Causou certo alvoroço nos distintos meios e blogs a entrevista de Marta Suplicy no Estadão em que afirmava que “ou o PT muda ou acaba”. Nessa entrevista, a senadora do PT indicava três elementos importantes para a caracterização do governo: a) Existe uma divisão no interior da cúpula máxima do PT, entre Lula e Dilma; b) Aloizio Mercadante, atual ministro da casa-civil e braço direito de Dilma seria um “inimigo” de Lula e c) o presidente do partido, Rui Falcão, teria “traído o partido”.
Nós partimos de que todas as assertivas de Marta Suplicy são parte de um jogo político, e vamos analisar em separado dentro do contexto geral. Começando pela divisão entre Lula e Dilma, muitos analistas, mais ou menos inclinados em ver diferenças entre a presidente e o ex-presidente, partiram de uma premissa “lógica” para minimizar essa divisão: Dilma não tem força política para manter estabilidade em um governo com uma divisão interna dessa dimensão no PT e a oposição de Lula.
Então significa que não possam haver fissuras? Aparentemente, o que existe é, por um lado, uma influência mais desenvolvimentista dos oriundos da escola da Unicamp, tal como a própria Dilma e Mercadante que os colocam num bloco “centro” no interior do PT. Por outro, Lula, nos bastidores (marca também de seu governo) sempre defendeu uma aliança maior com o setor financeiro e os bancos, e sem dúvida é um dos entusiastas da atual equipe econômica, com Levy no ministério da Fazenda e Nelson Barbosa no planejamento. Em alguns momentos podem haver atritos entre essas visões de como encaminhar a economia, mas ainda nos parece longe de uma divisão como propugna Marta.
A confusão que gerou nos articulistas políticos foi que para enxergar essas duas tendências, tentou-se enquadrar Lula e Dilma entre “esquerda” e “direita” no interior do PT. Eis que as manobras “getulistas” de Lula nesse caso causam confusão, pois Lula é uma pressão ã direita na discussão da aliança com os bancos, na imposição da equipe econômica e na consequência dos ajustes. No entanto, o detalhe é que nada desses debates chega para o público amplo, aparecendo o Lula como um dirigente político “à esquerda” de Dilma e Mercante, fazendo política com os movimentos sociais tal qual estivesse preparando uma defesa contra o “giro a direita” no governo. Nos bastidores Lula é “a mãe dos ricos”, mas para o grande público é “o pai dos pobres”.
Não deixa de ser uma maneira dos petistas manterem alguma esperança de que existem alas resistentes ao giro a direita do PT (que mesmo economistas do stablishment como Belluzo chamaram de “capitulação” – ver Valor 16-01, ou seja, com desprendimentos até mesmo dos “desenvolvimentistas”, frente ao atual governo). Nesse sentido, trata-se de uma divisão do trabalho entre Lula e Dilma, uma “cortina de fumaça” para dar a impressão de que esse governo ainda pode ser disputado pela esquerda. Evidentemente que Mercadante gostaria de ser candidato do PT em 2018, mas acaba por hora ficando como um “plano B”, enquanto Lula “por fora” vai construindo sua candidatura.
Sobre o terceiro ponto, de Marta Suplicy ter chamo Rui Falcão de traidor, Rodrigo Lima da Carta Capital parece dar uma boa indicação quando escreve que: “A senadora busca uma forma de sair do PT sem perder o mandato no Congresso e, de quebra, se cacifar ao posto de expoente da oposição nas eleições municipais do próximo ano. Um discurso anti-PT, principalmente proferido por uma política claramente identificada com o partido, já basta para abrir as portas em certos círculos do poder em São Paulo, em especial na mídia. E se ela for expulsa ou comprovar que a legenda traiu os ideais que a levaram a se filiar, o mandato no Senado fica garantido” (Carta Capital – edição 833).
A primeira vista, parece estranho Marta Suplicy chamar Rui Falcão de “traidor” já que ela é a maior defensora dos ajustes e da equipe econômica atual. No entanto, a retórica da Senadora dá indícios de se relacionar nesse caso com o intuito de “cavar” uma expulsão que seja acordada com Lula e demais líderes partidários, que permita que ela mantenha seu mandato em outro partido.
Se não podemos falar, nesse sentido, numa divisão em essência entre Lula e Dilma ao pensar o governo, de certa forma podemos falar em “dilmistas” e “lulistas”. Os dilmistas, como centro do governo hoje, tem o intuito de aplicar os ajustes do governo, mas “diluir” o máximo possível os ataques para não aparecer para as massas rapidamente como um governo anti-operário. Esse cenário pode se dar se não houverem grandes consequências para o atual regime as denúncias na operação Lava-Jato e se se mantiver mais ou menos administrada a queda de crescimento da economia.
No entanto, no último relatório do BIRD apresenta-se a hipótese de uma queda de crescimento da economia chinesa, com grande impacto na América Latina e um crescimento entre 0% e 1% da economia brasileira, que pode se tornar menor, já que as projeções destas instituições internacionais em geral são sempre mais “otimistas”.
Se o impacto na economia brasileira for maior que o imaginado, a oposição (com PSDB ã frente) se fortalecerá denunciando a situação econômica, poderá se incrementar a inflação (fazendo a população sentir mais) e os ajustes serem mais concentrados, de modo a escancarar a faceta “pró-capital” do governo. Nesse caso, um espectro de “lulistas”, que englobe setores petistas, movimentos sociais e até mesmo parte da esquerda pode se desenvolver “contra” o governo, ainda que esses “lulistas” extrapolem os anseios de conciliação do próprio Lula.
Ou seja, uma tendência “lulista” que se ilude nas esperanças de “reformar pela esquerda” o governo, contra as políticas “dilmistas”, seria o resultado de uma “manobra possível” frente a decadência cada vez mais notável do PT no movimento operário.
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