França
A revolta das periferias
18/11/2005
A revolta das periferias
A fome, desemprego, repressão, racismo das periferias francesas produziu a explosão dos miseráveis das periferias
Por: Lucas Pizzutti
Fonte: La Verdad Obrera - 175
Desde o dia 28/10 após a morte dos jovens de origem imigrante que escapavam da polícia que pediam documentos (neste momento havia vários “sem papéis”) se estendeu progressivamente por toda França um levantamento dos jovens das periferias. Os jovens combatem contra a polícia, e como mostra de descontentamento queimam automóveis, centros comerciais e edifícios que tenham alguma relação com o Estado, como delegacias, quartéis de bombeiros e até escolas. A enorme maioria dos participantes da revolta é composta por menores de 20 anos, imigrantes, filhos ou netos de imigrantes sem trabalho e que abandonaram a escola, ou estão para abandoná-la. No dia de hoje, e após 13 noites de levantamento em mais de 300 cidades francesas, a revolta continua.
Mas depois de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, o primeiro-ministro Villepin comunicou o “Estado de Emergência Nacional” (que não se aplicava desde a guerra da Argélia, na qual a França se fez famosa pelas suas torturas) e deu via livre para que cada delegado decida em sua jurisdição se deve ou não impor “um toque de queda” para os menores, e os penalizar com dois meses de prisão e uma multa.
Esta lei foi aplicada pela última vez em uma colônia do Pacífico, Nova Caledônia, durante o levantamento pela independência de 1984. No caso atual se pode falar de uma espécie de “colônia interna”, as periferias, onde vivem em sua maioria os imigrantes e seus descendentes. Mas o mais provocativo desta decisão é que muitos dos pais e avós destes jovens sofreram sob esta mesma “lei” na Argélia. Ainda antes do “toque de recolher” a repressão foi enorme: hoje a cifra de detidos é imprecisa, mas já supera amplamente os 1.500. Muitos já foram “condenados” a prisão de cumprimento efetivo ordenadas por paródias de julgamento “veloz”. Cabe recordar que foram detidos inclusive meninos de 10 anos.Mas tudo isto não conseguiu aplacar a revolta, pois esta tem razões muito profundas.
Uma revolta nascida da exploração e da discriminação
As causas da revolta são simples: na França os imigrantes africanos ou árabes e seus descendentes seguem sendo cidadãos de segunda classe. A política dos imperialismos (entre eles e com um papel importante do francês) de saquear as semicolônias produziu um imenso fluxo migratório em direção a estas mesmas potências, produto da miséria.
A estes mesmos imigrantes, não só os explora muito mais que aos nativos (pior ainda se são “sem papéis”), senão que os condena a viver em verdadeiros guetos. Devido ao racismo devem viver forçosamente nas periferias insalubres das cidades (é quase impossível conseguir um aluguel no centro de uma cidade, ainda que possam pagá-lo) e são sistematicamente discriminados no trabalho, estudo, etc. O outro ponto da discriminação é que muitos deles são de religião muçulmana, pois pese a demagogia da “laicidade”, não é o mesmo ser cristão que muçulmano na França. E como é óbvio, sofrem cerco e humilhações diárias por parte das “forças da ordem”.
As palavras do reacionário Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que disse que iria “limpar” as periferias de “gentalha” (poucos dias antes das mortes em Clichy-sous-bois) esquentaram o clima nas periferias, e as mortes dos garotos desencadearam uma bronca que se arrasta por gerações. Hoje agregou que quer “expulsar imediatamente” a todos os estrangeiros detidos pela revolta. Em seu afã por fazer demagogia de “segurança” está jogando lenha na fogueira. Não esqueçamos que cerca de 10% da população é de origem muçulmana, e que os estrangeiros e seus descendentes representam aproximadamente cerca de 25% da classe operária da França. E o sentimento anti-Sarkozy entre os jovens que se enfrentam com a polícia não é diferente do de seus pais.
A burguesia (de direita e de “esquerda”) se une contra a revolta
Mas em sua “Cruzada” contra a juventude das periferias, Sarkozy não está só. Há uma “união sagrada” na burguesia, seja de direita (UMP, UDF, FN) ou de “esquerda” (OS, PCF, Verdes), em que o primeiro objetivo é apagar a revolta. No governo hoje há unidade total para enfrentar a revolta, a porta-voz do OS sobre segurança Delphine Batho, disse que “é imperativo restaurar a ordem” e no PC afirmam “O Partido Comunista condena a violência, seja qual for a sua origem...A polícia de proximidade havia permitido progressos importantes, mas foi suprimida...Faz falta outra polícia que atue sobre as causas, pela prevenção e a segurança de todas e todos, respeitando a lei da República ”. Os principais partidos que chamaram a votar NÃO no referendo de maio, de direita (FN, MPF) ou de esquerda (PCF, ala “crítica” do PS), não diferem dos que votaram SIM em que a solução para a revolta é a repressão. Ainda mais ã “esquerda” em uma declaração comum o PCF, a LCR e os Verdes condenam ao “Estado de Emergência” mas afirmam que “deter as violências e restabelecer as solidariedades nas periferias é uma necessidade”. Ou seja, reprimir “dentro da lei”.
A revolta exige uma saída de fundo
Com a brutal repressão destes últimos dias, a revolta vem diminuindo. Ao mesmo tempo a falta de perspectivas, e o fato de que queimem os automóveis dos vizinhos ou as escolas do bairro, fazem que grande parte da população (ainda operária) comece a pedir ordem. Mas se não se endurece com o governo, as conseqüências serão duríssimas para o conjunto da classe operária e os pobres urbanos. Os principais sindicatos (CGT-CFDT-FO, etc) em primeiro lugar devem encabeçar uma grande mobilização por acabar com o “Estado de Emergência”, pela liberdade dos milhares de detidos e pela retirada da polícia da periferia.
Em segundo lugar se impõe uma luta pela legalização imediata dos “sem papéis”, que são utilizados como mão-de-obra escrava para baixar o salário do conjunto da classe operária e depois lhes persegue e estigmatizam como “gentalha”. Também é inadmissível que enquanto na região Ile-de-France haja dois milhões de apartamentos vazios, nas periferias os imigrantes vivam amontoados ou diretamente sem teto. Pela confiscação imediata de todas as habitações vazias e um plano de construção de casas populares dignas. Indissoluvelmente há que lutar contra a desocupação.
A França é uma potência industrial com grande quantidade de pobres e desempregados. As organizações que se reivindicam parte do movimento operário devem levar adiante uma grande luta pela repartição das horas de trabalho entre ocupados e desocupados, mantendo o mesmo salário. Por outro lado, há uma grande quantidade de empresas que fecham sob a desculpa dos “altos custos do trabalho” ou que se “deslocalizam” em direção a países com menores salários. Nossos inimigos não são os trabalhadores do “Terceiro Mundo”, senão os patrões que nos exploram e depois nos desempregam. Há que lutar pela expropriação e posta sob controle operário de todas as fábricas que fechem ou demitam. Estes pontos são os básicos para unir aos trabalhadores com os jovens oprimidos das periferias.
Estas medidas não poderão ser aplicadas se não se levam adiante grandes lutas, com uma greve geral que jogue por terra o governo direitista de Chirac-Villepin-Sarkozy. Esta perspectiva devemos impor a nossas direções sindicais, e se estes resistirem devemos destituí-los de seus cargos.
Os partidos da chamada “extrema esquerda” (LCR e LO) têm jogado um triste papel nesta revolta. Jamais proclamaram abertamente a justiça deste levantamento. LO chegou a dizer que um dos problemas é que a “falta de uma polícia de proximidade”. Devem mudar sua atitude. Se estas correntes não lutarem por um programa como o que expusemos no interior das organizações operárias e de massas, a extrema direita (que é muito forte na França) imporá a ordem da burguesia sobre a cabeça dos trabalhadores.