Brasil
Origens, fundamentos e contradições do neoliberalismo petista
01/09/2004
Introdução
Apesar de sua política impressionantemente direitista, que chegou ao cúmulo inclusive de defender os generais que torturaram e assassinaram na ditadura militar1, o governo Lula tem conseguido “administrar” as profundas contradições que se abriram com sua própria eleição. As características estruturais da crise econômica, política e social que percorre o país ainda não conseguiram desdobrar-se em fenômenos da luta de classes de grande magnitude que mudassem a correlação de forças sociais no país. No entanto, essas contradições continuam se desenvolvendo de forma sub-terrânea e constantemente ameaçam vir ã tona, como evidenciam tanto as últimas eleições municipais, como a incipiente onda de greves que percorreu o país nos últi-mos meses.
A vitória eleitoral do PSDB fortalece, pelo menos em curto prazo, o regime de domínio que sustenta a ofensiva neoliberal desde o início da década de 90. Por outro lado, o contraditório resultado eleitoral do PT - que apesar de ter sido quantitativa-mente vitorioso, sob vários pontos de vista acabou sendo derrotado nos principais centros urbanos - mostra que o atual ciclo de recuperação econômica, ainda que te-nha reduzido a dinâmica de desgaste da popularidade do governo que se mostrava desde o início do ano, não tem sido suficiente para impedir que os brutais ataques ás condições de vida do movimento de massas, assim como a oposição de setores da burguesia ã política econômica em curso, e os escândalos de corrupção que atingem o Planalto, desgastem as ilusões depositadas em Lula e no PT.
A incipiente onda de greves e mobilizações, por mais que estas tenham tido como eixo central reivindicações de cunho econômico, proporcionou novos e impor-tantes enfrentamentos com o governo Lula, o PT e a burocracia sindical - cuja ex-pressão máxima foi a dura greve nacional de 30 dias protagonizada pelos bancários - e tem dado origem a importantes fenômenos de radicalização em amplos setores de vanguarda. Essas lutas, combinadas com a resistência ás reacionárias reformas cons-titucionais em curso, têm motorizado um processo de reorganização político-partidária, dando origem a um processo de rupturas com o PT do qual o PSOL é uma das primei-ras expressões, e dando origem ã Conlutas como subproduto da articulação de im-portantes sindicatos que começaram a romper com a burocracia cutista.
A eleição de Lula no atual marco de crises em que o capitalismo brasileiro se in-sere hoje, na medida em que coloca a perspectiva de um inédito enfrentamento de amplos setores do movimento de massas com as direções políticas que se constituíram no último ascenso operário e popular da década de 80, e desde então se transformaram no principal instrumento amortecedor da luta de classes no país, coloca em cena o desenvolvimento de elementos de uma nova correlação de forças, na qual ações in-dependentes do proletariado brasileiro podem passar a cumprir um papel central nas respostas aos grandes problemas nacionais.
Assim como os quadros da burguesia se preparam para essa nova fase - seja através da utilização de recursos como o governo de Lula ou através de saídas mais duras e repressivas que poderão vir pela frente -, também todos aqueles que lutamos pelos interesses da classe trabalhadora temos que afiar nossas táticas e nossa estra-tégia para a fase histórica que nasce junto com o neoliberalismo petista.
CAPÍTULO I
As bases da ofensiva neoliberal no Brasil
As eleições municipais de outubro consolidaram o PT e o PSDB como os princi-pais partidos nacionais, ao redor dos quais giram os demais partidos-satélites. As se-melhanças e diferenças entre o programa e as análises do PSDB e do PT ontem e hoje expressam uma contradição aparentemente esquizofrênica, mas que na essência revelam um componente essencial da realidade brasileira. Ontem, o PSDB era o grande defensor da ofensiva neoliberal e o PT buscava-se projetar com um discurso anti-neoliberal (apesar de que nas cidades e estados em que passava a governar aplicava rigorosamente os ditames do FMI). Hoje, o PT é o paladino do neoliberalismo e é o PSDB que lança um discurso com traços neodesenvolvimentistas (apesar de que em nada aplica este discurso nas cidades e estados onde governa). O que se esconde por trás dessa aparente contradição é uma só e única verdade que os reformistas de toda a estirpe insistem em não querer enxergar: a ofensiva neoliberal que vivemos desde o início da década de 90 foi (e ainda é) a única saída da burguesia para perpetuar seu domínio frente ã decadência histórica do capitalismo brasileiro; qualquer saída de tipo reformista não pode ser mais que utópica e reacionária; e a única real saída para o país só pode vir pelas mãos da classe trabalhadora empunhando uma revolução que exproprie a propriedade burguesa e reorganize toda a sociedade em função dos interesses da maioria esmagadora da população.
Origens da decadência neoliberal
Intelectuais burgueses e pequeno-burgueses, petistas e não petistas, têm cres-centemente reivindicado o “desenvolvimentismo varguista” contra o neoliberalismo petista, como se fosse possível voltar a roda da história:
Nos quase vinte anos em que governou o Brasil, Getúlio cometeu erros, o principal dos quais foi ter assumido poderes ditatoriais entre 1937 e 1945, mas isso não o impediu de ser o grande estadista brasileiro do século 20. Entre 1930 e 1960, o Brasil se transformou: logrou completar sua revolução capitalista e avançou a passos largos em sua revolução nacional. (...) Essa extraordinária transformação teve em Getúlio Vargas seu líder. Um líder mo-derno, embora originário da oligarquia de senhores de terra; um líder popular, mas consciente de pertencer ã elite; um líder tão carismático quanto racional. Enfim, um político que trazia dentro de si todas as contradições da própria sociedade brasileira, mas era capaz de conviver com elas e as resolver tendo em vista o interesse nacional. (...) Getúlio Vargas foi um líder populista, por-que foi capaz de estabelecer uma relação direta com o povo, especificamente com os trabalhadores urbanos. Nessa qualidade ele logrou fazê-los partici-par do processo político, em conjunto com os empresários, os políticos e técnicos do governo. Seu pacto político, portanto, era popular, nacional e desenvolvimentista. (...) Depois da era Vargas o Brasil continuou a se desen-volver, entre 1964 e 1980, mas sob um regime militar autoritário, do qual os trabalhadores foram excluídos, e os intelectuais de esquerda se colocaram em conflito com os empresários. A partir de 1980 esse regime entrou em cri-se econômica, da qual não saiu até hoje. Em 1985 alcançamos a democracia, mas a formação e a consolidação do Estado nacional brasileiro se interrom-peram, na medida em que o nacional-desenvolvimentismo de Vargas era atacado. Atacado pela ideologia neoliberal, que pretendeu substituir o Es-tado pelo mercado, em vez de compreender que um mercado forte só se lo-gra com um Estado igualmente forte. Atacado pelo globalismo, que decretou o fim do Estado nacional, ou seja, da própria nação. Essas duas ideologias, porém, pouco mais ofereceram ao país do que o desemprego, a pobreza e a interrupção da revolução nacional. (...) Hoje, a idéia do desenvolvimento nacional está sendo retomada. Apoiada no avanço da democracia brasileira, existe atualmente uma crescente indignação contra os 25 anos de quase estagnação. E, nesse novo quadro, a figura de Getúlio se agiganta. Surge a oportunidade para um novo desenvolvimentismo. Novo desenvolvimen-tismo que terá de contar mais com o mercado, porque o Brasil possui hoje uma economia mais complexa do que aquela que Getúlio conheceu. Mas um desenvolvimentismo que voltará a tornar claro que o desenvolvimento é sempre o resultado de uma estratégia nacional e que, nessa estratégia, os empresários e os trabalhadores de alguma forma associados são os agentes desse desenvolvimento, e o Estado é o instrumento da ação coletiva que viabiliza essa estratégia.2
De fato, a chamada “era Vargas”, que alguns chegam a estender até a década de 80, guarda enormes diferenças com o Brasil das últimas duas décadas. Aquele foi um período em que a taxa de produção industrial cresceu numa média anual de 7,2% en-tre 1939 e 1949, de 8,5% entre 1949 e 1959, e de 9,7% entre 1959 e 19643; ritmo este que se estendeu ao longo da maior parte da ditadura militar, quando o PIB cresceu numa média anual de 8,49% de 1966 a 1980. Contrapondo-se a estes indicadores, o PIB brasileiro cresceu em média míseros 1,44% anuais de 1981 a 1992, com uma pequena recuperação na média de 1993 a 2003, mas que não conseguiu ultrapassar os 2,65% ao ano (ver Tabela na página seguinte).
Seja por ignorância ou pelo interesse de classe, o que os “novos desenvolvi-mentistas” se negam a enxergar é que o próprio desenvolvimento das condições que possibilitaram o desenvolvimentismo varguista é que leva a burguesia brasileira a não ter outra saída, que não seja aceitar as condições impostas pelo imperialismo aos países semicoloniais a partir da crise mundial de 1973-75.
Entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, a burguesia brasileira conseguiu desenvolver parcialmente as forças produtivas apoiando-se nas disputas interim-perialistas e impondo uma ditadura ã nascente classe operária do país. No pós-Se-gunda Guerra Mundial, apoiou-se no boom econômico que atingiu os países centrais e na onda de realocamento do parque produtivo das empresas imperialistas para a periferia do sistema. Já o chamado “milagre brasileiro” da década de 70 emerge em primeiro lugar sob uma brutal repressão ã classe trabalhadora, e em segundo lugar com o enorme endividamento externo constitutivo do primeiro atrelamento da eco-nomia brasileira ã onda de financeirização da economia mundial, que tem início a par-tir da crise de 1973-75. Durante essas fases de desenvolvimento, que ficaram conhe-cidas pelo termo cepalino (não ã toa sem qualquer corte de classe) “substituição de importações”, os pilares comuns a todas elas são - não por acaso - o aumento da su-bordinação ao capital imperialista e da exploração e opressão da classe trabalhadora.
Quando acaba o “milagre”, o Brasil entra na década de 80 em uma forte crise econômica. A partir de 1978 tem origem o maior ascenso grevístico da história do país, que com altos e baixos se estendeu até 1989, no qual a classe trabalhadora re-cuperou substancialmente seu nível salarial e conquistou diversos direitos, enquanto a burguesia se afogava em meio a recorrentes crises da dívida externa e recessões. A crise do regime da ditadura militar deu lugar a uma forte instabilidade política e social na qual com uma íntima ligação entre si forjaram-se o PT e o regime democrático bur-guês, em que vivemos desde 1985.
A saída da “década perdida” (como ficou conhecida a década de 80), só foi pos-sível a partir de um novo salto de qualidade na subordinação da economia brasileira ao capital imperialista, que entrou maciçamente nos países semicoloniais na década de 90 condicionado a uma série de transformações estruturais, que são justamente o conjunto de políticas que preenchem o conteúdo da ofensiva neoliberal. Rebaixamento dos salários, flexibilização dos direitos, aumento do desemprego, privatizações, aber-tura comercial e financeira etc. São medidas sem as quais a burguesia brasileira não conseguiria financiar o Plano Real (que trouxe consigo o fim da hiperinflação que aterrorizou a maioria da população por anos a fio) e nem tampouco a aliança burguesa (PSDB-PMDB-PFL) que sustentou os dois governos FHC.
O papel do PT na ofensiva neoliberal
Os petistas renegados buscam hoje de toda forma fazer uma falsa diferenciação entre o PT do governo Lula e toda a trajetória deste partido ao longo da década de 80 e 90, como se ao longo de sua história o PT tivesse se constituído de forma polar e an-tagônica ao neoliberalismo. Muito pelo contrário, os fatos históricos demonstram que a atuação do PT foi fundamental para garantir o desvio e o refluxo do ascenso operário e popular da década de 80. Desde então o PT foi o principal responsável pelo desarme da classe trabalhadora para enfrentar a ofensiva burguesa que se inicia na década de 90.
Já em 1980-81, em seu nascimento, o PT mostrava a quê veio quando se negava a colocar seu aparato a serviço das heróicas greves protagonizadas pelos operários do ABC, para não se contrapor ã ditadura e ameaçar seu processo de “legalização”, como demonstram as declarações do próprio Lula na época. Desde o princípio o PT sempre se aliou aos setores burgueses que se encontravam no MBD, para impedir que o ascenso grevístico se chocasse diretamente contra o a ditadura e derrubasse de forma revolucionária o já podre regime de 1964.4 Em 1988, o PT e seus deputados apóiam a reacionária constituição burguesa que defende a propriedade privada, e com isso o regime capitalista de escravidão da classe trabalhadora. No “Fora Collor”, o PT salva a crise aberta no regime de domínio canalizando conscientemente todo o descontentamento das massas que se expressava nas ruas para a via institucional, controlada pelo impeachment no Congresso. Ao longo da década de 90, em cada ci-dade ou estado que o PT passava a governar, garantia a aplicação de todos os pla-nos neoliberais que FHC aplicava nacionalmente, em alguns casos tendo mais êxito que o governo federal, como quando conseguiu implementar a taxação dos inativos no Rio Grande do Sul ao mesmo tempo em que o Congresso impediu que FHC fizesse o mesmo em âmbito nacional. Em 1995, o PT se colocou contra a greve dos petroleiros que obrigou o governo federal a colocar tanques de guerra e o exército dentro das re-finarias. Em 1999, o PT conseguiu evitar que a desvalorização do real no Brasil pro-vocasse uma crise de proporções semelhantes ás que se desenvolveram com a des-valorização do peso na Argentina entre 2001 e 2002.
O PT, com sua política de conciliação de classes e a contrapartida necessária para essa política, que é o amortecimento das lutas dos trabalhadores, desde sua origem cumpriu o nefasto papel de atrelar a classe trabalhadora ás supostas “alas es-querdas” da burguesia, funcionando como “pata esquerda” primeiramente da tran-sição pactuada com a ditadura, e posteriormente atuando como tal no regime de do-minação democrático burguês que se instala a partir de 1985.
A eleição de Lula como um ponto de inflexão
A partir de 1997, a crise do capitalismo mundial e do Consenso de Washington, com a clara tendência de declínio do fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil, traz ã tona as fortes contradições econômicas, políticas e sociais que se desenvolviam subterraneamente - agora ainda mais agravadas pela aplicação dos planos neoliberais ao longo da década de 90 - evidenciando um salto na deterioração das condições de vida da maioria esmagadora da população e um terrível aumento da dependência econômica do país em relação ao capital imperialista. O país encontra-se frente a montantes impagáveis de dívidas públicas e privadas, ramos de produção deses-truturados pela competição internacional, deficiências infra-estruturais, setores cen-trais da economia em poder do capital imperialista, taxas de desemprego monstruosas, arrochos salariais permanentes e níveis de consumo e investimento interno em pa-tamares historicamente baixos.
O fim das condições econômicas que possibilitaram a relativamente estável he-gemonia de uma fração da burguesia sobre as demais, materializada na aliança PSDB-PMDB-PFL, assenta as bases para o desenvolvimento de uma nova fase superior de crises no interior das classes dominantes. Essa nova fase torna-se visível já na divi-são da base governista de FHC, nas eleições para a Presidência das duas Casas do Congresso em 2001. Desde então, se agudizaram os conflitos entre os distintos seto-res da burguesia em torno das possíveis saídas para um novo padrão de acumulação capitalista no Brasil, que necessariamente tem que privilegiar alguns setores em de-trimento de outros. Esses conflitos têm seu desdobramento mais nítido nas diferenças em torno a uma nova candidatura presidencial em 2002, e hoje se desenvolvem em torno das disputas com relação ã condução da política econômica do governo Lula.
A existência do PT é a base fundamental da diferença entre a saída que a burguesia brasileira tem encontrado para a crise capitalista, que se alastra nos diversos países da América Latina, e a saída encontrada pela burguesia dos demais países do sub-continente. Ao contrário de países como Argentina, Bolívia e Venezuela, nos quais a falta de alternativas do regime de domínio deu lugar a grandes fenômenos da luta de classes - que incluíram ações independentes do movimento de massas e abriram si-tuações pré-revolucionárias ou diretamente revolucionárias como em dezembro de 2001 na Argentina e em outubro de 2003 na Bolívia - no Brasil a burguesia ainda pô-de lançar mão do PT para conter as contradições de classe, impondo até agora uma saída pacífica de alternância eleitoral, e conseguido manter a ofensiva neoliberal que vigora desde a década de 90.
A atual crise do capitalismo brasileiro tem obrigado e obrigará o governo Lula a aplicar duros ataques ã classe trabalhadora e ao conjunto da população oprimida. É nesse cenário que o PT abandona sua localização de “pata esquerda” do regime de dominação política - que começa a se delinear com o fim da ditadura militar e se con-solida com FHC -, e passa a assumir o papel direto de “partido do governo”, cumprindo a função de principal sustentáculo do regime. Nessa nova situação, na qual amplos setores do movimento de massas começam a fazer uma experiência inédita com o PT, este partido tende a debilitar sua capacidade de atuar como “partido de contenção” das massas, como fez nas últimas duas décadas.
Se por um lado o giro ã esquerda do movimento de massas, que se expressou de forma distorcida na eleição de Lula, não foi suficiente para mudar a correlação de for-ças fundamental entre a burguesia e o proletariado que vigora desde o início da ofen-siva neoliberal, por outro lado esse giro ã esquerda foi sim suficiente para abrir uma situação de maior aceleramento e recrudescimento dos conflitos econômicos e políticos que não existia até então. A base fundamental dessa nova situação é a experiência do movimento de massas com o PT no governo federal. Na medida em que essa expe-riência dá origem a novos fenômenos da luta de classes, prepara-se uma nova cor-relação de forças, na qual poderá ser a classe trabalhadora a que tomará uma nova ofensiva contra a burguesia no período histórico que se abre.
Essa nova situação política traz consigo distintas conjunturas, que apontam diferentes dinâmicas de desenvolvimento dos conflitos que se operam no âmbito da economia, do regime de domínio e da luta de classes; assim como distintas relações entre o governo, as massas e sua vanguarda.
CAPÍTULO II
Os altos e baixos do governo Lula
A relação do governo com as distintas frações burguesas e com o Congresso tem oscilado tanto em função da economia como em função da luta de classes. Num primeiro momento, formou-se uma ampla aliança burguesa em torno do aumento taxa de juros e do superávit fiscal para tirar a economia do perigo de default em curto pra-zo que atingia o país em meio ás eleições de 2002. A partir de meados de 2003, quando começou a se estabelecer uma relativa administração da crise na balança de paga-mentos e das pressões inflacionárias, a recessão econômica que se agravava empurrou diversos setores da patronal a uma disputa pela redução das taxas de juros e contra o aumento dos impostos que se desenhava na reforma tributária. É nesse marco que o PDT constituiu-se no primeiro partido a romper com a base governista.
Em meio ã recessão econômica de 2003, as lutas que se desenvolvem passam a proporcionar importantes experiências, sendo que setores de vanguarda da classe trabalhadora iniciam um processo de ruptura com o governo Lula e o PT.
O primeiro setor social a sair à luta foi, já nos primeiros meses do governo Lula, os sem-terras. Enquanto as direções nacionais do MST e da CPT colocavam impor-tantes quadros seus em cargos do governo, como o presidente do Incra, Marcelo Re-sende, ocupações de terra já começavam a se desenvolver pelo país ã revelia das di-reções governistas. As ocupações de terra se enfrentaram não só com as forças de repressão do Estado, mas também com bandos de jagunços armados pelos fazen-deiros, chegando em determinados momentos a configurar elementos incipientes de guerra civil no campo.5
A greve nacional dos servidores federais contra a reforma da previdência em 2003 foi o primeiro grande fenômeno da luta de classes sob o novo governo. Já nos seis primeiros meses de governo, Lula se enfrenta com uma das principais bases so-ciais históricas do PT. Foi uma greve que chegou a abarcar 450 mil trabalhadores e durou mais de 30 dias, enfrentando o aberto boicote da direção majoritária da CUT e com o governo Lula ainda no pico de sua popularidade.
Além da participação na greve contra a reforma da previdência, a “Revolta do Buzú” que ocorreu em agosto de 2003 em Salvador reservou ao movimento estudantil um importante lugar dentre os setores que saíram à luta no primeiro ano do governo Lula. Em Salvador, 20 mil estudantes secundaristas das escolas públicas da periferia tomaram as ruas da cidade para impedir o aumento da passagem de ônibus, paralisando o trânsito por uma semana e conquistando uma importante simpatia da população. Quando as burocracias da UNE e da UBES tentaram controlar o movimento, foram re-pudiadas pelos estudantes que se organizavam por grêmios nas escolas e nas ma-nifestações.
Dentre as várias empresas que, em meio ã recessão econômica, realizaram de-missões em massa ou fecharam as portas, pelo menos em seis fábricas6, os traba-lhadores, para garantir seus empregos e seus salários, ocuparam a empresa e a colo-caram para produzir sem os patrões, proporcionando uma enorme lição para os milhões de trabalhadores que sofrem com demissões em todo o país. Estes são os primeiros sinais no Brasil do fenômeno de mais de 200 fábricas que foram ocupadas na Argen-tina em 2002, que teve como um de seus centros a fantástica experiência da fábrica de cerâmicas Zanon na Argentina, onde os trabalhadores há três anos controlam a fá-brica sem os patrões e exigem do Estado que expropriem a empresa e comprem sua produção para colocá-la a serviço de um plano de obras públicas. A combatividade desses trabalhadores que ocupam suas fábricas, no Brasil, não tem se desenvolvido e influenciado setores mais amplos da classe trabalhadora em função de que a corrente política dirigente destes conflitos - O Trabalho (lambertistas), que está dentro do PT e apóia o governo burguês de Lula - impõe uma política espúria de pressionar e negociar migalhas com a patronal e o governo, isolando-os e derrotando-os.7
Em meados de 2003, a combinação entre a greve dos servidores, as ações dos sem-terras no campo, dos sem-tetos nas cidades, as ações do movimento estudantil e a resistência aos ataques da patronal em alguns setores operários centrais como os metalúrgicos da GM em São José dos Campos e da Volkswagen em São Paulo, abriram elementos de uma nova correlação de forças, que logo refluíram com a implementação da reforma da previdência e a nova trégua da direção do MST.8 A derrota que Lula im-pôs sobre a greve dos servidores e a implementação da reforma da previdência pro-vocou um novo crescimento da autoridade do governo junto aos distintos setores da burguesia, cuja expressão mais evidente foi a aprovação - mesmo que parcial - da polêmica reforma tributária, além de lhe garantir maior credibilidade junto ao impe-rialismo.
A primeira queda de popularidade
A partir de fevereiro de 2004, com os escândalos de corrupção envolvendo im-portantes figuras ligadas a Lula e ao PT e com a primeira forte queda na popularidade do governo, abre-se uma nova fase de crises “nas alturas”. Neste então foi a vez do PPS que se dividir publicamente em uma ala oposicionista liderada pelo presidente da sigla e uma ala governista liderada pelo ministro Ciro Gomes. O PSDB e o PFL pas-saram a endurecer sua oposição. A maior mostra disso foi a surreal votação do salá-rio mínimo, na qual as alas mais ã direita da burguesia defenderam R$ 275,00 contra os R$ 260,00 defendidos pelo PT, que ainda puniu seus próprios parlamentares que vo-taram contra ou se abstiveram. No entanto, a oposição burguesa também passou a impor obstáculos ã tramitação da chamada “agenda microeconômica” (Lei de Fa-lências, Lei de Parcerias Público Privadas etc.), componente fundamental da política econômica do governo assim que foi interrompida a queda das taxas de juros. Isso sem mencionar os enormes estardalhaços que são feitos a cada escândalo de corrup-ção que envolve o Planalto. Mas as principais dificuldades que o governo tem sofrido no Congresso são subproduto de sua dificuldade para disciplinar os parlamentares dos partidos que compõem a base aliada, principalmente o PMDB, um partido de ca-ciques que não se contentam com a mera liberação de verbas para emendas parla-mentares. A disputa entre o grupo liderado por Renan Calheiros e o grupo liderado por José Sarney para ver que fica com a Presidência do Senado em 2005 abre novas crises na relação do Executivo com o Congresso, como se expressou na derrota que o governo sofreu na votação do salário mínimo no senado e como se expressa nova-mente após as eleições na paralisia do Congresso.
Em meio a esses vais e vens da relação do governo com os distintos setores da burguesia, que a cada tanto se combinam com divisões dentro da própria bancada do PT, o que tem garantido a iniciativa do governo no Congresso é centralmente a in-fluência que o capital financeiro internacional tem sobre os quadros do PSDB e o do PFL (que têm sido fundamentais para a aprovação dos principais projetos do governo no Congresso) e a corrupção da base governista através da liberação de verbas para emendas parlamentares e cargos políticos.
O contraditório fortalecimento conjuntural do governo
A partir de junho de 2004, a consolidação do ciclo precário de recuperação do crescimento econômico, combinada com a atuação traidora das direções do mo-vimento de massas ligadas ao PT, conseguiu assentar as bases para o contraditório fortalecimento do governo que se expressou nos últimos meses, evidenciado na in-versão da dinâmica das pesquisas de popularidade, que passaram novamente a apontar a melhora da imagem de Lula e sua equipe; mas em grande medida questionado pela combinação entre a incipiente onda de greves que percorreu o país nos últimos meses e o resultado eleitoral de outubro.
Distintos fatores têm possibilitado o atual ciclo de recuperação precária da eco-nomia. A base fundamental desse ciclo é a recuperação da economia mundial em cur-so desde fins de 2001, que segundo as otimistas estimativas do FMI irá crescer em torno de 5% este ano. Especificamente para os países semicoloniais, tem cumprido um papel central a combinação entre o aumento das importações da China9 e a “bo-lha” de capitais especulativos dirigidos aos países semicoloniais em função das his-toricamente inéditas baixas taxas de juros nos Estados Unidos. Essa combinação, que tem garantido um saldo positivo para a balança comercial do país e tem feito os investidores internacionais procurarem maior rentabilidade para seus capitais nos chamados “países emergentes”, acaba funcionado como um contraponto ã aguda tendência de diminuição do fluxo de capitais estrangeiros desde 2001, assentando as bases para a redução das taxas de juros internas durante o segundo semestre de 2003 e para a “rolagem” da dívida pública. Além disso, o aumento das exportações está as-sentado: a) no aumento da competitividade dos produtos brasileiros em função da desvalorização do real; b) na alta cotação de commodities exportadas pelo Brasil no mercado internacional; c) no aumento das exportações para a Argentina propor-cionado pelo crescimento econômico vivido por esse país nos últimos dois anos; e d) na alta competitividade de alguns ramos da economia brasileira, principalmente os ligados ao agrobusiness e ã siderurgia.
Esse ciclo de recuperação precária do crescimento econômico assentou as bases para que o governo conseguisse administrar a crescente oposição de importantes setores da burguesia brasileira ao forte ajuste monetário e fiscal em curso, assim co-mo os conflitos que vinham se desenvolvendo dentro de base aliada ao Planalto no Congresso. A expressão mais nítida desse processo foi um artigo publicado em agosto na Folha de São Paulo, no qual Dirceu e Palocci - ícones das diferenças inter-burguesas no interior do próprio “núcleo duro” do governo - aparecem unidos de-fendendo a política econômica em curso.10
Na recente onda de mobilizações da classe trabalhadora por reivindicações de cunho econômico, motorizada por este ciclo de recuperação precária, a burocracia cutista se colocou ã frente desses processos para desviá-los ou diretamente boicotá-los, esforçando-se para “aliviar a tensão” que se acumula nas bases sem permitir que “saiam do controle”. Foi isso o que observamos de forma mais evidente na campanha salarial dos petroleiros, na qual a burocracia, tirando lições da greve dos bancários, realizou uma série de paralisações escalonadas para evitar que as bases passassem por cima das direções.
Na relação do governo com o movimento de massas, o elemento central que im-pediu e continua a impedir um desdobramento superior das contradições de classe é a importante ilusão e esperança que ainda existe no governo Lula e no PT, cuja base central é a atuação das principais direções do movimento de massas diretamente li-gadas a esse partido11. O fato de que amplos setores da população ainda tenham ilu-sões e esperanças no governo é um enorme obstáculo para que possa vir ã tona a po-tencial energia acumulada pelo movimento de massas ao longo de anos a fio de de-terioração das suas condições de vida. É um enorme obstáculo para que essas energias se transformem em luta de classes aberta.
As eleições colocam em questão a atual força do Planalto
As últimas eleições municipais expressaram um resultado contraditório para o governo, no qual as vitórias numéricas do PT foram obscurecidas pelas derrotas sofridas nos principais centros urbanos do país, onde o descontentamento com o partido de Lula evidenciou-se nos votos para os demais partidos burgueses, prin-cipalmente o PSDB.
O fortalecimento conjuntural do governo se expressou no fato de que o PT se tornou o partido mais votado do país, conquistou mais do que o dobro do número de prefeituras que tinha até então, aumentou o numero de capitais em que governa e te-ve o maior percentual de prefeitos reeleitos. Entretanto, a debilidade desse fortaleci-mento se expressa no fato de que o PT sofreu notáveis derrotas nos principais cen-tros urbanos do país, concentrando seu avanço principalmente nas cidades do interior. O contraditório resultado eleitoral do PT12 expressa que, pelo menos em relação a im-portantes setores organizados da classe trabalhadora e da classe média, o ciclo de re-cuperação do crescimento não tem sido suficiente para impedir que os brutais ataques ás condições de vida das massas, a oposição de setores da burguesia ã política eco-nômica em curso, os escândalos de corrupção que atingem o Planalto e as medidas direitistas, como a recente defesa dos torturadores e assassinos da ditadura militar, desgastem as ilusões depositadas no governo Lula13.
A análise do petista Emir Sader expressa claramente os reveses sofridos pelo PT nessas eleições:
Depois de quatro tentativas, Lula conseguiu se eleger presidente da repú-blica e na primeira eleição, o PT, pela primeira vez em sua história, regrediu e sofreu a sua maior derrota. O partido perdeu os governos de São Paulo, de Porto Alegre, de Belém, de Goiânia, de Campinas, de Ribeirão Preto, de Ca-xias do Sul, de Pelotas, entre outras cidades importantes governadas pelo PT. Essas perdas são regressões reais, pelo trabalho que os governos mu-nicipais do partido vinham desenvolvendo - há 16 anos em Porto Alegre, há 8 anos em Belém, em Caxias do Sul e Ribeirão Preto. A reeleição em Belo Horizonte, em Recife, em Aracaju, em Santo André, em Guarulhos, em Dia-dema, em Niterói, e as vitórias em Fortaleza, em Macapá, em Palmas, em Por-to Velho, em Londrina, em Contagem e em Osasco não compensam, nem de longe, as derrotas. A disputa em São Paulo, capital política do PT e do PSDB, além de ter visto o triunfo do candidato derrotado por Lula em 2002, tem também um significado político irreparável para o governo federal. Os candidatos que mais diretamente tiveram o apoio do governo federal - em Salvador, no Rio de Janeiro, em Ribeirão Preto, em São Bernardo, em São Paulo - foram todos derrotados, fragorosamente nos três primeiros casos. (...) O governo sai enfraquecido não apenas pela perda de prefeituras im-portantes, mas também porque seu marco de alianças partidárias se debilitou. O PMDB, maior aliado da base de apoio do governo, protagonizou aber-tamente a frente opositora, enquanto os outros partidos menores - como o PPS - definiram claramente sua opção por essa frente.14
Inclusive expoentes do próprio governo e do PT reconhecem o golpe sofrido. José Genoíno afirmou que “algumas derrotas são muito pesadas para nós”15, enquanto para Tarso Genro “a perda de Porto Alegre, para uma frente liderada pelo PPS, e a per-da de São Paulo, para uma frente liderada pelo PSDB, são duros golpes na nossa auto-estima”16. Até mesmo a imprensa imperialista chama atenção para os reveses sofridos pelo governo:
As perdas do partido (PT) em São Paulo e Porto Alegre ofuscaram seus ga-nhos significativos no primeiro turno das eleições em 3 de outubro, quando ele capturou a maioria dos votos em todo o País e mais do que dobrou o nú-mero de municipalidades que havia vencido em 2000 (...) Embora as cam-panhas eleitorais tenham se concentrado sobre temas domésticos, os resul-tados poderão influenciar a base de apoio de Luiz Inácio Lula da Silva e sua capacidade para obter aprovação para reformas no Congresso.17
Enquanto o PT sofreu estes fortes revezes, o PSDB foi sem dúvida o principal vitorioso nessas eleições18. Se já no primeiro turno este havia sido o segundo partido mais votado, logo atrás do PT, gerando um aparente “empate” entre esses dois par-tidos, o resultado do segundo turno indubitavelmente “desempatou” essa disputa a favor dos tucanos. O resultado eleitoral expressa, mesmo que de forma distorcida nos votos dirigidos ao PSDB e a outros partidos burgueses, o descontentamento de amplos setores da classe trabalhadora com o governo. Assim, o PSDB, que até então não ia além de uma tímida oposição - tanto em função de ver seu programa “roubado” pelo PT como em função da derrota que sofreu em 2002 e da enorme popularidade de Lula - emerge dessas eleições autorizado a hegemonizar o papel de oposição mais dura e sistemática ao governo.
O PSDB recebeu um mandato renovado e fortalecido para liderar a oposição. Com essas vitórias - São Paulo, Curitiba e Florianópolis - e a votação de conjunto, o PSDB restabelece uma dinâmica possível de uma frente de cen-tro-direita que apareceu nitidamente fraca nas últimas eleições presi-denciais.19
O PMBD, assim como em 2000, foi o terceiro partido mais votado. Apesar de ter decrescido seu número de prefeituras, continua sendo o partido com maior presença nos 5.652 municípios do país, dado seu domínio nas cidades do interior. O PFL, ape-sar de ter caído tanto em número de votos como em número de prefeituras, foi o quar-to partido mais votado e ganhou já no primeiro turno a segunda maior capital e o se-gundo maior colégio eleitoral do país - o Rio de Janeiro - o que permitiu a César Maia pleitear a candidatura de vice-presidente em uma coligação com o PSDB em 2006.20
Esse resultado de conjunto mostra que, apesar de que nas eleições presidenciais de 2002 a classe trabalhadora tenha em sua maioria se oposto ás candidaturas que ex-pressavam continuidade em relação ao governo FHC, a transição sem maiores con-flitos entre FHC e Lula garantiu a preservação dos partidos que sustentaram o último governo. As instituições do regime democrático burguês de conjunto saem forta-lecidas, pois o resultado eleitoral expressa que esses partidos - principalmente o PSDB - ainda estão aptos a se constituírem como potenciais desvios para um futuro processo de desilusão mais massiva com o PT. É o que atesta o site pessedebista Pri-meira Leitura: “devemos chamar a atenção para um fato óbvio: a democracia saiu, sem dúvida, fortalecida com as vitórias dos tucanos”21.
CAPÍTULO III
As contradições estruturais da economia e do regime
Apesar de que o governo Lula venha conseguindo afastar o risco de default a curto prazo que atingia a economia em fins de 2002, a primeira reversão das condições econômicas mundiais favoráveis ao país tende a colocar o problema do pagamento da dívida externa e interna pública e privada novamente no centro do cenário político nacional.
Em sua mais recente edição, a revista The Economist diz que a maioria das pessoas mal consegue se recordar qual foi a última vez que a economia mundial cresceu (ou prometeu crescer) tão rapidamente, em alusão ao relatório do Fundo Monetário Internacional no qual se estima uma expansão de 5% neste ano e de outros 4,3% no próximo ano. Mas a própria “bíblia do pen-samento liberal” fazia questão de argumentar que ao menos quatro fatores ameaçavam esse mundo róseo delineado pelo FMI: pela ordem, uma alta nos preços do petróleo, uma queda no nível de gastos dos consumidores americanos, o fim da bolha imobiliária e um pouso “forçado” da economia chinesa. (...) em algum momento, a elevação dos preços do petróleo poderá afetar o ritmo de crescimento da China - as importações chinesas de pe-tróleo subiram 40% neste ano. Confirmado esse quadro, haveria uma queda na demanda por commodities essenciais na pauta de exportação brasileira (leia-se soja e aço). (...) O mercado financeiro, que tem se esforçado para permanecer “imune”, mirando suas expectativas nos lucros das empresas, pode cair em depressão se aparecerem sinais de desaquecimento na eco-nomia mundial. O desconforto se traduziria em aversão a risco (e o Brasil não escaparia, mesmo tendo feito o dever de casa ditado pelos investidores), menor liquidez para os emergentes e uma forte correção nas Bolsas de Va-lores.22
Apesar da relativa autoridade entre as distintas frações burguesas que o governo conquistou em função do ciclo de recuperação do crescimento, as contradições es-truturas que atravessam a economia, combinadas com as distintas visões em relação ã correlação de forças, continuam servindo de base para crescentes divisões no seio das classes dominantes:
Ouvir especialistas para entender a economia do país é constatar que o universo brasileiro, em matéria de juros, superávit, dívida pública e acordo com o FMI, divide-se em dois hemisférios: 1) para a banda dos economistas umbilicalmente ligados ao mercado financeiro, a redenção existe e está no aumento dos juros (...) e no aumento do superávit primário como garantias de que a relação dívida/PIB é o xis de toda e qualquer questão em matéria de solvência, de crescimento, enfim, de tudo. (...); 2) os economistas ligados ã produção e ã academia que pensam os rumos da economia falam em “arma-dilha”, irritam-se com a postura do PT mais realista que o rei em matéria de responsabilidade fiscal (...).23
Até quando irá durar o atual ciclo precário de recuperação da economia?
As contradições estruturais que atravessam a economia brasileira já impõem fortes limites para o atual crescimento econômico. Tanto a dinâmica exportadora como a “bolha” de capitais especulativos já se vêm ameaçadas pelas mudanças no cenário internacional e pelos próprios constrangimentos internos.
Uma combinação entre a explosão dos preços do petróleo internacionalmente, a necessidade dos EUA corrigir os déficits na sua balança comercial e fiscal e de conter suas pressões inflacionárias internas tem provocado retorno do aumento das taxas de juros nesse país, apontando para uma nova realocação do capital financeiro para as principais economias do mundo e conseqüentemente para o fim da “bolha” de capitais dirigida aos países semicoloniais.
O “pouso forçado” da China, assim como o retorno dos Estados Unidos como grande exportador de soja no mercado mundial, colocam fortes limites ás perspectivas do agronegócio, que tem sido um dos principais motores do atual ciclo, inclusive pe-lo estímulo que produziu na indústria. Atualmente, a produção agrícola do país vê-se enfrentada a uma contínua alta dos custos de produção ao mesmo tempo em que caem os preços de venda24. As perspectivas para o crescimento deste setor, que no início de 2004 eram de 4% no ano, hoje já se encontram no patamar de 3%, e para o ano que vem alguns analistas chagam a prever um cenário de crise.
Com a reversão das condições internacionais e dos ritmos das exportações, o componente que poderia segurar as perspectivas de crescimento seria o mercado in-terno. No entanto, neste âmbito é onde as perspectivas encontram-se mais dete-rioradas. A manutenção de altos níveis de desemprego, baixos níveis de renda e bai-xa qualidade do emprego impedem uma recuperação consistente do consumo interno. Além dos índices de desemprego manterem-se acima de 11% segundo o IBGE e aci-ma de 18% segundo o Dieese, a qualidade do emprego tem piorado ano a ano. No pri-meiro semestre de 2002, último ano do governo FHC, 68% dos trabalhadores ganhavam até dois mínimos. No mesmo período de 2003, primeiro ano do governo Lula, esse per-centual subiu para 71,93%. Neste ano, chegou a 72,13%. O trabalhador demitido foi substituído por outro que ganha até 40% menos no primeiro semestre deste ano, dependendo do setor em que trabalhava.25 Recentemente, o IBGE publicou as esta-tísticas que informam que a renda dos trabalhadores caiu 7% em 2003, sendo a mais baixa desde 1992.
O ajuste fiscal, com o aumento dos impostos decorrentes deste ajuste, tem não só contribuído para incrementar as pressões inflacionárias (principalmente em função da CONFINS) como também tem ameaçado a consistência da atual situação econô-mica em função da deterioração das condições infra-estruturais:
A região sul do país está ã beira de um “apagão logístico’” que poderá com-prometer a retomada do crescimento, com um colapso nas exportações. A falta de investimentos, pelo governo federal, em infra-estrutura já dificulta as exportações, quadro que poderá se agravar a partir do próximo ano. O alerta é de empresários dos três estados sulistas.26
Essa é a base sob a qual, desde o início do ano, para continuar garantindo a en-trada de capitais estrangeiros, a tendência de queda nas taxas de juros em 2003 se re-verteu e nos últimos meses deu lugar a uma nova dinâmica de aumento. E é também sob essa base que o governo tem agravado continuamente o ajuste fiscal.27
O ímpeto de crescimento da economia brasileira está diminuindo. Essa im-pressão, que já se insinuava havia algumas semanas, viu-se reforçada com a divulgação da pesquisa mensal do IBGE relativa ao comportamento da in-dústria. De acordo com o levantamento, de agosto para setembro a produção industrial se manteve estagnada, interrompendo uma seqüência de seis al-tas mensais consecutivas. (...) O desempenho das vendas do comércio nas maiores regiões metropolitanas já havia mostrado arrefecimento em agosto. Também a expedição de embalagens de papelào, que é uma espécie de ter-mômetro da atividade industrial, revelara perda de fôlego em agosto e nova-mente em setembro. Os mais recentes dados do IBGE, por sua abrangência setorial e geográfica, são suficientes para eliminar as dúvidas que pudessem restar quanto ã desaceleração da atividade econômica.28
A perspectiva real de crescimento econômico de 4,5% para este ano, funda-mentada na recuperação cíclica vivida pela economia mundial deste o final de 2002, não pode mais que anteceder crises econômicas ainda mais fortes nos próximos anos. Dificilmente a burguesia brasileira conseguirá sustentar esse mesmo patamar de crescimento já em 2005. Para proporcionar uma mínima sustentação ao crescimento econômico, seria necessário sustentar patamares superiores de investimentos e de consumo interno. Isso só seria possível reduzindo substancialmente o atual nível de desemprego, aumenta substancialmente o nível de renda do trabalhador e aflui uma nova onda de capitais estrangeiros para o país. Por mais que o atual ciclo de cres-cimento econômico esteja associado a uma certa recuperação dos níveis de inves-timento e de consumo, é muito pouco provável que esse ciclo se mantenha num pa-tamar sustentável por fora de um novo ciclo de crescimento mundial que signifique uma saída consistente da crise de acumulação capitalista que se abre com o fim do boom pós-Segunda Guerra Mundial, minimamente igual ou superior ao que propor-cionou o crescimento dos Estados Unidos na década de 90. Com o agravante de que um ciclo mundial como este não pode dar-se sem um ainda maior esmagamento das semicolônias pelas botas do imperialismo, como mostra a ofensiva unilateral e guer-reirista de Washington. Ou seja, seria necessária a constituição de um novo padrão de acumulação capitalista mundial baseado num mínimo equilíbrio entre os países centrais e semicoloniais, o que após o enorme ciclo de endividamento estatal que es-teve associado ao “neoliberalismo” demandaria uma importante destruição de forças produtivas em escala planetária.
A difícil relação do governo com aliados e opositores
O aumento do ajuste monetário e fiscal implementado pelo governo no último período mostra como ainda estão latentes os conflitos internos ás classes dominantes, como demonstram a declaração de Antônio Ermírio de Moraes feita logo após o anúncio das medidas: “A elevação da taxa básica de juros, em si, foi uma ducha de água fria para quem estava pensando em tomar dinheiro emprestado para investir. (...) Foi uma senha negativa para os investidores produtivos e um grande presente para os especuladores. Está na hora de darmos um basta.”
A disputa entre os pesos pesados da burguesia para definir quais setores da economia serão rifados e quais melhor conseguirão se adequar como sócios menores do capital imperialista determina uma fase de crises no seio das classes dominantes do país. Por um lado, delineia-se de forma cada vez mais clara um amplo bloco em de-fesa de uma maior margem de manobra com relação ao imperialismo, que permita a uti-lização do poder estatal para minimizar o caráter estrutural da crise econômica que ameaça a existência de amplos setores da burguesia e que permita conceder algumas migalhas ã população para conter futuras explosões sociais. São os defensores da redução do superávit fiscal associado ã negociação da dívida para que o estado possa reduzir os impostos sobre a produção e investir em infra-estrutura, da redução da taxa de juros e mais recentemente do controle do fluxo de capitais internacionais. Por outro lado, mantém-se firme no controle das rédeas do Estado o bloco que, mais diretamente ligado ao capital financeiro internacional, defende uma submissão mais rigorosa ás ordens do FMI, estabelecendo uma relação mais pragmática na correlação de forças políticas interna, tanto em relação ã possibilidade de rifar setores reais da burguesia como em relação ã crise social que atinge o país. O fato é que no Brasil a hegemonia do setor burguês mais diretamente atrelado ã ofensiva neoliberal nunca foi seriamente questionado, tanto durante os dois governos FHC como durante o atual governo Lula, o que explica porque aqui não se desenvolveu uma crise de he-gemonia da magnitude da que ocorreu nos demais países da América Latina, como, por exemplo, em dezembro de 2001 na Argentina.
Após as eleições, como subproduto das derrotas sofridas pelo PT, os conflitos interburgueses parecem ganhar uma nova força, expressando-se de forma mais evi-dente na crise que atinge a base aliada logo após a conclusão do pleito, e nas críticas ao planalto que surgem por parte dos próprios petistas derrotados.
A expressão mais contundente das novas crises que podem envolver a relação do Planalto com sua base de partidos aliados no próximo período provém das recentes pressões de importantes setores dentro do PMDB para que o partido renuncie aos seus cargos no governo e some as fileiras oposicionistas.29 A Conferência Nacional do PMDB que ocorreria em 2005 foi adiada para o dia 12 de dezembro, quando o par-tido deverá tomar uma posição definitiva. A declaração de Aldo Rabelo, Ministro da Coordenação Política, segundo o qual a aliança com o PMDB é “fundamental para a governabilidade do país”30, expressa os graves riscos que envolvem uma possível ruptura. Mas não é só o PMDB que ameaça deixar a base: o PPS, após sentir-se for-talecido com a vitória sobre o PT em Porto alegre, passa a ameaçar publicamente abandonar seus cargos e deixar o governo.
Em meio ás disputas que envolvem tanto a reorganização de forças para as elei-ções de 2006 como a eleição para as duas casas do Congresso no início de 2005, a agenda do Congresso encontra-se praticamente paralisada: “Há uma crise entre Exe-cutivo e Legislativo e o governo tem que assumir isso. Há uma falta de respeito com o Congresso, e não estou me referindo a oposições. O governo não respeita sua pró-pria base”31. e o que se desenvolve é um verdadeiro “balcão de negócios”, no qual cada partido busca negociar um melhor espaço no governo para continuar mantendo seu apoio.
Além das crises junto ã base aliada, após as eleições vêm ã tona novas resistências provenientes dos próprios petistas. No dia 09 de novembro formou-se novamente uma articulação de deputados federais ligados ás correntes da esquerda do PT para protestar contra o governo, repetindo um movimento semelhante que ocorreu em meados de 2003. Segundo Chico Alencar (RJ), “acreditamos que o voto da população nestas eleições foi um voto de descontentamento. Não estamos fazendo um julga-mento definitivo do governo Lula, mas queremos enfatizar que foi aceso o sinal ver-melho”32. Segundo o deputado Ivan Valente (SP), “o partido teve uma derrota política no segundo turno. A direção nacional quer tapar o sol com a peneira, mas as urnas mostram o desapontamento, a insatisfação, a frustração com as mudanças que não vieram”. Mas não foram apenas os deputados da esquerda que começaram a disparar:
O ministro da Educação, Tarso Genro, a prefeita eleita de Fortaleza, Luizianne Lins, e outras figuras petistas também manifestaram suas insatisfações com o partido e o governo. (...) As afirmações de Luizianne Lins, de que o partido deve “radicalizar a democracia” interna e fortalecer a militância, expressam o descontentamento da ala esquerdista. Em sentido semelhante vão as cen-suras do ministro da Educação, Tarso Genro, ã “excessiva amplitude” de al-gumas alianças. É precipitado prever uma crise nos moldes daquela que provocou o expurgo dos “radicais”. É possível, porém, divisar uma tentativa dos insatisfeitos de conquistar posições após o revés eleitoral sofrido pelo Planalto. 33
O brutal giro ã direita do PT nessas eleições, somado ã derrota em cidades centrais como São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, abalaram a relação do PT tam-bém com os setores da intelectualidade e profissionais liberais historicamente apoia-dores do “modo petista de governar”. Segundo o advogado João Piza, ex-presidente da OAB-SP, militante petista e representante de vários dirigentes do PT na Justiça:
seria a total apatia experimentada por setores majoritários da militância inte-lectual do partido na defesa de nossas teses e governo, o que mereceria uma reflexão mais acurada, pois das duas uma, ou não mais nos relacionamos com esse segmento por absoluta incompetência da direção ou o nível de decepção que causamos chegou ao limite em que a eloqüência do silêncio berra por si.34
Como se não bastassem as contradições junto aos aliados, o governo Lula terá que lidar com o fato de que o PSDB não conseguirá cumprir na oposição o mesmo papel que o PT cumpriu ao longo da década de 90. Além de não ter uma ligação orgâ-nica com o movimento de massas como tem o PT, é impossível de apagar da consciência das massas os dois mandatos de FHC. Ou seja, ainda não estão claros os desdo-bramentos que essa nova composição do regime trará para a consciência da classe trabalhadora, principalmente pelo fato de que se tornou mais evidente nessas eleições a inexistência de um partido ã esquerda do PSDB e do PT com mínima influência de massas.
CAPÍTULO IV
A dinâmica da luta de classes
Essa declaração de Bolívar Lamounier, um importante quadro da burguesia bra-sileira e intelectual do PSDB, expressa a profundidade das contradições sociais que atravessam o país:
O Brasil tem um problema freudiano: alguns gostariam de viver num negócio que, para eles, seria capitalista, mas, para outros, soviético. Como o Brasil ainda não fez sua psicanálise e não resolve que caminho quer seguir ideolo-gicamente, isso resulta em risco alto. (...) o psicanalista é o açoite da tensão social. O que nos leva realmente ao auto-exame, ao divã, e eventualmente a medidas corretivas e de reformas, é a convicção de que o país, do ponto de vista da existência individual e familiar, piora cada vez mais. Você pode ter um PIB mais alto, mas a vida concreta vivida pelas pessoas piora. E elas pressentem que isso tem a ver com as condições econômicas e sociais. A questão social é o açoite que faz com que possamos nos concentrar nos temas fundamentais. Não temos mais o idílio modernizante que nós ima-ginávamos aí pelos anos 50. (...) A população não era tão grande, não era urbana, tínhamos tempo. (...) Isso foi para o beleléu. O que nós temos são quase 180 milhões de sujeitos concentrados nas áreas metropolitanas. E sem aquela bobagem que se costuma apontar no Brasil das supostas defe-rência e submissão dos pobres com os de cima, os ricos. O sujeito defende a condição dele, até por uma questão de sobrevivência, de maneira aguerrida, utilitária e, se necessário, violenta. (...) Então, ou nós concertamos o país para que ele economicamente, institucionalmente na sua estratificação, se adapte a essa sociedade que já é moderna no seu comportamento ou nós vamos ver a modernidade nos comer pela perna.35
Após a greve dos servidores públicos federais contra a reforma da previdência, o começo do ano de 2004 foi marcado por uma crescente mobilização de amplos se-tores da classe trabalhadora por reivindicações de cunho econômico36, combinada com processos de radicalização e ruptura com o governo Lula e o PT em setores de vanguarda, dentre os quais os servidores públicos vinham cumprindo um papel central. No segundo semestre, a greve dos bancários estabelece um salto de qualidade nesse processo, colocando setores concentrados da economia privada no centro do cenário político, dando corpo ã incipiente onda de greves que percorreu o país nos últimos meses.
Greve dos funcionários da USP: um exemplo de politização e radicalização
A greve dos funcionários da USP é o fenômeno da classe trabalhadora brasileira que mostra com mais clareza a existência de elementos de radicalização no cenário político nacional. Foi uma greve de 65 dias na qual os trabalhadores impuseram parte importante de suas demandas através do método de piquetes para impedir o fun-cionamento das unidades centrais da universidade e aprovaram em assembléia rei-vindicações extremamente progressivas como a reposição mensal das perdas sala-riais de acordo com o aumento do custo de vida, a abertura dos livros de contabilidade da instituição, a expulsão da polícia do campus universitário e a derrubada do reitor, vinculada ã implementação imediata de eleições diretas nas quais possa se candidatar qualquer funcionário, estudante ou professor.
Um editorial do principal jornal do país mostra a força que tiveram esses tra-balhadores:
A violência se expressou com mais clareza nos piquetes autoritários que impediram o ingresso das pessoas na reitoria, no edifício da antiga reitoria e na prefeitura do campus da USP em São Paulo, num claro desrespeito a princípios elementares e universalmente aceitos da democracia. Piquetes igualmente violentos foram usados como forma de intimidação nos campi de Piracicaba, São Carlos e Ribeirão Preto. As reitorias da Unicamp e da Unesp foram invadidas e parcialmente depredadas37.
Quando a reitoria e o governo do estado enviaram a polícia para derrubar os piquetes, os trabalhadores, aliados com um setor de estudantes combativos, mos-traram-se dispostos a resistir com barricadas, paus, pedras e rojões, obrigando a rei-toria e o governo a recuarem para evitar um confronto que teria repercussões políticas imprevisíveis. O acordo firmado entre as reitorias das três universidades expressa a diferente correlação de forças que se estabeleceu na USP em função dos piquetes. Enquanto na Unesp e na Unicamp o acordo permite a punição dos grevistas, na USP o acordo impede a punição e concede um benefício adicional através do aumento do vale-alimentação. Além disso, os grevistas reconhecem que mesmo para conquistar os 4,18% de reajuste salarial os piquetes foram fundamentais para fazer retrocederem os reitores que em seis negociações seguidas propuseram 0% de reajuste.
Não só os trabalhadores da USP reivindicaram a abertura dos livros de conta-bilidade das universidades. Ao final do conflito, já alguns setores da Unesp e da Uni-camp começaram a se influenciar por essa consigna. Esse é um elemento extremamente importante, pois a luta pela abertura dos livros de contabilidade significa uma crítica ã forma como é manipulado o orçamento universitário, que enquanto arrocha o salário dos setores mais explorados proporciona enormes ganhos para uma burocracia de acadêmicos e técnico-administrativos e desvia verbas públicas para as fundações de direito privado que cada vez mais tomam conta da universidade. Essa crítica é um pri-meiro passo para que os trabalhadores possam exigir a abertura dos livros de con-tabilidade de todas as empresas da sociedade, mostrando que será impossível acabar com o desemprego sem atacar os lucros extraordinários que a burguesia acumula ã cus-ta da exploração da classe trabalhadora. Nesse sentido, é uma reivindicação que ultra-passa os limites das demandas econômicas por melhores salários e condições de tra-balho e desenvolve a consciência política dos trabalhadores ao se enfrentar diretamente com o regime universitário, que reproduz dentro da universidade a divisão da sociedade em classes sociais38. São reivindicações que apontam para a necessidade dos traba-lhadores, professores e estudantes assumirem em suas próprias mãos o controle da universidade, lutando pela gestão tripartite com maioria estudantil.
Esses fatores mostram que a greve das três universidades tinha força para con-quistar os 16% de reajuste salarial que reivindicava inicialmente. O fato de que não tenha conquistado mostra o papel nefasto que cumprem as direções políticas dos sindicatos de trabalhadores e funcionários da Unesp e da Unicamp e do sindicato de professores da USP, que travaram uma batalha para impedir que a radicalização dos trabalhadores da USP “contaminasse” as demais categorias em greve. Ainda assim, em distintos campi da Unesp os trabalhadores passaram a esperar as assembléias do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) para depois realizar suas próprias assembléias, demonstrando que começavam a ver no Sintusp uma referência política mais importante que seu próprio sindicato.
Três meses depois de terminada a greve, a vanguarda que protagonizou os piquetes fez votar em uma assembléia da categoria que o Sintusp lute pela construção de um pólo anti-burocrático nacional que lute para que a CUT e seus sindicatos rompam com o governo e levantem um programa operário independente de saída para a crise a atinge o país.39
O exemplo de resistência do funcionalismo público
Desde o ano passado os servidores públicos têm sido total ou parcialmente derrotados na maioria das greves duras, prolongadas e com importantes elementos de antiburocratismo e radicalização que têm protagonizado. No entanto, contra-ditoriamente, até agora essas derrotas não foram suficientes para desmoralizar e frear a mobilização da categoria, que ainda expressa diversos sinais de que continuará ocupando um importante lugar nos processos de luta que se desenvolvem no país.
Além da greve da USP, pelo menos três outros processos expressam a disposição de luta dos servidores públicos: os servidores públicos federais (principalmente nas universidades), os judiciários de São Paulo e os funcionários da UERJ.
Apesar da derrota da greve contra a reforma da previdência em 2003, os servidores federais entraram novamente em greve duas vezes em 2004 por reajuste salarial: uma no primeiro semestre na qual foram derrotados ao conseguirem apenas miseráveis benefícios incorporados ã folha de pagamento, e outra no segundo semestre para obrigar o governo a cumprir parte do acordo que ainda permanece em aberto. Esta última em algumas universidades chegou a durar mais de 100 dias, com ocupações de prédios e duros enfrentamentos com a polícia. Ainda que tenham sido novamente derrotados neste ano, os servidores das universidades têm mostrado importantes sinais de que enfrentarão a reforma universitária que Lula pretende implementar a partir de novembro.
A trajetória dos funcionários da UERJ é emblemática: em 2003 entraram em gre-ve junto com outras categorias do funcionalismo estadual e em 2004 protagonizam uma greve de mais de 120 dias com ocupação da universidade e resistência ã polícia com pedras e “coquetéis molotov” nos piquetes:
Os recentes episódios ocorridos na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na Universidade de São Paulo (USP), no Conselho Nacional de Educação e, infelizmente, também na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em que servidores, insatisfeitos com as condições de trabalho, usam a es-tratégia da ocupação para se manifestar - são exemplos de variáveis normal-mente incontroláveis, na medida em que o atendimento ás reivindicações não cabe ao gestor da instituição, mas ao Estado.40
Somando-se ao ensino superior, os servidores públicos do Poder Judiciário têm paralisado suas atividades em diversos estados. No estado de São Paulo, cerca de 40 mil judiciários protagonizaram a maior greve da história da categoria, paralisando as atividades por 91 dias a ponto de colocar em risco o funcionamento das eleições mu-nicipais de outubro passado e provocando a reação da burguesia e seus advogados: “Em São Paulo, há quase 90 dias, a democracia não se realiza, a República está ferida, o Estado está capenga, o governo está incompleto. É o caso de intervenção federal para garantir o livre funcionamento de um dos Poderes”41. Apesar de derrotada (os judiciários paulistas conquistaram 14% de aumento ao invés dos 37% reivindicados, e foram punidos com o desconto dos dias parados nas férias), obser-vamos nessa categoria um fenômeno que pode apontar para algo semelhante ao ocorrido entre os funcionários da USP: os trabalhadores não saem desmoralizados da greve; pelo contrário, setores de vanguarda expressam repúdio aos burocratas que trabalharam pela derrota do movimento e buscam se organizar para novos pro-cessos de luta, colocando em pauta a possibilidade de retorno ã greve para lutar con-tra as punições. Foram deflagradas greves de judiciários também na Bahia e em Santa Catarina e a partir delas foi organizado um encontro para coordenar essas lutas. A partir da Liga Estratégia Revolucionária nós lutamos para combater a burocracia que traiu a categoria e hoje lutamos para que a vanguarda da greve do judiciário entre na Conlutas para transformá-la num pólo antiburocrático nacional.
A greve nacional dos bancários como um ponto de inflexão
Desde a eleição de Lula, as importantes greves no funcionalismo público e as ocupações de terras no campo que dominavam o cenário nacional da luta de classes não vinham encontrando correspondente mobilização nos setores privados da eco-nomia, principalmente nas categorias de maior centralidade na produção. A recente greve nacional dos bancários, combinada com o desenvolvimento mais amplo de mobilizações da classe trabalhadora por reivindicações econômicas, parece apontar para uma mudança na dinâmica da luta de classes que vem se expressando até agora, na qual setores centrais da economia privada nacional também passam a fazer parte do cenário político.
Os bancários realizaram 30 dias de paralisação: é a maior greve da categoria des-de 1992, estendendo-se por 24 capitais e diversas cidades do interior, mobilizando cerca de 200 mil ativistas. Nessa greve observamos a generalização, em apenas uma categoria, mas em todo o país, dos elementos avançados de radicalização que até então vínhamos observando em setores mais reduzidos da vanguarda, como por exemplo entre os funcionários da USP e da UERJ, com o método de piquetes e de en-frentamento com a polícia sendo largamente utilizado para impedir o funcionamento das agências.
Desde o início essa greve foi marcada pelo desenvolvimento de um forte sen-timento antiburocrático, com as bases passando por cima de suas direções que ha-viam fechado um acordo com a patronal. Nas assembléias da cidade de São Paulo, que nas primeiras semanas da greve reuniam diariamente cerca de 2,5 mil trabalhadores, destacou-se o freqüente repúdio contra a burocracia cutista da CNB por parte da maioria dos jovens ativistas que compunham o movimento.
Pela primeira vez depois de eleito Presidente, Lula foi obrigado a defender o ata-que e a repressão a um movimento grevista através do não pagamento dos dias pa-rados, se enfrentando diretamente com uma das principais bases sociais históricas do PT. Com esse ataque Lula pretende dar um exemplo ás demais categorias em luta no país, alertando que irá responder com repressão a possíveis radicalizações.42
Crescente radicalização e politização no movimento estudantil
Ao longo de 2004, o movimento estudantil universitário tem protagonizado mo-bilizações em diversas regiões do país contra o sucateamento e a privatização do en-sino superior e em apoio ás reivindicações dos funcionários e professores das uni-versidades. Estas mobilizações têm mostrado um enorme potencial de politização em função do ataque concentrado que o governo quer aplicar com a reforma universitária. Dentre estes processos, destacam-se, em São Paulo, a greve dos estudantes das Fatecs e da Unesp, e as ações dos estudantes da PUC, que ocupação da reitoria no início do ano e no dia 11 de novembro se enfrentaram com uma brutal repressão da polícia num ato realizado contra a reforma universitária. Além dos processos que se desenvolveram em outros estados, principalmente no nordeste, onde se destacou a greve da Uni-versidade Federal da Paraíba, as mobilizações têm vindo acompanhadas de importantes fenômenos antiburocráticos, em que as correntes governistas são expulsas do mo-vimento pelos novos ativistas que surgem e tomam o controle da luta.
Após a “revolta do buzú”, neste ano os secundaristas continuaram realizando importantes mobilizações em distintos estados contra os absurdos aumentos das tarifas de ônibus, e pela meia-passagem ou pelo passe livre para estudantes e desem-pregados, sendo que em algumas cidades chegaram a abarcar em suas mobilizações estudantes universitários e setores da classe trabalhadora e da população oprimida. Em Florianópolis, cerca de cinco mil secundaristas tomaram as principais ruas da cidade durante uma semana - aqui também ganhando o apoio de amplos setores da população - e conseguiram fazer a prefeitura retroceder no aumento da tarifa de ôni-bus. Novamente, as manifestações, inicialmente convocadas por grupos de jovens, logo passaram ser auto-organizadas nas ruas, com os estudantes se concentrando nos principais terminais de ônibus e nos locais centrais da cidade. Em Fortaleza, mais de 2 mil estudantes, entre secundaristas e universitárias, aliados ao sindicato dos trocadores de ônibus, têm se mobilizado nos últimos dois meses contra a imple-mentação da catraca eletrônica e a conseqüente ameaça de demissão dos trocadores e limitação da meia passagem. Tanto em Salvador como em Fortaleza e Florianópolis, têm-se dado violentos enfrentamentos da juventude com a polícia, nos quais os es-tudantes não têm tido uma postura passiva. Pelo contrário, vários carros de polícia foram incendiados e os policiais, volta e meia, são recebidos com pedras e rojões.
Novembro “vermelho”
Apesar da direção nacional do MST vir se esforçando para evitar as ocupações e garantir uma trégua, tem se tornado cada vez mais difícil convencer os sem-terras a continuar esperando na beira das estradas em condições de miséria. Isso se expressa nos números recordes de ocupações realizadas nos primeiros meses de 2004, e também se expressa na nova onda de ocupações que se desenvolve em vários estados do país logo após as eleições de outubro - definida pela imprensa como o “novembro vermelho”:
No Rio Grande do Sul, foram tomadas terras do Ministério da Agricultura, nas quais é mantido um rebanho de 750 cabeças de gado e funciona um la-boratório voltado para a investigação de doenças bovinas. Invasões também ocorreram em Goiás, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Alagoas e Pará. (...) A nova onda de afronta à lei ocorre em meio ã completa desmoralização do que seria a “reforma agrária do século 21”, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do mandato. Até aqui, nada se viu quanto a isso.43
Sairão os bancários desmoralizados de sua greve ou poderá acontecer nessa categoria como entre os servidores públicos, em que mesmo o atendimento apenas parcial das reivindicações, ou até mesmo a derrota, não conseguiu impedir uma elevação do nível de politização e de organização dos trabalhadores? Que conclusões os demais setores da classe trabalhadora tirarão desse processo? As sucessivas der-rotas totais ou parciais que os servidores públicos têm sofrido em suas mobilizações resultarão na desmoralização da categoria ou serão a base para que o movimento tire conclusões que lhes permitam protagonizar enfrentamentos superiores no próximo período, seja na luta contra as reformas do governo ou em futuras campanhas salariais? Travará o movimento estudantil enfrentamentos superiores? Protagonizarão os sem-terras uma nova onda de ocupações com elementos incipientes de guerra civil no campo? Constituirá a resistência ã implementação das reformas sindical, trabalhista e universitária um ponto de inflexão nesse processo? As respostas para essas per-guntas serão fundamentais para definir os ritmos da luta de classes no próximo pe-ríodo.
CAPÍTULO V
Reforma ou revolução
As profundas contradições econômicas e políticas que percorrem o país e os processos da luta de classes que têm se desenvolvido sob o governo Lula até o presente momento apontam para novos enfrentamentos superiores entre o movimento de massas e o governo Lula no próximo período. No entanto, apesar do resultado eleitoral do segundo turno notavelmente obscurecer as vitórias que o PT obteve no primeiro turno, é unilateral afirmar que o governo e o PT sofreram uma forte derrota, o que ainda está por se definir a partir da nova correlação de forças que emergirá das eleições tanto no âmbito da luta de classes como no âmbito do regime.
É nesse marco que se insere a recente ofensiva direitista por parte do governo federal e dos governos estaduais, principalmente os governados pelo PSDB que saiu fortalecido nas recentes eleições. Além da vergonhosa medida de Lula que demitiu o Ministro da Defesa para defender os generais assassinos e torturadores da ditadura, o governo ameaça cortar a anistia dos torturados e assassinados. Violentos ataques repressivos e medidas de criminalização têm sido descarregadas contra os trabalhadores, os sem-terras e os sem-teto e o movimento estudantil, como ocorreu na repressão aos estudantes da PUC-SP que foi difundida pelos principais veículos de comunicação do país. Essa ofensiva direitista demonstra de forma mais evidente que se as classes oprimidas não se unificam em torno de um programa capaz de se enfrentar com o governo, é a burguesia que termina se unificando para massacrar e perseguir os movimentos sociais.
Se a greve dos bancários (ou até mesmo a greve dos servidores públicos federais e a greve dos judiciários) tivesse sido vitoriosa, certamente a correlação de forças teria sido alterada a favor da classe trabalhadora. No entanto, a greve dos bancários obteve uma vitória econômica parcial com sabor de empate, pois apesar dos bancários não terem sido punidos como foram os judiciários, e apesar de terem recebido um reajuste salarial, o acordo que foi negociado ao final conteve os mesmos termos da primeira proposta apresentada pela burocracia e rechaçada pela categoria. A greve dos judiciários foi uma vitória econômica parcial com sabor de derrota, já que além de ter obtido um reajuste de 14% (era reivindicado 39,19%), a categoria está sendo fortemente reprimida e perseguida após o fim da greve. E a greve dos servidores públicos federais foi uma derrota inclusive econômica, pois nem mesmo o acordo espúrio que a burocracia fechou com o governo foi cumprido até agora.
O que chama a atenção é que, apesar de não ter se destacado uma direção revo-lucionária que pudesse coordenar, generalizar e radicalizar as lutas em curso de modo a garantir importantes vitórias e construir uma referência para os milhões de trabalhadores que se desiludem com o governo Lula e o PT, a maioria desses processos têm tido em comum o fato de que os grevistas não saem desmoralizados, e sim pelo contrário saem politizados, com um forte sentimento antiburocrático e com uma vanguarda que permanece mobilizada.
Para definir a dinâmica da correlação de forças nos próximos meses, cumprirá um papel fundamental a capacidade do governo de disciplinar sua base aliada, principalmente o PMDB, e a capacidade da burocracia cutista de continuar amor-tecendo a luta de classes. Se o ciclo curto de recuperação da economia se estender ao longo de 2005, serão maiores as chances do governo de manter a relativa esta-bilização, a não ser que as mobilizações por reivindicações econômicas atinjam um patamar superior. Se esse ciclo começa a refluir já nos próximos meses, será mais difícil para Lula administrar as profundas contradições que em todo momento batem ã sua porta. Para a definição da correlação de forças que emerge do resultado eleitoral, será fundamental o desdobramento dos confrontos que se darão na implementação das reformas universitária, trabalhista e sindical - que tornarão mais evidentes a relação do governo com o movimento de massas e sua vanguarda - assim como a ca-pacidade do governo de “assimilar” os confrontos com as distintas frações da bur-guesia, que já surgem como subproduto da nova onda de ajustes fiscais e mone-tários em curso e das negociações em torno aos novos arranjos e alianças que irão compor a disputa eleitoral de 2006.
A visão de intelectuais burgueses como Bolívar Lamounier se aproxima um pouco mais da realidade do que a opinião da maioria dos intelectuais ditos de “es-querda” - quase todos historicamente ligados ao PT -, que distorcem a realidade em suas análises e expressam um pessimismo tal que só é possível entender a partir da compreensão da necessidade que esses setores têm de justificarem o papel que cum-priram na construção do PT no passado ou o vergonhoso apoio que ainda dão a esse partido e ao governo. É essa operação ideológica que vemos expressa em reco-nhecidos expoentes da intelectualidade petista, como Emir Sader, que ao se referir aos setores que romperam com o PT em 2003 e buscam formar um novo partido, diz:
As dificuldades não são pequenas para o novo partido. Em primeiro lugar, a dificuldade de lançar o projeto de formação de um novo partido em um momento de refluxo das mobilizações populares e, ao mesmo tempo, de de-sânimo dos militantes críticos do governo Lula e da orientação predominante no PT, diante da dimensão da derrota que o fracasso do governo eleito pela esquerda significaria (...) para ser coerentes com suas análises [o novo par-tido] têm que incorporar uma derrota estratégica de proporções históricas que significaria o fracasso do governo Lula e do PT.44
Apesar de unilateral, a análise de Emir Sader não está de todo equivocada: de fato, todas as correntes, dirigentes e intelectuais que hoje rompem com o PT cantaram a eleição de Lula em 2002 como uma grande vitória da classe trabalhadora, e hoje con-seqüentemente (ou melhor, absurdamente!) caracterizam a derrota do PT nas eleições de outubro como uma derrota do povo explorado e oprimido45. Agora, para justificar sua ruptura, eles são obrigados a falsificar uma suposta guinada súbita e abrupta deste partido ao neoliberalismo, mudando sua opinião “da noite para o dia” acerca do papel que cumpre o PT.46 O que tanto os petistas envergonhados como os re-negados têm dificuldade de enxergar é que a luta de classes vai muito além dos diretórios municipais do PT, dos cargos parlamentares, das diretorias das entidades sindicais e estudantis burocráticas e de todos outros tipo de aparatos que existem. Não conseguem enxergar que a grande contradição que aponta para o fim da ofensiva neoliberal no Brasil é a historicamente inédita oportunidade de amplos setores do movimento de massas se enfrentarem diretamente com suas principais direções po-líticas nas últimas duas décadas, as mesmas que foram responsáveis por desarmar o proletariado para resistir ã ofensiva neoliberal e por e amortecer a luta de classes des-de o último ascenso operário e popular na década de 80.
Apesar do derrotismo e do pessimismo dos setores historicamente ligados ao PT que se recusam a empreender o giro neoliberal deste partido, nós, da Liga Estratégia Revolucionária, confiamos plenamente na força do proletariado brasileiro, e levan-tamos um programa para colocar essa força em movimento.
A CUT e seus sindicatos têm que romper com o governo e o PT, e lutar por um programa operário independente
A direção majoritária da CUT, ligada ã direção do PT, vem se colocando ã frente da maioria dos importantes processos de mobilização que têm se desenvolvido, con-seguindo conter ou desviar o descontentamento de amplos setores do movimento de massas com suas péssimas condições de vida - como temos visto nas campanhas salariais deste ano, especialmente na dos metalúrgicos e dos petroleiros -, e demonstra que essas direções ainda exercem uma enorme influência sobre a classe trabalhadora. Por outro lado, o fato de que essas direções estejam se colocando ã frente dos prin-cipais ataques do governo e da patronal - como na participação da CUT na elaboração e na implementação das reformas do governo e na proposta de “entendimento nacional” que essa central fez ã Fiesp - proporcionam uma oportunidade inédita para que a classe trabalhadora perceba o papel traidor que cumprem essas direções.
Importantes setores de vanguarda da classe trabalhadora têm começado a romper com a burocracia cutista e lutar contra a política do governo Lula. Já fazem parte des-se processo a Federação Metalúrgica Democrática de Minas Gerais, que reúne em sua base cerca de 90 mil operários, o Sindicato Metalúrgico de São José dos Campos, que reúne em sua base cerca de 35 mil operários, alguns dos sindicatos que têm pro-tagonizado importantes lutas no último período, como a Andes47 e o Sintusp, e vários outros sindicatos que já se colocam nessa perspectiva ou se encontram em fase de discussão nas suas bases.
É necessário um Pólo Antiburocrático Nacional com um programa de luta e uma forma organizativa capazes de dotar esses setores que começam a romper com o governo Lula de um instrumento para fortalecer, coordenar e generalizar as lutas em curso, expulsando a burocracia dos sindicatos e passando a dirigir os milhões de tra-balhadores que ainda estão sob sua influência. Atualmente, o principal pólo aglutinador destes setores é a Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas), que no dia 16 de ju-nho organizou uma manifestação contra o governo com mais de 15 mil pessoas em Brasília.
Os trabalhadores e sindicatos que rompem com o governo e o PT devem entrar para a Conlutas lutar para transformá-la num verdadeiro pólo antiburocrático nacional, que construa oposições sindicais revolucionárias dentro de cada sindicato controlado pela CUT para expulsar a burocracia e recuperar o sindicato para colocá-lo a serviço dos trabalhadores. Para tal, é necessário que a Conlutas levante um programa que responda aos reais interesses da classe trabalhadora e ao mesmo tempo se con-traponha claramente ã burocracia cutista e ao governo. Infelizmente, hoje em dia o PSTU é o principal dirigente da Conlutas e a política que este partido levanta é im-potente para cumprir essa tarefa.
Atualmente o eixo central da Conlutas é a luta contra as reformas, e de vez em quando algumas campanhas por “salário e terra”. Além de que, para responder aos reais anseios da classe trabalhadora, um programa que se restringe à luta contra as reformas é completamente insuficiente, a própria estratégia do PSTU em relação ás reformas não é capaz de derrotá-las.
O PSTU atualmente coloca todo o eixo de sua estratégia para derrotar a reforma universitária em um mero plebiscito, e contenta-se em fechar acordos com o PSOL e com a esquerda do PT que restringem o plano de lutas a atos, manifestações e deba-tes. Esses aspectos do plano de lutas para derrotar as reformas são fundamentais, e todo tipo de idéias que possam ajudar a conscientizar a classe trabalhadora e a ju-ventude para colocá-los em movimento devem ser implementadas. No entanto, são completamente insuficientes se não estão a serviço de organizar uma greve geral uni-versitária e uma greve geral da classe trabalhadora para derrotar as reformas.
Além da luta contra as reformas, a Conlutas tem que responder aos principais problemas que atingem a maioria esmagadora da população do país: o desemprego, a superexploração e o aumento permanente do custo de vida. Historicamente, a bu-rocracia cutista sempre tem respondido a estes problemas negociando migalhas com a patronal. Frente ás ameaças de demissões, a burocracia tem se contentado em “me-lhorar as condições das demissões”, conseguindo a demissão de alguns milhares ao invés de muitos milhares e conseguindo rescisões um pouco maiores para que o tra-balhador possa sobreviver alguns meses a mais antes de cair na miséria do desem-prego; ou então se contentando em “trocar demissões por bancos de horas”, con-quistando para o patrão o fim da jornada fixa de trabalho para que ele possa pagar os salários de acordo com o nível da produção sem precisar gastar com contratações e demissões a cada ciclo econômico de crescimento ou recessão. Frente aos valores miseráveis dos salários e ao aumento permanente do custo de vida a burocracia se contenta em, quando muito, fazer campanhas salariais uma ou duas vezes por ano; e todo ano pede para o governo um salário mínimo um pouco menos miserável (que este ano não precisava ser mais que R$ 300,00!).
A Conlutas tem que lutar para que todos tenham trabalho, e para isso só existe uma estratégia: é necessário impulsionar permanentemente uma campanha nacional pela divisão de todas as horas de trabalho existentes entre todas as mãos disponíveis com um salário capaz de suprir as necessidades básicas de uma família. Não podemos mais permitir que ocorra nenhuma demissão. Não somos os trabalhadores que geramos a crise e não somos nós que devemos pagá-la. Se a burguesia não consegue admi-nistrar suas empresas deve ficar sem elas. Toda empresa que feche ou demita deve ser imediatamente retirada das mãos dos patrões, colocada para produzir sob controle dos trabalhadores e colocada para abastecer um plano de obras públicas para atender ás necessidades da população e financiado com o dinheiro que Lula usa para pagar a dívida do Estado aos banqueiros milionários e com o aumento progressivo dos im-postos ás fortunas dos capitalistas. Não podemos permitir que a elevação dos preços reduza permanentemente o valor dos salários. A Conlutas tem que lutar para que to-dos os trabalhadores tenham os salários reajustados mensalmente de acordo com o aumento do custo de vida.
Se por um lado devemos ser os mais destemidos combatentes pelas necessidades mais elementares da classe trabalhadora, por outro lado, a cada passo devemos com-binar essa tarefa com a luta por reivindicações concretas das massas que se enfrentem diretamente com as bases do sistema capitalista e proporcionem experiências que possam elevar seu nível de consciência, cumprindo um papel transitório. A combinação entre as reivindicações mínimas e democráticas e as reivindicações transitórias é a arma que nos permite combater a influência da burocracia sobre as massas, cons-tituindo o programa transicional pelo qual lutamos os revolucionários. Se em seus discursos e em seus jornais o PSTU fala da revolução, na luta de classes concreta se nega a lutar por reivindicações que de fato possam elevar o nível de consciência po-lítica da classe trabalhadora, capitulando ao programa mínimo dos reformistas que se contentam em negociar migalhas com a patronal para enganar a classe trabalhadora. É por isso que o programa da Conlutas hoje se reduz à luta contra as reformas do go-verno. É por isso, também, que em cada greve o PSTU se contenta em reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho.
Só levando um programa operário e independente como este a cada fábrica diri-gida e controlada pela burocracia cutista a Conlutas irá se transformar em um pólo an-tiburocrático nacional capaz de se constituir como alternativa de direção para o mo-vimento de massas.
Além de não levantar um programa transicional, o PSTU atualmente chama os sindicatos combativos a se desfiliarem da CUT e a construírem uma nova central sin-dical. A política de Trotsky em relação ao giro ultra-esquerdista da Terceira Internacional na década de 30 tem que servir para que o PSTU abandone essa política de romper com a CUT com uma minoria de sindicatos “vermelhos”:
O capitalismo só pode continuar mantendo-se se diminui o nível de vida da classe operária. Nestas condições, os sindicatos podem transformar-se em organizações revolucionárias ou em correias de transmissão do capital que intensifica a exploração dos trabalhadores. A burocracia sindical, que resol-veu satisfatoriamente seu próprio problema social, tomou o segundo cami-nho. Toda a autoridade da qual gozavam os sindicatos se voltou contra a revolução socialista e inclusive contra qualquer tentativa dos trabalhadores de resistir aos ataques do capital e da reação. (...) Desde esse momento, a tarefa mais importante do partido revolucionário passou a ser liberar os tra-balhadores da reacionária influência da burocracia sindical. (...) Nestas condições, surge facilmente a idéia de se não é possível superar os sindi-catos. Não poderiam ser substituídos por algum tipo de organização nova, não corrompida, como os sindicatos revolucionários, os comitês de fábrica, os soviets e outras similares? O erro fundamental destas tentativas é que reduzem a experimentos organizativos o grande problema político de como liberar as massas da influência da burocracia sindical. Não é suficiente ofe-recer ás massas uma nova direção, há que buscar as massas onde elas es-tão para dirigi-las. Os esquerdistas impacientes dizem ás vezes que é impos-sível ganhar os sindicatos porque a burocracia utiliza o regime interno destas organizações para salvaguardar seus próprios interesses, recorrendo ás mais baixas maquinações, repressões e intrigas, ao estilo da oligarquia par-lamentaria da era dos ‘municípios podres’. Por quê então perder tempo e energias? Na realidade, este argumento se reduz a abandonar a luta real para ganhar as massas, utilizando como pretexto a corrupção da burocracia sindical. Ainda assim pode ser mais desenvolvido: por quê não abandonar todo o trabalho revolucionário diante das repressões e provocações da bu-rocracia governamental? Não existe nenhuma diferença de princípios, já que a burocracia sindical tem se convertido definitivamente em parte do aparato econômico e estatal capitalista. É absurdo crer que se poderia tra-balhar contra a burocracia sindical contando com sua ajuda ou sequer com seu consentimento.48
A CUT, por mais burocrática, traidora e governista que seja sua direção, ainda reúne em sua base 3.315 de sindicatos, 7,4 milhões de filiados e 22 milhões de tra-balhadores representados49. Até hoje, das centenas de sindicatos que o PSTU dirige ou influencia, apenas 23 romperam com a CUT. Segundo as palavras de Zé Maria, presidente nacional do PSTU, na melhor das hipóteses, até janeiro seriam 100 sin-dicatos que romperiam, totalizando 600 mil trabalhadores representados. A política do PSTU de chamar os sindicatos e trabalhadores que começam a romper com o go-verno a se desfiliarem da CUT e construírem uma nova central sindical com uma mi-noria de “sindicatos vermelhos” não pode ser um obstáculo para a unidade dos que lutam contra o governo e nem tampouco para a luta pela construção de oposições sindicais revolucionárias dentro dos sindicatos controlados pela CUT para expulsar a burocracia, pois a conseqüência disso é o crime oportunista de deixar a maioria da classe trabalhadora nas mãos dos traidores.50
A Conlutas só conseguirá destruir a burocracia cutista se combater a tradição que o PT incrustou no movimento operário, na qual as decisões mais importantes são tomadas por uma minoria de sindicalistas por fora do envolvimento real da maio-ria dos trabalhadores, onde os sindicatos são verdadeiras “cascas vazias” comple-tamente isoladas de suas bases. O PSTU chama os trabalhadores a se desfiliarem da CUT a partir de um encontro sindical com 90 delegados e 23 observadores re-presentando um total de mais de 90 mil trabalhadores51. Como é possível que uma decisão tão importante seja tomada por um número tão reduzido de dirigentes sindicais? Os demais sindicatos devem seguir o exemplo do Sintusp, onde os tra-balhadores que foram a vanguarda da greve votaram em assembléia dez delegados com um programa definido e com mandatos revogáveis para representá-los na Conlutas.
A classe trabalhadora precisa que a CUT e seus sindicatos rompam com o PT e impulsionem um partido operário independente controlado pelos sindicatos
Nas recentes eleições municipais, uma enorme distância quanto ao peso eleitoral separou, por um lado, o PSDB e o PT - com os demais partidos burgueses que orbi-tam em torno destes - e por outro lado o PSTU e o PCO. O PSTU e o PCO juntos rece-beram 0,24% dos votos válidos. Isso mostra que esses partidos são praticamente insignificantes frente ás dezenas de milhares de trabalhadores de vanguarda que já começaram a romper com o governo Lula e com o PT, e mais ainda frente ás dezenas de milhões que tendem a fazê-lo no marco dos próximos ataques que virão.52
O espaço que vai da centro-esquerda ã extrema-esquerda tenta ser ocupado por projetos de conciliação de classes, como o do PSOL, mas suas forças estão longe de conseguir isso. Mesmo que o PSTU, o PSOL, o PCO e todos aqueles que se reivin-dicam revolucionários se juntassem num partido comum, essa união não conseguiria reunir mais do que alguns milhares e estaria longe de ocupar esse espaço.
Esse brutal espaço vazio só poderá ser preenchido no próximo período se, ex-pulsando a burocracia cutista, lutarmos para que a CUT e seus sindicatos rompam com o governo Lula e o PT e chamem a construção de um partido operário inde-pendente dirigido pelos trabalhadores a partir dos seus sindicatos, que canalize todo o processo de desilusão com o governo Lula e o PT e ganhe influência em amplos se-tores do movimento de massas.
Ao não lutarem por essa política, o PSTU, o PSOL e o PCO continuam se ne-gando a lutar pelas tarefas que demandam as condições objetivas do país. Mostram seu caráter sectário e oportunista ao mesmo tempo em que se limitam apenas a en-gordar seus próprios aparatos, deixando de lutar para que os trabalhadores avancem na sua experiência com o governo Lula e o PT pela inexistência de um partido operário independente com influência de massas.
Só com uma ferramenta política como essa, que é completamente diferente do PT, que nunca foi independente e nem dirigido pelos trabalhadores a partir dos sin-dicatos, os trabalhadores poderão organizar uma luta efetiva contra as reformas neoliberais do governo Lula e por um programa operário de saída para a crise que tenha como um dos seus principais eixos a luta por um governo da classe operária, aliada ao conjunto do povo explorado e oprimido, cujo poder emane das assembléias de milhões de trabalhadores concentrados nos grandes centros industriais e de ser-viços do país. Um governo oposto pelo vértice não só aos governos burgueses co-mo o de Lula e do PT, mas também aos regimes stalinistas baseados em um único partido burocrático.
A luta pela construção de um partido operário independente dirigido pelos tra-balhadores e seus sindicatos, sem a burocracia, hoje deve dar ensejo a um debate na vanguarda da classe trabalhadora e da juventude (especialmente entre as correntes que se reivindicam revolucionárias, como o PSTU, o PCO, nossa Liga Estratégia Re-volucionária e outros que se encontram dentro do PSOL), sobre a estratégia, o pro-grama e as táticas centrais que devem nortear a construção de um partido revolucionário com influência de massas no Brasil.
NOTAS
1 Em função da recente publicação de fotos que supostamente mostrariam o jornalista assas-sinado pela ditadura militar Vladimir Herzog sendo torturado, o exército soltou uma declaração pública justificando as atrocidades cometidas pela ditadura em nome da ameaça do “Movimento Comunista Internacional”. Mesmo depois que o Ministro da Defesa José Viegas exigiu que o comandante do exército fosse demitido em função dessa declaração, Lula teve o descaramento de defender a postura do exército contra Viegas.
2 Luis Carlos Bresser Pereira. Folha de São Paulo. 22/08/2004.
3 Celso Furtado. Raízes do subdesenvolvimento. Editora Civilização Brasileira. 2003. p. 113.
4 Em 1984, no dia da votação da Emenda Dante de Oliveira que estabelecia a implementação de eleições diretas para a Presidência da República, o PT levanta a greve geral que a CUT ha-via convocado e a Emenda é derrotada, assentando as bases para a eleição da chapa Tancredo-Sarney por mais 5 anos pela via indireta do reacionário Congresso oriundo da ditadura.
5 O governo Lula traz consigo o maior número de mortes de sem-terras já contabilizado até ho-je num mesmo ano em função de conflitos no campo.
6 Flakepet (Itapevi-SP); Interfibra (Joinville-SC), CIPLA (Joinvile-SC); Flaskô (Sumaré-SP); J.B. Costa (Recife-PE) e Diamantina (Curitiba-PR).
7 Nos orgulhamos de fazer parte da mesma corrente política internacional que o PTS na Argentina, que, em frente única com os trabalhadores e o sindicato de ceramistas de Neuquén, não só tem transformado Zanon numa referência de luta para a classe trabalhadora como tem impulsionado um jornal de milhares de exemplares espalhados por todo o país com o objetivo de assentar as bases para um amplo movimento político, classista, em ruptura com o peronismo, que forje uma nova tradição de esquerda no movimento operário argentino. Infelizmente, tanto o PSTU quanto as correntes políticas que hoje se encontram no PSOL, nada fizeram para que esse fenômeno de fábricas que são ocupadas no Brasil se transformasse num exemplo para os trabalhadores que cada dia mais caem na miséria do desemprego. Colocamos todas as nossas pequenas forças pa-ra fazer vitoriosa a luta dos trabalhadores da Flakepet em São Paulo, combatendo a direção da corrente O Trabalho e lutando contra a política do PSTU que era a direção sindical do conflito e capitulava ã política conciliadora dos lambertistas. Apesar de que a ocupação da Flakepet te-nha sido derrotada, temos orgulho de que as dezenas de estudantes que levamos para apoiar os trabalhadores nos dias mais difíceis de sua luta tenham lhes dado força para enfrentar não só a patronal mas também os burocratas ligados ao PT e ao governo. Ver artigos nos jornais Palavra Operária n° 8 e 9, no site www.erqi.org.
8 Uma onda de ocupações urbanas protagonizadas pelos sem-tetos percorreu diversas regiões do país, sendo que algumas delas chegaram a ganhar projeção nacional, como foi a ocupação do terreno da Volkswagen no ABC paulista que reuniu mais de 4 mil famílias.
9 “Em 2003, as exportações brasileiras cresceram 21%, com aumentos de 33% para a Ásia, 80% para a China, 29% para a Europa oriental e 50% para a África do Sul e outros mercados novos. Em contraste, para os Estados Unidos, as vendas só aumentaram 8,8%. Nos cinco primeiros meses deste ano, agravou-se a disparidade, já que as exportações em geral se aceleraram a 25%, enquanto para o mercado norte-americano elas se arrastaram com um raquítico “crescimento” de 1,2%”. Folha de são Paulo. 22/08/2004.
10 “O pacote tributário anunciado ontem surtiu o efeito desejado sobre a indústria. As medidas chegaram a ser classificadas como um ‘marco’ no relacionamento entre a indústria e o go-verno.” Folha de São Paulo. 7/08/2004.
11 As direções majoritárias da CUT, do MST, da UNE, da CMP etc., todas hoje articuladas na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), chamam o povo que sofre com os ataques de Lula a pressionar o governo por medidas favoráveis ã classe trabalhadora e ao conjunto da população oprimida. Apóiam-se na origem proletária de Lula e do PT para defender que o governo sofre supostas “pressões” por parte do imperialismo e da burguesia, e para chamar os trabalhadores a “pressionar pela esquerda”. Difundem a falsa idéia de que lutar contra o governo seria “fazer o jogo da direita”. Fazem coro com Lula dizendo que o governo é o que é por causa das “herança malditas” que recebeu de FHC. Em seu lema principal, se colocam a tarefa de “Organizar a Esperança”. No fundo, dão todos os motivos para que o povo aceite os pedidos de Lula por paciência.
12 No dia 3 de outubro o PT recebeu 16,3 milhões de votos (17,17% dos votos válidos). Na com-paração com 2000, isso significa um aumento de 37% (eram 11,9 milhões em 2000), saltando da quarta para a primeira colocação. Em relação ao total de prefeituras conquistadas, o PT deu um salto de 187 prefeitos para 411. E em relação ao numero de capitais governadas, cresceu de seis para nove. Em relação ao percentual de prefeitos reeleitos, o PT obteve 44%, enquanto o PFL e o PMDB obtiveram 32,4% e o PSDB 31,1%.
13 Segundo o Seade-Dieese, nas principais regiões metropolitanas, em setembro de 2004, o de-semprego estava em 10,9%, enquanto em dezembro de 2002 o mesmo indicador registrava 10,5%. O rendimento médio real trimestral na grande São Paulo, em agosto de 2004, registrava 53,1 (tomando-se a base 100), sendo que em agosto de 2002 o mesmo índice registrava 55,3. A renda média nas seis principais regiões metropolitanas do país, já descontada a inflação, era de R$ 990,91 em dezembro de 2002 e de R$ 910,10 em setembro de 2004. “ (...) é forçoso constatar que até aqui os resultados não conseguiram se transferir das estatísticas do agronegócio e das exportações para o bolso da população. (...) O tempo também conspira contra as chances de que surjam efeitos dignos de nota justamente na área - a social - em que se esperava melhor desempenho do PT. Já se vão praticamente dois anos de governo e nada que faça diferença foi apresentado. (...) Parece correto dizer que as urnas, ao menos em grandes centros, como São Pau-lo, refletiram essa avaliação”. Folha de São Paulo. 7/11/2004. Segundo Tarso Genro, ministro da educação do governo Lula, “Houve um evidente deslocamento de setores médios da sociedade - que neste momento não se consideraram incluídos no nosso projeto -, que foram para um campo disperso, de caráter aparentemente centrista, no qual se reproduz ou um forte ceticismo político ou um “antipetismo” extremado”. Folha de São Paulo. 5/11/2004.
14 “Quem ganhou e quem perdeu as eleições municipais?”, Emir Sader. Site www.outrobrasil.net.
15 Declaração de Genoíno no dia 31/11/2004.
16 Folha de São Paulo. 5/11/2004.
17 Financial Times. 1/11/2004.
18 No dia 3, o PSDB recebeu 16,3 milhões de votos (16,53% dos votos válidos), crescendo 16% em relação a 2000 (13,5 milhões). Até essas eleições, o PSDB, que não governava nenhuma cidade com mais de 1 milhão de habitantes, passa a governar 13. Em relação as capitais, contabilizando um total de cinco - segundo lugar no ranking dos partidos - o PSDB estará ã frente de uma população total de mais de 13,9 milhões de pessoas, enquanto os petistas terão sob o seu co-mando capitais com um total de 7,9 milhões de habitantes. Considerando o número total de eleitores no país, os tucanos também têm vantagem considerável: 24 milhões de eleitores serão governados pelo PSDB, enquanto o PT comandará 17 milhões de eleitores. Se o critério for o orçamento, os petistas cuidarão, nas capitais, de R$ 5,287 bilhões, contra R$ 12,259 bilhões das cidades tucanas.
19 Declaração de Juarez Guimarães, da Secretaria Nacional de Formação Política do PT, para a Folha de São Paulo no dia 7/11/2004.
20 O PMDB obteve 14,23 milhões de votos no primeiro turno (14,96% do total de votos válidos) contra 13,26 milhões em 2000, representando um crescimento de 7,34%. O PFL caiu de 13 mi-lhões de votos em 2000 para 11,25 milhões em 2004 (-13,25%).
21 Site Primeira Leitura. 1°/11/2004.
22 Site Primeira Leitura. 6/10/2004.
23 Revista Primeira Leitura. Outubro de 2004.
24 “O crescimento da demanda por insumos, como agroquímicos e máquinas, elevou seus preços numa faixa de 30 a 100% desde 2003. O avanço da praga da ferrugem asiática sobre as la-vouras de soja contribuiu para o maior consumo de fungicidas. No mesmo período, saíram as previsões de safras recordes de soja e milho nos Estados Unidos e na Argentina. As cotações caíram para perto de 10 dólares por saca de soja, bem abaixo dos 14 dólares obtidos neste ano.” Revista Exame. 10/04/2004.
25 “O achatamento salarial é um fenômeno que se verifica desde 1995, quando o Caged passou a divulgar dados para o período de janeiro a junho. Na média de todos os setores, a redução sa-larial foi de 14% no primeiro semestre deste ano, considerados os valores nominais. Trata-se de um fenômeno exemplificado pela troca de um salário de R$ 100 por outro de R$ 85,96. No ano passado e em 2002, o achatamento foi da mesma ordem - variou entre 14% e 15%.” Dados ex-traídos do jornal Folha de São Paulo em 1°/08/2004.
26 Folha de São Paulo. 8 de agosto de 2004.
27 Na prática o superávit realizado pelo governo nos últimos 12 meses de fato tem superado a me-ta de 4,25%. Nos últimos 12 meses até julho, o superávit primário acumulado é de 4,65% do PIB. No primeiro semestre do ano, o superávit foi de 5,59% do PIB.
28 Folha de São Paulo. 13/11/2004.
29 “Segundo Calheiros, hoje há três correntes dentro do PMDB. A primeira, encabeçada pelos go-vernadores, que quer deixar a base do governo federal. A segunda, endossada por vários parla-mentares, quer que o partido continue dando sustentabilidade ao governo Lula, mas com inde-pendência. A terceira defende que o partido continue no governo e até mesmo venha a apoiar a reeleição do presidente Lula ã Presidência em 2006”. Folha Online. 5/11/2004.
30 Folha Online. 5/11/2004.
31 Declaração de José Carlos Aleluia (BA), líder do PFL na Câmara, reproduzida da Folha Online no dia 9/11/2004.
32 Site Primeira Leitura. 10/11/2004.
33 Folha de São Paulo. 7/11/2004.
34 Folha de São Paulo. 13/11/2004.
35 Revista Primeira Leitura. Agosto de 2004.
36 No primeiro semestre, 79% das categorias conquistaram reajustes salariais superiores ã inflação em suas campanhas salariais.
37 Folha de São Paulo. 5/08/2004.
38 A reacionária estrutura de poder da USP é composta por um Conselho Universitário onde a maioria esmagadora da burocracia acadêmica não permite o mínimo espaço ao número prati-camente insignificante de estudantes e funcionários e por um Reitor que é diretamente indicado pelo governador do Estado.
39 Nós, da LER-QI, estamos ligados aos trabalhadores mais explorados da universidade, os que trabalham na manutenção do campus e nos restaurantes, que foram os principais protagonistas dos piquetes e os principais impulsionadores das reivindicações mais progressivas que foram as-sumidas como bandeiras do movimento. Como estudantes e como funcionários da USP, estivemos na linha de frente para forjar uma aliança entre o movimento estudantil e a greve dos trabalhadores e para garantir a resistência dos piquetes contra a repressão policial. Nos orgulhamos de ser parte ativa da criação de novas tradições de luta entre os setores mais avançados que hoje saem à luta no país. Lutamos por esses métodos combativos que renegam a tradição conciliadora do PT e impõem a força da classe trabalhadora desde uma perspectiva independente. Desde a LER-QI discutimos hoje junto com os funcionários mais combativos da greve da USP o significado que tem essa experiência para o conjunto da classe trabalhadora do país e a necessidade de colocar de pé uma corrente político-sindical que lute por uma nova tradição classista e antigovernista no movimento operário brasileiro. Uma corrente baseada em sindicatos militantes que não se redu-zam a fazer campanhas salariais uma ou duas vezes por ano (quando fazem) e que não sejam en-tidades vazias completamente isoladas de suas bases, e sim que sejam repletas de ativistas e que faça política cotidianamente; que lute por reivindicações capazes de elevar o nível de cons-ciência política da classe trabalhadora; que lute dentro da CUT para desmascarar a direção go-vernista desta entidade aos olhos dos milhões de trabalhadores que ainda acreditam nela. In-felizmente, tanto o PSTU quanto o PSOL não colocaram praticamente nenhum peso dos seus aparatos partidários (sejam os parlamentares do PSOL ou as centenas de sindicatos que o PSTU dirige ou influencia) para que a radicalização dos funcionários da USP se constituísse como um embrião de novas tradições que a classe trabalhadora brasileira precisa para enterrar a nefasta tradição conciliadora e reformista que o PT ao longo de duas décadas tratou de difundir.
40 O Globo. 10/10/2004.
41 Folha de São Paulo. 5/08/2004.
42 Infelizmente, o PSTU, que foi uma das principais direções da greve, colocou mais uma vez em evidência sua completa impotência para impulsionar os fenômenos mais avançados da luta de classes e forjar uma nova vanguarda revolucionária, contribuindo para o recuo do movimento. Ao invés de responder ã intransigência da patronal e do governo com a radicalização do mo-vimento - que desde o início foi mais acentuada no restante do país do que em São Paulo, que é um dos lugares onde a presença do PSTU é mais forte -, o que fez foi rebaixar a reivindicação da categoria e vergonhosamente pedir a intervenção do Tribunal de Justiça no conflito.
43 Editorial Folha de São Paulo. 13/11/2004.
44 “Um Novo Partido?”. Emir Sader. Site www.outrobrasil.net. 3/06/2004.
45 Sobre as eleições de 2002, Babá afirma que “a vitória de Lula significa a vitória da classe tra-balhadora brasileira, não é a tomada do poder, a gente tem clareza disso (sic.), mas é que os tra-balhadores conseguiram romper um elo de trajetória histórica de quinhentos anos de domínio da burguesia”; e Luciana Genro afirma que “a vitória eleitoral de Lula foi parte de um acúmulo de lutas e movimentos sociais de vinte anos no Brasil”. Em Felipe Demier (coord.). As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil. Rio de Janeiro. Bom Texto. 2003. Como balanço das eleições de 2004, Luciana Genro afirma que “foi uma enorme derrota, sentida por milhares de ati-vistas de esquerda, de trabalhadores petistas que ao longo de suas vidas estiveram em oposição ao neoliberalismo”. Correspondencia de Prensa. 3/11/2004.
46 Segundo o “Projeto de Programa” do PSOL: “Depois de quatro disputas, Lula entregou-se aos antigos adversários, e voltou as costas ás suas combativas bases sociais históricas. Transformou-se num agente na defesa dos interesses do grande capital financeiro. Na esteira dessa guinada ideológica do governo, o Partido dos Trabalhadores foi transformado em correia de transmissão das decisões da Esplanada dos ministérios”.
47 Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior.
48 Trotsky. “O ILP e a nova internacional”. 4 de setembro de 1933.
49 Estes dados foram extraídos do site da CUT (www.cut.org.br).
50 Uma política minimamente revolucionária que o PSTU deveria impulsionar seria, em base ã influência que tem nos metalúrgicos de Minas Gerais e de São José dos Campos, organizar a partir destes dois pólos regionais uma ala revolucionária da CUT em permanente luta contra a CUT nacional. Quando em 1996 nós da LER-QI ainda nos constituíamos como uma ala es-querda dentro do PSTU junto com Brandão (então diretor do Sintusp) e espalhou-se na primeira página dos principais jornais do país uma foto de Brandão agredindo o burocrata Vicentinho (neste então Presidente da CUT) que havia acabado de negociar com o governo FHC a reforma da pre-vidência pelas costas dos trabalhadores, a direção do PSTU fez questão de punir Brandão soltando uma carta pública reprimindo sua atitude, adulando e pedindo desculpas ao Presidente da CUT. Ontem e hoje a política do PSTU não consegue combater consequentemente a burocracia.
51 Dados extraídos do jornal Opinião Socialista (PSTU).
52 No primeiro turno das últimas eleições, chamamos o voto crítico no PSTU porque eram can-didaturas independentes da burguesia e porque para nós seria muito importante que se expressasse nessas eleições o processo de descontentamento com o governo Lula e o PT que se desenvolve em amplos setores de vanguarda. Nosso voto foi crítico porque opinamos que o PSTU não levanta um programa capaz de responder ás reais necessidades da classe trabalhadora no país. Chamamos os militantes do PSTU a refletirem hoje sobre os motivos do fracasso eleitoral. Não basta a dire-ção do PSTU dizer que o número de votos “não importa” para os “partidos revolucionários”. Esse número expressa, ainda que de forma distorcida, a influência do partido sobre a vanguarda e as massas, seu estado de ânimo e o grau de desenvolvimento de sua consciência. Apesar de corre-tamente ter dedicado seu horário eleitoral para a greve dos bancários e dos judiciários, que alter-nativa partidária o PSTU oferece ás dezenas de milhares de grevistas que combateram a burocracia cutista atrelada ao governo e ao PT? Obviamente, não pode lutar nas assembléias para que es-ses trabalhadores entrem para o PSTU, pois significaria uma total desmoralização. A direção do PSTU não oferece nenhuma alternativa partidária aos milhares de grevistas, assim como não oferece aos metalúrgicos de São José dos Campos e de Minas Gerais que recentemente romperam com a burocracia cutista. O PSTU diz, no Opinião Socialista n° 194, que nessas eleições “são os trabalhadores que perdem, por manterem suas ilusões no PT e na oposição de direita”. Correto, mas é hora dos revolucionários se responsabilizarem pelos rumos e pelos ritmos da ruptura das massas e da vanguarda com o governo Lula e o PT. Chamamos os companheiros do PSTU à levar suas conclusões até o final e refletir: as centenas de milhares de trabalhadores que estão mobilizados em todo o país, para não falar das dezenas de milhões de insatisfeitos com o governo Lula só vão “ganhar” quando entrarem para o PSTU? O resultado eleitoral mostra que isso é uma ilusão des-proporcional e não uma política revolucionária para influenciar o movimento de massas.