Entre 2003 e 2013, o Brasil cresceu em média 3,7% ao ano e a Argentina, 5,9%. Este crescimento é inédito em termos históricos. Mas, nos últimos anos este crescimento vem se desacelerando fortemente. Em 2014, o país vizinho, terminará o ano estagnado e a Argentina, em recessão.
Diante do fim de ciclo, os governos de Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, enfrentam pressões maiores das burguesias domésticas e imperialistas para ajustar as economias.
No Brasil durante a campanha eleitoral a bolsa de São Paulo não e movia ao ritmo do samba, mas sim, das oscilações dos votos em Dilma nas pesquisas. O discurso governista desenvolveu sua campanha eleitoral alimentando grandes medos a burguesia opositora.
Na Argentina durante a última semana, foram observadas fortes cruces entre os funcionários do governo e os empresários presentes no colóquio de IDEA. Organismos multilaterais de crédito como o BID reivindicam o mesmo. O FMI exige reformas estruturais.
Ambos os governos se apresentam como os defensores das conquistas dos últimos dez anos contra projetos direitistas. Mas os discursos escondem seus próprios giros a direita com ajustes, entre eles os ajustes nas tarifas de serviços públicos, aumentos nas suspensões e demissões (por enquanto moderadas) e atração de capitais (a grande esperança da burguesia argentina é a exploração de Vaca Morta pelas petroleiras imperialistas)
Nos resultados eleitorais latino-americanos o fator econômico jogou seu papel. Evo Morales venceu com uma ampla margem com uma economia que mantem um grande empuxo. No Uruguai, a Frente Ampla, parece seguir no caminho de um novo mandato em um ambiente econômico que ainda favorável.
Mas de conjunto, a América Latina enfrenta uma desaceleração do seu ritmo de crescimento que tornou mais difícil o trabalho do PT para a reeleição de Dilma. Na Argentina, o kirchnerismo aposta suas fichas em poder se levantar com um novo endividamento a para a já combalida economia para o ano que vem e dessa forma chegar com alguma chance para as eleições de outubro.
A “ ilusão verde”
Raúl Prebisch é de alguma forma o pai do “desenvolvimentismo” latino-americano. Este economista argentino fundou a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) e promoveu a entrada de nosso país no Fundo Monetário Internacional durante o governo da Revolução Libertadora que derrubou Perón em 1955. Foi um dos primeiros “ajustadores”.
Em seu trabalho “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas” apresentou sua visão sobre a existência de uma tendência secular a deterioração dos termos de troca que desfavorece aos países da periferia (semicoloniais, dizemos os marxistas) especializados na produção de bens primários.
Durante os momentos de auge da economia a demanda de bens primários ultrapassou a oferta, beneficiando aos países periféricos com o aumento dos preços, mas nas fases de baixa do ciclo econômico, os preços dos produtos primários sofrem uma queda. No entanto, os preços dos bens industriais não caem na mesma proporção porque os ganhos dos empresários e os salários industriais que cresceram durante o momento do auge, não caem com facilidade. A pressão recai sobre a periferia que concede investimentos ao centro.
Como solução, propunha a entrada do capital estrangeiro e canalizar recursos da produção primária para “modernizar” as economias por meio da industrialização.
Apesar dos esforços para o investimento e os avanços com certa industrialização, com o “desenvolvimentismo” dos anos 1960 e 1970 os países da região não deixaram de padecer ao atraso e a dependência.
A entrada de capital estrangeiro para “completar” a escassa poupança interna significou uma maior extração de mais-valia sobre nossos países: uma carga crescente sobre o balanço de pagamentos dado que a rentabilidade desse capital fluía em direção aos centros imperialistas.
No Século XXI, reaparece a “ilusão verde”. Ou seja, a ideia de canalizar dólares obtidos pela exportação de produtos primários e do investimento estrangeiro para transformar a estrutura econômica e social.
No último ciclo de crescimento econômico, reapareceram estas ideias com alternativas que vão desde o “Socialismo do Século XXI” na Venezuela, passando pelas tímidas políticas chamadas “neo-desenvolvimentistas” no Brasil e Argentina, até o “capitalismo andino” da Bolívia.
Nos últimos dez anos houve um fato extraordinário que de alguma medida saiu da regra dos ciclos da economia descritos por Prebisch. A fase de alta da economia mundial que se abriu no início do século contribuiu para que a região contasse com importantes “excedentes” de divisas devido ã alta dos preços das commodities a nível internacional. Mesmo que, durante o final de 2007, a crise econômica tivesse dado por acabada a etapa de forte crescimento a nível mundial, até pouco tempo os países da região continuavam gozando dos altos preços dos produtos de exportação.
É que a evolução favorável dos termos de troca também atua no fator China com uma grande demanda que se sustenta, apesar dos vai e vens econômicos.
Os elevados preços do cobre, petróleo, soja, etc, não somente se sustentaram durante o momento do auge da economia mundial, mas também perduraram por mais tempo. Incluindo as cotizações das principais commodities se fortaleceram pelas políticas de resgate das economias centrais.
Agora esta situação está se invertendo, mas enquanto durou gerou enormes entrada de dólares que permitiram sustentar o crescimento “superando” em alguma medida os efeitos da crise mundial.
A entrada de dólares por meio do comércio exterior se soma um grande de fluxo de divisas devido aos investimentos diretos externos (IED). A exceção foi a Argentina, lá a entrada de dólares foi mais moderada pelo país estar relativamente desconectado dos mercados de crédito.
Brasil e Argentina (além do México), para além das enormes diferenças de escala favoráveis ao primeiro, são os dois principais países “industrializados” da região. A indústria manufatureira no país vizinho retrocedeu de 15% do PIB em 2003 para 13% do PIB em 2013. Na Argentina, se manteve em 19%. Enquanto avançou o agrobusiness, a mineração e a principal indústria, a automotriz, atuou como um grande bastião imperialista que se beneficiaram da mão de obra barata e amplos benefícios outorgados pelos Estados em ambos os lados da fronteira.
Se a abundância de dólares era a condição para o desenvolvimento industrializador reivindicada tanto pelo “desenvolvimentismo” como pelo “neodesenvolvimentismo”, passada uma década de generosas divisas poucas mudanças estruturais estão ã vista.
Inclusive o capital de giro das empresas imperialistas foi recorde na Argentina e Brasil na última década, estabelecendo limites claros para a ilusão do IED.
A desaceleração é um fenômeno comum na América Latina, assim como a queda dos preços das matérias-primas. A CEPAL informa que em 2014 as exportações se estancaram pelo terceiro ano consecutivo. O IED de 2014 caiu 23% (no Brasil, no entanto, este número continua positivo).
Segundo o FMI, a América Latina este ano crescerá apenas 1,3%. Cada vez mais a crise mundial afeta a região. O mesmo ocorre com a desaceleração da China. As condições excepcionais da última década estão se esgotando. Se vive por uma vez mais a “ilusão verde”. Ficou demonstrado que não é um problema de dólares, mas sim de qual classe social pode acabar com o atraso e a dependência. Para nós, somente a classe operária constrói uma América Latina Socialista.
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