A Europa está submersa em um estancamento persistente com deflação. Os temores de uma terceira recessão crescem, depois de um período com crescimento zero e ante a perda de impulso da economia alemã.
A crise já dura seis anos e acentuou as desigualdades geográficas e sociais de uma União Europeia (UE) que se pretendia unificada e homogênea. Castigando mais duramente alguns países que outros, cresceram as diferenças entre o “norte” e o “sul” europeu, entre os mais pobres do leste e os ocidentais.
2014 foi o ano onde mais aumentaram as tensões geopolíticas, sobretudo com a Rússia ao redor do conflito da Ucrânia, com a anexação da Criméia por Moscou e as resistências de Putin ã expansão da OTAN para o leste.
Desigualdades sociais abismais entre os “donos da Europa” que se enriqueceram mais durante a crise, e os que caíram na pobreza e no desemprego, perderam seus lares, ou os imigrantes que sobrevivem sem direitos e sem documentos.
Mas outra fonte de tensões é a que nasce no interior da própria UE, questionando sua própria existência. Este fantasma se agita desde o outro lado do Canal da Mancha, com o Reino Unido deixando aberta a possibilidade de sua saída.
Crise econômica e social, tensões geopolíticas, crise dos regimes políticos, protesto e descontentamento social. Este é o contexto para a emergência de novos fenômenos e atores políticos.
Quando o impensável se torna possível
A agência norteamericana de inteligência e análise geopolítico Stratfor assinala em um informe de dezembro, que a Europa se encontra em uma situação onde o “impensável se torna possível”.
O informe se detém no fato de que a crise econômica está fazendo erodir, lenta mas firmemente, o regime político de muitos países, pelo qual algumas alianças e acontecimentos que pareciam impossíveis há poucos anos, agora são discutidos abertamente na Europa.
Os exemplos mais notórios se dão em países como a Suécia, Espanha, Reino Unido e Grécia, que terão eleições em 2015 e cujos resultados ninguém teria pensado possíveis em 2008.
Suécia em seu labirinto
O país nórdico, “modelo” para a socialdemocracia, está atravessando a crise política mais importante das últimas décadas. O primeiro Ministro, Stefan Lofven, chamou eleições antecipadas, nem três meses depois de ter sido eleito. Uma crise na qual desempenhou um papel chave o partido de extrema direita, Democratas Suecos, apoiando a oposição durante a votação do orçamento.
A surpresa das últimas eleições foi o ascenso deste partido xenófobo e neonazista, liderado por Jimmie Åkesson, que obteve 13% dos votos. Duplicaram os últimos resultados eleitorais, que deram 5,7% em 2010, e se transformou assim na terceira força política do país.
A escassa margem entre a centro-esquerda e a centro-direita impede formar uma coalizão de governo estável. Lovfen aparece agora como “refém” da política deste partido de extrema direita, que condiciona o futuro do governo.
O discurso racista de Åkesson estigmatiza os imigrantes e refugiados, culpabilizando-os pelos problemas da Suécia, como a degradação dos serviços sociais.
No ano passado em Estocolmo e outras cidades se produziram levantes em bairros populares de muita população imigrante, com uma forte repressão. A revolta começou com o assassinato de um homem de 69 anos pela polícia.
A Suécia se parece mais com esse mundo de crimes sociais retratado nas novelas sombrias de Mankell, que ao idílico “estado de bem-estar” que ilude ainda setores da esquerda europeia.
O “furacão” Podemos na política europeia
As próximas eleições municipais e autonômicas espanholas estão marcadas pela queda abrupta do bipartidarismo e o ascenso meteórico de Podemos, o partido de Pablo Iglesias. Um ano depois será eleito o presidente.
A crise, o descontentamento social e o estouro de casos de corrupção que envolvem todos os partidos e instituições como a Coroa, agitam o clima político no qual Podemos concentra seus olhares.
As especulações eleitorais colocam a possibilidade de que Podemos chegue ao governo. Frente a isso, como atuará o PSOE? Abraçando uma coalizão “impensável” com o PP como no caso grego, ou apoiando a nova formação em um pacto de governo de “esquerdas”? Até agora o novo líder do PSOE, Pedro Sanchez, negou ambas as alternativas, mas a pergunta segue pendente e sem resposta.
Syriza entre duas águas
Na Grécia, a aliança governamental de conservadores e socialistas, depois de passar pela experiência de um “governo de tecnocratas”, não era imaginável antes da crise.
A coalizão entre Nova Democracia e o PASOK, não obstante, não conseguiu estabilizar a situação. Em fevereiro de 2015 a Grécia se encaminha para eleições presidenciais e todas as enquetes anunciam Alexis Tsipras do Syriza como ganhador.
O Syriza suavizou muito seu discurso e seu programa econômico para mostrar-se como um futuro governo “responsável” dentro da União Europeia. Reuniões com banqueiros e representantes internacionais de fundos de investimentos são parte dos inúmeros gestos para afastar o perigo do “caos” em caso de que chegue ao governo.
Toda esta moderação e concessões, não obstante, não asseguram que possa conseguir uma estabilidade política e financeira, na Grécia e no resto da Europa, em caso de chegar ao governo. Se mantém apenas uma parte de suas promessas eleitorais, que incluem a renegociação da dívida e deixar de aplicar as medidas de austeridade, terá de se enfrentar com a “disciplina” de Bruxelas e de Merkel, além da desestabilização financeira que podem provocar os mercados.
Nesta encruzilhada, um governo do Syriza prenuncia novas tensões e contradições que ainda não podem prever-se completamente. Como responderão os movimento sociais, os sindicatos, a Praça Syntagma e os bairros populares?
Deus salve o Reino Unido
Em Londres também há movimentos políticos que desafiam o status quo tradicional, neste caso desde a extrema direita.
A emergência do UKIP, partido xenófobo e eurocético, está marcando a agenda política do governo. O Partido de Cameron se enfrenta com a perda de deputados que vão para o UKIP, que o desafia a tomar uma política mais afastada da União Europeia e mais dura com os imigrantes.
As eleições mais próximas serão em maio, e os eurocéticos serão uma figura chave. Tampouco devemos esquecer que 2014 foi o ano do plebiscito da Escócia, onde o Reino Unido mostrou suas fortes fissuras internas.
Sejamos realistas, exijamos o impossível
Muito do que era impensável ontem, hoje é possível. Encaminha-se a Europa para sua “recaída” nos extremos, que foram a regra ao longo do século XX?
A extrema direita europeia ainda não consegue apoderar-se do poder, mas empreendeu um crescimento dramático em países como França, Reino Unido, Dinamarca e outros.
Nem Syriza na Grécia, nem Podemos no Estado espanhol são organizações da extrema esquerda, nem querem que sejam confundidas enquanto tais. Pelo contrário, têm ambos a intenção utópica de recriar um “ciclo socialdemocrata”, mas a destempo, porque é a crise capitalista a que marca os ritmos.
A luta de classes na Europa mostrou uma revitalização importante nos últimos anos, desde a abertura da crise, mas ainda não chegou a níveis de radicalização comparáveis com os anos ’30 ou os anos ’70, e as burocracias sindicais conseguiram até agora conter as lutas, isolando-as.
Para grande parte da esquerda europeia, que se conforma com um capitalismo “mais humano” ou “melhor gerido”, o “impensável” segue sendo a luta de classes e a ação radicalizada da classe trabalhadora europeia, nativa e imigrante.
Em tempos de mudanças intensas como os atuais, preferimos pensar que o impensável se torna possível de um momento a outro, e portanto, como em ’68, o único realismo possível é aspirar a superar o capitalismo europeu, porque o verdadeiramente utópico é sua humanização.
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