Depois de longas discussões durante duas semanas entre "estender o atual resgate sobre as condições atuais" (Alemanha) e a "extensão técnica de um empréstimo por seis meses, como passo a um acordo mais sólido" (Grécia), Atenas e seus credores da eurozona atingiram um acordo para estender o atual programa de resgate de 172 bilhões de euros por quatro meses, sob a égide das chantagens do Eurogrupo e do Banco Central Europeu diante da dramática situação econômica da Grécia.
Aceitando as reformas, a Grécia acorda extensão do resgate com o Eurogrupo
Os prazos do atual resgate expiravam neste próximo dia 28 de fevereiro, pressão ã qual se somou a chantagem política do BCE de negar financiamento aos bancos gregos. O giro europeu de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis buscava alcançar o beneplácito dos governos da União Europeia a um “acordo benéfico para todos”, em que abandonava o objetivo de um cancelamento parcial da dívida, para negociar seu refinanciamento. Uma tentativa que se mostrou fracassada, depois que a Alemanha e o restante dos países do euro exigiram o cumprimento do resgate atual em troca de financiamento.
A política da União Européia, sob a liderança da Alemanha e seus escudeiros mais fiéis, como o presidente espanhol Mariano Rajoy, foi desde o começo não outorgar "nenhuma concessão". Esta posição tem um alto componente político, mostrar que não se podem desafiar os planos de Bruxelas e de Berlim. No caso espanhol, sua posição se explica por um ano marcado pelo crescente desprestígio do partido do governo e o ascenso do Podemos.
Nos últimos dias, a situação financeira grega estava totalmente incerta frente ao pagamento que deve afrontar em março. A arrecadação de impostos foi 20% abaixo do esperado, e o superávit primário ficou 60% aquém do objetivo, para não mencionar o "drama" dos bancos gregos, cujos depósitos estão sendo retirados pela população, que teme uma quebra financeira e "controle de capitais" como no Chipre em 2013 (4 bilhões de euros foram removidos dos bancos gregos nas ultimas duas semanas, 20 bilhões desde dezembro).
Estas condições impulsionaram um acordo para frear a massiva retirada de depósitos do sistema financeiro grego (evitando turbulências no mercado), e aprimorar as condições para que o governo grego faça frente ao pagamento de suas dívidas. Questões chave da negociação permanecem sem contornos claros – como as reformas a que o Syriza finalmente se submeteu a fim de receber os restantes 7.2 bilhões de euros do programa de resgate.
Um acordo “Ã la germânica”, asfixiante ao povo grego
Mesmo sem a definição mais precisa do conteúdo da negociação, as linhas mestras dentro das quais o acordo se moverá, entretanto, são as impostas pela Alemanha. O anúncio de Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, revelou que a Grécia se dispôs a retirar praticamente todas as suas linhas vermelhas e aceitar o resgate atual, obtendo em troca pouco mais do que a Troika já oferecia desde o início.
Segundo o Financial Times, o acordo compromete Atenas a “completar com êxito” as cláusulas do atual resgate (pactuado primeiramente pelo governo anterior, PASOK-Nova Democracia), e a concordância em “não reverter as reformas em curso”.
Também impede o governo grego de diminuir “unilateralmente” o montante da dívida. Exige até mesmo que a Grécia devolva 11 bilhões de euros congelados no mecanismo de resgate bancário para a Grécia, para que não seja usado para fins de “financiamento do governo”, mas de recapitalização dos bancos.
Das poucas contrapartidas concedidas pelo Eurogrupo a Tsipras, está a garantia de financiamento do BCE por mais quatro meses (se “completa com êxito as exigências”) e certa margem orçamentária para que Atenas promova os gastos sociais mais urgentes, dentro de um plano de “salvação das vítimas da crise” agora “vítima” dos limites orçamentários exigidos pela Troika (agora finalmente reconhecida pelo Syriza).
Yanis Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia, que outrora negava qualquer extensão de um resgate que considerava “louco e anti-europeu”, agora descobriu-se “satisfeito” com o acordo, que representa “um pequeno passo para uma nova direção.” “Hoje começamos a ser os coautores das reformas na Grécia”, afirmou o ministro. Por sua parte, Tsipras, que durante o discurso de posse afirmara “terminada a austeridade na Grécia”, depois de ceder ás reformas assegurou que “Fizemos fracassar o plano para asfixiar a Grécia”.
“Na sexta-feira demos um passo decisivo, deixando para trás a austeridade, a troika e o resgate. Ganhamos a batalha, mas não a guerra. Adiante nos aguardam muitas dificuldades. Fizemos fracassar o plano das forças conservadoras na Grécia e no estrangeiro para asfixiar nosso país e demonstramos que a Europa é um espaço para a negociação e os compromissos benéficos para as partes,” disse Tsipras em seu discurso televisado.
Entretanto, pouco efeito tiveram estas tentativas de apresentar como triunfo o que muitos na Grécia já enxergam como um novo período de duras concessões. Os titulares e editoriais dos periódicos gregos citavam incessantemente a palavra “asfixia” em suas capas. Em essência, a aplicação do programa eleitoral do Syriza estará sujeita ã aprovação prévia dos credores, já que o governo grego reconhece os “odiosos termos dos acordos de empréstimo, o que debilita a posição dos negociadores gregos,” como escreveu Stathis Kouvelakis, integrante da “Plataforma de Esquerda” e membro do Comitê Central do Syriza.
Mesmo no plano das privatizações o governo grego modificou sua posição. Varoufakis assegurou ao Eurogrupo que todas as informações da imprensa sobre a paralisação da venda de 67% do porto do Pireu ã empresa chinesa Cosco “não poderiam estar mais longe da verdade”. Esclareceu que o governo atuará neste terreno “sem dogmas”, e que fomentará o investimento estrangeiro no porto, na medida em que se assegurem os lucros do governo “a longo prazo”.
“Pagar a asfixia”, ou organizar as massas gregas pelo cancelamento da dívida?
A ampliação do atual programa de resgate por quatro meses é a concessão que mais se separa do núcleo das propostas de governo do Syriza. Aceita não só a extensão do crédito, mas sua supervisão por parte do BCE, da Comissão Europeia, e “com o mesmo espírito” do FMI (ou seja, a Troika).
Desde o princípio, a estratégia do Syriza de alcançar um “acordo benéfico a todos” só revelou que, apesar de seu mandato expressar um giro ã esquerda das massas gregas contra a austeridade, subordinava-se a conseguir melhores condições para seguir pagando uma dívida que esgotou os trabalhadores e jovens da Grécia nos últimos 5 anos. Os únicos que vieram impondo suas condições foram os líderes do Eurogrupo chefiados pelo programa de austeridade defendido pela Alemanha.
Como insistimos em vários artigos, o Syriza não tem como programa desconhecer a dívida externa e fazer com que os capitalistas paguem pela crise. Prefere negociar os termos do pagamento. Por isso o “tempo ganho” pelo governo não fortalece as condições de luta das massas gregas que se manifestaram em centenas de cidades do país contra os ajustes, mas abre caminho ã concretização do programa de Berlim, com privatizações, demissões, cortes orçamentários e diminuição dos direitos trabalhistas.
Os ajustes que a Troika conseguiu disciplinar o Syriza a aceitar tem como objetivo pagar uma dívida impagável: os 323 bilhões de euros que deve o governo grego se encontram nas mãos da Eurozona (60%), do FMI (10%) e do BCE (6%) além de outros bancos. A dívida grega, que monta 185% do PIB, foi gerada pelos próprios capitalistas gregos, junto aos banqueiros franceses e alemães, que concordaram na imposição dos cortes públicos para satisfazer dividendos como a importação de armas pela Grécia, com os Estados Unidos, França e Alemanha, para o controle da imigração no litoral e a repressão ás manifestações antiausteridade e ás 32 greves gerais desde 2010.
A anulação imediata desta dívida fraudulenta, junto a um plano de emergência operário e popular, é a única alternativa independente para o povo grego, que ainda apoia fortemente o Syriza, apesar de sua negativa em abolir a extorsão europeia, o que gerou muitas críticas em setores da esquerda grega e inclusive dentro do Syriza.
Mais do que nunca, convocamos as organizações de esquerda e sindicatos a uma grande campanha de solidariedade internacional ao povo grego com a demanda central de anulação imediata da dívida, apoiado na mobilização de massas que mais uma vez protagonizam amplos setores de trabalhadores e jovens na Grécia.
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