O presidente venezuelano Hugo Chávez, que não se cansava de fazer referências a Marx, Trotsky, Rosa Luxemburgo, agora aparece com todo um discurso desligando-se de qualquer coisa que se alude ao marxismo. Após esclarecer pela enésima vez que na Venezuela será respeitada a propriedade privada, passou a enfatizar que o marxismo “é uma tese dogmática que já saiu de moda e não está de acordo com a realidade de hoje” (Programa Alô Presidente N°287, 22/7/07). Como se isso não bastasse, avançou em rematar que “teses como a da classe operária enquanto motor do socialismo e da revolução estão obsoletas”.
Mas a quem Chávez dirige seu novo discurso? Evidentemente, não os trabalhadores, visando tranqüilizar, por sua vez, os grandes setores empresariais e o imperialismo.
Hugo Chávez vem favorecendo os grandes setores empresariais ã medida que os novos ricos bolivarianos se fortalecem. Enquanto isso, os trabalhadores e o povo são obrigados a continuar se conformando com políticas assistencialistas como as Missões, que há tempo alcançaram um teto. Não é por acaso que em suas comitivas internacionais, Chávez é acompanhado de figuras do porte de Alberto Vollmer, herdeiro de uma das famílias mais ranças da velha burguesia venezuelana, por exemplo. No caso do “homem da maleta”, do que com todas as suas forças, o governo procura se desligar como se fosse um assunto trivial, mostra todos os intrincados negócios nos entramados do Estado e da indústria petroleira.
Fica claro que “o socialismo com empresários” de Chávez não passa de um discurso para subordinar os interesses da classe operária aos dos setores empresariais, agora “nacionalistas” e “bolivarianos”, e como ferramenta dessa subordinação clamam pela construção de um grande partido de colaboração de classes, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela).
Sendo conseqüente com seu giro discursivo, lançou toda uma política contra a independência dos sindicatos, que desenvolvemos em outros artigos deste jornal. Se antes Chávez lançou a bandeira de “fábrica fechada, fábrica ocupada”, quando os setores empresariais pediam por sua cabeça, agora lança mão de uma forte ofensiva contra os operários que ousam fazer uso da palavra.
A prova de Sanitários Maracay
Uma clara expressão de tudo isso é a política contra uma das lutas mais emblemáticas do país: a dos trabalhadores de Sanitários Maracay. Durante nove meses, estes trabalhadores ocuparam a fábrica e colocaram a produção sob sua própria administração quando o patrão ameaçou fechá-la. Agora mais de 400 operários têm de enfrentar toda uma “santa aliança” reacionária orquestrada desde o Ministério do Trabalho, lado a lado com a patronal, para derrotar esta luta. A questão é que os trabalhadores de Sanitários Maracay colocaram em cheque a sacrossanta propriedade privada que Chávez tanto defende. A repressão foi levada a cabo pela Guarda Nacional no mês de abril contra os trabalhadores: “não estamos dizendo que Chávez deu a ordem de repressão - dizem os trabalhadores - estamos dizendo que Chávez é o Comandante da Guarda Nacional” (quem quiser ouvir, que ouça). Então arquitetou toda uma política para liquidar esta luta, que das mãos do empresário e anti-operário ministro do Trabalho, incentiva empregados ovelhas para que, por via de manobras, retomem o controle da empresa e entreguem-na ao patrão. De fato, avançaram neste objetivo, como no último dia 10 de agosto.
Mas esta luta de Sanitários Maracay não é inédita no país, ainda que tenha alcançado o seu ápice. Desde meados do ano passado, importantes lutas de setores assalariados vêm balançando o país, tanto em empresas privadas como públicas, com uma diversidade que vai desde a luta por direitos trabalhistas, por reconhecimentos de sindicatos, contra fechamentos de empresas e algumas contra os acordos do governo com a burocracia sindical ou os patrões, incluindo as transnacionais do petróleo. Em meio a estas lutas, setores de vanguarda começam a fazer uma experiência política com o que consideram “seu” governo, ainda que já com muitas ressalvas. Poderíamos afirmar que, nestes casos, a ação ultrapassa a própria consciência, e não por acaso, um trabalhador de Sanitários Maracay, que é, sem dúvida, a expressão mais avançada deste importante processo, dizia: “a questão não é se estamos com Chávez, mas se ele está conosco, porque começamos a ter dúvidas”.
O debate sobre um partido operário independente
Frente ã experiência que começa a haver entre setores de vanguarda com o “seu governo”, é possível que setores avançados do movimento operário possam intervir com um programa próprio e de forma independente do governo. Hoje, mais do que nunca, é necessário lutar por um partido próprio dos trabalhadores. Neste marco, se abriu um debate importante sobre a necessidade de uma ferramenta política própria dos trabalhadores, pois o governo cria forças com o intuito de construir o PSUV junto aos empresários, para impedir qualquer vislumbre de independência de classe. Há muitos meses, temos apontado ã necessidade de um instrumento político. Esta luta ganhou mais força quando um setor do PRS [1] (Partido Revolução e Socialismo) e integrantes da corrente sindical CCURA (Corrente Classista, Unitária, Revolucionária e Autônoma) liderados por Stalin Pérez Borges, decidiram somar-se ao PSUV, apesar de que um setor importante dos dirigentes sindicais desta corrente optaram pela não adesão, mantendo uma política defensiva, frente ao ataque brutal contra a autonomia sindical que expressava o projeto chavista, sendo que previamente teriam lançado a proposta para que a corrente sindical CCURA entrasse no PSUV para levar a cabo o debate.
Nos últimos conflitos importantes, concordam com nossa posição. Recentemente, mais de 600 dirigentes sindicais e trabalhadores de base participaram do I Congresso Regional da UNT (União Nacional de Trabalhadores) do estado de Aragua, cujos trabalhadores realizaram a primeira paralisação operária regional e cortes em todo o estado, em apoio ativo à luta dos trabalhadores de Sanitários Maracay. Neste Congresso, os trabalhadores votaram, entre seus importantes desafios políticos, ã necessidade de “construir um instrumento político dos trabalhadores”: “... mantendo o respeito à liberdade de opinião política dos afiliados ã UNETE-Aragua, queremos chamar os dirigentes sindicais e os trabalhadores em geral a refletir sobre a necessidade imperiosa de contribuir com a construção de uma ferramenta própria dos trabalhadores, que funde seu programa com as penúrias inerentes e imediatas dos trabalhadores, bem como suas necessidades estratégicas e históricas. Um partido dos trabalhadores, onde façam a experiência os melhores dirigentes sindicais e sociais para dar uma batalha política diária contra a exploração de poucos sobre a imensa maioria que se enfrente, na luta e nas urnas, com os partidos reformistas e capitalistas, ou seja, um poderoso instrumento que responda ã necessidade dos trabalhadores de tomar o poder político de um Estado que está a serviço da classe burguesa, para instaurar verdadeiramente a nova sociedade: o socialismo” [2]. Este é um fato de real importância política e um grande passo a frente. Orlando Chirino, por sua vez, o principal dirigente da CCURA defendeu recentemente que: “Nós, trabalhadores temos que tirar uma só conclusão: nosso lugar não está no PSUV, temos que construir nosso próprio espaço, nosso próprio partido dos trabalhadores. Um partido que defenda a autonomia sindical, que mobilize os trabalhadores em defesa de seus direitos, que rompa de verdade com os empresários e as multinacionais, que lute pela expropriação e socialização dos meios de produção, das terras em posse dos latifundiários, dos grandes comércios e do sistema bancário... Não queremos um partido que só viva das críticas ao governo, queremos um partido que lute pelo poder e o governo dos trabalhadores” [3]. É necessário passar das palavras aos fatos. É necessário assentar as bases para dar vida ã Resolução do Congresso da UNT-Aragua. Desde nosso ponto de vista, propomos um partido baseado nos sindicatos, comitês de fábrica, etc., que começam a mostrar a potencial força social da classe trabalhadora. A proposta de um grande partido operário independente baseado nas próprias organizações da luta de massas, serve para buscar superar a divisão entre o que os trabalhadores vêem como suas próprias organizações de luta, e a necessidade de uma direção política dos trabalhadores com independência dos partidos patronais, inclusive do partido do “socialismo com empresários”, que propõe Chávez. Um grande partido operário independente baseado nos organismos de representação e luta dos trabalhadores e nos métodos da democracia operária, que levante um programa claramente anticapitalista, na perspectiva de um governo operário, camponês e do povo pobre, como única via real para dar passos rumo ã resolução das principais demandas operárias, camponesas e populares, contra toda a falácia do “socialismo do século XXI”. É necessário assentar as bases deste partido dos trabalhadores: os sindicatos da CCURA, tal como no Congresso da UNT-Aragua devem fazer chamados similares, e montar uma junta promotora do novo partido. A classe operária deve confiar somente em suas próprias forças e métodos de luta.
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