A debilidade do PT e de Dilma nas pesquisas apontam para o declínio do fenômeno do lulismo. As bases para a reprodução econômica e social do lulismo estão debilitadas e questionadas, independentemente da eventual vitória em Outubro.
Um dos fenômenos mais instigantes desta eleição é buscar entender profundamente como e porque o PT está tendo tanta dificuldade em liderar ou até mesmo expressar seu resultado histórico. Não só deixar Marina para trás e ter um segundo turno mais “calmo”, mas como até mesmo para ter seus tradicionais 30% em São Paulo (Estado onde o PT surgiu e que sozinho pesa quase igual nas eleições que todo o Nordeste). Em SP o candidato petista Padilha amarga magros 10% (aproximadamente) e o histórico senador Suplicy está com dificuldades para se reeleger.
Há “desgaste do material” depois de 12 anos de governo como falam os articulistas dos grandes jornais burgueses, há um vago “desejo de mudança” pós-junho que alimenta Marina, há os escândalos de corrupção. Há o “distanciamento dos movimentos sociais” como diria uma esquerda petista. Há a experiência que muitos jovens fizeram com o PT em junho. São muitas as expressões da crise do petismo e do lulismo que marcam um fim de ciclo.
Claro que este fenômeno de fim de ciclo pode, no contar dos votos, mostrar-se mais parecido com o histórico (até mesmo com Padilha crescendo no apagar das luzes do primeiro turno como ocorreu com Haddad que suplantou Russomano nas últimas semanas na disputa da prefeitura em 2012). Nas pesquisas há contra-tendências ao declínio do lulismo. Como por exemplo arrancar dos tucanos Minas Gerais logo no primeiro turno, como as pesquisas atuais apontam. Porém, há algo qualitativo se processando. Os próprios votos no PT em 2014 são muito mais de “mal menor” do que eram em 2010. A militância eleitoral petista que está reaparecendo é mais anti-tucana, anti-Marina, do que patriótica do “seu”. E isto é expressão distorcida também da crise e declínio histórico do lulismo.
Declínio do Lulismo
Entendemos lulismo e petismo como coisas muito diferentes. O petismo é um fenômeno de toda uma etapa histórica, baseado em uma militância sindical e sua expressão política sob a liderança de Lula com diferentes facetas, crescentemente integradas ao regime político e a serviço dos empresários, em seu longo desenvolvimento dos anos 80 até hoje e ele entrou em declínio. O petismo não deixou de manter força nos sindicatos, no MST, e outros movimentos sociais, mas mesmo sem deixar de existir, ele já é a algum tempo uma sombra da força do lulismo.
Já o lulismo entendemos como algo específico que emergiu pós-mensalào ou já no segundo mandato de Lula. A eleição de Dilma foi expressão de uma continuidade do lulismo.
O lulismo tinha como base fundamental vários fatores mas, para fins didáticos, vamos resumir em “3 Cs”: crescimento econômico, consumo, conciliação de classes.
O Primeiro C: crescimento econômico. Surfando nas condições econômicas especiais com a retomada do crescimento da economia mundial depois da crise de 2001, o boom das commodities começou a mudar muito a economia brasileira por volta do ano 2005. Até aquele ano a burguesia se debatia como o Brasil crescia menos que o restante do mundo e da América Latina. Depois daquele ano parecia que o Brasil havia decolado. Já não há condições para reprodução desta situação econômica (o que não desenvolveremos neste artigo).
O segundo C do lulismo está intimamente ligado ao primeiro. Consumo. Com crescimento da economia, crescimento do emprego, aumento do poder de compra dos salários foi possível aumentar e muito o consumo dos trabalhadores. Muito deste consumo foi baseado em crédito. E uma das mais importantes modalidades de créditos no Brasil atual é o cartão de crédito e mais ainda o consignado (com desconto automático no contra-cheque). A burguesia ganhou muito com o crescimento econômico e sem se incomodar muito aceitou empregar mais trabalhadores com um salário mínimo valorizado. Com as “vacas gordas” havia mais o que distribuir.
Baseado neste consumo, neste aumento do emprego, nos imensos ganhos da burguesia foi possível algo também excepcional, muita “paz social”. Muita conciliação de classes entre trabalhadores e empresários. Eis aí o terceiro C do lulismo. Em todos estes anos, com os lucros indo ás alturas, a burguesia com pouca resistência aceitou ir cedendo aumentos reais de salário aos trabalhadores. Com este pano de fundo foram se desenvolvendo greves.
Porém estas greves, em sua amplíssima maioria, eram controladas pela burocracia sindical atrelada ao governo, ou mesmo quando dirigidas pela esquerda não conseguiam romper esta conciliação geral das classes. Com greves ou sem, imperava uma ideia: podemos ganhar todos, os empresários e os trabalhadores. Lula gabava-se justamente desta ideia. Seu governo seria, segundo ele, o governo que “nunca antes na história” os banqueiros haviam ganhado tanto nem o salário mínimo e o nível de emprego aumentado tanto. Havia em meio ao crescimento econômico e ao crescimento sustentado do consumo, espaço para que todos ganhassem (com os empresários sempre ganhando mais, claro) e os interesses fossem conciliáveis. Muita “paz” e “avanço social” lento e gradual. E tudo isto “para todos”, como virou o lema oficial.
Impossibilidade de reprodução das condições do lulismo
Em diferentes graus os “3Cs” estão questionados. Isto foi parte do que impulsionou as grandes “jornadas de junho” e parte do que o pós-junho continuou desenvolvendo.
Já não há mais condições econômicas para um crescimento como o daqueles anos. Os dois primeiros C, crescimento econômico e consumo, estão em xeque. O debate para o futuro pós-eleições segundo os analistas burgueses mais sóbrios é: ganhe quem ganhar será preciso ajustes, desde aumento das tarifas e preços controlados (como dos combustíveis produzidos pela Petrobrás) até mesmo discutir aspectos da CLT (as leis trabalhistas) e há até mesmo setores que chegam a questionar a continuidade da lei sobre o aumento do salário mínimo acima da inflação. Isto explica porque alguns setores empresariais sem desembarcar da candidatura Dilma também dão corda a Marina. Testam se ela seria uma melhor alternativa para estes ajustes. Ou seja há entre os “de cima” desgaste com o lulismo, mas isto também ocorre entre os “de baixo”.
As aspirações crescentes, mesmo que graduais, que o lulismo engendrou se chocaram com uma situação de estagnação econômica. Isto é parte de nossa compreensão de junho. E mais, o pós-junho se expressou em um aumento nas greves, ultrapassando sindicatos burocráticos e pró-patronais (ainda não os da CUT no mesmo nível). Ou seja para conseguir o mesmo havia que romper a paz social, haveria que romper o terceiro “c”: a conciliação da classe trabalhadora com os governos e empresários, enfrentando-se com os sindicatos que estavam (e estão) de anteparo entre estas classes sociais. Só assim entendemos os garis do Rio, os rodoviários de várias cidades, e outras greves como das grandes obras da construção civil. A ausência de uma forte esquerda classista não permite que este questionamento se expresse eleitoralmente, mas esta contradição está posta como uma marca da situação pós-junho e não somente da conjuntura eleitoral.
Sem condições de reproduzir seus “3Cs” estamos vivendo o ocaso do lulismo. Este ocaso pode se desenvolver ã esquerda ou ã direita. Mas isto não será decidido só nas urnas. Será decidido antes de mais nada nas ruas e nos locais de trabalho e se emerge uma nova esquerda classista e revolucionária que permita dar força e ânimo a este processo que vem se desenvolvendo em muito apesar (e até contra) a esquerda tradicional.
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