As recentes eleições na província [estado] de Mendonça mostram o avanço da Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT). Sua candidata a governadora, Noelia Barbeito (PTS), fez uma eleição histórica, com mais de 110 mil votos. Nesse contexto, nas eleições nacionais de agosto pela primeira vez se realizará uma primária [1] na FIT, na qual competirão duas listas, uma do Partido Obrero [PO] e Izquierda Socialista [IS] e outra do Partido de los Trabajadores Socialistas [PTS]. De onde vem a fortaleza da FIT? O que se debate em sua eleição interna?
A FIT se constituiu como frente político-eleitoral em 2011 para enfrentar uma proscritiva reforma eleitoral ditada pelo governo kirchnerista. Segundo esta lei, todo partido que não alcançasse 1,5% dos votos [cláusula de barreira] em nível nacional (cerca de 400 mil votos) e em cada distrito [eleitoral] nas PASO (Primarias Abiertas Simultáneas y Obligatorias), seria excluído da eleição geral.
Contra esta manobra do regime, que pretendia eliminar das eleições qualquer alternativa de independência de classe, a FIT foi formada. Está integrada pelo PO e o PTS, que são os principais partidos da esquerda argentina, e a IS. As três organizações se referenciam no trotskismo. Seu programa fundacional, depois complementado por uma série de declarações programáticas, não apenas determina nitidamente uma perspectiva de independência e classe dos trabalhadores, mas critica e se delimita cabalmente das correntes populistas referenciadas nos chamados governos pós-neoliberais (Evo Morales, chavismo, obviamente o kirchnerismo etc.) de grande importância na América Latina. Trata-se de um programa transicional, anti-imperialista e anticapitalista que culmina na proposta de “um governo dos trabalhadores e do povo imposto pela mobilização dos explorados e oprimidos”.
A tentativa de proscrição da esquerda em 2001 foi derrotada pela FIT, chegando a obter, nas eleições gerais, meio milhão de votos para a lista presidencial e quase 600 mil para os cargos legislativos. Em 2013 teve um novo salto eleitoral, chegando a 1,3 milhão de votos nas eleições gerais e obtendo três cadeiras no Congresso nacional (pelos estados de Buenos Aires, por Mendonça e por Salta), as únicas bancadas da esquerda, e várias bancadas legislativas estaduais e municipais.
Na eleição antecipada para governador, no domingo, 22, no estado de Mendonça (quinto distrito eleitoral mais importante do país), a candidata do PTS na FIT e senadora estadual, Noelia Barbeito, alcançou o terceiro lugar com 10,32% dos votos, mais de 110 mil, numa eleição polarizada entre o candidato do governo e o da oposição patronal. Uma eleição histórica para a esquerda argentina num cargo executivo estadual, que se junta aos 17% obtidos na eleição da capital desse estado há alguns meses por Nicolás del Caño, deputado nacional [federal] por Mendonça e pré-candidato a presidente pelo PTS na primária da FIT.
Por que haverá duas listas da FIT para as eleições primárias?
Nesta situação, diante da negativa do PO em formar uma lista unitária, que foi defendida por reconhecidos intelectuais e professores sem militância nos partidos da FIT, e depois de rechaçar as várias propostas [2] neste sentido feitas pelo PTS, agora o PO (e a IS) e o PTS competirão nas próximas eleições primárias. Centenas de milhares de eleitores da FIT elegerão quais serão os principais candidatos para enfrentar os candidatos patronais, como Scioli, Macri e Massa, todos filhos políticos do neoliberalismo dos anos 90, encarnado na figura do ex-presidente Carlos Menem. Cabe ressaltar que, como seu nome indica, trata-se de eleições primárias nas quais os votos nas duas listas são somados como votos de toda a FIT perante os demais partidos e para superar o piso de 1,5% imposto pela legislação.
Então, de onde provém a fortaleza da FIT entre os setores das massas? O que tem a dizer esta experiência diante da crescente adaptação da esquerda em nível mundial aos fenômenos neoreformistas como Podemos ou Syriza, e/ou aos governos pós-neoliberais latino-americanos? O que se está debatendo nesta eleição da FIT? Quais as diferenças de estratégia na esquerda se expressam nas eleições? Nesses debates, o que expressa a recente eleição da FIT em Mendonça, um dos bastiões do PTS? Buscaremos responder sinteticamente estas perguntas.
Origens: a esquerda trotskista na Argentina pós-2001
As jornadas de 19 e 20 de dezembro de 2001 abalaram a Argentina e definiram um antes e um depois. Pela primeira vez caía, produto da mobilização popular, um governo eleito. Mas naquela ocasião a esquerda trotskista, que na Argentina conta com una forte tradição histórica, chegou extremamente debilitada, especialmente no movimento operário (fragmentado e dividido num quadro de 25% de desemprego), e não teve um papel significativo.
No entanto, ao final da década e enquanto a maioria das correntes do trotskismo em nível internacional retrocediam no contexto de projetos fracassados de “partidos amplos” ou de abandono do trotskismo por parte de correntes de grande tradição como a Liga Comunista Revolucionária da França, ou diretamente pela degeneração sectária, na Argentina a esquerda trotskista, principalmente o PO e o PTS se mantinham no programa e avançavam politicamente.
Por que ocorreu esse fenômeno? A explicação tem que ser procurada em que ambos partidos saíram da crise de 2001 ligados a processos da luta de classes do movimento operário. O PO, em torno ao movimento de desempregados. O PTS, ao movimento de fábricas sob gestão operária, cujo emblema foi a fábrica Zanon. Este movimento teve como um dos seus principais referenciais Raul Godoy (PTS), que recentemente foi reeleito como deputado estadual em Neuquén e encabeçará a lista do PTS para as primárias da FIT nesse estado.
Já nessa época no PO e o PTS adotaram estratégias diferentes de construção. O PTS empreendeu um trabalho muitas vezes opaco e pouco “vistoso” no movimento operário e nos sindicatos da indústria, aproveitando o processo de recomposição objetiva da classe operária. O PO, com a teoria de que o sujeito agora seriam os desempregados (“sujeito piqueteiro”), ficou preso a este movimento, enquanto se debilitava como produto da cooptação de suas direções e da recomposição econômica que fez com que os desempregados voltassem a te emprego, isto é, a maioria das vezes em condições de precarização de trabalho.
Com a crise mundial, que atingiu duramente a Argentina em 2009, o processo de desenvolvimento da vanguarda operária na indústria que vinha germinando passa a assumir o primeiro plano nos meios de comunicação ao enfrentar as demissões em massa. A referência destas lutas foi a fábrica Kraft, com cerca de 2.500 trabalhadores, cuja comissão interna [comissão de fábrica] contava com uma minoria do PTS representada por Javier “Poke” Hermosilla (atual candidato a vice-governador de Buenos Aires pela lista do PTS nas primárias da FIT). Produto deste conflito, com uma greve prolongada que só pode ser derrotada com a repressão e a “ocupação” da fábrica pela política, transmitida ao vivo pelos principais canais de televisão, “surge” publicamente, numa escala não vista, a vanguarda operária, e com ela o PTS. O PTS passa a dirigir comissão interna da Kraft, que se constitui em referência para um setor de trabalhadores e obriga os patrões a desistirem do plano de atacar fábrica a fábrica.
Este salto se expressou nas eleições de 2009. Depois de o PO rechaçar se incorporar a uma frente eleitoral comum, o PTS forma uma aliança com a Izquierda Socialista e o MAS, conhecida como Frente de Izquierda y los Trabajadores Anticapitalista y Socialista. Esta Frente supera, em votação no estado de Buenos Aires, o PO, corrente com mais de 50 anos de existência na Argentina.
Em vista desta maior paridade de forças e para superar a cláusula de barreira da nova lei eleitoral, o PO revê, em 2011, sua decisão de 2009 e nasce a Frente de Izquierda y los Trabajadores [FIT] que apresenta a lista Jorge Altamira (PO) presidente e Christian Castillo (PTS) vice-presidente, obtendo, como dissemos, mais de um milhão de votos e colocando na cena nacional uma alternativa política de independência de classe na Argentina.
A debilidade dos projetos reformistas de oposição
Diferente de países como a Grécia, com o Syriza, e o Estado Espanhol, com o Podemos, variantes deste tipo estão ausentes do cenário político argentino. Partidos como o MST [3], que almejam este tipo de projeto, em todos esses anos buscavam algum aliado de centro-esquerda para concretizar este “projeto” e vêm fracassando cabalmente. Nas recentes eleições da Capital Federal não conseguiram superar 1,5% dos votos. Outras coalizões de maior envergadura, como Proyecto Sur, do cineasta Pino Solanas, se diluíram sem pena e glória.
Estes fracassos se devem, por um lado, ao discurso reformista do governo kirchnerista, mas também, pela esquerda, ã existência e consolidação da FIT como alternativa de peso. Grande parte da esquerda, inclusive a proveniente do trotskisko, seguiu outro caminho no Estado Espanhol e na Grécia. Dedicaram suas energias para desenvolver variantes reformistas como o Syriza (que atualmente está se curvando ã Troika), ou Podemos, cuja direção liderada por Pablo Iglesias lhes “agradece” pelos serviços prestados obrigando-as a dissolver sua organização, como é o caso de Izquierda Anticapitalista.
Este bloqueio relativo do reformismo opositor – que, diga-se, nunca pode ser definitivo –, para o qual a FIT tem contribuído nos últimos anos como frente de independência de classe, se reforça nas eleições estaduais antecipadas que ocorreram nos últimos meses, nas quais a FIT consolidou seu espaço eleitoral. Estamos diante da terceira etapa de eleições (2011, 2013, 2015), onde a FIT se mantém como força de peso.
Esta constância mostra que não se trata simplesmente de haver “ocupado” um espaço eleitoral vazio, mas expressa um enraizamento da Frente em setores sociais fundamentais, dando lugar a uma verdadeira sinergia entre “o social” e “o político” que nutre a FIT. Isso, claro, não retira a hipótese de que aumentem ou diminuam os votos, questão que depende em grande medida da conjuntura, e que para o futuro estará determinado também por como ficará configurado o mapa político depois das eleições presidenciais.
A luta de classes e a articulação entre “o social” e “o político”
O kirchnerismo liderou, depois de 2001, a recomposição do Estado burguês sob o impulso da recuperação da economia (assentada numa megadesvalorização dos salários e do boom das matérias-primas) e mediante um discurso reformista pelo qual conseguiu cooptar, por exemplo, um setor importante dos organismos de direitos humanos com longa trajetória na Argentina. Outro setor continuou a luta e se manteve independente do governo, do qual Myriam Bregman, a candidata a vice-presidente pelo PTS nas primárias, é uma das principais personalidades.
Até a eclosão da crise mundial em 2008 o kirchnerismo representou uma espécie de bloqueio relativo ao surgimento de uma alternativa política pela esquerda. Tanto é assim que os intelectuais kirchneristas se gabavam de que “À esquerda do kirchnerismo só existia uma parede”.
Porém, a chave está no adjetivo “relativo”. Por que era relativo? Em primeiro lugar, porque no movimento operário os “representantes” do “projeto nacional e popular” eram (e são) os mesmos burocratas sindicais que estão em suas cadeiras há décadas, com seus bate-paus, odiados pelos trabalhadores, sócios das patronais, em muitos casos com vínculos diretos com a ditadura militar de 1976, em contradição aberta com o discurso de defesa dos direitos humanos do governo.
Esse ódio ã burocracia foi o que alimentou o processo de organização e luta no movimento operário que se costumou chamar “sindicalismo de base”, ligado ás comissões internas (constitutivas da “anomalia Argentina”, como Adolfo Gilly definiu). Um dos símbolos deste movimento foi o estratégico sindicato dos metroviários, atualmente dirigido por um setor kirchnerista, mas com uma forte oposição cuja principal liderança é Claudio Dellecarbonara (PTS), recentemente eleito como membro do secretariado do sindicato, e que é candidato ao Parlasul (parlamento regional do Mercosul) pela lista do PTS para as primárias.
Foi integrando este processo e assumindo-o firmemente que se deu o avanço do PTS no movimento operário. Os trabalhadores votavam delegados [sindicais, nas comissões de fábrica e sindicatos] do PTS e da esquerda, mas em muitos casos continuavam se referenciando politicamente, mesmo que sem “paixão”, no kirchnerismo. Nessa situação, a luta pela organização no lugar de trabalho, para os revolucionários, se dava numa constante luta política na defensiva.
No entanto, o kirchnerismo foi incapaz de criar uma corrente própria no movimento operário (em especial na indústria) diferente das burocracias tradicionais. Esta contradição entre o “progressismo” do governo e a realidade de uma burocracia sindical com métodos fascistóides chegou a seu ponto máximo com o assassinato, pelos bate-paus da União Ferroviária (aliada do kirchnerismo), do jovem militante do Partido Obrero, Mariano Ferreyra, em 2010. Uma crise política nacional que fez o governo vacilar, somente se recuperando politicamente com a morte, semanas depois, de Néstor Kirchner.
Em 2012, por sua vez, deu-se a ruptura definitiva do governo Cristina Kirchner com o único setor mais ou menos prestigiado da burocracia, liderado por Hugo Moyano, dirigente do poderoso sindicato de Caminhoneiros. Debilitando ainda mais o controle do governo sobre o movimento obrero.
A formação da FIT, que foi precedida por lutas emblemáticas, como a de Kraft (contra as demissões) ou a ferroviária (contra a precarização no trabalho), trouxe ã cena nacional uma alternativa política de independência de classe. Seu surgimento no cenário político, combinado com os avanços da esquerda (o PTS conta com um importante trabalho na zona norte da Grande Buenos Aires, na maior concentração operária do país), permitiu o aparecimento no movimento operário de setores já não somente antiburocráticos e combativos, mas também “de esquerda”, referenciados politicamente na FIT. Contrapondo-se, assim, ã ampla tradição imposta pela burocracia peronista contra “os surdos” [a esquerda] ou seu equivalente atual, “os trotskistas”.
Esta sinergia entre “o social” e “o político”, que a partir da conquista de deputados incluiu a luta parlamentar, colocando-a a serviço do desenvolvimento da luta de classes, é a chave até hoje da consolidação da FIT. Isso não ocorre apenas no movimento operário, mas também no movimento estudantil, com setores que passam a se referir na esquerda e depois se convertem em aliados fundamentais das lutas dos trabalhadores.
Também no movimento de mulheres, de grande trajetória na Argentina, que o kirchnerismo sempre quis cooptar, mas não pode (o que recentemente se expressou na massiva e histórica mobilização do 3 de junho contra a violência ás mulheres), e dentro do qual se desenvolveu uma importante “fração de esquerda”, cuja referência mais importante é o grupo Pan y Rosas formado por companheiras do PTS e independientes, fundado por Andrea D’Atri, atualmente uma das principais candidatas nas listas do PTS nas primárias da FIT.
A luta pela absolução dos petroleiros de Las Heras, que a partir do PTS e das organizações integrantes da Fração Trotskista – Quarta Internacional assumiu como sua bandeira e um dos principais impulsionadores de uma ampla campanha nacional e internacional, terá também expressão nas listas do PTS nas primárias do FIT com a candidatura independente de Ramón Cortés, um dos trabalhadores condenados neste momento ã prisão perpétua sem prova alguma e num processo com gravíssimas violações aos direitos humanos.
Diferenças de estratégia na FIT
Junto com a negativa a formar uma lista unitária para as eleições primárias, o PO vem aplicando uma reformulação da tática de “frente única”, elaborada originalmente pela III Internacional. Segundo propõe Jorge Altamira, a FIT seria uma “frente única” que de tática pareceria se converter em estratégia. Em suas palavras: “A defesa da frente única é a grande delimitação estratégica e de princípios no interior da FIT”.
Em outro artigo polemizamos com esta posição e afirmamos que se trata de uma absoluta confusão entre o que é uma frente única e uma frente político-eleitoral, que, como assinalamos, conduz a “despir de todo fundamento tanto a frente única, cuja chave é a ação comum por objetivos precisos na luta de classes, como o bloco político-eleitoral que se distingue justamente por seu programa. A consequência é transformar ambas em políticas oportunistas.”
Transformar a frente única num problema de uma lista comum para as eleições retira a luta de classes do seu eixo. Confundir um bloco político-eleitoral com uma “frente única” está em função de desvalorizar a discussão séria de programa como condição para qualquer incorporação ou candidatura importante na FIT.
Esta discussão se expressou praticamente em torno das organizações que, em muitos casos, muito recentemente se definiram pelo apoio eleitoral ã FIT, porém sem defender um programa claro de independência de classe e sim ter como referência crítica o Syrisa, o Podemos ou o evomoralismo ou chavismo.
Esta política de querer incorporar, sem uma discusão séria de programa, organizações que não coincidem com o programa da FIT, sem que, em muitos casos, haja tampouco qualquer prática comum e, inclusive, tendo havido enfrentamentos com a FIT em eleições estaduais, significa minar a fórmula que sustentou o êxito político da FIT: um programa claro de independência de classe e uma consequente e decidida intervenção na luta de classes e nos movimentos, como o movimento de mulheres.
Discussões deste tipo já tivemos, por exemplo, em 2012, quando o PO defendeu votar criticamente no Syriza, que supostamente teria que ter chamado a formação de um “governo de esquerda” que fosse uma ponte para um “governo operário”. Trata-se de uma visão evolutiva da formação de um governo dos trabalhadores. Estas discussões de estratégia também se expressam em outros debates parciais, como o que temos em torno das forças repressivas, para as quais atualmente o PO começou a propor “o controle das delegacias por representantes eleitos”, questão contraposta ao programa da FIT. Um “controle” que é utópico em geral e em particular com a polícia que é a principal administradora do crime organizado, questão na qual a Argentina não é uma exceção, ao contrário.
Parlamentarismo revolucionário e luta de classes
Estas discussões estão longe de se esgotar num debate “teórico”, pois tem consequências práticas. Entretanto, na situação não revolucionária que predomina na Argentina, se alguém vir as inumeráveis votações nas quais os parlamentares da FIT participaram, em nenhuma questão transcedente votaram divididos, o que mostra sua coerência interna.
Na intervenção na luta declasses é onde se apresentam as maiores diferenças práticas. Basta ver as diferenças nas intervenções do PO e do PTS noconflito mais duro e longo da década kirchnerista. Tratamos do conflito contra a multinacional Lear que explodiu em meados de 2014, na qual o PTS tem uma fração (num sindicato “totalitário” como o Smata) que resiste até hoje diante da patronal e da burocracia sindical aliada do governo kirchnerista. Um conflito que incluiu 240 demitidos, 21 bloqueios da principal via expressa de Buenos Aires, 16 Jornadas Nacionais de Luta com piquetes em todo o país, cinco repressões, 22 presos, 80 feridos, 16 medidas judiciais a favor dos trabalhadores, duas semanas de locaute patronal. Que também implicou na “queda em desgraça” do principal funcionário de segurança nacional do governo e na proibição judicial da intervenção da principal força repressiva – a gendermaria nacional – nos conflitos sociais. O principal dirigente do conflito, Rubén Matu (PTS), encabeça hoje a lista de deputados estaduais pela zona norte e noroeste da Grande Buenos Aires pelo PTS para as primárias.
Ainda podemos dizer da intervenção dos operários do PTS na ocupação da gráfica multinacional Donnelley diante das demissões e da retirada da patronal, que hoje está sob gestão dos próprios trabalhadores.
Nesses dois conflitos no coração do movimento operário da zona norte da Grande Buenos Aires, de ampla repercussão pública nacional e impacto na consciência de centenas de milhares de operários, tanto Nicolás del Caño, na qualidade de deputado federal, como Christian Castillo, deputado estadual de Buenos Aires, estiveram ombro a ombro com os trabalhadores, sendo reprimidos junto com eles, sofrendo o ataque público sistemático do secretário de segurança Sergio Berni, incluída um bando de bate-paus da burocracia do sindicato dos metalúrgicos que foi ao Congresso nacional para assediar Del Cãno em plena sessão do legislativo.
Depois de ter alcançado 15% dos votos em seu estado, em 2013, Nicolás del Caño se transformou numa referência nacional da esquerda, não apenas por sua destacada intervenção no parlamento , mas também por estar ombro a ombro na luta de classes nos conflitos mais duros protagonizados pelos trabalhadores no último tempo na Argentina.
O que se discute nas primárias da FIT?
Nas primárias da FIT, em parte se discute tudo o que tratamos aqui, mas também se discutem duas políticas para a Frente. Uma destas políticas já foi expressa pelo PO, e também pela IS, concentrando sua campanha em atacar os principais candidatos das listas do PTS. Também se expressou na negativa de formar a FIT com o PTS no estado de Salta, o que significará um enfrentamento eleitoral PO-PTS em que os votos não serão somados para superar a cláusula barreira de 1,5% nas primárias, dividindo, assim, os votos da Frente perante os candidatos patronais. Esta estratégia expressa uma resistência firme em superar a velha “vida de pequenos círculos” na esquerda, onde a chave está posta nas manobras de aparato por fora do movimento de massas.
A orientação que o PTS propõe para a FIT, acreditamos que está bem sintetizada no lema da nossa lista: “renovar e fortalecer a FIT com a força dos trabalhadores, as mulheres e a juventude”. Expressão desta política foi a ampla votação de Noelia Barbeito como candidata a governadora em Mendonça, que foi uma das principais impulsionadoras, com Pan y Rosas e o PTS, das mobilizações contra a violência ás mulheres em Mendonça na jornada histórica do 3 de junho passado, e como senadora lutou ombro a ombro com os trabalhadores municipais de Lavalle. Esteve na primeira fila dos principais conflitos no estado, ao mesmo tempo em que, na Câmara de senadores, a casta de políticos patronais que resiste a aumentar os salários dos professores e se negam a equiparar seus salários aos de uma professora. Ela foi atacada por todos os políticos e toda a imprensa burguesa por negar-se a votar em uma seção secreta da Câmara para eleger juízes de acordo com os interesses patronais, defendendo que todo juiz deveria ser eleito pelo sufrágio universal. Foi quem afirmou em cada debate público, perante os projetos de “ajuste” contra os trabalhadores defendidos por todos os candidatos patronais, a necessidade de expropriar os principais capitalistas do estado.
Tudo isso é o que permitiu a sua identificação por mais de 110 mil trabalhadores, jovens, milhares de mulheres as quais a campanha do PTS na FIT se dirigiu de forma privilegiada, com a candidatura de Barbeito. Com a força destes setores em nível nacional é que se pode tornar poderoso o programa da FIT em todo o país, gerando aquela sinergia entre “o social” e “o político” que escrevemos antes, cujas possibilidades a FIT ainda tem que aproveitar até o fim.
A definição entre estas duas políticas não se esgota numa disputa eleitoral, nem coisa parecida, pois serão, como sempre, os grandes eventos da luta de classes que definirá qual delas está correta e qual não.
Nestas eleições defenderemos esta política, de renovar e fortalecer a FIT com a força dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. Não apenas porque nossos candidatos sejam jovens lutadores com os quais se identificam milhares de jovens trabalhadores precarizados, estudantes, como se viu com Nicolás del Caño em Mendonça. Tampoco somente porque nossas listas, como na Capital Federal e em outros distritos, estejam constituídas por 70% de muulheres, sendo a primeeira vez na história que isso ocorre, nem somente pelas centenas de trabalhadores dos principais processos de luta e organização da classe trabalhadora argentina que compõem nossas listas. Mas, sobretudo, porque as listas do PTS na primária da FIT estão em função desta perspectiva, porque aquela é a força, a única força que pode tornar poderosa a Frente de Izquierda, e que pode dar vida a um partido revolucionário que seja capaz de derrotar a burguesía, seu Estado e destruir o capitalismo a partir dos seus alicerces para terminar com a exploração e a opressão. Com este objetivo lutamos cotidianamente e o mesmo que vamos defender nestas primárias da esquerda.
Notas:
[1] No sistema eleitoral argentino, obrigatoriamente, se realizam as eleições primárias (PASO) para definir as listas de candidatos dos partidos para as eleições gerais (presidente, governador, senador, senador estadual, representante no Parlamento Sul-americano, deputado federal, estadual, vereadores). Um partido pode ter, em seu interior, várias listas de candidaturas e frentes eleitorais. Nas PASO todos os eleitores votam nos partidos e frentes inscritos, definindo qual a lista única de cada partido ou frente se apresentará nas eleições gerais, em outubro. Os votos das diferentes listas de cada partido são somados para aferir se cumpriu a cláusula de barreira (mínimo de 1,5% de votos em cada nível – nacional, estadual e municipal). Nas PASO de agosto próximo, pela primeira vez, por diferenças internas, a FIT participará com duas listas. Uma encabeçada pelo PO e IS (Altamira, presidente; Giordano, vice; e demais candidaturas), com apoio e participação de outras correntes políticas populistas e antitrotskistas que não integram a FIT; outra, do PTS, com Nicolás del Caño, presidente, Myriam Bregman, vice, e demais candidaturas. [Todas as notas são de autoria do tradutor Val Lisboa.]
[2] http://www.laizquierdadiario.com/Convencion-del-PTS-plantea-nueva-propuesta-unitaria-para-integrar-formula-entre-Altamira-y-Del-Cano. http://www.laizquierdadiario.com/Frente-de-Izquierda-propuesta-unitaria-de-conjunto-del-PTS-al-Partido-Obrero-e-Izquierda-Socialista. http://www.laizquierdadiario.com/Novedades-en-el-FIT-el-PTS-amplio-su-propuesta-unitaria.
[3] Movimiento Socialista de los Trabajadores – Nueva Izquierda (MST) é uma organização oriunda do velho Movimiento al Socialismo (MAS), partido morenista que se dilacerou em diversas frações no final dos anos 80. Esta corrente tem como referência teórica o “morenismo”, de Nahuel Moreno, porém sua trajetória centro-esquerdista (“nova esquerda”) de alianças e ações de conciliação de classes tem expressado um giro ã direita no que chamamos de “centrismo trotskista”. O Movimento de Esquerda Socialista (MES), de Luciana Genro, que organiza a juventude Juntos!, tem suas relações políticas, teóricas e programáticas referenciadas no MTS argentino.
Tradução: Val Lisboa
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