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Estados Unidos

Ao fim da era Bush

07/06/2008

Com apenas três estados pendentes para realizar suas eleições primárias - Dakota do Sul, Montana e Puerto Rico - a corrida presidencial do Partido Democrata parece ter se definido a favor de Barack Obama. Até o momento conseguiu a maioria dos delegados nas eleições primárias e caucus, e também dos chamados “super-delegados” - senadores, ex-presidentes, e figuras do establishment do partido que têm poder de veto sobre o “voto popular” e que compõem aproximadamente 20% da Convenção democrata que nomeará a fórmula presidencial.

Apesar de haver uma forte campanha para que Hillary Clinton se retire da corrida, já que se aprofunda a divisão interna do Partido Democrata, a senadora por Nova York se nega a renunciar a sua candidatura. Segundo a maioria dos analistas, as razões de Hillary seriam ganhar o “voto popular” nas três primárias que restam e estar melhor posicionada como a única candidata que pode ganhar a eleição de novembro frente ao republicano John McCain, e conservar a cota de poder dentro do partido que compartilha com seu marido, o expresidente Bill Clinton, e ficar como uma carta de reserva no caso de uma possível presidência de Obama.

Já o candidato oficialista John McCain não conseguiu até agora reverter a sensação de necessidade de mudança após 8 anos de poder republicano. Sua campanha carrega a herança da decadência da presidência de Bush. Segundo as últimas pesquisas do Gallup cerca de 67% de norte-americanos desaprovam o presidente Bush. Quando a medição é por partidos, só 33% têm uma visão favorável do Partido Republicano, contra 52% que são simpáticos ao Partido Democrata (CBS News, 28 de abril de 2008). Estas cifras são as mais baixas para um presidente desde que Richard Nixon teve que renunciar em 1974 em meio ao escândalo de Watergate [1].

É muito cedo para descartar queMcCain consiga o apoio eleitoral dos setores mais conservadores dos democratas, os que em 1980 deram o triunfo a Reagan. Porém, a vitória republicana parece cada vez menos provável. Enquanto que nos países da União Européia a direita conservadora ganhou 9 das últimas 10 eleições, tudo indicaria que os EUA estariam expressando uma tendência inversa, empurrada pelos sintomas do início da recessão econômica, o desastre das guerras do Iraque e do Afeganistão e a desilusão com as políticas dos neoconservadores. Esta expectativa de mudança alimenta a ilusão de que um governo democrata possa devolver algo da ajuda estatal aos setores sociais mais vulneráveis e terminar com a sangria da ocupação do Iraque.

Bush e a decadência do império

O certo é que qualquer um que vença as eleições presidenciais terá que lidar com uma pesada herança. No terreno interno o estouro da bolha imobiliária e a recessão econômica estão levando a que os norteamericanos percam suas casas, empregos, consumo, e mesmo ã pobreza. No plano externo, a deterioração da posição norte-americana no mundo parece não ter fim: a guerra do Iraque e do Afeganistão, a crise no Oriente Médio, a subida dos preços de petróleo e a emergência de atores regionais que desafiam o domínio norte-americano, são os signos que tem levado um setor importante do establishment político a apoiar Obama como expressão de mudança.

A estratégia neoconservadora de conquistar um “novo século americano” através da guerra preventiva e o unilateralismo fracassou completamente. A guerra e a ocupação do Iraque que redesenharia o mapa do Oriente Médio em favor dos interesses dos EUAe seus aliados, principalmente o Estado de Israel, teve conseqüências desastrosas, debilitando ainda mais sua posição no mundo. Ao contrário do efeito buscado, fortaleceu um dos principais inimigos dos EUAna região, o regime teocrático do Irã, que se tornou uma peça chave para manter a estabilidade no Iraque. A invasão a outros povos e a política imperialista agressiva levou o anti norteamericanismo a seus pontos mais atos não só no Oriente Médio, como também na América Latina.

A volta ao “multilateralismo”?

As usinas ideológicas do imperialismo discutem publicamente se haveria chegado ao fim da “era norte-americana”. Neste sentido, Richard Haas, diretor do Council on Foreign Relations num artigo publicado na revista Foreign Affairs, coloca que o “momento unipolar” do domínio inquestionável foi um breve tempo histórico de não mais de 15 anos que ficou para trás e que o mundo se dirige claramente a um sistema “não polar”, no qual os Estados Unidos já não têm força para dirigir e controlar as entidades estatais e não-estatais entre as que se distribuiu o poder mundial. Segundo esta influente figura da política exterior, ainda que os Estados Unidos conserve certa fortaleza - ser a maior economia nacional do mundo, contar com o orçamento militar mais elevado, e ser o principal centro de poder - isso “não deveria ocultar a declinação relativa da posição dos Estados Unidos no mundo e junto com a sua declinação relativa no poder, uma declinação absoluta em sua influência e independência”. Esta declinação tem sua base no retrocesso não só político como do peso econômico dos Estados Unidos. Como coloca Haas “Aporção norte-americana nas importações globais caiu a 15%. Ainda que o PIB norte-americano represente mais de 25% do total mundial, esta porcentagem declinará no tempo dada a diferença real e projetada da taxa de crescimento dos Estados Unidos e dos gigantes asiáticos e outros países, grande parte dos quais está crescendo a uma taxa duas ou três vezes maior que a dos Estados Unidos”. A isso se somariam outros indícios de perda de domínio econômico, como por exemplo “o incremento dos fundos soberanos de países como China, Kuwait, Rússia, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos” e a “debilidade do dólar contra o euro e a libra britânica” [2].

Esta “não polaridade” se expressa na emergência de novos atores e potências regionais que têm maior margem de manobra política e se opõem abertamente a Bush, como por exemplo Hugo Chávez na América Latina, ou Putin na Rússia e sua zona de influência, além do Irã. O fracasso neoconservador explica que grande parte da classe dominante e da elite política apóie Obama em uma tentativa de mudar o rosto dos EUA no mundo e recuperar o terreno perdido em base a uma estratégia “multi-lateral”.

Não casualmente entre seus assessores de política internacional se encontra o ex- Assessor de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, Zbigniew Brezinski.

Isso tem distintas leituras. Ainda que a situação não seja comparável com a derrota norte-americana na guerra do Vietnã que marcou a presidência de Carter, é evidente que se espera que a próxima presidência administre uma herança muito difícil e enfrente desafios importantes. Por sua vez, indica que se espera uma mudança de política que permita ganhar aliados para uma saída mais decorosa do Iraque, desativar alguns conflitos agudos no Oriente Médio, recuperar protagonismo naAmérica Latina e por esta via recriar as condições favoráveis ao domínio norte-americano.

A visita do ex-presidente Carter aos territórios ocupados e sua reunião com dirigentes do Hamas foram interpretados como mostra do que seria uma nova política exterior. No mesmo sentido vão as declarações de Obama de que se fosse eleito presidente mudaria a política para Cuba, flexibilizando o bloqueio, teria uma linha de negociação com o regime iraniano e uma política de diálogo com Hugo Chávez, entre outras.

Porém, não está garantido nem que os EUA consigam uma cooperação maior de outras potências, principalmente da União Européia, em temas conflitivos que requeiram um maior compromisso militar ou que estalem contradições econômicos importantes entre as potências imperialistas, pondo limites nesta mudança multilateralista.

Recessão e “pseudo-populismo”

Ainda que possam passar alguns meses até que se anuncie oficialmente, ninguém põem em dúvida que a economia norteamericana está em recessão. Com a crise das hipotecas em cidades majoritariamente operárias como Detroit, milhares já tiveram que abandonar suas moradias. Para o ano de 2009 se estima que 2 milhões de famílias perderão suas casas.

Da quebra de bancos e do mercado imobiliário, a crise já golpeia o mercado de trabalho. Até o momento a taxa de desemprego subiu de 4,4% em março de 2007 a 5,1% em março de 2008.

O salário real caiu entre 0,7 e 1% em abril, o sétimo mês consecutivo em que o salário é superado pela inflação [3]. A queda maior é no salário semanal, dado que as patronais vêm cortando as horas de trabalho. Segundo um informe do Departamento de Trabalho, citado pelo jornal The New York Times em março deste ano havia ao redor de 5 milhões de trabalhadores em condições de emprego de meio-período, seja porque não conseguem trabalho em tempo integral ou porque as empresas decidiram cortar o horário e o salário. O informe assinala que “a última vez que este índice avançou em um terreno negativo foi em fevereiro de 2001, quando a economia estava ás portas da recessão. Uma queda similar se deu em agosto de 1990, um mês antes do que se demonstrou como uma desaceleração ainda mais severa” [4].

Frente a estes democratas, primeiro Clinton e em seguida Obama, adotaram um programa para atrair o voto operário e dos setores de menor renda. Isso, como a revisão parcial dos tratados de livre comércio, são algumas das medidas que apareceram na campanha para disputar o voto dos trabalhadores. Inclusive Obama fez estes anúncios na porta da fábrica GeneralMotors em Janesville, ante uma importante audiência operária em fevereiro. Mas o que a imprensa observa com preocupação e nomeia de “populismo” ou inclusive “guerra de classes” (sic), não são mais que algumas medidas mínimas como por exemplo a suspensão das execuções de hipotecas por 90 dias, a criação de um fundo para devedores hipotecários, a reversão da política impositiva de Bush, a extensão dos benefícios de saúde e educação e um investimento estatal de 60 bilhões nos próximos anos para obras de infra-estrutura.

Este plano está muito longe das pretensões “keynesianas” do New Deal dos anos de Roosevelt, e menos ainda põe em questão os fabulosos lucros das corporações norte-americanas. O próprio Obama desalentou estas expectativas reivindicando Ronald Reagan, nada menos quem derrotou o proletariado e lançou a ofensiva neoliberal cujas conseqüências ainda hoje pesam sobre os trabalhadores norte-americanos. Se restava alguma dúvida, bastaria ver a lista dos doadores a campanha de Obama, cujos fundos superam não só os de Clinton como também a campanha de McCain entre os quais se encontram importantes lobbistas e firmas como Goldman Sachs e JP Morgan Chase [5].

O “fenômeno Obama”: a ilusão progressista do mal menor

Barack Obama se localizou como o “candidato da mudança” e despertou a simpatia não só da comunidade afroamericana, como também de milhares de jovens entre 18 e 29 anos, em sua grande maioria ativistas do movimento anti-guerra e pela defesa das liberdades democráticas atacadas pelo governo de Bush.

Obama buscará estender as expectativas de “mudança” a outros setores que não constituem tradicionalmente sua base de afro-americanos, jovens e classe média educada e de bom nível de renda. Com o apoio de Richardson buscará lutar pelo voto dos hispânicos despertando ilusões em que um governo democrata freie as medidas brutais e as deportações contra os imigrantes. Para o amplo arco “progressista” que se reclama herdeiro dos movimentos sociais - como o dos direitos civis da década de 1960 ou o movimento contra a guerra do Vietnã - a campanha pelo voto de Obama é a continuidade destas lutas no terreno eleitoral.

Porém, estas ilusões levarão cedo ou tarde a uma crise. Não só Obama não se define como “progressista” e é parte da maquina do Partido Democrata, como ã medida que se aproxima o momento de fazer a campanha pela presidência tende cada vez mais a abandonar a retórica de “centro esquerda” e a girar mais ao centro do espectro político, para atrair os votos dos setores mais conservadores que não têm confiança que poderá ser o chefe do império norte-americano. Isso se mostra nos incidentes com seu pastor, o reverendo Wright cujo único “crime” foi denunciar o racismo a sociedade norte-americana e o preço das políticas imperialistas dos EUA.

Apesar das expectativas que desperta o fato de pela primeira vez um afro-americano ter a possibilidade certa de ser presidente dos EUA, a realidade é que Obama não representa os interesses dos trabalhadores, dos negros empobrecidos, ou dos jovens que aspiram a por fim ã ocupação do Iraque.Ao contrário, representa os interesses de um setor dos capitalistas que considera que desta vez os democratas defenderão melhor os interesses do imperialismo norteamericano.

A estratégia do “mal menor” é o que permitiu ao Partido Democrata atuar como contenção das tendências progressistas e dos trabalhadores e manter o regime do bipartidarismo que gera ilusões de “mudança” através da alternância no poder.

Mas também as expectativas frustradas no marco das penúrias da crise econômica podem levar ao desenvolvimento de novos processos políticos e sociais. Nestas circunstâncias surgirá a necessidade de que os trabalhadores norte-americanos rompam com os partidos de seus exploradores, conquistem sua independência política e sejam capazes de construir uma poderosa aliança dos oprimidos - desocupados, latinos e negros - e os jovens que seja capaz de enfrentar ã burguesia e seu estado imperialista.

Traduzido por Simone Ishibashi

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  • [1Quase todas as pesquisas registram uma desagregação da base republicana que perdeu a unidade que Bush havia dado ao redor da “guerra contra o terrorismo”, o conservadorismo social e a reivindicação dos valores cristãos. John McCain não pôde até o momento dar coesão a esta base conservadora. Isso se expressa em uma diminuição da base republicana, ã que se referem distintas publicações, desde a revista The New Yorker. Segundo o Pew Research Center for the People & the Press neste momento se registra a porcentagem mais baixa em 16 anos de pessoas que se autodefinem como “republicanos”.

    [2Richard N. Haas, The Age of Nonpolarity. Foreign Affairs, maio/junho 2008. A mesma revista publica um artigo do editor internacional da revista Newsweek que tenta demonstrar que apesar de existir esta realidade ao não existir rivais no ascenso que questionem seriamente a hegemonia norteamericana, como foi em seu momento os EUA em relação á Grã-Bretanha, o que estaria debilitado é o unilateralismo como tática política mas não o domínio norte-americano como potência hegemônica.

    [3Wages fall behind inflation for seventh month, Economic Policy Institute, 14 Maio de 2008

    [4Workers get fewer hours, The New York Times, 18 de abril de 2008.

    [5Há alguns anos Obama vem construindo sua máquina eleitoral e financeira primeiro com firmas de Illinois ás quais fez favores como senador e com lobbistas de Washington. Para um estudo detalhado sobre o financiamento de Obama, ver The birth of a Washington machine, K. Silverstein, Harper’s Magazine em www.harpers.org

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