FT-CI

Como derrotar a direita?

A crise da Bolívia

29/11/2007 LVO 261

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Os conflitos de Sucre evidenciam a crise política que há um bom tempo abalam a Assembléia Constituinte em virtual agonia e revelam a extrema polarização que reina no país. Com a bandeira da “capitalidade plena” para essa cidade, as “forças vivas” burguesas locais agrupadas no Comitê Interinstitucional (CI) mobilizaram uma movimentação com os universitários enquanto vanguarda, obrigando o setor pró-MAS a fazer com que a Constituinte se reúna em um Liceu Militar. Em 24 de novembro, foram aprovadas nessa instância as linhas gerais da futura Constituição, enquanto a maior parte da oposição boicotava a sessão. Nos enfrentamentos que resultaram em três mortes e centenas de feridos, a polícia foi derrotada e abandonou Sucre, desvelando a fragilidade da ordem estatal e das forças armadas nas quais aposta o MAS, frente ao ataque da reação nas ruas. Isto se dá em una conjuntura de traços reacionários com a qual o MAS contribuiu com todas as suas forças, através da sua política governamental, na Assembléia e nas organizações de massas, facilitando a escalada direitista. No decorrer dos mais de 15 meses de existência da Assembléia, o MAS buscou, por todos os meios, chegar a um consenso com as forças neoliberais e regionalistas, reduzindo suas tíbias propostas de reformas ao mínimo, desmobilizando as massas e entregando toda a classe por garantias ã oposição burguesa (como o regulamento de “dois terços” na Assembléia), utilizado para colocar em xeque a Constituinte e pressionar ao máximo. Entretanto, Evo Morales e seus ministros administravam o Estado sem “tirar os pés do prato” da ordem burguesa, conciliando com os empresários, latifundiários e transnacionais, o que redundou em alimentar a direita, permitir com que esta recuperasse o seu espaço e base social nas regiões e entre a classe média urbana (inclusive dentre os setores que antes tinham referência no MAS), e encorajá-la a “ir com tudo”.

Evo Morales: golpear para negociar

Atualmente, Evo Morales e o governo, frente ao risco de uma dura derrota política (a alternativa era aceitar a dissolução da Assembléia, ou capitular em toda a linha ás exigências da direita), contra-atacaram, “rachando o campo” frente ao “xeque-mate” criado pela oposição em Sucre. O MAS decidiu avançar na Constituinte exercendo sua ampla maioria; modificar a repartição do IDH (Imposto Direto aos Hidrocarbonetos) e aprovar a “renda dignidade” (financiada com o mesmo) para todos os anciãos; fazer uma demonstração de forças em La Paz com a grande concentração de segunda-feira 26 e modificar a Lei de Convocatória, para legalizar que o funcionamento da Assembléia fora de Sucre, ao passo que Evo, seus ministros e constituintes insistem em chamar um acordo com a oposição. Isto é um giro tático dentro da lógica de “golpear para negociar”, para forçar a oposição a reconhecer os marcos em que o governo dirigirá o redesenho do regime político e o novo “pacto social” constitucional. Isto, de fato, desvela o fracasso da tentativa de se fechar um “grande acordo nacional” explícito, sendo uma derrota política para García Linera e a ala do governo que mais se cumpriu a ela; mas isto não significa o abandono da estratégia de conciliação, mas a tentativa de golpear a mesa e obrigar a oposição a negociar em melhores condições para o MAS.

Não se “fecha” o consenso sobre o futuro regime

O eixo das diferenças tramita em torno de algumas das tíbias alterações que o MAS quer introduzir no regime político-estatal. Mas as promessas do MAS estão a anos-luz da possibilidade de a Constituinte “refundar o país”, resolver a questão da terra, a nacionalização dos recursos naturais e as demandas indígenas! Inclusive essa retórica foi abandonada, para lograr os acordos sobre 85% do futuro texto constitucional -segundo a concordância entre masistas e opositores- que permita reconstruir uma ordem político-estatal viável nos marcos capitalistas. Não obstante, não há consenso sobre aspectos do novo regime, o que trava as negociações e aprofunda a crise. Estas diferenças se concentram em poucos temas politicamente “quentes”: a direita rechaça a declaração do Estado como “plurinacional”, a proposta de reeleição indefinida, a supressão da câmara de senadores (que hoje representa os departamentos) e os limites e atribuições das autonomias departamentais. Paralelamente, continua a pugna pela redistribuição dos recursos do IDH que o governo busca centralizar enquanto as prefeituras visam continuar controlando sua fatia suculenta atual, o que é parte da luta por definir as autonomias.

A direita se mobiliza

Frente a cartada do MAS, a oposição parlamentar denuncia demagogicamente o “autoritarismo”, o “sangue derramado” e até a “ingerência chavista”, enquanto os “cívicos” ameaçam com uma escalada, a partir da paralisação cívica de quarta-feira 28 chamada em seis departamentos, até o fechamento desta edição. Mas apesar do endurecimento do discurso, a política dos setores mais fortes parece ser cuidadosa, em acordo com a postura do imperialismo. Por efeito, o governo de Bush, a ONU e OEA e a União Européia se pronunciaram em tom cauteloso, desde a defesa da “democracia” neoliberal e da ordem, chamando, porém, o oficialismo e opositores a dialogar e acordar as alterações constitucionais. A linha majoritária na oposição é “defensiva-ofensiva”: “defensiva” pois busca exercer a máxima pressão possível contra o governo, bloquear suas reformas e desgastá-lo; “ofensiva” pois, deslegitimando as ações governamentais e a futura constituição, abona o terreno para objetivos maiores (como uma eventual tentativa de deslocar Evo do Palácio Queimado).

Não obstante, há diferenças e falta um projeto opositor comum. A bandeira das autonomias, por exemplo, a central para Santa Cruz, é vista com hostilidade pela direita pacenha, que neste ponto sela a “unidade de ação” com o governo (como o prefeito de La Paz, Pepelucho Paredes, do PODEMOS). A direita política, através de “Tuto” Quiroga e outros porta-vozes do PODEMOS e Doria Medina (Frente ã Unidade Nacional - UN), ao passo que atacam o MAS violentamente, chamam a “serenidade” e a tornar a dialogar para se chegar a um “pacto social”, a nova Constituinte. Os Prefeitos de Santa Cruz e a “meia lua” e os Comitês Cívicos têm uma posição mais dura, pois ainda que coincidem em responder desde a “serenidade, a democracia e a lei”, chegam a ameaçar a avançar na “carta autonômica” e apelar a um “referendum revogatório” do mandato de Evo. O Comitê Interinstitucional de Sucre parece atuar na mesma linha, com um discurso muito duro, mas pedindo calma e sugerindo um “referendum para a autonomia departamental”. De conjunto convocam a paralisação cívica “sem bloqueios, pacífico”. Outros setores influentes de Santa Cruz, como os criadores de gado, parecem apostar na dissolução da Assembléia e a não negociar com o MAS, ainda correndo o risco da situação se escalar a uma confrontação, o que abre alas a um setor minoritário de ultra-direita fascistizante e racista que vocifera a “pegar em armas” (Juventud Cruceñista, núcleos em Sucre, Cochabamba, etc.). Isto expressa que apesar de seu avanço, a direita tem sérias debilidades e divisões e ainda não pode consolidar uma correlação de forças favorável. Este é um problema significativo na correlação de forças, pois apesar da estridente campanha midiática e de “frente única” contra o MAS, subsistem importantes diferenças entre as frações da oposição.

Perspectivas

Está aberta uma prova de forças decisiva, que pode se estender muito além do 14 de dezembro, data em que os assembleístas deveriam entregar a nova Constituição Política do Estado, e nesta há várias possibilidades, desde uma reaproximação para negociar entre o governo e a oposição, a uma situação prolongada de “regime quebrado” (na qual o MAS avança nas reformas, mas a oposição resiste sem reconhecer sua legitimidade), sem descartar nem uma intervenção revolucionária das massas nem uma escalada da direita que arrisque o caminho da secessão. Isto poderia incorporar novamente as perspectivas de enfrentamento aberto entre revolução e contra-revolução, e guerra civil, pois a pesar dos esforços do MAS em desmontá-la e da reação burguesa, a etapa aberta com o levantamento revolucionário de Outubro de 2003 ainda não se fechou.

Como derrotar a direita?

Como demonstrou a massiva concentração oficialista em La Paz, muitos trabalhadores, camponeses originários e setores populares estariam dispostos a travar uma batalha contra a reação. Mas o grande freio das massas é próprio governo e seus aliados da burocracia operária e camponesa. Não é pela via das negociações e compromissos, mas com os métodos da mobilização geral dos trabalhadores, dos camponeses, dos povos originários será possível derrotar a reação e impor as legítimas demandas operárias, camponesas e populares, inclusive a aspiração democrática de amplos setores populares para que a Constituinte em que acreditam delibere e se coloque em prática. Alguns setores da esquerda utilizam a atual situação como pretexto para dar apoio político “crítico” ao governo de Evo Morales e seu projeto de Constituição, segundo a velha teoria do “mal menor”. Mas o programa do MAS e sua constituição significam enterrar a “agenda de outubro” em nome da conciliação com a burguesia e sob as bases da propriedade privada e das transnacionais. Isto se evidencia não só nos dois anos de gestão ã frente do Estado burguês semicolonial, mas o próprio projeto de nova Constituição, que, para além de uma espécie de retórica “comunitária”, desconhece as tarefas mais elementares da emancipação nacional e social, como seria una reforma agrária genuína, a nacionalização do gás, a estatização das empresas públicas privatizadas, ao contrário, permanecem “100 %” nos limites da ordem burguesa. Conceber qualquer tipo de apoio político ao governo significa ajudar o MAS a iludir as massas e dar ás costas as necessidades de uma luta conseqüente contra a reação e o imperialismo. Por isto, sem deixar de difundir a necessidade de que os operários e camponeses não nutram a mínima confiança no MAS, tomem para si a resolução de seus problemas e a luta contra a reação, pondo fim a seu poder como única garantia de resolver a crise nacional, chamamos os trabalhadores, camponeses e povos originários, a recorrer a mobilização e a seus próprios métodos de organização e luta, sem perder de tempo, exigindo que as organizações sindicais, a Central Obrera Boliviana - COB, Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia - CUSTCB, etc. rompam com sua subordinação ao governo e coloquem as forças do povo trabalhador em pé de guerra pela reforma agrária, pela expulsão das transnacionais, pela autodefesa das massas contra os grupos de choque reacionários (sem confiar no papel das forças armadas e da polícia como pretende o MAS), pelo aumento geral de salários e comitês populares de controle de preços, pela estatização das privatizadas e outras medidas para quebrar o poder econômico e político da burguesia. Enquanto socialistas revolucionários, estamos na linha de frente em qualquer medida de luta real contra a direita, mas ao mesmo tempo, explicamos pacientemente a necessidade de aprender com a experiência histórica da Unidade Democrática e Popular - UDP [1] nos anos 1980: se não apresentarmos uma alternativa política ao reformismo, que só pode levar a duras derrotas, quem se beneficiará será sempre a burguesia. Para lutar por um reagrupamento da vanguarda, que seja politicamente independente, é preciso definir um objetivo claro: não há solução de fundo sem retomar o caminho de outubro, e levá-lo a conquista de um governo operário e camponês, baseado nas organizações de massas.

Traduzido por: Marina Ramos

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  • [1A UDP que governou de 1982 a 1985 foi uma típica frente popular que incluía o MNRI dirigido por Siles Zuazo, pelo PCB, o MIR e outros grupos menores.

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