No dia 21 de setembro, Alex Tsipras voltou a assumir o cargo de primeiro-ministro, a frente de uma coalizão entre o seu partido Syriza e os nacionalistas de direita de Anel. Em apenas dois meses, passou do triunfo massivo do voto NÃO, no referendo de julho, a uma “segunda oportunidade” a um governo que ascendeu pela esquerda e terminou aceitando o ajuste mais duro imposto pelos credores. Syriza representou o “mal menor” frente aos partidos tradicionais, Nova Democracia e Pasok, que são considerados os autores da tragédia que vive o povo grego.
A manobra de Tsipras de renunciar e chamar as eleições antecipadas foi arriscada, mas, ao menos em um curto prazo, rendeu seus frutos. Depois de assinar o terceiro memorando, o primeiro ministro havia perdido sua maioria parlamentar e estava a mercê da oposição para governar, o que colocava em questão a estabilidade política necessária para levar a frente os ajustes. Esse problema parece estar superado. Com o triunfo nas eleições do domingo passado e a colaboração de seus velhos sócios de Anel, Tsipras conquistou uma ampla maioria parlamentar de 155 sobre 300 deputados. É menor do que tinha em Janeiro, porém suficiente para governar. No marco da crise política que acompanhava como a sombra ao corpo, o desenrolar da crise econômica e que se levou ao bipartidarismo PASOK-Nova Democracia, isso parece ser um suspiro. Embora os quatro anos de governo estável que promete Tsipras soem mais como ficção científica.
Na frente interna, as eleições deram uma faixa bônus: não só se puxou para fora a ala de esquerda de seu partido, como também conseguiu expulsá-la do parlamento. Os 25 deputados dissidentes do Syriza, que se juntaram com outras forças de esquerda e formaram a Unidade Popular, não superaram o limiar dos 3% e caíram sem nenhuma bancada.
Apesar da fragmentação, quase os 90% dos 300 deputados que formam o parlamento pertencem agora a partidos que votaram a aplicação dos planos de ajustes exigidos pelos credores da Grécia ( a União Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu). Os que estão fora desse consenso “europeísta” pelo memorando são pela esquerda o Partido Comunista Grego e pela direita os nazistas de Aurora Dourada.
A esquerda radical centralizada em Antarsya-EEK (a qual o PTS chamou a apoiar, apesar de ter diferenças políticas) obteve uma votação modesta.
Os líderes da União Europeia saudaram com alívio o triunfo de Tsipras, embora tivessem preferido PASOK e ToPotami como sócios do Syriza no lugar de Anel, ou incluído um governo de “unidade nacional” que continha a Nova Democracia. Protestaram para que ficasse clara a sua posição. Talvez, nos próximos meses, ainda tenham chances de ver cumpridos seus desejos. Não houve tempo para as comemorações. Imediatamente, exigiram de Tsipras que se colocasse para trabalhar para cumprir os compromissos assumidos com o terceiro resgate, que não são poucos.
Antes do fim do ano, o novo governo do Syriza deverá alcançar a aprovação parlamentar de 80% das medidas exigidas no terceiro memorando. Isso supõe estabelecer acordos com os credores sobre a reforma do setor bancário para acessar os 25 bilhões de euros atribuídos para a recapitalização dos bancos viáveis. Para outubro, espera-se que consiga colocar em marcha algumas (contra)reformas para aumentar o IVA, cobrar imposto sobre produtores agrários, baixar as pensões, cortar gastos públicos, flexibilizar os contratos e limitar as negociações coletivas, reduzir a planilha de empregados públicos e avançar com um programa agressivo de privatizações supervisionado diretamente por uma instância da União Europeia que destinará os fundos ao repagamento da dívida.
Tsipras parece haver se reservado objetivos modestos como renegociar alguns aspectos do memorando - no mínimo, conseguir esticar vencimentos da dívida e, no máximo, conseguir sua quitação. Provavelmente, tentará apoiar-se na posição do FMI, que já em julho havia se pronunciado pela redução da dívida a níveis sustentáveis. No entanto, como já reconheceu seu ex-ministro de Finanças, Y. Varoufakis, dificilmente conseguirá arrancar alguma concessão da troika.
Têm razão os que dizem que Tsipras conseguiu uma vitória a alto custo, que se transformará em seu contrário nem bem comece a aplicar o ajuste? Ou predominará a desmoralização e a resignação no próximo período?
Isso deve ser acompanhado. Dependerá, sobretudo, da luta de classes. E de surgir uma alternativa política, uma esquerda operária e revolucionária que defenda uma saída para os explorados, tanto frente ao ajuste do governo como a catástrofe do "Grexit".
As conclusões que tirarem os trabalhadores, os jovens e os explorados do desastre do "reformismo de esquerda" no poder provavelmente terão consequências a largo prazo não apenas na Europa, como a nível internacional. E se faz mais concreto do que nunca o debate estratégico na esquerda.
Com sua capitulação ao ajuste, Tsipras se transformou em uma espécie de Miterrand do século XXI. A diferença é que o líder do Partido Socialista Francês demorou anos, desde que assumiu em 1981, para dar o giro neoliberal e transformar a socialdemocracia em "social liberalismo", enquanto Tsipras percorreu esse caminho em um tempo recorde. Levou apenas alguns meses.
Pablo Iglesias no Estado espanhol segue o mesmo curso. Não é a toa que Podemos mantém seu apoio a Tsipras e se prepara como uma "esquerda de governo", disposta a pactuar com os partidos tradicionais como o PSOE.
A esquerda do Syriza, logo chamada Unidade Popular, não foi uma alternativa. Segundo Panagiotis Sotiris, um de seus referentes, isso se deve a diferentes fatores. Assinala que não souberam interpretar o verdadeiro sentido do voto No no referendo de Julho, como um voto de resistência mas resignado diante do ajuste. Que transferiram mecanicamente seu peso do parlamento ao eleitorado. Que não apelaram aos que por bronca e desencanto não foram votar.
Que foram vistos como mais uma variante do Syriza e não como algo novo. Que não se autocriticaram por terem participado como Plataforma de esquerda em todo o primeiro governo do Syriza. Que foram burocráticos e sectários. Seguramente, há algo de verdade nessa combinação. No entanto, essa autocrítica não vai ao coração do fracasso da Unidade Popular: que demonstrou ser impotente frente a crise, que não tinha nenhum peso em setores significativos do movimento de massas para enfrentar a capitulação de Tsipras, que sua estratégia era construir uma esquerda parlamentar e que seu programa de “capitalismo nacional”, centrado na saída da zona do euro e o retorno ao dracma, não oferecia nenhuma saída progressiva para os trabalhadores e o conjunto dos explorados.
A experiência grega confirma pela negativa que sem uma esquerda revolucionária, construída na luta de classes e não no parlamentarismo burguês, que seja capaz de colocar em movimento uma força material de trabalhadores, jovens e setores oprimidos, é impossível derrotar a ofensiva do capital e lutar para conquistar um verdadeiro governo operário.
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