Descartado qualquer tipo de apoio ao PP, Podemos estabeleceu suas “linhas vermelhas” para a negociação com o PSOE, entre elas o referendo da independência da Catalunha. Fez isso sabendo que este último é um Rubicón que os socialistas não vão cruzar [“cruzar o Rubicón” significa enfrentar um risco, N.T.]. Agora o Podemos, propõe um novo. De pactos e castas: o candidato independente e a tática do Podemos
A tática é inteligente. Ao fazer propostas que são inacessíveis para o PSOE, Pablo Iglesias localiza o PSOE no terreno da velha "estagnação". Ainda que não deixe de ser uma operação política que utiliza um direito historicamente negado ao povo catalão, como arma na “guerra dos tronos". Porque a realidade é que não está disposto a levar até o fim a defesa do direito de decidir, já que para Iglesias esta passa por uma reforma constitucional impossível dentro das próprias instituições que negam esse direito e não pela luta de classes.
Mas seguindo a mesma lógica, nessa terça, Iglesias fez uma nova proposta. Reconhecendo que as suas conclusões do 20D "não são suficientes" para executá-lo, sustentou que "sim, são mandatos para propor a todas as forças políticas contrárias que o PP continue governando um novo acordo do país " uma reforma constitucional liderada por "uma figura independente de prestígio".
"Se não deixam Pedro Sanchez tentar ser presidente, porque ele ainda não é capaz de ser o líder do seu partido, talvez seja a hora para uma figura independente de prestígio assuma os passos necessários para que a Espanha deixe de ser governada pelo Partido Popular”, escreveu Iglesias em um fórum no The Huffington Post. Se a questão catalã já era intragável para o PSOE, esta proposta não é menor.
Isso não quer dizer que Iglesias não está disposto a “pactuar com a casta" do PSOE. Pelo contrário, o líder do Podemos propõe nesse ponto uma política semelhante que vinha levantando a CUP - ao menos até agora - nas negociações com Artur Mas: pactuamos com todo o aparato do CDC, mas sem Artur Mas, dizem os catalãos; aqui seria: pactuamos com o aparato do PSOE, mas sem Pedro Sanchez.
Obviamente, Iglesias já está convencido de que é um "homem de Estado". Não é por nada, no artigo que faz a sua nova proposta, cita Enrico Berlinguer, o líder do partido comunista italiano que comandou seu giro eurocomunista e foi um grande "homem de Estado", autor do “compromisso histórico" entre comunistas e democratas-cristãos para salvar a democracia capitalista italiana.
Também a Izquierda Unida estaria a favor de avançar nessa linha. Na terça-feira, Alberto Garzón chamou Iglesias e lhe disse que vai apoiar a opção do governo com a qual se comprometa a revogar as duas últimas reformas trabalhistas e cancelar a alteração do artigo 135 da Constituição. Ainda que, no jogo da alta política, Garzón fique no banco. Seus dois deputados em Madrid (ele um deles) são uma força fraca. E os outros deputados que IU conquistou como parte das candidaturas de coalizão (uma em Galícia e dois na Catalunha), sequer o respondem.
Ainda que o Podemos busque utilizar as negociações para seguir fortalecendo-se nas costas do PSOE, ele segue aprofundando sua estratégia de reforma para regenerar a democracia capitalista espanhola. Ao longo da campanha, Iglesias se preparou para ser uma parte importante de um "novo consenso" como o de 78. Um projeto político que, certamente, também está preparado para fraudar as aspirações de grande parte dos milhões de pessoas que hoje deram o seu voto.
Como dissemos em uma análise na última segunda-feira, a nova situação que se abre após o 20D, apesar das enormes ilusões reformistas, apresenta oportunidades significativas para a esquerda revolucionária de dirigir-se a milhões que questionam os aspectos mais grosseiros desta democracia para os ricos e buscam uma solução para a crise social sem ajustes e cortes, ou os milhões de catalães que não querem desistir do direito de decidir em troca de uma reforma cosmética da Constituição de 78.
Preparar-se para os novos fenômenos da luta de classes que deslizam nas trincas do regime político e da crise do bipartidarismo, fortalecendo uma perspectiva anticapitalista e de classe que questione os limites do novo reformismo, é a principal tarefa que a esquerda, que defende uma saída operária e popular frente à crise capitalista, tem adiante.
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