O discurso pronunciado por Raúl Castro no ato de comemoração de 26 de Julho, data do assalto ao quartel Moncada em 1953 e “batismo de fogo” do movimento de Fidel (que esteve ausente no ato), chamou a atenção sobre o rumo que poderia adotar o governo cubano num futuro próximo.
Um “ramo de oliva” para o imperialismo
Raúl Castro exortou o diálogo ao futuro substituto de George W. Bush na Casa Branca em 2008. “A nova administração que virá terá que decidir se mantém a absurda, ilegal e fracassada política contra Cuba ou aceita o ramo de oliva que tivemos na ocasião do 50° aniversário do desembarque do Granma”, declarou o dirigente cubano.
A política que Bush mantém de hostilidade total ã Cuba não mudou neste ano sem Fidel e continua sendo ditada por sua aliança com a gusanería do exílio cubano em Miami. Esta política até agora fracassou. Por outro lado, existe um forte lobby nos EUA a favor de revisar o bloqueio que têm o apoio, dentre outros, da indústria petroleira e do agro-business. Nesse sentido, “Os senadores Larry Craig (republicano por Idaho) e Byron Dorgan (democrata por Dakota do Norte) apresentaram uma moção para permitir ás companias estado-unidenses trabalhar em águas cubanas” (BBC em espanhol, 21/03/07). Por sua parte, o pré-candidato democrata Barack Obama assinalou sua disposição para o diálogo com Chávez e Cuba. Por último, o chefe da OEA, o chileno Manuel Insulza, defendeu abertamente pela abertura do diálogo com Cuba e assinalou o absurdo da política de bloqueio que a Casa Branca mantém há mais de 40 anos.
Neste marco, o discurso de Raúl aparece como uma piscada de olho pragmática aos setores econômicos interessados em investir em Cuba diante da promessa de uma mudança, ainda que a possibilidade de que haja uma mudança com uma possível administração democrata são vagas já que a outra pré-candidata democrata, Hillary Clinton, rechaçou de plano esta possibilidade.
Mudanças estruturais
Castro assinalou a vigência do chamado “Período Especial” e marcou a necessidade de “introduzir as mudanças estruturais e de conceitos que forem necessários” para aumentar a produção e estimular o investimento estrangeiro “sempre que aporte capital, tecnologia ou mercado”. Reiterou que esta atividade se levaria a cabo com “empresários sérios e sobre bases jurídicas bem definidas que preservem o papel do Estado”.
O “Período Especial” se abriu frente a queda da ex URSS e o fim de seu apoio econômico, o que implicou em terríveis penúrias para as massas. A política de abertura da economia que, a partir de 1993, impulsionaram Raúl Castro e Carlos Lage com o apoio de Fidel, divisas e investimento estrangeiro, sobretudo no turismo, permitindo uma estabilização e posterior crescimento da economia cubana mas com as conseqüências de um aumento da desigualdade social e da corrupção estatal. Este giro de abertura foi logo mudado para uma política de maior controle do Estado a partir de 2003.
Hoje a economia cubana vive essencialmente da mineração, do turismo e da venda de serviço sociais ã Venezuela (além dos subsídios que esta lhe outorga através da entrega de petróleo barato ou créditos acessíveis). Outra fonte de divisas são as remessas de familiares residentes nos EUA. As mudanças anunciadas por Raúl apontam para conseguir o ingresso de capitais privados no campo, na mineração e na extração de petróleo na zona cubana do Golfo do México, que se calcula potencialmente considerável, e na que já vem operando a PDVSA e a Repsol-YPF.
O campo é um “calcanhar de Aquiles” para a economia cubana, já que sua produção não consegue cobrir a demanda interna, o que obriga a importação de alimentos. Por isso Raúl disse que tem que “fazer a terra produzir mais” chamando a “generalizar as experiências” dos camponeses destacados, muitos deles produtores privados.
A transição em curso
A liderança de Raúl Castro se instituiu frente a convalescença de Fidel, que delegou a seu irmão em 27 de julho de 2006 os cargos que ocupava. A sucessão abriu dúvidas sobre a estabilidade do castrismo. Entretanto, há um ano consumada, os cenários mais catastrofistas que alentavam os gusanos e o imperialismo não tiveram lugar. O governo de Raúl Castro parece ter conseguido, até agora, selar uma aliança entre as Forças Armadas Revolucionárias (que controla os setores dinâmicos da economia) e o Partido Comunista Cubano. Desta forma evitou-se a luta de frações que em todo regime burocrático e personalista tende a explodir frente ausência do líder caído. Por outro lado, ainda não existe um governo “raulista”, o que se expressa no fato de que até agora o Conselho de Ministros somente tenha mudado quatro de seus membros de um total de 39. A presença de Fidel como “alma da Revolução” tira margem de manobra a qualquer mudança brusca e limita o real poder de Raúl. Mas o próprio Raúl é um presidente de transição cujo papel é fazer com que a transição seja mais ordenada possível. O que pode se ver é a tentativa de começar uma abertura diplomática e econômica, mas sem nenhuma mudança política substancial. Quer dizer, mantendo intacto o poder político, e em grande parte econômica, da burocracia em seu conjunto.
-As massas e as conquistas da Revolução de 1959
Se muitas das conquistas da Revolução cubana se mantiveram durante quase cinco décadas é pela tenaz resistência e ação das massas que as defendem. O aumento da desigualdade social e a debilidade estrutural do Estado e a economia cubana abriram uma brecha que ameaça essas conquistas. A política de investimentos dos anos 90, na medida que acrescentou os privilégios da velha casta governante, criou uma espécie de setor mais privilegiado, entre os que se encontram os burocratas do estado, que têm acesso ao CUC (a moeda forte, convertível ao dólar ou ao euro, em Cuba), que permite a possibilidade de comprar no abastecido mercado negro e de turismo. Enquanto que a maioria dos cubanos que devem se lidar com pesos cubanos estão obrigados a acudir ao esvaziado comércio do Estado ou prover de CUCs de alguma maneira. “Algumas estamativas dizem que “la libreta” (de racionamento) aporta em 50% dos alimentos, o mercado livre em moneda internacional 25% e o mercado livre em CUC os outros 25%. (Pablo Stefanoni, Una transición incierta, www.vientosur.info). Mas também existem sintomas de oposição social. Durante 2006, várias figuras da cultura cubana - como o prêmio Nacional de Literatura Desiderio Navarro- impulsionaram um movimento de repúdio contra a aparição nos programas de TV de Luis Pavón, diretor d Conselho Nacional de Cultura entre 1971 e 1975. Este último impôs o realismo socialista na arte e o “disciplinamento” dos inteletuais. O movimento “coincide na ausência de espaços para socializar os debates sobre a conjuntura que a ilha vive e falam do fracasso do ‘socialismo de quartel’. O próprio congresso do PCC é postergado desde 2002 e o debate de idéias está ausente nos meios” (P. Stefanoni, ídem).
Para os socialistas revolucionários, trotskistas, a atual situação cubana exige a construção de um partido marxista revolucionário que sustente um programa e uma política que defenda as conquistas da revolução contra qualquer agressão externa ou contra-revolucionária e que apoie o fim do bloqueio, mas que também defenda as conquistas da revolução de qualquer tentativa de avançar desde dentro contra elas em nome da “eficiência” e a privatização que permitiriam a expansão das forças restauradoras do capitalismo. Para isso tem que apontar contra o privilégio da burocracia e dos grupos privados, exigir a investigação e controle operário e popular dos investimentos estrangeiros, a liberdade dos partidos e sindicatos que defendam a revolução e se colocar a perspectiva de um governo dos conselhos de operários, camponeses e soldados.
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