No dia 5 de agosto, quase um mês depois do início da ofensiva de Tel-Aviv sobre a Faixa de Gaza, o Exército de Israel, a milícia do Hamas e distintos grupos islà¢micos concluíram uma trégua de 72 horas. Em meio a reiteradas advertências do secretário de Estado norteamericano, John Kerry, de que “ambas as partes devem ceder para chegar a um acordo de cessar-fogo duradouro” (momentos depois de os EUA conceder US$ 230 milhões de dólares para que o Exército israelense continuasse operando contra o povo palestino), as negociações no Egito culminaram na retirada das tropas israelenses do território da Faixa de Gaza. No twitter do Exército de Israel publicava-se a mensagem “missão cumprida” (referindo-se ã destruição dos “túneis terroristas” do Hamas, que facilitavam a aproximação com o território de Israel). Em verdade, os resultados são 1.881 palestinos mortos (1400 civis, com 400 crianças), 9.563 feridos, 520.000 palestinos desalojados e um rastro de destruição de boa parte da infraestrutura da Faixa, com edifícios, sistemas de distribuição de água e eletricidade, hospitais, escolas e centrais elétricas danificadas ou inutilizadas, num valor total de US$ 5 bilhões [1]. Israel se aplicou a atacar inclusive as escolas de refugiados da ONU (que abrigam quase 300.000 palestinos) matando centenas de pessoas. Do lado israelense, são 67 mortos (64 soldados e três civis): mais uma vez, não se trata de uma “guerra”, mas de um massacre, o maior em décadas deste exército opressor apoiado numa ocupação colonialista do território histórico da Palestina.
O cessar-fogo acordado pela intermediação do governo golpista egípcio de Abdelfattah Al-Sisi (que desde o golpe preventivo que derrubou o governo da Irmandade Muçulmana em 2013 fechou a passagem de Rafah, a única via de acesso pela qual transitavam os palestinos da Faixa de Gaza para o Egito) ainda significam uma repugnante “rendição incondicional” do povo palestino ás mesmas condições anteriores ao ataque. As exigências do levantamento do bloqueio ã Gaza, vigente desde 2007 com a vitória eleitoral do Hamas, e da libertação dos presos palestinos não foram parte do acordo. As condenações da ONU e suas deliberações de se o exército sionista estava cometendo “crimes de guerra” resultaram em nada, enquanto se vale da carta dos “dois demônios” para equiparar, como se fossem a mesma coisa, as matanças e a limpeza étnica do exército sionista e a “violência” de um povo oprimido que há 66 anos foi expulso de suas terras originárias, amontoado em Gaza e na Cisjordânia, duas porções de terras descontínuas, com 2,5 milhões de “árabes israelenses’ considerados cidadãos de segunda categoria, e mais de 8 milhões de palestinos na diáspora sem direito de retorno.
As contradições do projeto de avanço sionista
Mas esta ofensiva trouxe distintos custos políticos ao primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu. O apoio dos israelenses ã ofensiva terrestre caiu de 85% no início da operação para 65% [2], apesar da intensa campanha nacionalista e o forte ódio anti-árabe amplificado pela mídia, que colocou a popularidade de Netanyahu em seus melhores momentos. Isso é fruto das massivas mobilizações em diversos países do mundo exigindo fim imediato da ocupação e do bombardeio contra Gaza, em especial em países como França (em que os manifestantes se enfrentaram com a política reacionária do governo “socialista” de Hollande, que proibiu os protestos pró-palestinos), mas também na Inglaterra, na Bélgica, em distintos países árabes e também nos Estados Unidos (o The Economist, insuspeito defensor dos sionistas, critica o massacre de crianças e faz notar a queda de apoio a Israel entre os norteamericanos), o que gerou fricções entre o governo israelense e a administração Obama durante as operações, para selar propostas de negociação rejeitadas reiteradamente por Israel, embora todas se fundassem na rendição incondicional dos palestinos.
O governo norteamericano teve de condenar publicamente como “inaceitável e vergonhoso” o bombardeio de uma escola de refugiados da ONU, como expressão da irritação pelo exorbitante número de baixas civis. Por sua parte, em vista da magnitude do massacre, o Estado espanhol freou a venda de armamentos a Israel por conta da ofensiva, e países como Brasil, Chile, Peru, El Salvador e Equador retiraram seus embaixadores de Tel-Aviv (Evo Morales da Bolívia qualificou Israel de “estado terrorista” e renunciou ao acordo diplomático de 1972 que permitia o ingresso de israelenses sem visto no país). Estas medidas, embora todas diplomáticas e midiáticas por parte de governos repressivos que mantêm todas as relações comerciais com o estado sionista, aumentaram o isolamento relativo de Israel em meio ã operação Margem Protetora, o que forçou Netanyahu e Avigdor Lieberman a se disciplinarem ao comando de Washington e aceitarem um cessar-fogo imediato.
Enquanto isso, embora a um custo altíssimo, o Hamas suportou a ofensiva, sustentou seu operativo de mísseis e conseguiu infligir consideráveis baixas aos invasores, incluindo altos oficiais e soldados de elite, fortalecendo-se dentro da Faixa, produto da não aceitação dos chamados anteriores de um cessar-fogo, condicionando qualquer negociação ao fim do bloqueio e ã soltura dos presos. Isso, no marco da perda de apoio do Irã (após ter apoiado a revolta contra Al Assad na Síria) e da queda do aliado Mohammed Morsi no Egito (o que obrigou o Hamas a um acordo para um governo de unidade com a Organização pela Libertação da Palestina de Mahmud Abbas, que governa a Cisjordânia, que por sua vez o necessitava para encobrir sua política de colaboração aberta com Israel e o imperialismo norteamericano). Uma conquista política ainda maior ser reconhecido como parte das negociações na capital egípcia, mesmo sendo considerado uma “organização terrorista” pelos EUA e pela UE. Embora renunciando ã possibilidade de possuir qualquer membro dentro do governo de unificação, após a Operação as reivindicações do Hamas terminaram por se impor a Abbas, que nas negociações deste 6/8 reconheceu que “as demandas dos islà¢micos já são as de todo o povo palestino”. O repúdio dos líderes do Hamas ao chamado pela “desmilitarização completa da Faixa” do governo de Netanyahu represtigia esta direção islà¢mica ligada aos governos árabes mais reacionários da região. Entretanto, a disposição do Hamas em debater a possibilidade de abandonar temporariamente a reivindicação do fim do bloqueio em troca de um porto e um aeroporto, que sob qualquer hipótese não seria controlado pela própria Faixa de Gaza (condição sine qua non para Israel), mostra a influência da OLP e dos interesses dos governos árabes em “sustentar a estabilidade regional” sobre este movimento islà¢mico, incapaz de se colocar ã altura da luta por terminar com as condições que permitem estes massacres recorrentes: a expulsão do imperialismo e a destruição do Estado terrorista de Israel.
É preciso terminar com as condições dos massacres recorrentes do povo palestino
George Friedman, do think-tank Stratfor, numa abordagem mais global da questão Israel-Palestina, “inerentemente insolúvel” (porque defende a existência de Israel), apoiando-se no fato de que “com o tempo, a situação de Israel não pode ficar muito melhor do que está, e a da Palestina não pode ficar pior”, opina que “os israelenses não acreditam que possam impor sua vontade sobre Gaza e obrigar os palestinos a alcançar um nível de comodidade política com Israel. O propósito da guerra é impor sua vontade política sobre o inimigo. Entretanto, a menos que Israel nos surpreenda tremendamente, nada decisivo emergirá deste conflito. Ainda que Israel destruísse o Hamas, outra organização emergiria para preencher o vazio no ecossistema palestino [...] A posição palestina pode ser manter sua coesão política e aguardar, usando sua posição para abrir brechas entre Israel e seus patrões estrangeiros, principalmente os Estados Unidos, mas entendendo que a única mudança no status quo virá de mudanças fora da esfera de relação Israel-Palestina [...] Os israelenses, por sua parte, podem manter sua superioridade estratégica pelo máximo tempo possível. Mas nada dura para sempre. A fora relativa de Israel declinará, enquanto que a força relativa dos palestinos pode aumentar, embora não seja certo” [3] O The Economist levanta cautelosamente a necessidade de se encaminhar para uma saída de “dois estados”, uma vez que os palestinos já são maioria nos territórios que compartilham, o que entraria em contradição com o “ideal fundador da nação judia”.
O dilema israelense está fundada em boa medida no abandono por parte de seu principal parceiro, os Estados Unidos, de uma clara estratégia de contenção dos conflitos regionais (além de demonstrar querer se aliar com inimigos históricos de Israel no Oriente Médio, como o caso do Ira e da Turquia). Assim, os objetivos da sangrenta Operação sionista estão inscritos nos projetos de acordo: parte da estratégia israelense é se utilizar do debilitamento qualitativo das capacidades defensivas do Hamas para enfraquecer o governo de unidade palestino, apoiando-se nos setores mais capituladores do novo “Gabinete” palestino para acabar com as milícias islà¢micas, retirar sua autonomia e incorporá-las nas forças policiais subordinadas a Israel. [4] O grande descrédito internacional é um preço a pagar para os sionistas. Os custos de reparação dos danos causados ã infraestrutura da Faixa seriam a via para obrigar o Hamas a estes compromissos. Esta saída reacionária, abonada pelo imperialismo norteamericano, pelo Egito e pelas petromonarquias árabes, aprofundará os sofrimentos do povo palestino, sem direito de retornar ás suas terras, sem direito ã unificação territorial e sob a custódia deste enclave imperialista no Oriente Médio.
A teoria dos “dois estados”, baseada nas fronteiras de 1967, nas mesmas condições de ocupação territorial por um exército racista e colonialista e a desunião das porções territoriais palestinas, provou apenas que o “direito de defender-se”de um estado opressor como Israel nega completamente o direito de existência de um povo oprimido, como os palestinos (e o avanço dos assentamentos de colonos judeus mostram a sede por engolir uma porção maior destes territórios divididos) . No extremo oposto daqueles que se colocam ã direita do governo Dilma e se “indignam contra a crucificação do Estado democrático de Israel”, como Solange Pacheco, candidata a deputada federal pelo Rio de Janeiro pelo PSOL [5], que não só reconhece como defende este estado ilegal, exigimos o fim dos bombardeios e o imediato levantamento do bloqueio ã Gaza; pelo pleno direito de retorno dos palestinos exilados e ã sua autodeterminação nacional sob as ruínas do Estado colonialista de Israel, que só poderá conquistar-se plenamente em uma Palestina operária e socialista em todo seu território histórico, onde possam viver em paz árabes e judeus.
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