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O debate sobre a débil “governabilidade” de Marina Silva
por : Daniel Matos

19 Sep 2014 | Um eventual governo de Marina terá, a princípio, débil base de sustentação no Congresso. Os “superpoderes” da instituição presidencial e o lobby empresarial minimizarão essa debilidade. Mas são as divergências sobre como lidar com a crise econômica, a disputa eleitoral antecipada por 2018 e os movimentos sociais que darão a palavra (...)
O debate sobre a débil “governabilidade” de Marina Silva

Um eventual governo de Marina terá, a princípio, débil base de sustentação no Congresso. Os “superpoderes” da instituição presidencial e o lobby empresarial minimizarão essa debilidade. Mas são as divergências sobre como lidar com a crise econômica, a disputa eleitoral antecipada por 2018 e os movimentos sociais que darão a palavra final.

Muito se especula sobre a fragilidade de um governo apoiado num partido pequeno e numa coligação fraca. Ainda mais frente aos compromissos (demagógicos?) de Marina de rejeitar alianças com parte das oligarquias da “velha política” que tem cumprido um papel essencial na sustentação de todos os governos sabe-se lá desde quando. O PT também não predestinava que terminaria tão abraçado configuras “pouco modernas” como José Sarney ou Renan Calheiros. Marina sabe que não tem chances no segundo turno se não aceitar o apoio de Serra, Fernando Henrique Cardoso, Alckimin (Opus Dei) e se esse se dispor inclusive de Aécio. Para governar, seu vice candidato já anunciou que não pretende governar sem as “raposas velhas” do PMBD.

A dependência estrutural do poder central em relação ás oligarquias regionais

Afora a propaganda enganosa, a verdade é que o sistema político brasileiro foi construído para reproduzir um nível mínimo de dependência entre o “velho” e o “novo”. Já nas origens da “democracia” atual, para limitar o peso político do poderoso proletariado que construiu o PT nas antípodas da ditadura, as oligarquias regionais que dominam os estados mantiveram uma representação completamente desproporcional no Congresso. Parte do pacto de transição “lenta, gradual e segura” entre os militares e a burguesia opositora delegou mais poder econômico aos governadores para afastar o PT do poder. O resultado a perda da autonomia do governo central para controlar a espiral inflacionária dos anos 80.

Em 1994, o salto de subordinação ao capital financeiro internacional que permitiu a estabilização da moeda esteve associado a um profundo processo de reconcentração do poder econômico nas mãos do governo federal. Com a chamada “Lei de responsabilidade fiscal”, que foi negociada em troca das polpudas privatizações que geraram uma “nova burguesia”, os governadores não puderam mais endividar-se a seu bel prazer. Reforçou-se o mecanismo já antigo através do qual as oligarquias de cada estado, para viabilizar serviços e obras públicas, passaram a depender cada vez mais da “boa vontade” do governo central, trocando verbas orçamentárias por apoio político.

Essa foi a base sobre a qual o PMDB, uma das maiores bancadas do Congresso, seguiu sendo um partido de oligarquias regionais essencial ao exercício do poder para um que estivesse ás frente do governo federal.

A corrupção institucional do Poder Executivo e do Congresso

O mercado financeiro internacional e os grandes monopólios capitalistas exercem seu domínio diretamente através do Executivo e do lobby sobre o Congresso. A “reserva de poder” dos investidores se expressa no ordenamento econômico feito para garantir que 44% dos recursos públicos sejam destinados ao pagamento de juros e amortizações para não mais que 20 mil detentores da dívida. O poder dos monopólios se expressa nos bilionários contratos de prestação de serviços, nos bondosos subsídios fiscais, nas caridosas facilidades creditícias e nas reservas de mercado. Tudo em troca de polpudos recursos para as campanhas eleitorais, quando não malas voadoras de dinheiro ou dólares escondidos na cueca.

A mágica das coligações que crescem como fungos

Essa combinação da dependência entre o Executivo e as oligarquias regionais por um lado e o poder de “centralização” dos cifrões empresários por outro é o que viabiliza a criação de coligações tão amplas de forma tão fortuita.

Para governar para os capitalistas, gerenciar seus negócios, o PT aceitou subordinar-se a essas regras do jogo. No início do governo Lula, o PT tentou prescindir do PMDB e governar com partidos secundários que orbitam entre as grandes legendas (PT, PSDB e PMDB). Para tal, precisou de mecanismos um pouco mais explícitos que o normal para corromper os deputados e senadores. Mas fracassou. O resultado foi a crise do que entrou para a história como escândalo do “mensalào”.

Para impedir que as alas mais raivosas da oposição burguesa tentassem um impeachment de Lula que desestabilizasse o país obrigando a CUT a mobilizar os sindicatos, o grande capital disciplinou-as para que não buscassem soluções extremas. O PT, por sua vez, passou a incorporar o PMDB como aliado privilegiado, com tudo que isso implica em relação ã convivência com os Sarneys e Renans da vida.

Esse mecanismo de mediação entre as distintas frações dominantes por um lado e a pressão das massas exploradas e oprimidas por outro faz com que o presidente atue como uma espécie de “árbitro” dos interesses em disputa, onde o grande capital atua de forma “transversal” nos distintos partidos.

A verdadeira fonte de dúvidas

Essa estrutura do regime permite que as classes dominantes tenham dúvidas – mas não pânico – frente ã “governabilidade” diante de um eventual triunfo de Marina. A grande preocupação é que, diferentemente de quando houve a crise do mensalào, o país não se encontra nos prelúdios de um excepcional ciclo de crescimento dos negócios, e sim segurando o freio numa descida acentuada, com curvas incertas que podem dar lugar a uma forte crise econômica.

Diferentemente do auge do lulismo, quando o governo central exercia uma força centrípeta e as forças de oposição pareciam que iriam desaparecer, trata-se de um cenário muito mais difícil para obter hegemonia e soldar alianças. Seguramente haverá uma disputa entre os grandes pesos pesados da burguesia para ver quem vai perder menos com a política econômica adotada pelo governo. E os partidos se apoiarão nessas disputas buscando uma localização melhor para as eleições de 2018.

Não será fácil fazer com que as massas que veem de fortalecer-se com as manifestações de junho do ano passado – que mostrou a crise de representatividade dos partidos e dos governos – e uma histórica onda de greves aceitem passivamente tarifaços, inflação, desemprego, retirada de direitos trabalhistas e cortes nos gastos sociais. Para descarregar os custos da crise sobre as costas dos trabalhadores, Marina não contará com a relação orgânica que o PT tem com os sindicatos e movimentos sociais. Não está claro que consequências vai ter para esses setores uma eventual derrota de Dilma.

Seja qual for o candidato que vença, dará a um governo mais débil do que foram os do PT ou do PSDB. Essas são as verdadeiras dúvidas que pairam sobre a “governabilidade” de Marina Silva.

 

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