em 1910). Retomemos este caminho impulsionando um programa revolucionário, através da mobilização nas ruas e da preparação da greve geral. Os socialistas da LTS pensamos que isto significa lutar por um governo dos operários e camponeses, que reorganize o país de acordo aos interesses das grandes maiorias.
Mas isto parece estar em contradição com a trajetória do EZLN que sustentando que “não lutamos pelo poder”, limitou-se a governar os “Caracoles” para construir a partir daí um “contra-poder”. Os projetos autonomistas - que podem ter o mérito de mostrar a capacidade e a originalidade das massas - não resolvem a situação dos explorados do conjunto da nação e nem sequer das comunidades de Chiapas. É que se requer lutar pelo poder político nacional, o “sistema nervoso central” sobre o qual a patronal e os proprietários da terra assentam sua dominação econômica; só arrancando o poder dos exploradores e expropriando os latifundiários e capitalistas serão garantidas as demandas das comunidades como a autonomia, uma verdadeira reforma agrária no campo, erradicar os bandos paramilitares, e garantir - a partir das cidades, a indústria e o sistema bancário - os recursos para que os camponeses e indígenas trabalhem e vivam dignamente.
Só se a proposta do EZLN apontar uma saída independente os partidos e as instituições e falácias do regime (como a farsa eleitoral de 2006), impulsionando a mobilização nas ruas, a organização democrática a partir das bases, e s luta por uma greve geral contra o governo, poderia ajudar a dar um passo adiante à luta dos explorados e oprimidos. Mas o EZLN deve demonstrar com sua ação e suas alianças (por exemplo com sua atitude para com as direções inimigas da luta frontal contra o governo) até onde vai a proposta da IV Declaração da Sela Lacandona.
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