O centro de Atenas foi nesta segunda cenário de violentos enfrentamentos entre manifestantes e polícia, ao fim de uma manifestação em que dezenas de milhares de gregos comemoravam o quadragésimo primeiro aniversário da revolta estudantil que determinou o final da ditadura dos coronéis. O espírito de ’73 segue vivo entra a juventude e os trabalhadores gregos.
Todo 17 de novembro, desde o retorno ã democracia em 1984, os gregos recordam o ascenso dos estudantes da Escola Politécnica de Atenas, que colocou fim a ditadura dos coronéis com manifestações combativas que em muitos casos culminavam em grande repressão.
Este novo aniversário da revolta não foi diferente . Novamente uma manifestação multitudinária saiu ás ruas de Atenas e foi reprimida pela policia.
De acordo com a policia grega, na manifestação participaram cerca de 20.000 pessoas, sendo que as estimativas da imprensa local elevam o numero aos 30.000 participantes.
A marcha se dirigia pacificamente ã embaixada dos EUA, onde se acabaria devido a um impressionante operativo de repressão policial. Amantes de finalizar a mobilização, a polícia deu início ã repressão jogando gás lacrimogêneos e bombas de efeito moral, ao que muitos manifestantes responderam levantando barricadas com latas de lixo e contêineres, onde atearam fogo e jogaram coquetéis molotov e pedras contra os policiais.
De acordo com os serviços de emergência, nove pessoas saíram com ferimentos leves pela polícia, mas nenhuma delas teve de ser hospitalizada.
"O poder não cai com eleições, e sim nas ruas", "Pão, trabalho, educação e liberdade" e "O poco e a juventude em primeiro lugar" foram alguns dos temas que podiam ser lidos nos cartazes.
Em convocações anteriores, encabeçadas pelo famoso lema "Pão-Educação-Liberdade", as mobilizações também foram duramente reprimidas. Nos anos 1980 e 1985, dois manifestantes foram assassinados pela polícia. Em 17 de novembro de 1985, Michalis Kaltezas de 15 anos de idade foi morto com um tiro na cabeça pela polícia em Exarcheia, uma bairro de Atenas. Seu assassino foi absolvido.
Neste ano a palavra "trabalho" foi das mais ditas, assim como as consignas contra o racismo, o sistema capitalista e o Executivo grego: "Contra o Governo da UÉ e do FMI" e "Abaixo o Governo e a Aurora Dourada".
Participaram da marcha partidos políticos como o esquerdista Syriza, o Comunista (KKE) e forças de esquerda extraparlamentar, como a Frente de Esquerda Anticapitalista (Antarsya), sindicatos de professores secundaristas, inspetores escolares, farmacêuticos, funcionários e associações de estudantes.
Marios, estudante de 19 anos, se juntou a marcha para protestar contra a violência policial, a falta de fundos destinados ã educação e "porque vale a pena manifestar-se para lembrar ao poder que seguimos estando ativos".
Outro dos muitos jovens que saíram a rua para celebrar este aniversário foi Ksanzí, de 22 anos, que expressou a agência de notícias EFE sua indignação pelo difícil cenário econômico e para colocar que não se protesta o suficiente e que "raramente acontecem manifestações".
Os estudantes e a juventude grega vem se mobilizando há anos ao calor de uma profunda crise econômica no país e de ataques de austeridade do governo de coalizão de ND-PASOK-DIMAR.
No começo de novembro, milhares de estudantes com o apoio de professores e pais, decidiram a partir de assembléias universitárias e de secundaristas, ocupar os centros educacionais como protesto frente a nova Lei de Ensino Superior. Mais de 500 escolas e 220 faculdades foram ocupadas em toda Grécia.
"Estou aqui para comemorar a revolta contra a ditadura, mas também para protestar contra o Governo atual", disse Efe Manolis, de 59 anos, que em 1973, quando os universitários enfrentaram cara a cara os tanques militares, viviam em Livadia (Grécia central) e se internou do ocorrido por seu irmão que era estudante.
O espírito da revolta de 1973 segue mais vivo que nunca
Em 21 de abril de 1967, enquanto se convocavam eleições para o dia 28 de maio (onde se previa que a esquerda ganharia), um grupo de oficiais do Exército, com o coronel Georgios Papadopoulos comandando, realizou um golpe de estado contra "a subversão comunista", que impões o exílio do impopular rei Constantino e deu início ã chamada Ditadura dos coronéis.
O golpe militar, apoiado abertamente pelos EUA, se legitima segundo a maioria dos historiadores, no contexto da guerra fria e nas tentativas do imperialismo norte-americano de impedir a extensão de governos dirigidos pelos partidos comunistas na Europa. É por essa razão que as manifestações comemorativas passam todos os anos pela Embaixada norte-americana em Atenas.
A ditadura durou sete duros anos nos quais a repressão, o exílio e o assassinato dos opositores políticos foi moeda corrente. Só nos primeiros anos de Junta houveram cerca de 8.000 presos políticos. Se suprimiram as liberdades fundamentais, como o direito de reunir-se, e se impôs uma censura generalizada, em particular nas universidades, onde qualquer professor que expressasse ideias consideradas dissidentes era despedido ou aprisionado.
Qualquer estudante que se negasse a jurar lealdade ao regime, não seria permitido entrar na universidade.
Nessa situação começou-se a desenvolver um profundo movimento estudantil que teve seu apogeu no levante da Escola Politécnica de Atenas, onde o estopim foi uma nova regulamentação do governo de fato que habilitava o governo a recusar o adiamento do serviço militar.
Em 14 de novembro, mais de 5.000 estudantes se reuniram na Escola Politécnica e decidiram ocupar em um ato corajoso de rebeldia contra a ditadura. Muitos mais se somaram em apoio nos dias que se seguiram.
Em 16 de novembro, a emissora de rádio independente da Escola Politécnica começou a emitir a toda Atenas difundindo sua mensagem de resistência: Abaixo a Junta Militar e restabelecimento da democracia.
Na madrugada de 17 de novembro de 1973, um tanque do Exército grego encostou ã porta principal da Universidade Politécnica de Atenas, ocupada nesse momento por milhares de estudantes.
Soldados e policiais abriram fogo até o dia seguinte, deixando um saldo de dezenas de mortos e cerca de 1.000 feridos, não apenas nos arredores da Politécnica, mas também em toda a Atenas.
Os primeiros informes jornalísticos que registram os feitos, falam entre 59 e 79 vítimas mortais. Ainda que a contagem oficial seja de 23 mortos, se desconhece o que ocorreu com outras 32 pessoas cujos nomes figuravam na lista inicial de falecidos pela atuação dos militares e dos disparos de franco-atiradores da Polícia.
A revolta da Politécnica de Atenas não foi um processo que ocorreu de repente. Foi gastando-se durante anos e finalmente marcou o princípio do fim de sete anos de opressão ditatorial.
Quarenta e um anos se passaram desde o levante da Escola Politécnica de Atenas. Um ato de resistência contra a tirania militar que inspira ás gerações futuras. Ainda mais agora que as consignas que levantavam naquele momento os estudantes, como "Pão-Educação-Liberdade", voltam a ser reivindicadas pela juventude e pela classe trabalhadora gregas. O espírito da revolta de 73 segue mais vivo do que nunca.
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