116 dias de greve, piquetes, atos, passeatas, enfrentamento contra a repressão policial, unidade das bases, Comando de Greve onde os grevistas eleitos discutiam e planejavam tudo para aprovação nas assembleias democráticas que todos, inclusive a diretoria do Sindicato, ficavam obrigados a acatar e implementar. Defesa dos lutadores sociais e dos grevistas de outras categorias, como metroviários, propostas de interesse da população, ganhando aliados para ter mais força. Firmeza e combatividade para enfrentar o reitor Zago e todos os seus aliados. Assim os trabalhadores venceram. Assim fizeram valer o direito de greve - sem punições e descontos dos dias - e de piquete para defender a greve e os grevistas. Assim saíram mais organizados e unidos, mais fortes para seguir as lutas pendentes e contribuir para que toda greve de trabalhadores e lutas populares se fortaleça para vencer. Nesta declaração, nós da LER-QI que compomos a Diretoria do Sintusp com os companheiros Claudionor Brandão, Diana Assunção, Marcelo “Pablito” e Bruno Gilga, além de impulsionarmos com dezenas de independentes o Movimento Nossa Classe, apresentamos algumas das principais lições a serem apreendidas desta importante batalha na USP – “centro político” da greve estadual - resgatando também importantes exemplos que deram os trabalhadores da Unesp e Unicamp.
Uma vitória política incontestável
Depois de 4 meses lutando contra o congelamento dos salários, que chamamos de arrocho salarial, os trabalhadores da USP, Unesp e Unicamp conseguiram impor um aumento salarial de 5,2% escalonado em setembro e dezembro, e um abono salarial retroativo ã maio de 28,6%. Na Unicamp e Unesp conquistou-se também 1 referência no salário, em torno de 5%, além do aumento do vale-refeição e além disso, a força da greve – contando com os erros do próprio Reitor ao buscar a justiça – conseguiu reverter o corte de salários de mais de 1500 trabalhadores em greve, abrindo um importante precedente, uma vez que várias outras categorias sempre tem salário descontado ou que pagar as horas de trabalho, o que se manteve depois de junho. Foram muitas medidas repressivas, além do corte de ponto, que a greve deu um exemplo de como enfrentar, com a manutenção dos métodos da greve frente ã repressão policial, inclusive com um ato que se manteve organizado por mais de uma hora, enfrentando a repressão. O acordo de fim de greve também coloca a não punição dos grevistas, e foi em meio a essa greve que os trabalhadores da USP levantando a bandeira pela libertação de Fábio Hideki (apesar de toda a pressão, a qual ã esquerda se submete, de isolar os que são acusados de Black Bloc), ao lado de uma enorme campanha democrática, conseguiram a libertação de seu companheiro. Na USP, se fizeram carne as consignas que em outras categorias não tinham sido levadas ã frente consequentemente como “não tem arrego” e “ninguém fica pra trás”. O tema dos Hospitais Universitários foi transformado em uma causa popular, e com a ação dos trabalhadores da USP conseguiu-se abrir uma fissura entre a posição da Reitoria e do governo, obrigado a declarar-se contra a desvinculação do HU e do HRAC.
Mais do que os resultados objetivos da greve, que incluíram também derrotas como a votação do Plano de Demissão Voluntária e desvinculação do HRAC pelo Conselho Universitário, é fundamental avaliar a situação da vanguarda e da base da categoria. Saindo de uma greve de 4 meses que atravessou a Copa do Mundo e as férias, enfrentando também o período eleitoral, sem nenhuma demissão, revertendo o corte de ponto e com a reposição das 70 horas na USP (10% das horas em greve) praticamente reduzida a algumas poucas unidades – que continuamos lutando para que a reposição seja apenas do trabalho acumulado – a vanguarda sai mais fortalecida do que nunca, o Sindicato recebendo filiação massiva e a base da categoria extremamente moralizada. Tudo isso numa greve que retomou vários métodos da classe trabalhadora, como os piquetes – fazendo o histórico trancaço de 3 portões que se enfrentou com a polícia -, cortes de ruas, grandes passeatas. Esta situação da categoria é o que permite a fortaleza dos trabalhadores para enfrentar as próximas batalhas. Ainda assim é preciso remarcar que os trabalhadores das universidades estaduais enfrentaram essa greve sem os estudantes (somente de alguns grupos estudantis) – com o DCE da USP, dirigido por PSOL e PSTU (como fração majoritária da ANEL), falando abertamente aos estudantes que estavam dedicados ás eleições. Isso fica claro pelo fato de que as duas figuras estudantis destes partidos, que são da USP e do DCE, Thiago Aguiar e Arielli Tavares não foram candidaturas a serviço da luta de classes – Arielli chegou a ir na assembleia de fim de greve pra fazer uma saudação, mas não tinha muito o que falar da greve em si já que concretamente não colocou sua candidatura a serviço da luta. Os professores tiveram uma greve minoritária, inclusive com uma base mais ã esquerda da direção da Adusp, e na Unicamp com a saída vergonhosa da Adunicamp na greve assim que negociou o “seu”. Ainda assim os trabalhadores puderam contar com apoio incondicional do Centro Acadêmico de Ciências Humanas do IFCH. Enfrentar o desmonte da USP em especial sem as importantes categorias de estudantes e professores era uma tarefa difícil, e ainda assim, a força dos trabalhadores da USP conseguiu impor uma derrota ao Reitor e ao governo Alckmin, criando melhores condições para qualquer luta no próximo período, inclusive pelas demandas de estudantes e professores.
O poder da auto-organização
Esta greve mostrou que é necessário que os trabalhadores lutem pra retomar os Sindicatos como ferramenta de luta da classe operária e que, mesmo em tempos de paz, exercitem a auto-organização com comissões internas, delegados sindicais e reuniões pela base. Ao contrário da maioria das greves que despontaram em 2014, que tiveram que se enfrentar com suas direções vendidas – as burocracias sindicais – temos um exemplo pela positiva, já que o Sintusp é um sindicato combativo que impulsiona a auto-organização. A preparação de anos de luta, com um Conselho Diretor de Base e mantendo as assembleias como organismos soberanos, foi fundamental pra nos “tempos de guerra” ter mecanismos capazes de colocar o poder da direção da greve na mão dos trabalhadores.
O Comando de Greve dos Trabalhadores da USP foi formado logo no início da greve, reunindo quase 150 representantes eleitos nas reuniões de unidade, revogáveis, onde a Diretoria Plena do Sintusp se dissolveu passando a ser parte do Comando de Greve. Este era o organismo dirigente da greve, que sentia o pulso da luta em cada unidade, fazendo essa ligação vital entre a base da categoria e sua vanguarda. Ainda assim o Comando de Greve não era mais soberano que as Assembléias de Base, onde todos os trabalhadores juntos decidiam os rumos de sua luta. As Assembléias eram espaços reais de intervenção dos trabalhadores, com microfone livre, onde qualquer trabalhador podia se expressar e não apenas os dirigentes sindicais.
Um Sindicato combativo que impulsiona a auto-organização de fato – e não formalmente como muitas vezes a esquerda faz – foi o que possibilitou que o ativismo real da greve tomasse ela em suas mãos, pra enfrentar inimigos intransigentes como a Reitoria da USP e seu Conselho Universitário, o governo Alckmin e as fundações privadas. Por isso, reivindicamos o Coletivo Piqueteiros e Lutadores, com dirigentes de tradição na categoria como Magno, Neli, Solange e outros companheiros, com quem conformamos a Chapa Sempre na Luta para a Diretoria do Sintusp, e com quem conformamos as duas principais direções desta greve na USP. Ao mesmo tempo, a existência do Comando de Greve era o que permitia também que todas as tendências no movimento pudessem se expressar, o que mostra, na prática, a superioridade de sindicatos com proporcionalidade, como viemos defendendo na categoria há algum tempo. Enquanto em outros sindicatos, inclusive os dirigidos pela esquerda (como no Sindicato dos Metroviários), as direções majoritárias muitas vezes impedem as minoritárias de falar, no Sintusp, as assembleias e comandos de greve tinham suas mesas muitas vezes compostas pelos jovens militantes de várias organizações de esquerda recém-ingressadas na categoria. Ao contrário do que se pensa, que muitos partidos atrapalham o movimento, no Sintusp se mostra como é a liberdade de tendências, com livre direito pra defender as opiniões e divergências, que contribui pra elevar o nível das discussões entre os trabalhadores. Na Unesp os trabalhadores colocarem de pé um Comando de Mobilização Estadual, coordenando as ações, e mantiveram a greve “sem arrego” até o fim em solidariedade ã USP.
Solidariedade de classe e unidade das fileiras operárias
Entre os setores mais heroicos da greve da USP estão os trabalhadores que se mantiveram firmes durante dois meses com os salários cortados, muitas vezes integralmente. Isso é expressão de uma enorme confiança nos companheiros de luta e na sua força pra reverter esse ataque. Mas não teria sido possível não fosse a solidariedade, em primeiro lugar dos próprios grevistas, para ajudar uns aos outros e fortalecer o fundo de greve.
Outras medidas exemplares foram os quatro atos em apoio ã greve de metroviários e pela reintegração de todos os demitidos – reconhecendo as demissões como um ataque ao conjunto da classe -, e o ato que atravessou toda a comunidade São Remo, vizinha ã USP, contra as demissões, transferências e cortes de trabalhadores terceirizados, muitos dos quais moram ali, buscando recompor a unidade da classe que a burguesia quer dividir com a terceirização.
A hegemonia operária em ação
Mostrar para a população que a luta não era somente por salário foi uma das questões decisivas desta greve, colocando os trabalhadores da USP como um setor que buscar ser defensor das demandas da população mostrando o caminho pra lutar por estas demandas. Enquanto muitos setores da imprensa, da burguesia e dos governos tentavam fazer os trabalhadores aparecer como “privilegiados” ou a propaganda de que os gastos da universidade pública eram inteiramente com a folha de pagamento, os trabalhadores da USP conseguiriam furar o cerco da imprensa e levar pras ruas as bandeiras de luta pela universidade pública, gratuita e de qualidade.
Levantando bandeiras como “Mais verbas para toda a educação pública” e “Abertura dos livros de contabilidade” buscavam enfrentar-se com a falácia da crise orçamentária da USP, enquanto o governo Alckmin lavava as mãos. Ao mesmo tempo, nunca deixamos de levantar que nossa luta, de fundo, é por uma USP a serviço dos trabalhadores e do povo pobre, que só poderá ser possível com o fim do vestibular e lutando pela estatização de todas as universidades privadas. No caso do Hospital Universitário buscamos as formas mais criativas pra mostrar pra população que a greve no Hospital era pela defesa da saúde, como passeatas na região, panfletagens, agitação com carro de som, e um seminário aberto sobre saúde, convidando a população. A caravana de mais de 100 trabalhadores doando sangue para os pacientes do SUS – e não dos convênios privados – apareceu em toda a imprensa, enfrentando a imagem de “truculentos” que a Reitoria sempre quis passar. Na Unesp também foi organizada passeata com o mesmo objetivo.
Foram também os trabalhadores da USP que se levantavam a cada ação de violência e opressão contra a população pobre e oprimida. Doamos cestas básicas para os moradores da Favela do Piolho que sofriam com o incêndio, nos pronunciamos diante do assassinato de João Donati, homossexual morado de Goiás, com uma delegação de trabalhadores no ato que pedia justiça, fomos parte das manifestações contra o massacre ao povo palestino – organizando inclusive um debate em meio a greve -, levamos a discussão sobre a questão negra e o racismo, sobre o machismo e a homofobia, e também a Secretaria de Mulheres cumpriu um papel de buscar organizar as mulheres trabalhadoras, que foram uma força impressionante da greve, em especial do Hospital Universitário. Do ponto de vista internacional, os trabalhadores da USP se manifestaram contra o massacre ao povo palestino, organizando um debate sobre este tema em meio a greve e se solidarizaram mais de uma vez com os trabalhadores das fábricas na Argentina que sofrem com demissões e falência, como a Donnelley e a Lear.
CSP-Conlutas: uma ausência
Apesar de toda essa luta, que durou tempo suficiente para que qualquer um pudesse se solidarizar, a Central Sindical e Popular – Conlutas foi uma ausência da greve. Não organizaram nenhum ato em apoio ã USP, disseram que chamariam um dia nacional de lutas que não existiu (e tentaram “cobrir” com o show de Tom Zé), não fizeram nenhuma campanha séria. Via-se apenas uma ou duas bandeiras da Conlutas levadas pelos poucos militantes do PSTU nesta categoria.
Tudo isso no marco de que foram feitos muitos chamados a que a CSP-Conlutas organizasse uma grande campanha de apoio ã greve. Mesmo os candidatos do PSTU, que integram a CSP-Conlutas, apareciam em uma ou duas assembleias apenas para fazer uma fala de apoio, mas não colocando sua candidatura a serviço da luta. O Comando de Greve votou o pedido para que as organizações de esquerda abrissem espaço para a greve da USP, e o que alguns fizeram foi citar a greve sem abrir espaço pros trabalhadores poderem falar. Nem mesmo uma forte campanha pelo fundo de greve quando houve corte de ponto foi feita, tendo sido em especial a LER-QI e o Movimento Nossa Classe protagonistas desta campanha pra fora da USP. Na Unicamp, onde são parte da Diretoria do STU e deveriam se enfrentar com a burocracia sindical do PCdoB, terminaram nas últimas três assembleias – quando os trabalhadores queriam seguir a luta unificada – juntos com o PCdoB defendendo orgulhosamente o fim da greve. Estes fatos apenas atestam o que viemos apontando desde junho sobre a falência estratégica da esquerda tradicional que não consegue cumprir um papel decisivo na luta de classes.
Diante disso é necessário abrir um profundo debate na CSP-Conlutas, com um balanço auto-crítico, para que possa avançar e cumprir de fato um papel de “coordenação das lutas”. Ao mesmo tempo, consideramos que diante desta vitória, e do papel destacado do Sintusp, este Sindicato poderia se transformar numa referência de solidariedade e coordenação real das lutas, organizando encontros combativos e levar este debate também pra dentro da CSP-Conlutas, para que muitos trabalhadores de todo o país pudessem tirar as lições da greve da USP e das universidades estaduais paulistas.
Por um plano de luta ativo na USP
Mais do que nunca é preciso levar adiante um forte plano de luta que responda a atual situação da universidade. Este plano de luta começa por impedir a reposição de horas em todas as unidades e garantir que não haja nenhuma punição aos lutadores. Como centro de combate neste momento é necessário a mais ampla campanha pra que não seja desvinculado o Hospital Universitário e para retomar o HRAC de Bauru, tarefas que são possíveis com uma ampla aliança democrática. Lutar contra o PDV – inclusive juridicamente – mas fazendo um amplo debate na categoria do porque esta é uma forma perversa de atacar nossos empregos também é uma tarefa fundamental. E continuar com força a luta por mais verbas pra toda a educação pública e a abertura dos livros de contabilidade.
O Sindicato deve rever seu estatuto, como já está sendo discutido, para dar conta do novo ativismo que surgiu nesta greve impulsionando assim a auto-organização dos trabalhadores para enfrentar estas próximas batalhas. É necessário também re-colocar com peso a luta pela reintegração do Brandão e pelo fim de todos os processos contra trabalhadores e estudantes das universidades estaduais paulistas. O tema da democratização da USP começa a voltar a tona, e por isso os trabalhadores vão ter que se posicionar. Mais do que nunca se demonstrou a necessidade de dissolver este Conselho Universitário e o cargo de Reitor, colocando em seu lugar um organismo democrático que deveria ser um governo tripartite com maioria estudantil, que seja imposto por uma Assembléia Estatuinte Livre, Democrática e Soberana. Essa democratização passa também por seguir na luta junto aos estudantes pela permanência estudantil, pelas cotas e pelo fim do vestibular.
Para além dessas demandas, outras vão se colocar. É importante que os trabalhadores da USP tenham consciência de que com essa luta se colocaram na vanguarda da classe trabalhadora e que não devem deixar esse posto nunca mais.
Um grande salto na construção do Movimento Nossa Classe
É amplamente reconhecido na categoria o enorme salto de construção que deu o Movimento Nossa Classe organizando dezenas de trabalhadores nas universidades estaduais paulistas. Este Movimento, impulsionado pela LER-QI e independentes, surgiu a partir das lições da greve dos garis no Rio de Janeiro, uma importante vitória operária. Com o companheiro Brandão ã frente, demitido político e um dos históricos dirigentes operários da categoria, estamos construindo um movimento classista, combativo e anti-governista, que esteve na linha de frente da defesa da mais ampla democracia operária. Buscamos contribuir com esta greve levando muitas propostas ao Comando, estando firmemente em todas as atividades da greve e com o apoio de uma juventude verdadeiramente revolucionária, a Juventude As Ruas e o grupo de Mulheres Pão e Rosas, com estudantes reconhecidos pelos trabalhadores que passaram estes 4 meses ao nosso lado, enfrentando a polícia, atuando nos piquetes, dormindo no acampamento, construindo o Cantinho das Crianças para que as mães e pais trabalhadores pudessem participar das principais atividades da greve e muitos outros apoios. Queremos agora construir atividades que discutam as lições da greve das universidades estaduais paulistas, para, assim como fizemos com a greve dos garis, generalizar estas lições em palavras agitativas, como foi o famoso “Não tem arrego” levando pra outras categorias.
É preciso uma nova organização revolucionária no Brasil
As lições desta greve, que queremos debater amplamente com todos os trabalhadores, e as discussões que viemos apontando desde as jornadas de junho de 2013, continuam mostrando que a esquerda brasileira tradicional, o PSTU e o PSOL, não respondem ás necessidades dos trabalhadores. Se nem nas lutas cumprem um papel efetivo, não podem ser uma resposta política para a classe operária. Não ã toa, em meio ás eleições, é amplo entre os trabalhadores a ideia de que não há alternativa. Nós da LER-QI, parte da Fração Trotskista que tem no PTS argentino sua maior expressão, estamos chamando voto crítico em Zé Maria e no PSTU naqueles lugares onde não estão coligados com PSOL e PCB, partidos de conciliação de classes, mas não porque consideremos que o PSTU seja a alternativa para os trabalhadores hoje. Ao contrário, consideramos mais necessário do que nunca, frente ã falência da esquerda em junho e nas posteriores greves operárias, colocar de pé uma nova organização revolucionária no Brasil que seja embrião de um verdadeiro partido revolucionário dos trabalhadores, com uma estratégia pra vencer. Este debate queremos levar adiante nos próximos meses com os companheiros do Movimento Nossa Classe e todos os trabalhadores e jovens que emergiram nas últimas lutas em todo o país.
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