FT-CI

Paquistão

A terceira guerra de Obama?

14/05/2009

No dia 6 de maio enquanto em Washington se realizava a chamada “cúpula tripartite” entre os presidentes Barack Obama dos EUA, Hamid Karzai (Afeganistão) e Asif Zardari (Paquistão), convidados pelo presidente norte-americano para lhes exigir maior colaboração com as tropas da OTAN nos combates contra os talibãs e a Al Qaeda se conhecia a notícia de que mais de 150 afegãos, a maioria mulheres e crianças segundo o informe de organizações humanitárias, morreram por conta do bombardeio aéreo que em 4 de maio foram desferidos pelas forças de ocupação na província de Farah.

Longe das ilusões dos que pensavam que Obama iria reverter a política de Bush e dar por finalizada a “guerra contra o terrorismo”, o chamado plano “Af Pak” – nome com o qual se conhecem as operações militares no Afeganistão e Paquistão – não fez mais que aprofundar a ofensiva militar norte-americana na Ásia Central, tratando de obter uma maior cooperação, sobretudo do governo paquistanês, para enfrentar os talibãs e outras milícias que recrudesceram seus ataques contra as tropas norte-americanas, e ameaçaram desatar uma crise de proporções no Paquistão com repercussões regionais imprevisíveis.

Opções limitadas

Junto ã difícil situação em que se encontram as tropas imperialistas no Afeganistão, onde os talibãs e os chamados “senhores da guerra” recuperaram o controle territorial de províncias inteiras no sul e no leste, no marco de uma grande impopularidade da ocupação, a outra grande preocupação para o governo de Obama é que a guerra se estendeu ao interior do Paquistão.

Ainda que tanto Karzai como Zardari são pró norte-americanos, suas relações com os Estados Unidos estão se deteriorando em ritmo acelerado.

No caso do Afeganistão, H.Karzai que presidiu um governo fantoche da ocupação da OTAN perdeu o apoio do imperialismo que pretendia substituí-lo nas próximas eleições presidenciais que se realizarão em junho, uma vez que tentava seduzir os talibãs “moderados” repetindo a política de Bush no Iraque. Entretanto, Karzai não aceitou e se aliou com um ex senhor da guerra, acusado de violações aos direitos humanos e narcotráfico, que o acompanhará como vice-presidente. O governo de Obama já deu por descartado que irá obter a reeleição e terá que seguir negociando com Karzai, enquanto encontra figuras mais palatáveis.

No caso do Paquistão o panorama não é muito mais alentador. Zardari vem sendo alvo de críticas da Casa Branca por sua política de negociar com os talibãs, já que o exército é reticente em tomar uma opção militar que não conte com o amplo apoio popular. Tampouco parece aceitar a política norte-americana de abandonar sua principal hipótese de conflito com a Índia, rival histórico do Paquistão, e se reconverter em exército essencialmente treinado para a contra-insurgência e a guerra civil. Nas vésperas da reunião e após uma enorme pressão por parte do governo norte-americano, o exército paquistanês finalmente lançou uma ofensiva militar contra a zona do vale de Swat que havia ficado sob controle dos talibãs locais após o acordo alcançado em fevereiro, e aprovado no parlamento, pelo qual o governo lhes concedeu a implementação da sharia (lei islà¢mica), em troca de que estes cessassem seus ataques armados, ao que os Estados Unidos se opôs rotundamente.

A tensão foi aumentando após meados de abril em que as milícias do talibã decidiram expandir sua zona de influência e tomaram por uns dias o distrito de Burne, uma zona de mais de 1,3 milhões de habitantes, a escassos 90 km da capital, Islamabad.

Quando se conheceu a notícia deste novo avanço dos talibãs e ante uma política inicialmente ambígua do governo local e nacional, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, declarou que o Paquistão estava se transformando em uma “ameaça para o mundo”, e acusou ao governo de estar “abdicando ante os talibãs e os extremistas” e inclusive chegou a colocar que os Estados Unidos temia pelo destino do arsenal nuclear do Paquistão se os talibã “derrubavam o governo”. Isso apesar de que os informes de inteligência dos Estados Unidos indicavam que não haveria possibilidades de que os talibãs tomassem o poder.

Obama considerou publicamente ao governo paquistanês como “frágil” e “incapaz de prover os serviços elementares ã população ou construir uma base popular”. Inclusive, dias antes ã cúpula de Washington a imprensa norte-americana informava abertamente que o enviado especial dos Estados Unidos, Richard Hoolbroke, havia estabelecido contatos estreitos com o líder opositor, Nawaz Sharif.

Mas apesar destas contradições, Obama tentará por meio de uma combinação de pressão e dinheiro, que Zardari se comprometa mais no “combate contra a Al Qaeda” e que seja essencialmente o exército paquistanês o que enfrente ás milícias locais, enquanto que nos Estados Unidos continuará com seus bombardeios aéreos desde aviões não tripulados, uma prática muito impopular mas consentida pelo governo do Paquistão. Neste sentido, lhe prometeu uma ajuda para gastos não militares de 1,5 bilhões de dólares durante cinco anos, além de 400 milhões para treinamento das forças de segurança que enfrentam aos talibãs.

O plano de Obama é tratar de regionalizar o conflito “Af Pak” e conseguir uma maior cooperação da Rússia, e sobretudo do Irã para estabilizar a região.

Esta política que compromete cada vez mais recursos norte-americanos tanto militares como econômicos na guerra do Afeganistão e agora do Paquistão, começou a gerar algumas dúvidas no próprio partido democrata. O representante por Wisconsin, David Obey, que preside a comissão do Congresso que aprova os gastos federais disse que lhe “daria só um ano ã Casa Branca para mostrar resultados concretos e ligou em várias ocasiões o enfoque de Obama com os planos do presidente Richard Nixon para o Vietnã em 1969”. (NYT, 4-05-09)

Estado falido?

O governo pró norte-americano paquistanês, de Asif Zardari, um dos principais milionários do país, que herdou a liderança do Partido do Povo do Paquistão após o assassinato de sua esposa, Benazir Bhutto, em apenas um ano perdeu quase todo apoio popular no marco de um sentimento anti norte-americano que se aprofunda com cada ataque militar que cobra a vida de vítimas civis.

O país atravessa uma profunda crise econômica, que ameaça em se transformar em catastrófica e que durante os últimos dois anos havia desatado importantes mobilizações de trabalhadores. Segundo um informe recente do Banco Mundial “a própria sustentabilidade do Paquistão como nação independente pode estar em jogo, já que a escassez pode levar a um crescente descontentamento social e a uma relação desarmônica entre a federação e as províncias”. (Citado por Council on Foreign Relations, 5-5-09).

Para evitar o pior cenário, o FMI facilitou um empréstimo de 7,6 bilhões de dólares no final de 2008 e os Estados Unidos organizou uma conferência de “doadores” em Tóquio no dia 7 de abril e conseguiu com que a Grã-Bretanha, Japão, Arábia Saudita e Coréia do Sul e outros “amigos do Paquistão” se comprometessem uma ajuda de 5,3 bilhões de dólares.

Isso apesar do país ter recebido dos Estados Unidos cerca de 10 bilhões de dólares em ajuda militar e mais gastos não especificados com inteligência nos últimos sete anos. A isso se soma o fato de que o governo sofreu uma derrota contundente no enfrentamento que manteve com o ex-presidente Nawaz Sharif, que lidera o principal partido de oposição, a Liga Muçulmana do Paquistão.
O exército e os serviços de inteligência do país, o ISI, mantém relações históricas com os talibãs, que como recordou recentemente Hillary Clinton se remontam ao combate contra as tropas soviéticas no Afeganistão, quanto contavam com o apoio financeiro e militar dos Estados Unidos.
Além de contar com uma importante classe operária que vem protagonizando greves contra os efeitos da crise econômica, o Paquistão está profundamente dividido entre uma classe média urbana, majoritariamente laica, que se beneficiou da “modernização” e foi base das últimas mobilizações contra o govermo; e uma grande população camponesa nas províncias fronteiriças com o Afeganistão, que segue vivendo na miséria e no atraso, onde fortaleceram os talibãs além de outros grupos armados e partidos de etnias locais.

Mas enquanto que para a maioria dos analistas ocidentais este fenômeno não é mais que uma “talibanização” do Paquistão pela presença de grupos tribais fanatizados, a realidade é que os talibãs estão explorando as profundas desigualdades sociais e potenciais conflitos de classe, para ganhar base para sua política profundamente reacionária. Segundo um artigo publicado no New York Times, o avanço dos talibãs no Paquistão “explora as profundas fissuras entre um pequeno grupo de latifundiários ricos e seus arrendatários sem terra”, que esta “capacidade para explorar divisões de classe agrega uma nova dimensão ã insurgência”, já que a estrutura do campo paquistanês “segue sendo em grande medida feudal”. De acordo com este mesmo artigo, a estratégia adotada pelos talibã para tomar o vale do Swat foi “organizar camponeses em bandos armados” e prometer “não só a aplicação da sharia, como também uma redistribuição de terras”, uma estratégia que “funcionários governamentais temem que possa ser facilmente transferível a Punjab (a província mais povoada do país), dado que a província, onde as milícias já mostraram alguma fortaleza, está madura para as mesmas convulsões sociais que sacudiram Swat e as áreas tribais”. (Taliban exploit class rifts to gain ground in Pakistan, NYT, 16-4-09).

A contradição é que não se trata de derrotar um punhado de “terroristas”, senão que uma escalada do exército paquistanês, atuando como tropa de choque em defesa dos interesses estratégicos dos Estados Unidos na Ásia Central, ou pior ainda uma incursão militar aberta dos Estados Unidos, em lugar de “estabilizar” a região poderia aprofundar as tendências já em curso ã guerra civil.

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