Bolívia
Tensões a três meses de governo do MAS
04/05/2006
Por: Eduardo Molina
A ascensão de Evo Morales e do MAS, apresentando-se como um “governo indígena e popular”, despertou enormes expectativas não só na Bolívia, como também em nível latino-americano, aparecendo como uma expressão de esquerda na onda de relocalizações políticas “pós-neoliberais” que percorre a região. Mas três meses no governo têm explicitado os estreitos limites da pretendida “revolução democrática e cultural”. Até seus mais entusiastas defensores devem reconhecer que pouco ou nada mudou para as massas pobres, salvo o próprio fato do ingresso do MAS ao Palacio Quemado. Neste momento, o país atravessa uma conjuntura de tensão política e social, na qual a pressão da direita, encorajada pelas concessões que o MAS vem fazendo a ela, se soma ã primeira onda de conflitos operários e populares que o governo teve de enfrentar. Este se encontra em um virtual “impasse” ante a necessidade de decisões chave na política para o gás, econômica e social, com evidentes tensões internas, e pese a sua ampla popularidade, sofre certo desgaste nos inícios da decisiva campanha eleitoral para a Assembléia Constituinte.
Assembléia Constituinte e política econômica: concessões e pactos com a direita
Para além do discurso popular e nacionalista, o fato é que o governo do MAS tem se limitado até agora a administrar o Estado semicolonial, combinando alguns tímidos gestos simbólicos (como a redução de salário dos oficiais) com medidas parciais (na justiça, na polícia, na política para a coca) que não rompem os marcos da ordem econômica, social e política herdada de seus antecessores “neoliberais”. É que como tinha dito Evo Morales: “no passado eu estava contra as oligarquias, mas reconheço que foi um erro porque necessitamos de empresários”. [1] Isto, em nome de um “novo padrão de desenvolvimento”, no qual “as relações entre empresa estatal, privada nacional e estrangeira, assim como as associações de produtores do campo e da cidade se concebem como complementares” [2], e se reduz ã “revolução democrática e cultural”, a remover algumas das mais retrógradas formas de racismo, sem mudar as relações de propriedade na qual a secular opressão das maiorias indígenas mantém suas raízes, nem romper com o imperialismo.
Nestes meses, o governo manteve um curso ã direita com respeito ás suas já bastante diluídas promessas iniciais, seguindo uma política de concessões ã oposição política, ás oligarquias regionais e ás transnacionais, em busca de um entendimento ou acordo para fazer aceitável seu programa de “tíbias” reformas. A melhor expressão deste curso tem sido o pacto com a direita parlamentar (PODEMOS, UN, MNR) e as elites cruzenhas e tarijeña, para a convocatória ã Assembléia Constituinte e o referendo autonomista, que inclui enormes concessões políticas ã reação e antidemocráticas restrições contra as aspirações indígenas e populares de uma participação direta.
O MAS remete todas as expectativas populares ã Constituinte, sob a promessa de “refundar o país”, mas ao mesmo tempo prepara uma Assembléia fortemente condicionada, na qual ademais, ao se assegurar o monopólio da “representação popular” garante de antemão sua moderação. Junto com isso, mantém um rumo econômico conservador, até ao ponto de que uma revista burguesa especializada pôde intitular “a economia em piloto automático”. O MAS anuncia uma “nacionalização sem expropriação” do gás, negociada quase em segredo com as petroleiras (algumas estariam demorando para pagar os impostos e congelando investimentos para forçar um acordo mais favorável); mas esta política, apesar da fraseologia nacionalista, se reduz a modificar os contratos com as transnacionais, obter uma certa participação e supervisão do Estado em toda cadeia do negócio energético, através da reconstrução da YPFB e buscar a associação com aqueles que seguirão sendo os verdadeiros donos do negócio e de seus lucros, como mostra o intento de “construir uma associação estratégica” com a Petrobrás.
A crise do LAB, empresa aérea capitalizada há anos e “esvaziada” por seus proprietários, atualmente do empresário local Ernesto Asbún é um enorme fato político que desnuda a estafa das “capitalizações”, e por sua vez testa o respeito do MAS ã “segurança jurídica” dos capitalistas. Ainda que a empresa esteja em virtual quebra e só a nacionalização seria uma saída progressiva, o governo tem se negado a dar este passo e até aceitou retirar a intervenção que havia ditado em seu momento, promovendo em troca uma “cooperativização” que descarrega sobre os ombros dos trabalhadores os custos de salvar ã empresa super endividada.
Quanto a outros temas cruciais, como a terra, o governo posterga as demandas dos “sem-terra” para não se indispor aos latifundiários do Oriente. Na questão mineira continua com uma política privatizante, como é o caso da jazida de ferro de El Mutún e a política aplicada desde o Ministério da Mineração. Rechaçou também os pedidos de melhoras salariais e trabalhistas dos trabalhadores da saúde e educação - aos que concedeu um raquítico 7% de aumento mensal.
Mas para reconstruir um regime estável (uma “democracia reformada”), desmobilizar o movimento de massas e habilitar melhores margens para seu projeto de “capitalismo nacional”, o MAS necessita implementar através da Constituinte e da política de hidrocarbonetos algumas reformas que dêem sustentação a seu programa, o que leva a novos choques com setores da classe dominante.
A ofensiva conservadora
Por isso, as concessões longe de acalmar a direita, não têm feito mais que proporcionar-lhe novos pontos de apoio e alentá-la a “ir por mais” em sua ofensiva. A direita arrasta as seqüelas da derrubada de seus velhos partidos, do descrédito do neoliberalismo e de sua derrota eleitoral em dezembro, com divisões internas, como mostram as rupturas em PODEMOS (isolamento da ADN e Siglo XX, P.P Paredes) e os limites do “civismo” cruzenho para se projetar como alternativa nacional.
Entretanto, exerce uma constante pressão midiática com os meios de imprensa e a TV a seu serviço; através da campanha autonomista, recorrendo ás mobilizações regionalistas (paralisações cívicas e assembléias em Santa Cruz e Tarija); além da oposição parlamentar. Busca desgastar o governo e “golpear” sobre os dois eixos principais de disputa em jogo: a futura Assembléia Constituinte e o tipo de regime que emergirá dela (as elites regionais querem limitar qualquer reforma que afete seus interesses, tais como a propriedade da terra, e converter aos governos departamentais num contrapeso frente ao governo central), e a política de hidrocarbonetos (na qual não podem dar vazão abertamente aos seus interesses como “sócio-menores” do capital estrangeiro). A bandeira autonomista lhes proporciona também uma boa cobertura política para buscar certa base social. Junto a isso, atua a pressão mais “discreta” das embaixadas imperialistas e a “cooperação internacional”, condicionando cada passo do governo com respeito ã “segurança jurídica”, e o “fortalecimento da democracia” e os “compromissos internacionais”.
Primeira onda de protestos e paralisações
Neste marco, um fato novo é a importante onda de protestos e lutas de setores operários e populares desde finais de março e durante todo abril, a primeira desde que Evo assumiu o governo. Uma paralisação cívica e mobilizações das províncias do Chaco (onde estão 90% das riquezas de gás da Bolívia) que exigem ser reconhecidas como um departamento separado, contaram com o decidido impulso da Assemblea del Pueblo Guyaraní (os guaraníes são mais de um terço dos habitantes desta região). Isto foi um golpe para os reacionários planos autonomistas das elites de Tarija e Santa Cruz, mas também foi um questionamento ã sua política, ainda que o MAS não tenha sido ativo em enfrentá-lo, ao reclamar a nacionalização de 100% do gás e denunciando que García Linera pactuou com o prefeito de Tarija a manutenção de um decreto de Carlos Mesa que permitia a este departamento negociar por sua conta com investidores internacionais.
Os pilotos e trabalhadores da LAB se mobilizaram repetidas vezes exigindo ao governo a nacionalização e chegaram a se manifestar nas pistas dos principais aeroportos, e tomar instalações da empresa, pelo que foram duramente reprimidos pela polícia e as Forças Armadas. Conseguiram converter sua luta numa causa do povo de Cochabamba (onde está a sede da empresa), com importantes manifestações de rua e uma paralisação cívica de 24 horas.
Também se mobilizaram os estudantes normalistas, trabalhadores da saúde (que pararam 48 horas, pese a que o “ministro operário” Gálvez declarou a medida “ilegal”), magistério urbano e rural, etc. Estas são apenas as expressões mais visíveis de um extenso processo que inclui muitas lutas pontuais, como a dos aeroportuários de SABSA -El Alto, trabalhadores das obras civis do mega projeto mineiro San Cristóbal em Potosí, da empresa M y M de Santa Cruz, e outras.
O MAS saiu contra este processo de lutas com violentos ataques políticos e calúnias, denunciando-as como parte de uma “conspiração” e fazendo um amálgama entre as ações reacionárias como a paralisação empresarial do transporte e dos “cívicos” cruzenhos e tarijeños; e as legítimas reivindicações sindicais, afirmando que a “elite cruzenha e PODEMOS sublevaram os dirigentes trabalhistas e aproveitam seu descontentamento contra o governo do povo” [3], o que “[4]” [5]. O certo é que enquanto o MAS renova suas denúncias contra a “conspiração”, concilia cada vez mais com as forças da reação e ataca com empenho aos setores sociais que se mobilizam. Também tenta realinhar suas forças relançando o “Estado Maior do Povo” com os movimentos sociais que dirige, e tomar o controle da COB e de outras organizações.
Se debilita a “lua de mel” com as massas e emergem tensões no governo
Esta tendencia a luchas por demandas obreras y populares muestra que además de la presión de la reacción, el MAS enfrenta nuevas contradicciones con sectores de un movimiento de masas que si bien le otorga un amplio apoyo -la popularidad de Evo en las encuestas supera el 70%- comienza a mostrar signos de impaciencia ante al falta de respuesta a sus expectativas, lo que también se refleja en cierto distanciamiento de movimientos sociales como CONAMAQ, la Coordinadora del Agua dirigida por Oscar Olivera en Cochabamba, la comunidad afroboliviana, sectores vecinales alteños, etc.
Esta tendência à lutas pelas demandas operárias e populares mostra que além da pressão da reação, o MAS enfrenta novas contradições com setores de um movimento de massas que apesar de lhe outorgar um amplo apoio - a popularidade de Evo nas pesquisas supera 70% - começa a mostrar sinais de impaciência ante a falta de resposta a suas expectativas, o que também se reflete no certo distanciamento de movimentos sociais como CONAMAQ, a Coordinadora del Agua dirigida por Oscar Olivera em Cochabamba, a comunidade afroboliviana, setores vicinais altenhos, etc.
Ao anunciar “idílio rompido” La Prensa expressou sua preocupação, porque a “contenção” que o MAS obtém sobre os “movimentos sociais não é tão firme” como a classe dominante esperava, explicando que “existe a crença de que as boas relações entre todo governo novo e aqueles que o apoiaram para levá-lo ao poder começam a se deteriorar 100 dias após aquele ter sido empossado. Tal parece que uma vez mais está sucedendo quando nem sequer se cumpriram os 90 dias”. [6]
De fato, o MAS não está conseguindo transformar sua enorme legitimidade eleitoral e o amplo apoio social em fortaleza política para colocar em marcha seus planos e adotar um rumo claro. Tudo isso empurra a gestão governamental a um virtual “impasse”, como reconhece ã sua maneira o dirigente Antonio Peredo, ao se queixar de que a imprensa e a TV difundem “a imagem de um governo sem capacidade de resolução, perseguido e sem plano de governo” [7] e causa fricções dentro das fileiras oficiais.
Álvaro García Linera e ministros como J. De la Quintana (de Governo) e Carlos Villegas (Planejamento) encabeçavam uma influente ala de direita que exige obter pactos com a oposição e as oligarquias para evitar que a constituinte fracasse: “Se não encontramos este denominador comum que nos une a todos e resulta que um pedaço fique excluído (...) então teremos fracassado” (...) “Se os indígenas excluem à queles que os excluíram estarão perdidos” [8] e ameaçando com que “sua duração (do “evismo”) vá depender muito das classes médias”. [9] Ademais, aparecem constantemente posições encontradas, como quando funcionários da área econômica desmentiram as promessas de Evo de aumento salarial e há descontentamento em setores deslocados, como entre os masistas de Santa Cruz que se sentem “sacrificados” pelas concessões ã oligarquia local.
No marco destas fricções, é possível que Evo Morales, que se localiza no centro, como árbitro entre as distintas alas e principal referente do movimento de massas, impulsione novos gestos que ainda que não alterem o rumo fundamental do governo insinuem um relativo “giro ã esquerda”. Não pode se descartar que para o 1° de Maio anuncie medidas como a nova política petroleira, um aumento moderado do salário mínimo e as pensões ou a regulação da “livre contratação” trabalhista, para retomar a iniciativa política, reafirmar as ilusões populares e relançar a campanha pela constituinte.
Perspectivas
Nos próximos meses o processo eleitoral e a instalação e debates da Assembléia concentrarão a atenção de todos os grupos e classes sociais em meio ã polarização política entre o MAS e a direita. Ainda que se possam amortizar temporariamente as tensões e elementos de descontentamento e crise política, remetendo-as ã Constituinte, isso não significa que se possam fechá-las definitivamente. A Constituinte será o cenário de fortes disputas entre a pressão da reação e a impaciência das massas cujas demandas e expectativas não serão satisfeitas.
Sob a superfície seguem fervendo as profundas contradições econômicas, sociais e políticas que tensionam a crise nacional e que com a poderosa irrupção das massas no ciclo de levantamentos dos últimos anos, têm aberto uma etapa revolucionária no país. Com o governo de Evo Morales e o “processo constituinte” se abriu uma situação transitória, de signo indefinido, processo que não se fechou e o programa do MAS está posto ã prova sob enormes pressões sociais contrapostas que dificilmente poderá conter de forma duradoura. Sem afetar a propriedade privada dos grandes empresários e latifundiários, e expulsar as transnacionais é impossível derrotas a reação e “refundar o país” segundo os interesses dos operários, camponeses e povos originários.
Duas políticas frente ao governo do MAS
Isto recoloca um debate político fundamental: por um lado estão os que apostam numa estratégia de pressão sobre Evo Morales e seu governo para “obrigá-lo a girar ã esquerda”, como os chamados “radicais”: setores da esquerda masista, a cúpula cobista e o populismo radical altenho, todos os que em essência compartilham a estratégia frente-populista de colaboração de classes com o MAS, ainda que tendam ã métodos mais combativos e sejam ás vezes “anti-eleitoralistas”. O POR, com seu sindicalismo fechado, se adapta a estes setores. Por outro lado, está colocada a necessidade de uma estratégia de organização e mobilização operária politicamente independente, para que a classe operária possa dirigir a aliança com os camponeses, povos originários e setores populares das cidades exercendo sua hegemonia, única forma de resolver integralmente as tarefas democráticas e nacionais e abrir caminho ao socialismo. Esta é estratégia que defendemos os trotskistas da LOR-CI.
Para não romper politicamente com o governo, os “radicais” se negaram a lutar para que a Assembléia Constituinte fosse verdadeiramente livre se soberana, e não moveram um dedo para construir uma alternativa de classe ante a mesma. Até reclamaram, como Jaime Solares, o “co-governo entre o MAS e a COB”. Agora, ainda que renovem seus discursos vermelhos, “contra os reformistas que traíram” e até ameaçam com o fantasma de “assembléia popular” constituinte paralela, seguem apostando a pressionar para “fazer respeitar a agenda de outubro (...) Queremos que o Presidente a cumpra” [10]. Em suma, não se propõem a ajudar o movimento operário e popular a se preparar de maneira sistemática para as futuras lutas, e muito menos a se dotar de um horizonte politicamente independente.
Se realmente se quer desenvolver a mobilização operária, camponesa e popular por uma verdadeira nacionalização do gás e dos minérios; a reversão do LAB e das “capitalizadas” ao Estado, sem pagamento e sob o controle dos trabalhadores; uma audaz reforma agrária, pelo território e as demandas dos povos originários; por um salário mínimo nacional de 1.500 Bs, e trabalho para todos, por plenos direitos ã organização operária, por saúde, educação e moradia, etc. Isto implica em impulsionar formas de coordenação e centralização amplas - como comitês, coordenadoras e genuínas assembléias populares -; como também traçar uma perspectiva política independente dos empresários e de seus partidos, da igreja, das ONGs e do governo. Os encontros, ampliados e congressos - como o próximo da COB - devem ser colocados ã serviço desta perspectiva mediante a mais ampla democracia operária e pela plena independência política dos sindicatos.
Se gesta um novo movimento operário?
A classe trabalhadora está dando os primeiros passos num amplo processo de reorganização operária. Como dizia um trabalhador em Santa Cruz: “não há ninguém que defenda os trabalhadores contra estes abusos por que não há sindicatos, e existem fortes pressões sobre os operários para evitar que se organizem” [11], mas hoje muitos operários começam a se rebelar diante da brutal ditadura patronal e buscam se organizar por baixo. Estão surgindo novos sindicatos (como mostram o combativo SITRASABSA no aeroporto de El Alto e várias fábricas e empresas de serviços) e se reorganizam outros, com elementos anti-burocráticos e de recuperação da democracia operária.
A luta dos 2.200 trabalhadores e pilotos do LAB em defesa de sua fonte de trabalho é o mais importante conflito trabalhista em anos e as do magistério e da saúde, pelo salário e melhores condições de trabalho são expressão de uma tendência muito mais estendida. Este despertar se dá não só em setores estáveis e relativamente mais bem pagos do proletariado, como também entre as camadas mais precarizadas e proletarizadas, como os operários de certas fábricas e oficinas, da limpeza urbana (recolhedores de lixo) ou das empresas terceirizadas de limpeza.
Alentar o desenvolvimento deste processo de organização operária dando-lhe uma perspectiva anti-patronal, anti-patronal, anti-burocrática e independente do governo e do Estado, isto é, conseqüentemente classista é uma tarefa fundamental nesta hora, para contribuir ao desenvolvimento de um novo movimento operário revolucionário, que possa dirigir a aliança com as massas camponesas, indígenas e populares ã vitória. Só sobre esta base se poderá construir uma nova esquerda operária, socialista e revolucionária.
Uma Constituinte pactuada com a direita e os “cívicos”
A Lei de Convocatória aprovada no Parlamento convoca ã eleição de constituintes para o dia 02 de julho (junto com o referendo sobre as autonomias departamentais) e instalação da Assembléia Constituinte em 06 de agosto na cidade de Sucre. Longe de responder ás expectativas populares de uma Constituinte na qual debater e resolver os grandes problemas nacionais e “refundar o país”; a convocatória é produto do pacto entre o MAS, a direita política (PODEMOS, MNR e UN) e os representantes “cívicos” da oligarquia de Santa Cruz e outras regiões, dirigido a frustar estas legítimas aspirações democráticas. Com este acordo o governo do MAS deu um claro passo ã direita, no caminho da conciliação com os empresários, os latifundiários e as transnacionais.
Uma convocatória não democrática
Segundo a lei de convocatória:
> Se elegerão três constituintes por cada uma das 70 circunscrições (somando 210), estes elegerão dois pela primeira maioria e um pela segunda. Somam-se também 5 representantes por departamento (outros 45) totalizando 255 deputados. Este mecanismo permite ao MAS contar com uma ampla maioria, mas beneficia sobretudo a direita; por mais votos que reúna o MAS, só poderia alcançar 158 assentos, longe dos quase 180 que se necessitarão para aprovar qualquer decisão, pois o artigo25 da lei estabelece que se “aprovará o texto da nova constituição com dois terços de votos dos membros presentes da Assembléia”. Esta cláusula significa que ainda que o MAS tenha maioria, a Constituição resultante dependerá de um acordo com a oposição e os “cívicos”.
> Não se aceitaram nem sequer as “circunscrições especiais” demandadas para que os povos originários, particularmente no Oriente e Sul, elegessem representantes próprios “segundo usos e costumes”, muito menos alguma forma de participação direta para sindicatos e organizações populares, como demandavam vários movimentos sociais; também foi negado o direito elementar a participar cerca de 2 milhões de bolivianos residentes no exterior (como as numerosas comunidades na Argentina e no Brasil) e fica desvalorizada a participação da mulher.
> Ao restringir a inscrição de novas forças mantendo a reacionária legislação eleitoral, se proscreveu a participação de novas expressões operárias, de esquerda ou populares; isto quando o critério democrático mais elementar demandava ampliar a possibilidade de apresentar-se para qualquer grupo de trabalhadores ou camponeses que quisesse apresentar sua própria proposta.
> O trabalho da Assembléia durará entre seis meses e ano, enquanto isso, seguirão funcionando regularmente os demais poderes do Estado, o que contribui a recortar suas funções e contrapesar sua importância mantendo a “normalidade” no funcionamento estatal segundo a reacionária e neoliberal Constituição atual, que ademais, se não houver acordo, seguirá vigente.
Um referendo na medida das oligarquias regionais
A convocatória ao referendo sobre a autonomia, bandeira do Comitê Cívico de Santa Cruz, condiciona ainda mais a Constituinte, pois terá caráter vinculante. Com isso, as elites dirigentes de Santa Cruz, Tariza e outros departamentos consolidam seu poder, contando com a autonomia como garantia contra qualquer veleidade da Constituine ou do governo central e preparando o terreno para disputar o controle sobre a terra, o gás e outros recursos naturais. Este referendo nem sequer menciona a possibilidade de que os povos originários - como os guaraníes, chiquitanos ou outros - aspirem ã sua própria autonomia territorial.
Uma Assembléia que não resolverá nenhum dos grandes problemas nacionais
A Lei de Convocatória e o referendo sobre a autonomia pactuados entre o MAS e a reação condicionam a Constituinte nos marcos aceitáveis para a burguesia, os donos da terra e as transnacionais. Isto é preservar a grande propriedade de qualquer mudança e a sujeição ao capital estrangeiro, admitir só aquelas tímidas reformas políticas e de organização estatal que, ou bem não afetem os interesses e posições da classe dominante e das transnacionais, ou se reduzirão a frases bonitas. García Linera reconhece “que só uns 10 ou 20% da Constituição será mudada na Assembléia Constituinte” (Bolpress, 8/03). Com tudo isso o MAS abandona até suas promessas iniciais, quando fala de uma “refundação” do país através da Constituinte. A assembléia que convocam não será nem livre nem soberana, não responderá ás legítimas aspirações do povo trabalhador e não resolverá nenhum dos grandes problemas nacionais.
Impulsionemos uma Proposta dos Trabalhadores ante a Constituinte
Desde a LOR-CI e junto a companheiros dirigentes e ativistas de sindicatos como o de SABSA (Aeroporto de EL Alto), vizinhos combativos de El Alto e jovens e mulheres trabalhadoras, impulsionamos a conformação de uma “agrupação cidadã Proposta dos Trabalhadores” (PT) para o departamento de La Paz, tendo em vista a luta por uma representação operária na Constituinte, com base em um programa de independência de classe e pela aliança operária e camponesa. Os trabalhadores do aeroporto de El Alto organizados em SITRASABSA deram um exemplo, ao votar em assembléia a participação com candidatos próprios o apoio ativo ã construção da Proposta dos Trabalhadores.
Chamamos os sindicatos e os grupos que se reclamam operários e socialistas a construir unitariamente esta iniciativa, mas lamentavelmente estes setores não aceitam participar, mostrando sua adaptação passiva ao regime e seu ceticismo sobre a capacidade dos trabalhadores para se organizar em todos os terrenos.
A reacionária legislação eleitoral e as restrições da convocatória pactuada pelo MAS e a direita praticamente fecharam as possibilidades de participação eleitoral aos sindicatos, organizações de massas e correntes políticas da esquerda operária e socialista. Assim, a comunidade afroboliviana, o M-17 de Roberto de la Cruz e outros setores foram excluídos. Proposta dos Trabalhadores também ficou fora das eleições, mas ao ter cumprido os requisitos, como a apresentação de mais de 20.000 assinaturas em menos de um mês, entretanto, é muito provável que obtenha a personalidade jurídica (se continua com os trâmites), que será uma importante conquista para utilizar futuros eventos eleitorais como tribuna revolucionária e a serviço da organização política independente da classe operária.
Ademais, se conquistou um amplo espaço de discussão e luta em comum com setores de trabalhadores que se organizam sindicalmente e entre os que alguns buscam uma nova orientação política, como as dezenas de companheiros que aceitaram ser candidatos a constituinte e impulsionaram as tarefas da agrupação, entre eles, além do importante papel dos aeroportuários da SITRASABSA há trabalhadores do LAB, fabris, de limpeza urbana de El Alto, de empresas de limpeza, professores auxiliares, artesãos, bancários, estudantes da UPEA e outros. Está colocado junto a estes companheiros redobrar os esforços para alentar a organização operária independente e discutir como assentar as bases de uma nova esquerda operária, socialista e revolucionária.
[1] Palavras do Presidente no ato de comemoração dos 116 anos de criação da Câmara de Comercio. Econoticias. La Paz, abril 11, 2006.
[2] MAS-IPSP, Programa de Gobierno 2006-2010. Pg. 17
[3] La Nueva República n° 19, 13 al 20/04/06
[4]a campanha trata de ocultar o complô, aproveitando a irresponsabilidade dos aventureiros e a desorientação dos peticionarios.
[5] Antonio Peredo L., “De complots, aventuras y reclamos”, en La Nueva República, 7 al 13/04/06
[6] La Prensa, 13/04/06.
[7] Antonio Peredo L., “De complôs, aventuras e reclamos”, em La Nueva República, 7 al 13/04/06
[8] La Prensa, 20/04/06.
[9] García Linera, “El evismo”, en El juguete rabioso n° 150, 2/04/06.
[10] La Prensa, 20/04/06.
[11] Bolpress, “EmnSanta Cruz pisotean los derechos de obreros de la empresa “ M y M” (ASC Noticias).