Uma grande batalha de classe: como os indomáveis da Lear fizeram para triunfar
Após 7 meses de luta, e de um corte da Panamericana, no dia de hoje diante das manobras da empresa, se concretizou o triunfo histórico dos operários de Lear, que ganharam o “conflito do ano” contra a multinacional norte-americana, a burocracia sindical da SMATA e o governo. Uma batalha de classe, um conflito político. Os debates na esquerda.
Nem o governo, nem seu repressor Berni, nem a burocracia sindical de um dos sindicatos mais importantes do país, o SMATA, nem uma multinacional poderosa mundialmente como a Lear Corporation puderam pará-los.
Ganharam. Depois de 7 meses os “indomáveis” da Lear, os que lutaram até o final rodeados de um enorme apoio popular, os que enfrentaram a repressão, os que resistiram durante mais de meio ano sem receber seu salário, rechaçando indenizações de centenas de milhares de pesos, foram incorporados. Algumas lições de uma grande batalha de classe derrotou os poderosos inimigos.
O plano inimigo: Lear Corporation, a SMATA e o governo
A Lear, a SMATA de Pignanelli e o governo nacional quiseram aproveitar a crise econômica em curso para “limpar” a indústria automobilística de delegados e ativistas combativos, e assim poder flexibilizar as condições de trabalho na “indústria estrela” do kirchnerismo.
Este “trabalho” havia começado na indústria automotriz com demissões e suspensões em distintos lugares do país, e o antecedente imediato a Lear havia sido a Gestamp, em que depois de 67 demissões e de desarticular a organização dos trabalhadores, redobraram a exploração para os que ficaram dentro. Esse mesmo plano é o que queriam levar adiante na Lear. Lembremos que nessa fábrica os delegados combativos haviam se negado a assinar um acordo que estabelecia salários muito mais baixos para todos os trabalhadores novos.
Mas para as patronais Lear não será só Lear. Também quiseram acabar com um dos pilares do direito trabalhista, demitindo massivamente sem ter aprovado (nem sequer apresentado) o Procedimento Preventivo da Crise, o qual se houvesse sido imposto, haveria criado um antecedente que lhe facilitaria ás patronais demitir massivamente os trabalhadores. Contaram para isso, durante meses, com o Ministério do Trabalho, que avalizou todo esses movimentos legais, enquanto o outro pilar do governo se ocupava de reprimir recorrentemente.
Por último, lembremos que o ataque patronal na Lear não foi um raio em céu sereno, mas que se deu no marco de um ano de ajuste em que o governo e as patronais quiseram descarregar a crise sobre os trabalhadores com inflação, limites nas paritárias, demissões e suspensões. Todo um plano contra os trabalhadores. Inimigos poderosíssimos. Parecia impossível. Como em toda guerra, houve “baixas”, mas os “indomáveis” ganharam e se converteram em um exemplo reconhecido por milhões sobre como enfrentar os ataques.
Como enfrentar os inimigos poderosos: uma grande batalha de classe
Se os “indomáveis” de Lear puderam triunfar frente a inimigos tão poderosos, foi porque o conflito não foi encarado como um mero conflito sindical, mas como uma grande batalha de classe, agrupando a todas as forças próprias e aliadas que foi possível e utilizando cada brecha nas fileiras inimigas para aproveitá-la a favor dos trabalhadores. A Lear triunfou porque foi um grande conflito político, porque se converteu numa causa popular apoiada por milhões. A partir do PTS e colocamos todos os nossos esforços a serviço dela.
Isso, fazer política operária, que deveria ser elementar, é o que algumas organizações de esquerda, de visão estreita sindicalista, nunca puderam entender já que medem a relação de forçar no “ativo” próprio somente a disposição dos operários de dentro e de fora para lutar, sem ver a situação política mais geral, os aliados dos trabalhadores, e as divisões nas classes dominantes que possam ser usadas para triunfar.
Por isso, também, alguns se apressaram mais de uma vez em decretar que o conflito havia sido derrotado. Aos do PTS, por nossa persistência e decisão para ir até o final, nos acusaram de ultras, de putchistas [golpistas], de que não nos importava ganhar, mas só sair na televisão. Que dirão agora? Tomara que tirem conclusões.
Nossa decisão junto aos operários de lutar até as últimas consequências, como fica claro agora, não era “voluntarismo”, mas se apoiava em uma clara estratégia com perspectivas de ganhar.
Se do outro lado havia inimigos poderosos, desse lado as bandeiras dos operários da Lear, combinadas com uma grande decisão de luta, agruparam uma enorme frente única para enfrentá-los, e abriram as brechas na frente inimiga. Sob as bandeiras de “Famílias nas ruas, nunca mais” contra os abutres da Lear, contra burocracia de Pignanelli, e em repúdio ã repressão, se pronunciaram em apoio aos trabalhadores destacadas de Direitos Humanos, organizações de trabalhadores, estudantes, dirigentes políticos oficialistas e da oposição, intelectuais, artistas, jornalistas, esportistas, etc.
Daí saiu a força para levar adiante o conflito durante 7 meses, fazer 15 Jornadas Nacionais de Luta, que incluíram 14 cortes da Av Panamericana, e ações em distintas regiões do país, enfrentar diversa vezes a repressão com 22 detidos e mais de 80 feridos, marchar ao Ministério do Trabalho, ã Embaixada dos Estados Unidos, ã Câmara do Comércio norte-americano em Buenos Aires, fazer bloqueios, atos, resistir 12 dias de lockout patronal, as gangues da SMATA na fábrica, a sede do sindicato e do Congresso Nacional, editar 57 números do Boletim de Luta, realizar um Encontro combativo junto a Donnelley, Emfer, e outros setores operários e, não menos importante, reunir um fundo de luta de mais de um milhão de pesos para sustentar toda essa luta. Em todos esses aspectos, a partir do PTS temos orgulho de ter sido os que mais atuamos junto aos operários para que tudo isso fosse possível.
Semelhante resistência fez com que os gerentes das grandes empresas (CEO’S) o considerassem o conflito do ano. Não é para menos, tomaram nota de que quiçá em alguns lugares não seja tão fácil demitir massivamente.
A decisão para ir até o final aprofundou também as brechas no kirchnerismo. Ainda que seja gente acostumada a engolir sapos, alguns decidiram que tinham que elevar sua voz depois de ver algumas vezes a repressão comandada pelo ex cara pintada, Sergio Berni, ou de ver o pouco “nacional e popular” que era apoiar a patronal abutre e o gordo Pignanelli. Isso é fazer política, usar as brechas nas fileiras inimigas.
Aqueles que se apressaram a decretar a derrota do conflito, nem sequer viram que antes da reincorporação dos indomáveis já se havia obtido importantes triunfos políticos, como ter desprestigiado a burocracia da SMATA, a Força Nacional, que era a força privilegiada dos Kirchner, ter exposto o duplo discurso do governo a favor das empresas abutres ou seu acionar ilegal contra os trabalhadores e a favor da multinacional. Também que a esquerda seja vista por milhões como a que luta e defende os trabalhadores. Os deputados do PTS-FIT, Nicolas del Caño e Christian Castillo ganharam um grande reconhecimento nesse sentido. São todas conclusões políticas tiradas por milhões, que ajudam a acelerar a ruptura com o kirchnerismo e o desenvolvimento da esquerda revolucionária.
Tudo isso, por si só, já seriam grandes conquistas dessa luta. Mas por sua vez, esses mesmos triunfos políticos influíram qualitativamente sobre a relação de forças para a luta pela reincorporação dos demitidos.
Enquanto o conflito se prolongava, se acentuava também cada vez mais a contradição entre a ação do governo, a patronal e a SMATA, e a própria legalidade capitalista. A relação de forças mais geral, junto com a enorme simpatia ganha pelo conflito em setores de massas, mais as brechas nas classes dominantes, eram um fator que pesava também no terreno legal. Concretamente, tudo isso se expressou principalmente na parte final do conflito, mediante dois “amicus curae”, um apresentado pelo Premio Nobel da Paz Adolfo Peréz Esquivel, e pela Mãe da Praça de Maio, Nora Cortiñas, e o outro pelo Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) presidido por Horacio Verbitsky, além de uma carta assinada por deputados de quase todos os blocos. Quando há um resquício do regime que pode ser usado a favor dos trabalhadores, não se deve perder a oportunidade de utilizá-lo, como nesse caso em que as demissões foram ilegais, ao não ter sido aprovado um Procedimento Preventivo de Crise.
Não entenderam nada disso todos aqueles que ficaram dando “conselhos” irresponsáveis durante 7 meses. Não faltaram, é certo, os que sempre dão a grande ideia de tomar a fábrica em todo momento e em todo lugar, que pode parecer muito combativo, mas é pouco inteligente num conflito em que uma das questões fundamentais era que a Lear e a Ford haviam se preparado para o conflito acumulando estoque, somado ã conivência com o governo nacional para lhe permitir ã Ford importar a produção que habitualmente a Lear lhe provê, ainda que isso significasse perder dólares, que se tornam raros na economia nacional. Provavelmente uma ocupação de fábrica teria mais o efeito de conduzir a uma derrota rápida.
Aqueles que se colocam somente vendo a relação de forças entre uma patronal determinada e um grupo de operários determinado, não pode dar-se uma estratégia que converta cada luta operária importante em uma grande batalha de classe, em um grande conflito político, com grande visibilidade e que ganhe apoios de setores das massas. Para dar passos na aposta a que a classe operária emerja como sujeito, e na construção de um partido revolucionário, é necessária mais política operária, e menos sindicalismo. De cada grande conflito, uma grande batalha de classe.
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