CRISE NA UCRÂNIA
Ucrânia. Entre a diplomacia e o espectro da guerra civil
12/05/2014
Depois de semanas de crescente tensão nas regiões do leste e sul da Ucrânica, as potências ocidentais, através de seu representante, o presidente da Suíça e o presidente russo, Vladimir Putin, reabriram a negociação diplomática para tentar mudar o curso da situação. A escalada de violência estava tomando um curso perigoso e ameaçava cair em uma guerra civil, ou inclusive abrir uma situação de virtual levantamento popular nas províncias do leste e do sul do país, que nenhum dos bandos está disposto a enfrentar. Apesar de a Rússia ter concentrado ao redor de 40.000 soldados na fronteira com a Ucrânia e Putin prometer ajudar ã população de língua russa, não está em condições de sustentar uma incursão militar na Ucrânia. Por sua parte, os Estados Unidos, que vem das derrotas no Iraque e no Afeganistão, e seus aliados da OTAN não têm a política de entrar em um conflito militar aberto com a Rússia. No entanto, o êxito da diplomacia das grandes potências e da Rússia está longe de estar garantida, dado que a crise ucraniana está tomando uma dinâmica própria que pode sair do controle de Washington, Berlim ou Moscou.
A lógica (perigosa) de escalar para negociar
Ainda não havia secado a tinta do acordo que haviam negociado os representantes da União Euripéia, os Estados Unidos, o novo governo da Ucrânia e a Rússia em Genebra a princípios de abril e já havia se transformado em papel molhado.
Após a anexação, por parte de Putin, da península da Criméia, dezenas de cidades nas regiões do leste e do sul da Ucrânia, tradicionalmente mais ligadas por laços econômicos, culturais e étnicos ã Rússia, foram tomadas por milícias pró-russas – com o apoio de Moscou – que ocuparam edifícios públicos substituindo aos representantes locais por novas autoridades afins, ante a impotência do exército regular ucraniano. Setores separatistas proclamaram a República Popular de Donetsk (uma das principais concentrações mineiras do país) e chamaram a um referendum para decidir sua anexação ã Rússia, que iria se realizar 11 de maio. Ainda que as ações armadas tenham sido perpetradas por grupos minoritários, o contexto mais geral é o de um descontentamento com o governo de Kiev, que é visto pela maioria da população do leste como um governo ilegítimo, anti-popular e violentamente nacionalista anti-russo.
A tentativa do governo ucraniano de retomar o controle do leste e do sul com unidades especiais do exército da Guarda Nacional (qual se incorporaram milícias dos partidos de extrema direita e neonazis que atuaram na praça Maidan) transformou cidades como Slaviansk e cenários de guerra urbana. O ponto de inflexão foi o massacre de Odessa, uma cidade portuária de importância estratégica, localizada ás margens do Mar Negro, com uma minoria russa ao redor de 30% da população. No dia 2 de maio, depois de um enfrentamento nas ruas, bandos armados a serviço do governo de Kiev atearam fogo a um edifício sindical onde se haviam refugiado militantes opositores, deixando um saldo de 46 mortos e centenas de detidos. As conseqüências potenciais destes tipos de ações se viram na mobilização de alguns milhares armados com paus que no dia seguinte tomaram de assalto ã delegacia de Odessa, liberando ã maioria dos detidos. Chegado a este ponto, em que vários grupos começavam a pedir a Rússia assistência militar, Putin fez um recuo tático possibilitando a negociação: chamou aos separatistas pró-russos a suspender o referendum convocado para o dia 11 de maio e deu a entender que poderia chegar a aceitar as eleições presidenciais convocadas para 25 de maio pelo governo de Kiev, que contam com o auspício dos Estados Unidos, Alemanha e a UE, apostando que o governo que surja nessas condições será muito débil e contará com pouca legitimidade. Em troca pediu que se retire o exército ucraniano das cidades e cesse o ataque contra as milícias separatistas. O objetivo de Putin é que a Ucrânia permaneça neutra (isto é, que não ingresse na OTAN nem na UE) e conseguir uma reforma constitucional que, no marco de um estado federal, dê maior autonomia ás regiões do leste e do sul, mantendo desta maneira a influência russa na Ucrânia.
Apesar de Putin parecer fazer concessões, isto não pode ocultar que as potências ocidentais têm suas próprias contradições para lidar com a Rússia. Sem a opção militar sobre a mesa, a política dos governos dos Estados Unidos e da UE é pressionar aplicando sanções econômicas. Todavia, a frente imperialista está longe de estar unida ao redor desta política. Enquanto os Estados Unidos pressionam para aplicar sanções mais duras, a Alemanha que tem não só dependências energética da Rússia, mas também importantes laços comerciais e investimentos, encabeça uma linha menos agressiva, que é compartilhada com alguns países do norte da UE. Em ambos casos, as sanções impostas afetam funcionários do círculo íntimo de Putin, chefes militares e alguns empresários, mas até o momento evitaram tocar as grandes empresas energéticas, como Stroytransgaz, que administra vários gasodutos na Europa, ou o gigante Gazprom, já que estas sanções não só prejudicariam a Rússia mas também ás potências ocidentais, pondo em questão a débil recuperação da economia.
Unidade dos trabalhadores do leste e do oeste
As disputas entre a Rússia e as potências estão exacerbando as divisões entre o leste e o oeste do país, alentando nacionalismos reacionários que ameaçam desencadear uma guerra civil. Assim como o governo anterior pró-russo de Yanukovich, o atual governo de Kiev aliado das potências imperialistas está dominado pelos partidos dos oligarcas, que fizeram suas fortunas saqueando a propriedade nacionalizada com a restauração capitalista, e busca descarregar a crise sobre os trabalhadores. Em 30 de abril, o FMI concedeu um empréstimo de 17 bilhões de dólares, que foram usados fundamentalmente para pagar as dívidas com credores ocidentais (5 bilhões ao próprio FMI) e ã russa Gazprom. Em troca o governo central se comprometeu a implementar uma série de reformas impopulares, como aumentar o preço do gás e reestruturar a zona industrial.
Estas medidas impopulares são as que alimentam o descontentamento no leste e no sul do país onde está concentrado o proletariado que já sofre a exploração de grupos ligados ao capitalismo russo e percebe que com os planos de ajuste da UE se perderão milhares de postos de trabalho. Estas condições são as que estão empurrando a enfrentar ao governo de Kiev. O futuro da Ucrânia dependerá da unidade dos trabalhadores do leste e do oeste em luta contra os oligarcas, seus governos e seus sócios imperialistas.