As manifestações de junho de 2013 trouxeram a tona uma enorme crise de representatividade que já estava latente na sociedade brasileira desde o escândalo do mensalào em 2005. Os representados já não se identificam com os representantes. Até as manifestações, e até o início do segundo mandato de Dilma, essa crise de representatividade era compensada pela grande popularidade do governo federal, que capitalizava politicamente o período de crescimento econômico.
Agora, com Dilma aplicando o ajuste que poucos meses atrás dizia que não aplicaria, com os escândalos de corrupção cada vez maiores, a popularidade do governo está em seus níveis mais baixos e a crise de representatividade nos seus patamares mais elevados.
O PSDB e a oposição tentam se aproveitar da situação para avançar em posições mais sólidas e se colocar como alternativa ao petismo. Porém esbarram em enormes obstáculos. De um lado, não podem ir até o final com a bandeira da destituição de Dilma. Não podem por que mesmo os grandes empresários que apoiam esse setor não querem medidas que agravem a crise política e prejudiquem a aplicação dos ajustes. Não conseguem também se colocar como alternativa, por que mesmo nas marchas contra Dilma, é muito forte a desconfiança em relação a todos os políticos.
De ambos os lados, governo petista ou a direita, ninguém questiona esse sistema político podre. Para mudar a situação a favor dos trabalhadores e do povo, não basta trocar de presidente ou realizar pequenas mudanças. É preciso saídas de fundo.
A reforma política
É neste marco de desprestigio das instituições e crise de representatividade, que o Congresso Nacional está discutindo pontos da reforma política. Está demonstrando, porém, que é incapaz de qualquer medida que signifique abrir mão de alguns dos privilégios dos deputados ou que permita alguma democratização efetiva do regime político.
É incapaz, sequer, de uma reforma política cosmética, mas que fosse capaz de conferir mais legitimidade ao sistema político. A discussão em andamento aponta para o fortalecimento do papel das doações privadas para campanhas e em regras proscritivas contra os partidos de esquerda.
A reforma política que o PT defende também não mudaria nada de fundamental. Seu objetivo seria mudar algumas regras do jogo, para que o sistema político pudesse sair da crise de representatividade em que se encontra.
O fora Cunha e o PMDB
Aproveitando a crise do governo e de sua base de sustentação no Congresso, uma figura obscura como Eduardo Cunha conseguiu um protagonismo enorme. Por um momento tentou se colocar como representante das camadas mais conservadoras da sociedade. Até que ele também foi alvejado pela operação Lavo Jato e ao tentar responder na ofensiva, atirando no governo e na justiça, começou a se enfraquecer.
Depois de romper oficialmente com o governo Dilma, a militância petista iniciou uma campanha pelo Fora Cunha, no que foi acompanhada por setores do próprio PSOL. O problema é que simplesmente retirar Cunha da presidência do Congresso, não muda em nada o que significa este Congresso de parasitas.
Ao contrário, na sua demagogia, Cunha foi também desagradando setores da própria elite. Para conseguir legitimidade popular, Cunha defendeu as demandas de reajuste do judiciário e na sua disputa com o governo federal começou a colocar em risco as medidas de ajuste do próprio governo. A partir disso começou um movimento para acalmar os ânimos e retirar o protagonismo de Cunha. Primeiro o vice Michel Temer veio a público pedido unidade nacional, depois a Fiesp e a Firjan (as federações de industriais de São Paulo e Rio de Janeiro) também se posicionaram defendendo a estabilidade política, no que foram seguidas pelo Bradesco.
Na sequencia, quando Renan se reúne com Sarney e Lula, o PMDB se coloca como o grande fiador da estabilidade política nacional e garantidor da governabilidade necessária para a aplicação dos ajustes. Neste momento, Cunha é mais uma pedra no sapato dos aplicadores do ajuste, não por que esteja contra o ajuste, mas por que seu jogo de “pautas bombas” contra o governo pode atrapalhar e sua figura tende a entrar em decadência tão rápido como emergiu. Por isso, a campanha Fora Cunha, ainda só ajuda a estabilização tão cara aos ajustadores. Ainda que todos nós queiramos que políticos como Cunha estejam bem longe de fazer leis para a população, não será com uma campanha “fora cunha” que atacaremos a fundo a questão, pois Cunha sair agora pelas mãos do regime só significará uma depuração para uma estabilização maior.
Uma política de fundo, para construir uma alternativa dos trabalhadores
Contra o governo Dilma e a oposição de direita, todos implicados com escândalos de corrupção e aplicadores dos ajustes, o PSOL e os partidos de esquerda como o PSTU, os sindicatos combativos, da CSP-Conlutas e Intersindicais e os movimentos sociais opositores ao governo Dilma, precisam se unificar para oferecer uma terceira alternativa aos trabalhadores.
O primeiro passo seria unificar todas essas forças nos processos de luta contra os ajustes. Cercando de solidariedade, neste momento, a importante greve da GM contra as demissões. Um passo adiante seria também a convocação de um terceiro ato, em oposição ao ato da direita no dia 16 e ao ato em defesa do governo no dia 20.
Mas é necessário também oferecer uma saída de fundo para a crise política e a crise de representatividade, que questione até o fim o atual sistema político surgido do pacto com os militares na década de 1980.
Por isso colocamos em discussão a luta por uma Assembleia Constituinte livre e Soberana, que coloque em pauta todos os problemas do país. A última Constituinte realizada foi em 1988, sob a tutela dos militares e do governo Sarney. A constituinte que necessitamos agora, tem que ser diferente. Ela precisaria ser imposta pela força da mobilização popular, pois a nenhum dos partidos no Congresso interessa convocá-la. Ela também não teria nada em comum com a proposta de Constituinte que o PT chegou a defender, que seria para discutir somente pontos cosméticos da reforma política.
Necessitamos de uma Constituinte eleita de forma democrática, na qual os trabalhadores e suas organizações possam se lançar como candidatos. Uma constituinte, com milhares de representantes e não composta pela casta de políticos profissionais. Essa seria uma forma para que todos os problemas do país fossem discutidos com o conjunto dos trabalhadores e da juventude e que as decisões políticas fundamentais que afetam nossas vidas não sejam exclusividade dos gabinetes parlamentares.
Uma constituinte livre, que discuta todos os problemas do país, sem nenhuma restrição de “exclusividade” e sem nenhuma tutela externa. Uma constituinte soberana, que no tempo em que durar exerça os poderes do Congresso e do Executivo, sem nenhuma ingerência do exercito nem das classes dominantes.
Uma Constituinte assim poderia colocar em questão todos os privilégios da casta política, o foro privilegiado de políticos e juízes. Colocaria em questão a nacionalização, sob controle dos trabalhadores e do povo, de empresas como a Petrobras, ameaçadas de um lado pela corrupção e de outro pela privatização. Poderia discutir um plano de reforma urbana para acabar o deficit de moradias do país e o não pagamento da dívida publica. Em resumo, poderia colocar em discussão todas as demandas sociais que surgiram em junho e acabar com o ajuste que está em curso.
Vemos que a luta por uma constituinte nestes moldes, que de ampla abertura para a participação democrática dos trabalhadores e do povo, seria um importante passo para um verdadeiro governo dos trabalhadores.
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