A 40 anos do assassinato de Che Guevara - PARTE I
07/10/2007 LVO N° 254
Nos próximos 8 e 9 de outubro completará 40 anos desde a queda em combate do Comandante Ernesto Che Guevara na selva de Ñancahuazu, Bolívia. Assassinado a mando do ditador Barrientos, instigado pelos EUA, se desfechava tragicamente a tentativa de se estender a revolução na América Latina mediante ã instalação de um foco guerrilheiro. Por ter dado sua vida como combatente, Che Guevara é uma das referências máximas da juventude e dos lutadores sociais da América Latina e de grande parte do mundo.
Os capitalistas se empenham em transformar Che em um produto mercantil vendível, em pôsteres e camisetas. Programas como “O Gen argentino”, o transforma em figura midiática para obter maior audiência. Seu emblema também é utilizado por reformistas e burocratas de todo tipo, para encobrir suas capitulações políticas frente ã burguesia. O objetivo é despolitizar e esvaziar seu conteúdo ideológico para apresentá-lo como um ícone inofensivo.
Os socialistas revolucionários, trotskistas, consideramos Che Guevara como o expoente máximo da concepção guerrilheirista que tentou levar a frente a revolução social na América Latina mediante a construção de partidos-exércitos guerrilheiros de base camponesa. Nos interessa submeter ã crítica as concepções políticas e estratégicas de Che resgatando-o da utilização mercantil e oportunista feita tanto pela burguesia, como por reformistas, mas também evidenciando as diferenças após extrair lições que sirvam para preparar os combates de classe pela revolução e pelo socialismo internacional neste novo século.
Duas concepções frente ã revolução latino-americana
A revolução cubana, as concepções de Che Guevara e seu exemplo combatente, constituíram uma fonte de inspiração para a geração militante dos anos 1960 e 1970. Sua força se radicava em que a via cubana de luta guerrilheira preconizada por Che, significava uma ruptura radical com o reformismo da esquerda tradicional. Não obstante, a esquerda radicalizada que surgiu sob a influência do guevarismo se apoiou na idéia de que a revolução latino-americana devia se desenvolver a partir da luta guerrilheira, substituindo a ação das massas pela de um grupo de elite, a organização independente de operários e camponeses e a construção de um partido revolucionário, pela conformação de um exército guerrilheiro. Neste sentido, Guevara e a esquerda que o tomou como um guia, se colocavam na linha de continuidade das revoluções semicoloniais do segundo pós-guerra que colocaram no poder partidos-exércitos de base camponesa (China, Vietnã, Coréia do Norte), dando lugar a Estados operários deformados e burocráticos desde sua origem. Isto se remete ã enorme pressão do stalinismo e ao retrocesso do proletariado nos principais centros imperialistas. Por isso, Che e a esquerda filoguevarista tomaram como própria a idéia da guerra popular prolongada. E no caso de Che concebem a construção de um Estado operário de maneira burocrática, de cima pra baixo, com um partido único, atribuindo um valor nulo ã democracia política para as massas. As correntes filoguevaristas auspiciaram no ascenso de massas do final dos anos 1960 e 1970 uma política substitucionista e guerrilheirista, que foi derrotada e fracassou tragicamente.
Pelo contrário, nós trotskistas consideramos imprescindível a construção da direção política de um partido marxista revolucionário da classe operária, que leve ã frente a revolução socialista, entendida como um processo de autodeterminação de operários e camponeses, conformando organizações democráticas das massas em luta que sejam o poder constituinte do Estado operário, em que haja liberdade de ação dos partidos que atuam em seu interior, defendendo a ordem revolucionária. Para isto, é necessária a intervenção hegemônica da classe operária, que dirija a insurreição popular e a ditadura do proletariado. O trotskismo se norteia pelo projeto comunista da revolução bolchevique e das revoluções européias do primeiro pós-guerra que deram origem aos soviets e conselhos de operários, camponeses e soldados e ã Internacional Comunista dirigida por Lênin e Trotsky. Nosso ponto de vista é também o das revoluções proletárias do segundo pós-guerra, como a revolução boliviana de 1952, que mediante ã insurreição destruiu o exército burguês e constituiu um duplo poder na COB e em suas milícias, revolução traída pelo nacionalismo burguês; ou a revolução política anti-stalinista da Hungria de 1956 que erigiu os conselhos operários que marcavam um caminho para regenerar o Estado operário em um sentido revolucionário, como o governo das massas auto-determinadas, que foi afogada em sangue pelo exército soviético.
Desde nosso ponto de vista, o ascenso formidável das massas que se abriu a partir do final dos 1960 em grande parte do mundo, que pôs em movimento o proletariado de países centrais como a França, a Itália, a Inglaterra, entre outros, das semicolônias e inclusive dos Estados operários sob o domínio stalinista, como a Checoslováquia e a Polônia, tendo como norte a revolução social e política que preconizada pelos operários e camponeses autodeterminados e pelo partido revolucionário da classe operária.
Substitucionismo guerrilheirista ou auto-organização operária e camponesa
A concepção de Che, radical enquanto ruptura com a burguesia, recolocando o problema da violência para a tomada do poder, é sem dúvida, completamente equivocada em como lutar contra a burguesia. O eixo de sua estratégia é construir exércitos guerrilheiros de base rural e camponesa que levem a cabo a “guerra revolucionária”.
Che se baseia em uma conclusão unilateral do processo cubano para definir sua estratégia política: “Consideramos que três aportes fundamentais fazem da Revolução Cubana ã mecânica dos movimentos revolucionários na América, são estas:
1. As forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército.
2. Nem sempre se espera que todas as condições para a revolução estejam postas; o foco insurrecional pode criá-las.
3. Na América subdesenvolvida, o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente, o campo.” (A guerra de guerrilhas)
Nós trotskistas compartilhamos da idéia - em geral - de que as forças populares, a aliança operária, camponesa e popular, pode derrotar mediante ã insurreição e ã guerra civil o Estado burguês. Neste sentido, a iniciativa das forças revolucionárias, para os trotskistas, um partido operário marxista revolucionário, é capaz de, mediante sua iniciativa, criar condições propícias, preparar subjetivamente a luta pelo poder e ser um fator decisivo em momentos de revolução aberta. Para isto, é necessário definir corretamente quais são as tarefas da luta de classes e denunciar claramente os inimigos políticos da revolução e do poder operário e popular. Trata-se de defender uma estratégia para construir uma direção política revolucionária da classe operária no processo vivo de luta de classes, impulsionar seu processo de autodeterminação e construção de organizações de luta e milícias para a insurreição que sejam a base do novo Estado.
Para Che, a iniciativa revolucionária se reduz ã criação de um foco guerrilheiro que impulsione a luta armada contra o exército burguês, desligado completamente da vida, a luta e as necessidades políticas da luta de classes das grandes massas.
Para Che “núcleos relativamente pequenos de pessoas elegem locais favoráveis para a guerra de guerrilhas” (Guerra de guerrilhas: um método). A autoorganização, a luta política contra o reformismo, por moldar a consciência operária, a seleção de ativistas e dirigentes nos combates cotidianos dos trabalhadores e do povo, são alheios ao pensamento guevarista.
Campo versus cidade. Classe operária e campesinato
A concepção de Che localiza a luta armada no campo e estabelece que o seu sujeito é o camponês: “nas condições atuais da América (...) os lugares que ofereciam condições ideais para a luta eram campestres e portanto a base das reivindicações sociais que levantará o guerrilheiro será a transformação da estrutura da propriedade agrária” (A guerra de guerrilhas). Che é claro neste ponto: “o guerrilheiro é, fundamentalmente e antes de mais nada, um revolucionário agrário” (O que é um guerrilheiro). Che supervaloriza o campesinato e ignora que este seja estruturalmente débil e dependente da burguesia. A experiência histórica na América Latina demonstrou que em sua luta contra o capital, o campesinato só obtém independência da burguesia em aliança com o proletariado urbano e rural. Cuba é um exemplo. A revolução agrária só foi possível mediante ã expropriação da burguesia, ou seja, levando a frente o programa político da classe operária socialista. Esta questão não era o programa original do M26 cujo lema era: “Vergonha contra o dinheiro” e não o enfrentamento aberto com o capital.
O dogma guevarista comete assim dois erros: 1- Deposita suas expectativas em despertar uma classe, o campesinato, que por sua condição estrutural, não pode orientar suas lutas de forma independente da burguesia, se não for dirigido pela classe operária; 2- abandona a luta pela independência política operária, condição para que os trabalhadores possam dirigir a aliança operária e camponesa. É uma conseqüência de desertar das cidades como terreno de combate onde residem a indústria e os serviços, além do poder político, reforçando assim o poder burguês nas metrópoles.
Para o trotskismo, por sua vez, a condição essencial da vitória da revolução agrária e das demandas da pequena-burguesia está intimamente ligada ã capacidade dos trabalhadores em se munir de uma direção revolucionária para libertar o campesinato e a pequena-burguesia da influência política da burguesia nacional, das ilusões na reforma do capital e da necessidade da insurreição popular para derrotar o Estado burguês.
Gradualismo
A concepção guerrilheira de Che é também gradualista, já que os tempos da luta de classes e da guerra revolucionária, que se desenvolve nas condições que cria o foco, são diferentes. Enquanto a luta de classes dita seus tempos e sintetiza suas fases no calor da evolução política da classe operária e das massas que se autodeterminam, o guerrilheirismo impõe tempos prolongados, muitas vezes sobre as necessidades reais do movimento real das massas. A concepção guerrilheirista se dá por meios burocráticos, já que a constituição de um exército exige a mais férrea disciplina e ã mando dos comandantes. Para Che “A organização militar se cimenta sobre a base de um chefe (...) que nomeie os diferentes comandantes de regiões ou de zonas, com poder para governar seu território de ação”. Sobre esta base, Guevara concebe a disciplina que “deve ser (...) uma das bases de ação da força guerrilheira (...) Quando esta disciplina se rompe, é preciso castigar sempre o responsável(...), castigá-lo drasticamente e aplicar o castigo onde doa”.
Essa concepção é oposta ã idéia leninista de centralismo democrático que concebe a disciplina como a unidade necessária na ação dos revolucionários, produto do debate democrático entre os militantes. Para os trotskistas, a democracia interna do partido revolucionário está intimamente ligada à luta contra as direções traidoras e conciliadoras e a impulsionar a criação de organizações democráticas de operários e camponeses. Sobre essa base, pode-se adquirir uma disciplina comum no combate. A concepção de Che leva a conceber a construção posterior do Estado sobre a idéia vertical da guerrilha. A concepção trotskista, mediante a própria iniciativa das massas que resolvam as tarefas da revolução e da construção de um novo Estado (sobre este ponto, trataremos em uma próxima nota).
Frente ao fracasso do mal denominado “socialismo real”, a recuperação da idéia da autodeterminação das massas que sempre defendeu o trotskismo, e a superação das concepções substitucionistas e burocráticas, é indispensável para encarar a luta das novas gerações pela revolução e pelo socialismo. Neste sentido, o balanço crítico de Che Guevara não degrine nosso respeito pelo revolucionário que deu a vida pelo que considerava correto, mas que o revaloriza para extrair lições militantes e aprender com as derrotas.
A experiência de Cuba e o dogma da “revolução por etapas”
A revolução cubana significou uma derrota ideológica contundente para o dogma stalinista da “revolução por etapas” e a conciliação de classes com a burguesia na América Latina. Colocou claramente a impossibilidade, como sustenta a Teoria da Revolução Permanente, que a burguesia nacional pudesse cumprir as tarefas de libertação nacional do imperialismo e da transformação revolucionária da propriedade da terra.
Até a revolução cubana, era hegemônica na esquerda a idéia stalinista, que difundiam os Partidos Comunistas, que a revolução social na América Latina não era possível e militavam contra ela. Os PC’s sustentavam que em nossos países estava colocada uma revolução antifeudal e antiimperialista que necessariamente devia ser encabeçada pela burguesia nacional. A classe operária e os camponeses teriam que subordinar seus interesses ao da causa comum com a burguesia e deveriam reduzir seus objetivos ao conquistar certa democracia formal e alguma reforma social. A esquerda teria para tal fim que se aliar politicamente aos partidos burgueses democráticos e - no melhor dos casos - nacionalistas. Como conseqüência, a violência revolucionária, a insurreição, a independência de classe e a revolução socialista estavam apagadas do horizonte militante desta esquerda.
A revolução cubana era uma repulsa contra este tipo de concepção. Em Cuba, a original política de aliança com a burguesia do Movimento 26 de Julho foi por água abaixo e a revolução expropriava o latifúndio e as fábricas das mãos dos capitalistas.
Por sua vez, a Declaração de Havana que defendia que “o dever de todo revolucionário, é fazer a revolução” era um golpe contra a política dos partidos comunistas de conciliação com a burguesia, contra a coexistência pacífica ditada por Moscou e contra a subordinação das massas ao nacionalismo burguês.
Guevara e a luta contra a burguesia nacional
Che Guevara é o oposto ao etapismo e por conseguinte um férreo opositor em depositar qualquer confiança na burguesia nacional. Passou pela experiência guatemalteca do nacionalista Jacobo Arbenz, quem foi derrubado pelo Coronel Carlos Castillo Armas, apoiado pelos EUA, em junho de 1954.
Posteriormente, durante a revolução cubana, a burguesia e os latifundiários preferiram atuar como os agentes do imperialismo a permitir uma revolução que melhorava a suas custas as condições de vida do povo. A conclusão de Che foi que “Nas atuais condições históricas da América Latina, a burguesia nacional não pode encabeçar a luta antifeudal e antiimperialista. A experiência demonstra que em nossas nações essa classe, inclusive quando seus interesses são contraditórios com os do imperialismo ianque, tem sido incapaz de se enfrentar com o mesmo, paralisada pelo medo da revolução social e assustada pelo clamor das massas exploradas” (E. Guevara. Guerra de guerrilhas: um método).
Revolução agrária e libertação nacional
Para Che, a revolução latino-americana enfrentava a burguesia nacional em seus motores fundamentais: a luta contra o imperialismo e pela terra.
Explicando a revolução agrária em Cuba, sustentava que “Na Reforma Agrária estão colocados os termos da luta pela libertação nacional do país e também se colocam os grandes dilemas que esta Revolução colocou debaixo do tapete”. Quais eram esses dilemas? “Nossa Revolução vai contra o antigo direito de propriedade; vai rompê-lo e vai aniquilá-lo, porque nossa Revolução é acima de tudo antifeudal e antiimperialista, e deve romper primeiro estas relações sociais.
Agora ao fazer esta Reforma Agrária (...) tivemos o primeiro e muito sério dos choques contra os capitais estrangeiros que se apropriaram do território nacional...”(Discurso no Banco Nacional. 29/1/1960). Como se pode ver, Che compreendeu corretamente que a revolução agrária enfrenta não só o latifundiário mas ao direito da propriedade e ao próprio imperialismo, personificado no capital estrangeiro. E, além disso, compreendeu que a burguesia nacional não podia constituir um freio ã dominação imperialista e chamava a opor a revolução socialista ã direção da burguesia nacional: “as burguesias autóctones perderam toda sua capacidade de oposição ao imperialismo - se alguma vez tiveram - e somente ficam em suas costas. Não há mais mudanças a fazer; ou revolução socialista ou caricatura de revolução”(Mensagem aos povos através da Tricontinental).
Os “neo-guevaristas” contra Che
Vale lembrar esta concepção de Che quando muitos dos que hoje o reivindicam (entre eles o castrismo cubano, o PC argentino, o PCR ou movimentos K como Libres do Sul) são o contrário do Che. O apoio aberto de Fidel e da esquerda reformista e populista, ã “revolução bolivariana” de Hugo Chávez os coloca na linha de quem busca a reconstrução política da burguesia nacional, fortalecendo os Estados burgueses e colaborando com governos servis como o de Kirchner inclusive -preparando assim novas frustrações para as massas que lutam contra a exploração, pela terra e contra o imperialismo.
Os revolucionários e as massas
Os trotskistas opomos a idéia da disciplina guerrilheira e do foco separado das massas ã idéia leninista da relação entre o partido e as massas através de suas organizações de luta “A primeira pergunta que surge é a seguinte: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? (...) Primeiro pela consciência da vanguarda proletária e por sua fidelidade ã revolução, por sua firmeza, por seu espírito de sacrifício, por seu heroísmo. Segundo, por sua capacidade de (...) se fundir com as maiores massas trabalhadoras (...). Terceiro, pelo acerto da direção política que leva a cabo esta vanguarda; pelo acerto de sua estratégia e de suas táticas políticas, a condição as massas maus extensas se convençam disso por sua própria experiência. Sem estas condições, não é possível a disciplina em um partido revolucionário, verdadeiramente apto para ser o partido da classe avançada, chamada para derrubar a burguesia e transformar toda a sociedade. Sem estas condições, as tentativas de implementar uma disciplina se convertem, inevitavelmente, em uma ficção, em uma frase, em gestos grotescos. Mas, por outro lado, estas condições não podem surgir do nada.Vão se formando somente através de um trabalho prolongado, através de uma dura experiência; sua formação se facilita através de uma acertada teoria revolucionária que, por sua vez, não é nenhum dogma, mas somente se forma definitivamente em estreita relação com a prática de um movimento que seja verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário”. (Lênin. Esquerdismo, doença infantil do comunismo)