A partir da posição expressa pelos pais das famílias dos 43 normalistas de repudiar as eleições de 7 de junho, discutiu-se muito qual é a tática adequada para que o descontentamento expresso nas ruas irrompa no cenário eleitoral. Hoje tentaremos transcender o debate do tático ao estratégico.
Novamente sobre a tática eleitoral
Um dos argumentos que agitam os defensores do “voto útil” nos candidatos do Morena [Movimento de Regeneração Nacional, de caráter se tanto reformista – nota do tradutor] é que, só votando, conseguiremos algum tipo de interpelação ao sistema político que permita “colar” ás câmaras a raiva e o descontentamento popular. Já insistimos que o objetivo estratégico destas eleições é fortalecer o regime de domínio em seu conjunto, questionado em múltiplas dimensões pelas classes subalternas.
Das imponentes mobilizações do ano passado que estremeceram todas as instituições e todos os partidos, hoje assistimos ã persistência do movimento em solidariedade ã Ayotzinapa e a um amplo processo de politização.
Especialmente chamativas são as estatísticas que advertem que só 27% da população teria confiança nas eleições. Dialogando pouco com esta descrença e com o chamado dos pais a repudiar as eleições, os apologistas do “voto útil” colocam insistentemente que o cenário mais favorável é que no dia 7 de junho se vote no Morena.
Recomendam-nos fazer como na Grécia, onde o profundo descontentamento e desespero frente ás medidas de austeridade impostas pela Troika, trouxeram um giro ã esquerda que colocou o Syriza no poder.
Falta dizer o que não dizem aqueles que anunciam a “via grega”: que o governo de Alexis Tsipras teve que pactuar com o partido nacionalista conservador Gregos Independentes e a igreja ortodoxa, renunciando a levantar os direitos do movimento LGBT por um lado e por outro, a rebaixar seu programa econômico frente ã Troika que, como diz uma análise “nunca se foi e sua pressão é cada vez mais forte”.
Dissemos em artigos anteriores, polemizando com John Ackerman, que, em última instância, os defensores desta política, com seu possibilismo conformista, querem nos convencer de que, frente ao fato de que os explorados e oprimidos não temos uma organização que nos represente, temos que nos limitar a ir votar a contragosto.
Como já faz muitos anos, o imediatismo supera qualquer reflexão estratégica e profunda sobre para onde vai o movimento. Trata-se de fechar o caminho ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) e ã direita, e não importa nada a experiência histórica: confiar na chamada “transição pacífica ã democracia” e votar por uma ou outra variante (Partido da Revolução Democrática, PRD, ou Partido Ação Nacional, PAN), não “fechou o caminho” ao PRI, pelo contrário, deu a este sobrevida e lhe concedeu uma nova cobertura democrática.
Se é estratégico para o regime legitimar-se no próximo período eleitoral, ganhe quem ganhar, para preservar o poder de classe, é estratégico para os despossuídos levantar uma tática independente no dito processo que esteja a serviço de construir desde agora mesmo um instrumento político dos trabalhadores que tenha sua própria perspectiva de classe.
Um partido da luta de classes
Diz John Ackerman em seu artigo “Verde ou Morena?” que “Cada dia é mais claro que a principal função do sistema de competição política supostamente liberal é a geração de uma fantasia de normalidade democrática e estabilidade social para encobrir a acumulação de mais poder e dinheiro nas mãos dos capitães do capital financeiro global”.
Em termos marxistas, isto é que as instituições do regime estão a serviço de preservar o poder de uma classe, a capitalista, sobre outras. Isto não invalida que o eleitoral seja um cenário no qual a esquerda socialista deva participar, tentando a todo momento aproveitar os quase inexistentes resquícios que deixa o regime burguês para que a voz e o programa dos trabalhadores se expresse.
Mas no caso mexicano, carecemos de uma alternativa com independência de classe, justamente porque durante as últimas três décadas e em particular desde a emergência do PRD, a maior parte da esquerda renunciou a construir um partido de e para os trabalhadores, condenando o movimento operário e popular a subordinar-se politicamente a alguma das variantes do regime.
Outro setor da esquerda, influenciado pela direção do Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), renunciou também a isto sob a premissa de que é pernicioso lutar pelo poder político e que este terreno, o da política, não é um espaço em disputa, se não que é monopólio da classe dominante.
Assim, trata-se de construir uma organização que faça outra política: a dos explorados e oprimidos. Uma organização que entenda o eleitoral como algo tático e ponha suas energias em temperar-se ao calor da luta de classes: na luta pela aparição dos 43, dos trabalhadores de Mazda México, dos jornaleiros de San Quintín, das enfermeiras, dos trabalhadores da Honda México, da Caixa de Economias, do magistério, dos normalistas de todo o país. E que brigue para que estas lutas não fiquem no terreno do reivindicativo ou “social” e que seus protagonistas avancem em tirar lições e configurar-se justamente como sujeito político. Avançar na compreensão justamente de que a democracia burguesa é o disfarce democrático da ditadura do capital.
O voto nulo não é testemunhal, é militante
Neste sentido que aqueles que estamos defendendo votar nulo, não o fazemos de forma testemunhal.
Se trata de implementar uma campanha militante para organizar nas escolas, nos centros de trabalho, nas fábricas, nas faculdades, os jovens e trabalhadores que já não confiam nos partidos tradicionais nem em suas expressões recicladas e querem expressar seu descontentamento nas urnas, mas ao mesmo tempo ir forjando os cimentos de uma força política capaz de antagonizar com os interesses do imperialismo, seus sócios nativos e seus administradores.
Dizem-nos, os céticos, que esta é uma utopia. Querem nos prender no espaço do “possível”. Mas se negam a ver que é impossível que as alternativas que pretendem humanizar o capitalismo – isto é, humanizar o inumanizável – sejam viáveis para levar até o final as reivindicações adiadas dos explorados e oprimidos.
Só uma força social descomunal, encabeçada por uma organização com estas características, pode fazer frente a inimigos descomunais. O pão para hoje, é fome para amanhã.
Colocam-nos o exemplo do Syriza, que é incapaz de enfrentar a Troika e seus aliados europeus, mas invisibilizam o exemplo da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) na Argentina, conformada, entre outras organizações, pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), partido-irmão do Movimento de Trabalhadores Socialistas (MTS) no México.
Uma força da esquerda socialista que conquistou deputados em vários estados e utilizam suas cadeiras para denunciar o giro ã direita do kirchnerismo, a repressão ás lutas operárias, que exigem que os deputados ganhem o mesmo que um professor e doam seus salários ás lutas sociais.
E enquanto utilizam o terreno eleitoral como um espaço tático a mais para fazer propaganda a favor dos despossuídos, no caso do PTS, seus militantes são parte viva das principais lutas operárias: aí está a imponente luta dos trabalhadores de Lear que torceram o braço desta transnacional. Aí está o caso dos operários de Madygraf que tomaram a ex-fábrica Donnelley e a colocaram para funcionar sob controle de seus trabalhadores.
No México, desde o MTS estamos colocando nossas modestas forças em função destes objetivos. Enquanto saímos ás ruas, ás praças públicas, ás zonas fabris denunciando que nos faltam 43 e que devemos recriar uma tática independente nas eleições, tentamos, todos os dias, nos organizarmos para pôr de pé uma alternativa dos trabalhadores.
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