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Colômbia: frente a morte de "Tirofijo"

A ofensiva de Uribe e a crise das FARC

07/06/2008

A morte por parada cardíaca do principal dirigente e fundador das FARC, Manuel Marulanda, anunciada pelo ministro da Defesa colombiano e confirmada pela própria organização guerrilheira no último fim de semana, se somou uma série de importantes "triunfos táticos" que o presidente colombiano Álvaro Uribe, teve durante os últimos meses no terreno militar e que se converteu na crise mais importante para as FARC em toda sua história.

Com a morte de Marulanda, o Secretariado das FARC (seu principal órgão), perdeu 3 de seus 7 membros em apenas 3 meses. Desde meados do ano passado o exército colombiano, por meio de ataques e bombardeios aos acampamentos das FARC, assassinou pelo menos 4 importantes dirigentes, entre os quais se encontram o "Negro Acacio" (que controlava grande parte das finanças) e Raúl Reyes (que mantinha as relações internacionais da organização). Nesse marco, o anúncio da morte de Marulanda a apenas uma semana da deserção da guerrilheira "Karina" (que estava a mando de uma das frentes de combate), e a dois meses do assassinato de Reyes e de Iván Ríos (outro membro do Secretariado das FARC assassinado por seu próprio chefe de segurança para cobrar a recompensa de Uribe), são de conjunto, uma das mais duras perdas que a organização sofreu nos últimos 40 anos.

Em uma mensagem carregada de cinismo, o governo de Uribe pediu a Alfonso Cano(quem tomará o lugar de Marulanda no Secretariado e a quem muitos analistas caracterizam como uma ala mais política que militarista) que as FARC abandonem as armas e se entreguem para chegar num acordo de paz. Mas ao mesmo tempo mantêm vigente as milhonárias recompensas por suas cabeças e os membros do Secretariado seguem sendo os principais objetivos militares das FF.AA. Por sua vez, o governo tenta quebrar os quadros médios da organização prometendo recompensas economicas e benefícios jurídicos para quem se entregar e um fundo de 100 milhões de dólares para quem se entregar juntoaos reféns que estão em poder das FARC.

Ou seja, não existe nenhum interesse por parte de Uribe de chegar sequer a um "acordo humanitário", senão que segue afirmando sua "política de segurança democrática", que um funcionário do governo sintetizou na frase: "Se não negociam, os exterminamos".

A perda que significa para as FARC a morte de Marulanda, é muito importante, é antes de tudo simbólica, mas no marco dos triunfos parciais que vem tendo o governo, esse feito vai ser utilizado para melhorar sua relação de forças tanto no terreno interno quanto no externo, num momento em que Uribe vem tentando recuperar a iniciativa polítca.

Os governos "progressistas" salvaram Uribe

O assassinato de Raúl Reyes foi uma das ações mais arriscadas de Uribe, já que se tratava de dar uma volta a seu favor, uma situação internacional (e em menor medida, nacional) adversa e onde as FARC vinham ganhando terreno político. Desde meados de 2007 a pressão internacional dava uma saída negociada ã crise dos reféns indo na contramão da "política de segurança democrática" impulsionada por Uribe. Junto a essa situação, o governo colombiano como principal aliado do imperialismo na região, viu como o desgaste do segundo mandato de Bush se traduzia diretamente em alguns problemas inesperados para sua gestão, como as travas no Congresso norte-americano ã votação do TLC dos EUA com a Colômbia e alguns questionamentos sobre a utilização dos fundos do Plano Colômbia. Apesar do fluxo de ajuda militar se manter e o Plano Colômbia seguir funcionando, estas "trocas" na relação com os EUA não estavam nos planos de Uribe e foram totalmente adversas na hora de manter e legitimar sua política unilateral, dando maior margem para as pressões internacionais para chegar a um acordo humanitário.

Uribe tentou de todas as formas fracassar a política de troca humanitária, provocando permanentemente incidentes diplomáticos com a Venezuela para evitar que Chávez, como mediador, ganhasse peso na política interna de seu país e chegando ao ponto máximo de seus esforços com o fracasso da "Operação Emmanuel" (ver La Verdad Obrera n°264). No entanto, a liberação unilateral de vários reféns por parte das FARC durante os primeiros meses deste ano, parecia colocar em apuros o governo de Uribe num momento em que o mesmo se via submerso no escândalo da narco-parapolítica.

A repercurção nacional e internacional que vinha adquirindo a possibilidade de uma troca humanitárias generalizada encabeçada por Chávez, e inclusive a proposta do presidente venezuelano ã comunidade internacional para que se considere as FARC como força beligerante, era absolutamente intolerável para Uribe, os EUA e a direita colombiana. Neste marco, Uribe lança a ofensiva militar contra o acampamento de Reyes em solo equatoriano numa tentativa de de deslocar a co-relação de forças favoráveis ás FARC dos meses anteriores.

A ofensiva de Uribe abriu uma crise de magnitude regional que terminou se encerrando a seu favor, não pela intervenção direta dos EUA, senão pela de todos os governos capachos latino-americanos que num "show de abraços", que incluiu a Chávez e Correa junto com Uribe, fecharam a Cúpula do Grupo Rio em março uma condenação firme a Colômbia. A criminalidade dos bombardeios sobre o acampamento de Reyes e os métodos utilizados por Uribe em seu país não foram denunciados por nenhum presidente, nem sequer por Chávez, que apesar de seu duro discurso e de ter montado um cenário de guerra na fronteira com a Colômbia, terminou aceitando os términos do acordo que permitiram a Uribe ganhar uma importante etapa para redobrar sua ofensiva direitista no interior da colômbia e afastar as pressões internacionais, pelo menos durante um tempo.

Desde a Cúpula do Grupo Rio, Uribe pôde recuperar a iniciativa e, montado sobre os supostos computadores recuperados do acampamento de reyes (dos quais fizeram "aparecer" todo tipo de informação), dedicou-se a denunciar as relações entre as FARC e os governos da Venezuela e Equador.
Desta maneira conseguiu abrir um relativo compasso de espera favorável a sua política no terreno internacional (mesmo que para mantê-lo necessitará de fricções permanentes com Chávez e Correa, o que pode gerar novas crises na região). Uribe se apoia nesta situação para tratar de fazer frente ao cenário de importante crise política aberta no interior da Colômbia com os escândalos da parapolítica, como demonstra a extradição aos EUA dos principais chefes paramilitares. Um giro que, mesmo que pragmático, pode lhe ajudar em abrandar a situação a curto prazo.

O reformismo armado das FARC e a política dos revolucionários

Os revolucionários denunciamos a política hipócrita dos EUA e o governo direitista de Uribe de caracterizar as FARC como uma "organização terrorista", que é utilizada como fundamento para redobrar as correntes de opressão imperialista no país por meio do Plano Colômbia como principal instrumento, enquanto persegue e assassina milhares de dirigentes sindicais, sociais e camponeses e mantem fortes laços de unidade com os paramilitares e narcotraficantes. Os socialistas revolucionários defendemos incondicionalmente as organizações guerrilheiras campesinas como as FARC frente a repressão e perseguição do Estado burguês ou do imperialismo. Apesar das enormes diferenças políticas e estratégicas que mantemos com as FARC, os revolucionarios fazemos nossa sua exigência de ser considerada como força beligerante, o que implica ter todos os direitos que a legislação internacional determina para qualquer exército
No entanto, a crise pela qual passa as FARC não se explica só pelos "triunfos táticos" de Uribe,senãp pelo fracasso da sua própria estratégia. A política de segurança democrática que conseguiu em partes, a desmobilização ou deserção de uma quantidade importante de jovens guerrilheiros que as FARC haviam recrutado no último período, não basta para explicar a deserção de quadros dirigentes desta organização como Nelly Avila Moreno, alias, "Karina" ou o assassinato de Ivan Rios pelas mãos do seu próprio chefe de segurança. As declarações de "Karina" após entregar-se, de que as FARC "já estão dizimadas", mas além do uso propagandístico que o governo faz delas, não podem deixar de esconder a debilidade em que se encontra essa organização. É que a estratégia guerrilheira, de "guerra popular prolongada" num país semi-colonial com 75% de sua população urbana como a Colômbia, com uma ampla classe operária, termina dando como resultado uma polítca completamente impotente, como demonstra o caminho que vêm seguindo as FARC, e que nos últimos anos se expressou na perda de prensença territorial e de mobilidade.

Por esse motivo, vêm limitando cada vez mais sua estratégia a pressionar parar conseguir algumas reformas políticas com uma estratégia de "governo popular" de colaboração de classes com setores da burguesia. Prova disso são as declarações que deu Reyes ano passado, ao afirmar que as FARC poderiam fazer parte de uma "coalisão para formar um governo pluralista, patriótico e democrático, que se comprometa com a verdadeira paz (...) como por exemplo um governo do Pólo Democrático Alternativo" (Clarín, 27/08/07).

Não é a toa que dias antes do bombardeio no acampamento de Reyes, chávez acabava de lançar uma proposta para reeditar o grupo de Contadora cujo fim último,além de avançar a troca humanitária, era o de preparar o caminha e dar uma legitimidade internacional a um processo a longo prazo de incorporação (parcial ou total) das FARC ao regime, da mesma maneira que o grupo de Contadora desarmou as guerrilhas centro-americanas nos anos 80 abortando os processos em curso e reciclando essas organizações como partidos burgueses.

Uma mostra até onde leva essa estratégia reformista é a do ex-guerrilheiro e atual presidente da Nicarágua Daniel Ortega e a transformação abertamente burguesa dos dirigentes sandinistas. Se bem que é pouco provável que a política das FARC mude substancialmente a curto prazo, são enormes as pressões, tanto internas quanto externas, para que o novo "chefe" desta organização avance para um "diálogo de paz", ainda que é praticamente impossível que isto ocorra no governo de Uribe e é nesse sentido que as FARC apostam num hipotético futuro governo de Pólo Democrático para avançar numa integração ao regime.

Na Colômbia é impossível conseguir as demandas dos trabalhadores e das massas pobres sem atacar as bases da propriedade dos latifundiários, os grandes empresários e expulsar o imperialismo do país, começando por derrotar definitivamente o Plano Colômbia e acabar com a influência norte-americana no país.

Entretanto, como demonstra a política das FARC, isso não é parte de sua estratégia de colaboração de classes, que pretende subordinar os operários e camponeses ao discurso de um governo "patriótico e democrático".
Frente a essa política é necessário impulsionar a unidade da luta dos trabalhadores e camponeses para derrotar o governo narco-paramilitar de Uribe e suas políticas anti-operárias, e impor a realização integra e efetiva das demandas por terra, pão, trabalho, liberdade e libertação nacional.Só a classe trabalhadora dirigida por um partido operário, revolucionário e internacionalista poderá acaudilhar os camponeses e o povo pobre da Colômbia para lutar conseqüentemente por este programa e esta estratégia.

Manuel Marulanda "Tirofijo"

Filho de famíla camponesa de tradição liberal, Pedro Antônio Marín (aliás, Manuel Marulanda) nasceu em maio de 1930 em Génova, Colômbia.

Foi parte da geração que participou da guerra civil entre 1948 e 1958 desatada na Colômbia, com eixo nas principais cidades como Bogotá, com grande protagonismo operário nas greves petroleiras e mobilizações populares.

Participou também da resistência camponesa ao ataque militar por parte do governo e dos latifundiários como resposta ao levante no centro e no sul do país em 1964. Mais tarde, nesse mesmo ano, fundou as FARC junto a dirigentes camponeses e militantes do Partido Comunista de Colômbia (PCC), surgidas no calor da luta das massas camponesas por terra e contra a prepotência dos proprietários de terra.

Ainda que herdeira do profundo processo da luta armada campesina pela terra, as FARC nascem enquadradas e distorcidas pela direção do PCC, moldadas como "partido-exército" de estrutura duramente vertical e com uma estratégia de "guerra popular prolongada".

Marulanda vinha sendo o principal forjador da coesão das distintas frentes das FARC em direção a uma política reformista de integração gradual ao regime burguês colombiano.

A morte de Tirofijo reduz ainda mais o círculo dos dirigentes fundadores das FARC como seu sucessor Alfonso Cano, assinalado pelos meios como um porta-voz de uma "via política" desta integração.

O escândalo da parapolítica

O regime político colombiano está mostrando um nível de decomposição como nunca antes se havia visto. Por esses escândalos da parapolítica, são 64 políticos investigados, dos quais 51 são atualmente congressistas e 32 deles já estão na cadeia. A maioria pertence ã bancada de Uribe e no total, 20% do Parlamento, o que abriu uma crise de magnitude histórica refletindo a decomposição das instituições com o avanço de uma camada abertamente mafiosa ao mando do poder do estado. A revista Semana exemplifica da seguinte maneira "nos ’80, Pablo Escobar e seus sequazes chegaram ao Congresso. Mas os tentáculos do narcotráfico não somavam 5% dos parlamentares. Nos ’90, quando o cartel de Cali decidiu subornar sutilmente os políticos, o ’Processo 8.000’ levou 26 congressistas ã cadeia (10%)".Hoje a aliança entre a máfia e o paramilitarismo leva 51 congressistas investigados (19%)" (4/5/2008).

A crise se agudizou recentemente quando vieram a tona as ligações diretas de familiares de Uribe (o primo e o irmão) com os paramilitares e com um dos massacres de camponeses em 1997. A este escândalo se somaram as declarações da ex-senadora Yidis Medina que contou como compraram a ela e a outros congressistas para que votassem a favor da reeleição de Uribe antes das últimas eleições presidenciais.

Isso demonstra não só que os atuais congressistas estão absolutamente desacreditados, mas que o próprio Uribe conseguiu a reforma que permitiu sua reeleição de maneira completamente fraudulenta.

Frente a esse cenário devastador, aproveitando a melhor co-relação de forças no plano internacional e os "êxitos" táticos que vêm tendo sobre as FARC, como assim também , até agora, o cenário econômico favorável que de conjunto permitem que se mantenha com sua popularidade récorde, Uribe deu um giro em sua política interna e extraditou os EUA a 14 dos principais chefes paramilitares numa tentativa de fazer calar suas declarações que comprometem cada vez mais o poder político do país. Junto a essa medida, Uribe anunciou uma reforma do sistema político pra tentar chegar a um consenso que o permita tomar um pouco de fôlego.

Traduzido por: Beatriz Michel

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