A Bolívia depois da vitória eleitoral de Evo Morales
17/12/2009
No domingo, Evo Morales e o MAS obtiveram um contundente triunfo eleitoral frente a uma direita debilitada e na ausência de qualquer alternativa ã sua esquerda. Evo iniciará seu segundo mandato com a ampla legitimidade que os 63% de votos lhes dá e assegurando um domínio na nova Assembléia Legislativa Plurinacional – tem 108 das 166 cadeiras e ampla maioria em ambas as câmaras-. Isso lhe permitira avançar na transição ao novo regime do Estado Plurinacional da Bolívia, delineado na Constituição que foi aprovada em 25 de janeiro desse ano, graças a uma série de pactos e “consensos” com a direita empresarial e latifundiária.
Publicamos a continuação dos principais aspectos do primeiro balanço elaborado pela Liga Obrera Revolucionaria, organização irmã do PTS na Bolívia. Convidamos nossos leitores e leitoras a visitar a página da LOR-CI (www.lorci.org) para conhecer a análise completa da eleição presidencial na Bolívia.
Uma primeira olhada nas urnas
Uma breve análise dos resultados parciais mostra não apenas um aumento geral do voto em Morales, de 54% a 4 anos para 63%; mas também que melhorou nas cidades, recuperando apoio em setores de classe média e ampliando sua prédica entre os trabalhadores. Também avançou no Oriente, onde historicamente a direita e os “civis” tinham mais peso.
Frente a este avanço, o binômio Reyes Villa –Fernández posicionou-se como o reagrupamento nacional da reação pró-imperialista. Os representantes da velha e desgastada casta política obtiveram 27% dos votos. Por outro lado, o frouxo 7% em Samuel Doria Medina da Unidad Nacional e a tentativa fracassada de René Joaquino (Alianza Social) de projetar-se nacionalmente mostram que houve pouco espaço para um “terceiro partido” de centro-direita “democrática” como o que tentou o ex presidente Carlos Mesa em sua época.
A aplicação do novo sistema de padrão “biométrico”- uma garantia exigida pela direita- e a massiva participação dos cidadãos legitimaram o processo eleitoral, que foi considerado uma “festa democrática” por muitos meios de comunicação e um êxito na criação de “regras do jogo” reconhecidas como parte da consolidação do novo regime na Bolívia. O amplo “respaldo” da União Européia, suas ONG’s e “observadores”, assim como dos governos vizinhos não é um dado irrelevante. Em suma, foi uma vitória não apenas para o governo, mas também para o regime de conjunto.
Nessas eleições não houve dois “projetos de país” fortemente enfrentados, mas sim uma disputa pela representação política que dirija os assuntos do Estado, já que antes da eleição já haviam alcançado muitos “consensos” entre o oficialismo e a oposição.
Nesse contexto, o MAS “levou quase tudo”. Consegue um segundo mandato politicamente fortalecido, se consolida como grande partido nacional populista-reformista e chave do novo regime, e a direita não consegue reverter sua crise nem converter a base social da oposição (esse terço de votos “antievo”) em uma força política consistente, para se confrontar com o oficialismo nacionalmente. Apesar disso, os olhos começam a fitar as eleições municipais e departamentais de abril do ano que vem.
Conciliação de classes e arbitragem nacional
O “espelho distorcido” das urnas expressa uma franca distensão da polarização que primou em 2007-2008, e as tendências a um equilíbrio de “centro” articulado em torno do MAS. Se, por um lado, entre as massas operárias, camponesas e indígenas, primam as expectativas no governo e em suas reformas (ainda que minguando o entusiasmo de 2005-2006), em um apoio consolidado pela cooptação da COB e das organizações sindicais, camponesas e populares; por outro lado “acalmaram-se os ânimos” entre a pequena-burguesia conservadora e avançou a “reconciliação” da maior parte da classe dominante... Este clima de “distensão nacional” apóia-se na relativa estabilidade econômica e na consolidação da construção de um novo regime com fortes traços “bonapartistas” e o governo impondo-se como árbitro e mediador, mas com “consensos” e “garantias” de todo tipo para a burguesia, o que acalma suas críticas a esse tipo de solução ã forte crise pela qual o país passou.
Mais do mesmo
Alguns diziam que o giro ã direita do governo no último período era uma tática de Evo para ganhar votos e conseguir avançar. Evo se radicalizou, apoiando-se nesses 63% de respaldo popular e dominando o Parlamento? Quatro anos de gestão estatal mostraram que tal ilusão não tem base, mas por via das dúvidas, os principais representantes do oficialismo não se cansam de insistir que não pensam em seguir o mesmo caminho. Evo e García Linera inisitem no respeito ã propriedade privada, nas garantias aos latifundiários e na “segurança jurídica” para os capitalistas nacionais e estrangeiros protegidos pela nova CPE. Em seu discurso triunfal, Evo fez “uma convocatória ás autoridades que não querem trabalhar com Evo (...) Que venham trabalhar pelo povo boliviano, porque somos da cultura do diálogo.”(ABI, 07/12), tendendo um pouco ã direita.
Evo apelou ao voto popular sob a promessa de “aprofundar o processo de mudança” em seu segundo mandato. Colheu mais uma vez um grande apoio, apesar de que muitas das promessas e expectativas nunca foram cumpridas: não houve uma verdadeira nacionalização do gás, mas uma renegociação de contratos com as trans-nacionais, e os grandes latifúndios foram convertidos em praticamente intocáveis pela novo Constituição.
O “gasto social”, as obras públicas que geram empregos temporários, precários e mal pagos e com bônus que podem esconder temporariamente alguns dos piores efeitos da miséria mas não podem tapar a absoluta falta de uma resposta de fundo aos problemas centrais dos trabalhadores e do povo pobre. Mais ainda, a grande maioria dos trabalhadores continuam sofrendo com os baixos salários, a precarização do trabalho, o desconhecimento dos direitos sindicais e a prepotência dos patrões, enquanto a política econômica do governo favorece amplamente os interesses dos empresários, dos bancos e das trans-nacionais.
A luta dos trabalhadores e o papel dos socialistas revolucionários frente a essas novas condições, um problema estratégico para os trabalhadores, é a reabertura de um caminho de mobilização independente. A luta pelo salário, o trabalho e o conjunto das reivindicações operárias, camponesas e populares se re-erguerá em novas condições, onde o enfrentamento com os empresários terá que ligar a independência frente a intervenção estatal e a desconfiança da burocracia oficialista.
Esta perspectiva coloca a necessidade de cercar de solidariedade e coordenar as lutas operárias que surjam, exigindo ás organizações sindicais que assumam as reivindicações dos trabalhadores. Para recuperar como ferramenta de luta as organizações sindicais que a burocracia sindical converte em correias de transmissão da política do MAS, é necessário preparar o terreno para reagrupar os trabalhadores combativos em torno de um programa de luta, de plena democracia operária e pela independência de classe frente ao governo e toda variante patronal.
Apesar dos esforços da LOR-CI e outros companheiros, com ações unitárias como o bloco do 1° de maio pela independência de classe e a convocatória para formar uma frente dos trabalhadores e dos socialistas que pudesse levantar candidaturas operárias, esse objetivos não foi alcançado, sendo um obstáculo decisivo as restritivas leis eleitorais defendidas pelo MAS e a direita para assegurar o monopólio da representação política. Assim, não houve nenhuma expressão independente que demonstrasse que frente ao programa populista do MAS e de construir um “capitalismo andino” e o programa abertamente pró-imperialista da direita burguesa, é possível construir um pólo de luta e organização independente dos trabalhadores, dando resposta aos grandes problemas nacionais com um programa para que a crise seja paga pelos capitalistas e o imperialismo. A formação de um pólo como esse, ainda que seja minoritário, seria um importante avanço para poder abrir novos caminhos quando as massas operárias, camponesas e indígenas que hoje confiam no “processo de mudança” vejam suas expectativas frustradas e comecem a mobilizar-se por suas necessidades.
Fazemos um chamado ás correntes que se dizem operárias e socialistas, ã vanguarda estudantil, aos trabalhadores e dirigentes de base combativos, a discutir esses problemas e as tarefas que se desprendem, para contribuir com as lutas dos trabalhadores e no calor das mesmas poder ajudar no avanço da vanguarda, redobrando esforços para colocar de pé um pólo de independência de classe que possa começar a aglutina os elementos politicamente dispersos de uma vanguarda operária e estudantil que, cada vez mais crítica ao MAS, possa tornar-se mais receptiva as idéias e a política do socialismo revolucionário.