UCRÂNIA
A disputa entre a Rússia e as potências imperialistas
08/03/2014
Na última semana a Ucrânia se transformou em um campo de batalha do que muitos analistas já chamam de uma “nova guerra fria” entre os Estados Unidos (e a União Europeia) por um lado, e a Rússia por outro, em que estão em jogo importantes interesses econômicos e geopolíticos. As potências imperialistas estão tentando capitalizar a queda do governo pró-russo Yanukovich e sua substituição por um governo pró-europeu para arrancar a Ucrânia da órbita de influencia da Rússia e alinhá-la com os interesses dos Estados Unidos e da UE, o que inclui a expansão militar da OTAN até as fronteiras russas. Como resposta, o presidente Vladimir Putin deslocou dezenas de milhares de soldados na fronteira ocidental com a Ucrânia e incrementou a presença militar na península da Crimeia. Esta foi uma mensagem de Putin de que não vai cair de braços cruzados olhando como as potências ocidentais tecem um cerco em torno da Rússia.
Obama e outros chefes de Estado imperialistas responderam com ameaças de impor sanções econômicas ã Rússia. Mas Putin parece ter lido corretamente os interesses divergentes e a situação de debilidade em que se encontram tanto os Estados Unidos como a UE para concretizá-las. Enquanto elaboramos esse artigo a situação parecia haver retrocedido de seu ponto mais alto de tensão. As ameaças e escaladas militares cederam lugar ã diplomacia febril para encontrar uma saída negociada. Mas além das analogias históricas com a primeira e a segunda guerra mundial que tem circulado nos meios de comunicação, nem os Estados Unidos, nem a União Europeia estão dispostos a ir a uma guerra pela Ucrânia, quer dizer, uma guerra contra a Rússia cuja extensão e consequências são imprevisíveis. Contudo, essa crise, a mais importante ao menos desde o fim da guerra fria, está longe de ter acabado e embora possa ser que se alcance algum acordo pragmático entre os setores pró-ocidentais e pró-russos que permita reestabelecer certa estabilidade, não pode descartar-se outros cenários menos prováveis, mas mais catastróficos, entre eles a partilha do território ucraniano.
Contradições e debilidades
A crise ucraniana destacou as contradições e limites das potências imperialistas para responder ao desafio russo. No marco de sua decadência hegemônica e deixando de lado a opção militar de uma intervenção da OTAN, agora excluída de todos os cálculos, a política dos Estados Unidos foi ameaçar a imposição de sanções econômicas a um membro marginal do governo russo e outras penalidades como excluir a Rússia do G8. Contudo, não está claro que possa impô-las, como demonstra o exemplo de 2008, durante a breve guerra entre Rússia e Geórgia, em que o governo norte americano votou sanções econômicas contra o regime russo que nunca entraram em vigência. A União Europeia, embora tenha apoiado o levante contra Yanukovich e busca incorporar a Ucrânia em sua órbita econômica e militar, não pode endossar um regime de sanções econômicas já que isso iria contra os interesses de seus principais membros. O abastecimento de energia da União Europeia depende do gás importado da Rússia. A Rússia não é só o principal provedor de energia da Alemanha como também seu quarto sócio comercial por fora da União Europeia. A França tem importantes investimentos na indústria automotiva russa, além de que Londres e outros lugares contam com os importantes negócios financeiros dos principais oligarcas russos. Isso explica a linha majoritariamente negociadora da UE, em particular de Merkel que inclusive se opôs a implementar sanções leves, buscando um equilíbrio entre sancionar a ofensiva russa sobre Crimeia, mas sem que isso afete suas relações econômicas. Nestas contradições a Rússia atua para dissimular sua própria debilidade. Desde a desintegração da ex União Soviética em 1991, e aproveitando o caos dos primeiros anos de restauração capitalista abaixo do governo Yeltsin com a consequente decadência econômica, política e social da ex-URSS, os Estados Unidos avançaram sobre a Rússia e sua zona de influência, embora não possam transformar a Rússia em um país semicolonial. Com a chegada de Putin ao poder esse curso de desintegração começou a se reverter. Putin estabeleceu um regime bonapartista, fortalecendo a autoridade estatal, tomou o controle férreo dos principais recursos do país – enfrentando mesmo a alguns dos oligarcas que haviam ficado com o botim das privatizações, reconverteu a Rússia de velha potência industrial em um país exportador de petróleo e gás, beneficiando-se amplamente dos altos preços destas matérias-primas e recompôs seu exército. Isso levou a que nos últimos anos a Rússia ressurgisse como uma potência regional e que tenta resistir ã política ofensiva das potências ocidentais sobre sua esfera de influência mais próxima, com uma série de iniciativas como a União Alfandegária Euro-asiática, ou subsidiar o preço do gás, embora de nenhuma maneira se transformou em uma grande potência: sua economia é cada vez mais rentista e depende do preço do petróleo e do gás. No plano geopolítico, três ex republicas soviéticas Estônia, Letônia e Lituânia e o resto dos aliados do Pacto de Varsóvia ingressaram na OTAN.
Por uma Ucrânia independente, operária e socialista
Os trabalhadores e os setores populares ucranianos são moeda de troca nessa trama de interesses econômicos e geopolíticos das potências imperialistas e a Rússia. Nas décadas de restauração capitalista, tanto com governos pró-russos como pró-ocidentais, os oligarcas (ex-membros do regime estalinista que viraram magnatas com a restauração capitalista) saquearam a propriedade estatal ficando com os principais negócios.
A economia ucraniana foi duramente golpeada pela crise capitalista e a queda do preço do aço, uma de suas principais exportações. Só em 2009 o PIB caiu 15%. A crise na UE agravou as condições. Para sustentar o valor da moeda local, a grivna, o banco central praticamente liquidou suas reservas que caíram de 40.000 milhões de dólares em 2011 para 12.000 em 2014. Finalmente o banco central deixou cair a grivna que sofreu forte desvalorização aumentando o peso da divida denominada em moeda estrangeira, e pôs um cercadinho para evitar o colapso do sistema bancário.
Enquanto Yanukovich oscila entre aproximar-se da UE e manter suas relações com a Rússia em função dos interesses da elite de oligarcas locais, o governo neoliberal que assumiu a semana passada, formado pelos partidos pró-ocidentais e grupos de extrema-direita, já anunciou que deverá tomar medidas antipopulares (chegaram a falar de “políticas suicidas”) e terão que se comprometer ao ajuste do câmbio e ã ajuda financeira de seus amigos do FMI e da UE. Essas reformas estruturais, como já se vê na Grécia ou na Espanha, implicam na queda de salário, fechamentos de fábricas, demissões, privatizações e corte do gasto público.
As manobras militares e políticas de Putin, inclusive sua reivindicação da Crimeia e sua alegada defesa da autonomia ucraniana, não tem nada a ver com o combate ao imperialismo, mas visam defender os interesses do capitalismo russo e suas posições geopolíticas. Enquanto tanto os supostos “nacionalistas” ucranianos agitam o ódio antirrusso, chegando inclusive a proibir o uso da língua russa que falam milhões de cidadãos ucranianos, se ajoelham diante do FMI e de Bruxelas.
Os interesses dos setores populares ucranianos se opõem pelo vértice a esses bandos reacionários e a seus agentes internos. As mobilizações da praça Maidan, embora tivessem a dificuldade econômica como plano de fundo e a raiva contra um governo corrupto e repressor, não levantavam um programa que permitisse uma saída operária para a crise, mas se alinharam com a oposição neoliberal com um programa pró União Europeia e nacionalista extremo, o que se expressou no rol destacado que jogaram grupos neonazis. Por isso a queda de Yanukovich não foi o triunfo da “revolução democrática” como supõem correntes com a LIT e os companheiro da Izquierda Socialista, mas a troca de uma camarilha reacionária por outra
O nacionalismo ucraniano tem suas raízes históricas na opressão exercida pela Rússia que se remota ao império czarista. Após a revolução russa de 1917, a Ucrânia se uniu voluntariamente a URSS em 1922, mas o stalinismo voltou a exercer a opressão nacional contra o povo uraniano, o que implicou em uma fome brutal no início de 1930 com a política de coletivização forçada, e a deportação da população tártara da Crimeia para as repúblicas da Ásia Central. Contra a política estalinista, Trotsky levantava o direito de autodeterminação da Ucrânia. Essa opressão alimentou o ódio anti-russo e empurrou os nacionalistas ucranianos a colaborar com os nazis durante a segunda Guerra mundial.
Agora tanto Russa na Crimeia como os partidos pró-ocidentais jogam a carta do nacionalismo para fins reacionários, o que pode levar até a possibilidade de separação do território ucraniano em zonas sob a influência e da proteção das potências imperialistas e da Rússia.
Só a classe trabalhadora pode dar uma saída progressista. A única perspectiva realista para que a Ucrânia seja independente é expropriar os oligarcas – os novos capitalistas que ficaram com as grandes empresas públicas - deixar de pagar a dívida externa, nacionalizar os bancos, o comércio exterior e os principais recursos da economia e colocá-los a serviço dos trabalhadores e setores populares, quer dizer, lutar por uma Ucrânia trabalhadora e socialista com direitos democráticos para todos os grupos étnicos e nacionais. Esta seria uma alavanca para a revolução social na Rússia e Europa, onde se julgará, em ultima instancia o destino da Ucrânia.