Por Eduardo Ayala
Sábado de madrugada. Nós, trabalhadores, vigiamos a fábrica, montamos guarda, damos voltas, controlamos a movimentação, mandamos mensagens. Há semanas, os vigiamos atentamente. Sabemos que a patronal ianque manobra a todo momento: os arames farpados, as grades nas portas e janelas, a tentativa de retirar a matéria prima impedida pelos operários, a mudança da produção para outras oficinas. Todas as tentativas de nos amedrontar, dividir, criar um clima de terror.
Mas nós, trabalhadores, fomos cada vez mais participando das ações, os bloqueios a outras gráficas, passando pela fábrica para ver as novidades. Dissemos: “famílias na rua, nunca mais”, e levamos isso adiante.
Sábado de madrugada. Os rumores começam a circular com mais força.
Os setores administrativos e parte do pessoal começam a espalhar que segunda não abre, que Donnelley vai sair do país. Longe de nos assustarmos, nos fortalecemos e passamos todo o domingo discutindo como atuar. Conhecemos esses abutres, e por isso avaliamos todas as possibilidades.
Apesar da brutalidade dessa multinacional norte-americana, na segunda, a partir das 5 da manhã, aguardamos pacientes na porta, ao lado da Panamericana pela qual tantas vezes marchamos por nossas demandas ou apoiando os operários de Kraft, Lear ou nas paralisações do 20N ou 10A. Com um simples aviso, pregada no portão fechado, Donnelley explica que vai sair do país deixando 400 famílias na rua, e que peçamos ao juiz que declarou a falência pela nossa indenização. A miséria desses capitalistas que não dão as caras nos esquenta o sangue no meio do frio. Mas nossa cabeça está fria. Esperamos a assembleia das sete da manhã, na qual participamos em mais de 300 operários.
Nossa organização é forte. Intervimos discutindo que não permitiríamos este fechamento, que se os patrões (abutres) vão embora, nós nos tornaremos responsáveis por Donnelley.
Quem melhor do que nós para levá-la ã frente? A direção do sindicato está presente. Havíamos arrancado deles um compromisso de impedir que nas oficinas gráficas se imprimam os produtos feitos pela Donnelley e também exigimos uma paralisação geral se houvesse demissões. Os bloqueios nas impressões foram feitos, mas a paralisação não chegou quando vieram as demissões, algo que muitos companheiros cobraram quando o sindicato se aproximou da assembleia.
Debates e ações
O Ministério do Trabalho da Província convoca uma audiência em La Plata. Votamos esperar a resposta do Ministério do Trabalho diante da denúncia que seria feita pelo sindicato. Não temos nenhuma confiança neles. Conhecemos bem eles das lutas de Kraft, Lear e Gestamp. Sabemos como atuam e para que lado julgam. Mas também sabemos que a ilegalidade com a qual age a empresa é iniludível e queremos aproveitar isso.
Audiência ás 16h em La Plara. Devíamos entrar antes da audiência na fábrica abandonada? O que fazer? O debate percorre todos os ativistas, que discutem calorosamente todas as alternativas. São nossos postos de trabalho que estão em jogo, nosso sustento. A Comissão de Mulheres é parte do debate, enquanto pinta os cartazes denunciando o gerente Vergara, o mesmo que haviam escrachado dias atrás em seu cômodo “Country” as nossas companheiras e filhos. O fechamento de Donnelley era transmitido em “cadeia nacional” enquanto a polícia (Gendarmería) a cargo de “Robben” López Torales, se posicionava junto ã Panamericana. Com um resultado dividido e apenas um par de votos de diferença, foi decidido por esperar até depois da audiência para seguir a discussão.
Os advogados da patronal não souberam explicar absolutamente nada. A ilegalidade da multinacional é indefensável até mesmo pelos advogados, que dizem que perderam contato com a empresa. Nos avisam que a empresa havia pedido sua própria falência. É inédito que uma multinacional como a Donnelley, a principal gráfica do mundo, peça sua própria falência. Não nos amedronta a falência, nem a “desaparição” da empresa. O Ministério do Trabalho se vê obrigado a decidir a conciliação obrigatória. Christian Castillo, deputado do PTS na FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) e Funes do FPV nos acompanharam.
Éramos mais de 300 operários discutindo. As 22:30 todos levantamos as mãos, por unanimidade. Devemos entrar. Esperaremos até ás seis da manhã para que o Ministério do Trabalho constate o descumprimento da empresa da conciliação. Sabíamos o que devíamos fazer, aonde ir, como fazê-lo. Nos preparamos para isso. Mil e uma vezes foi discutido isso como uma alternativa diante das demissões ou de um fechamento. Durante o dia passaram companheiros de outras gráficas, como PrintPack, World Color, AGR, Morvillo, IPESA, Cedinsa e os companheiros de Lear, Kraft, Fate, Gestamp entre outras. Como aconteceu quanto estivemos em cada luta deles. A assembleia terminou contando o último relatório médico de nosso companheiro “Pollo”, que está internado após sofrer um acidente brutal com grandes queimaduras. A luta de Donnelley é a luta de Pollo, como a luta de Pollo é a luta de todos os trabalhadores de Donnelley.
Com a cabeça erguida e ligando as máquinas
Na terça ás seis da manhã os abutres continuam sem aparecer na porta. O ministério constata o descumprimento por parte da empresa. Nós, trabalhadores, nos juntamos na porta ás 07:40 para levat adiante a resolução votada horas antes. Enquanto isso, mais de 40 companheiros já haviam entrado na fábrica, vigiada por uma empresa de segurança. Terminamos a assembleia e resolvemos entrar. Os companheiros abrem para nós a porta principal. Sabemos que em nossa história de anos de luta esse momento marca uma nova etapa. Sem o patrão a nos vigiar, entramos com a cabeça erguida e percorremos a fábrica que os ianques abandonaram.
Duas horas bastaram para nos acomodarmos e discutirmos. “Se os patrões não querem produzir vamos fazer nós mesmos”. Nos colocamos em nossos postos de trabalho e dividimos as tarefas para levá-las adiante. As primeiras linhas começaram a funcionar ás 10:00 da terça. “Não precisamos dos gerentes para funcionar”, repetimos na mídia. Não permitiríamos que nossas famílias passassem fome. Começamos a contatar os cliente que a empresa abandonou. “Somos os trabalhadores de Donnelley, a empresa se foi e colocamos a fábrica em funcionamento, queremos que continuem trazendo o trabalho aqui”. Nas primeiras horas da tarde já temos os primeiros produtos terminados, entre elas a revista Gente, Para Ti e Billiken, da editorial Atlántida.
A justiça comercial decreta em tempo recorde a fraudulenta falência de Donnelley e designa um gestor. Todos desconfiamos dela como do ministério e do governo. Sabemos que nossa luta enfrentará grandes e poderosos inimigos. Mas sabemos que contamos com aquilo pelo qual lutamos durante anos: uma forte organização e uma coordenação com outros setores em luta. Imediatamente nos juntamos aos companheiros e companheiras de Lear, com sua história de luta, e resolvemos convocar um Encontro nesse sábado, 16, para discutir um plano de lutas. E, além disso, contamos com a experiência dos companheiros de Zanon, uma grande escola de luta, se elas existem no mundo, pelo controle operário e a estatização.
No coração industrial da Zona Norte nos levantamos. Ali, diante de um dos símbolos máximos do capitalismo, a fábrica Ford. Pela estatização e o controle operário lutaremos. Queremos que o Estado exproprie a fábrica e que se responsabilize pela empresa que os trabalhadores se propõe a gerir. Nosso objetivo não é ser uma cooperativa em que dependamos dos vai e vens do mercado. Queremos ser trabalhadores que recebam um salário e sabemos que uma fábrica assim pode se colocar realmente a serviço do povo. Isto que demandamos do ministro Tomada na quarta-feira no ministério, sendo completamente falso o que afirma a mídia governista de que queremos investidores. Estatização e controle operário. É por isto que lutamos. O deputado provincial do PTS, Christian Castillo, já apresentou a partir disso o projeto de expropriação da fábrica.
Para travar essa luta seguimos afirmando a necessidade de que o sindicato chame uma paralisação de toda a categoria com mobilização dos milhares de gráficos da grande Buenos Aires para impô-la. Dissemos que “famílias na rua nunca mais”. E é isso que vamos levar adiante. Uma nova etapa começa para os trabalhadores de Donnelley. São dias de luta, são dias histórios para nós.
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