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Aonde vai Cuba?
11/04/2008
Há quase 50 anos da revolução que pôs fim ã ditadura de Batista e com o status de semicolonia do imperialismo norte-americano, Cuba se encontra na encruzilhada. O distanciamento efetivo de Fidel Castro do poder e a posse de um novo governo encabeçado por seu irmão, Raúl Castro, têm dado lugar ao discurso generalizado nos meios internacionais de que “tem se começado uma transição” na ilha. Este discurso não é inocente. Na boca dos Estados Unidos, da União Européia ou das burguesias latino-americanas a “transição” não pode ser nada mais que a transição ao capitalismo, em que a imposição na ilha de uma “economia de mercado” vá acompanhada por uma “abertura política” nos parâmetros da democracia burguesa. O Partido Comunista Cubano parece também ter dado um sentido preciso ã “transição”. Já há alguns anos, figuras importantes do regime como Fidel e Raúl Castro, tem elogiado as “conquistas” econômicas do “modelo” chinês ou vietnamita. Nestes países, os respectivos Partidos Comunistas têm comandado um processo de restauração capitalista impulsionado e controlado desde o Estado, pela via de introduzir gradualmente reformas econômicas, mas sem resignar do monopólio político da burocracia governante. A este “modelo” parecem apontar as primeiras medidas que está tomando o governo de Raúl Castro, que sobre a base de manter o essencial do chamado “período especial”; apontam a aumentar a produtividade dos trabalhadores cubanos, a permitir o consumo de alguns setores que tem ingressos superiores ã medida da população, a incentivar a exploração privada no campo e a hierarquizar os investimentos de capital estrangeiro e os joint venture que vêm funcionando na ilha. No plano externo o regime aposta que um possível triunfo democrata nos Estados Unidos leve a uma mudança na política dura que vem tendo o imperialismo, que nos últimos anos, inclusive, endureceu o bloqueio e impediu o ingresso de cidadãos norte-americanos em Cuba. Esta expectativa se sustentaria também na fratura crescente no bloco dos gusanos de Miami e no surgimento de setores favoráveis a uma restauração capitalista gradual e negociada com a burocracia governante. Para os trabalhadores e campesinos cubanos e para as massas exploradas do continente também se tem aberto uma encruzilhada. Apesar da burocracia que esmaga dia a dia as bases do estado operário cubano, ainda se mantêm importantes conquistas, como a propriedade nacionalizada dos principais meios de produção, a educação e a saúde acessíveis para o conjunto da população. Essas conquistas somente poderão ser defendidas enfrentando-se com o imperialismo e as tentativas internas de restaurar as relações capitalistas, ou seja, através de uma revolução política que termine com os privilégios da burocracia e ponha Cuba novamente como motor da luta revolucionária na região.
Desde antes de assumir efetivamente o governo, Raúl Castro vem adiantando a idéia de que é necessário “uma mudança estrutural e de conceito na economia” que apontaria a aumentar a produtividade, principalmente do campo e a atrair investimentos de capital.
Depois da crise de 1989-91 e das medidas do “período especial” (ver quadro), a economia cubana tem crescido a taxas recordes. Este crescimento se explica em grande medida pelo aumento dos preços das matérias primas - Cuba tem uma importante produção de níquel que exporta essencialmente ã China - e pela relação com a Venezuela que tem provido Cuba de petróleo a um preço subsidiado e com um financiamento muito favorável, comprando por sua vez serviços como saúde e educação ã um ótimo preço para a ilha.
Apesar deste crescimento econômico não se reverter no essencial ás medidas do chamado “período especial”.
Notavelmente, a economia segue funcionando como uma dupla moeda, o peso cubano no qual recebe seu salário a grande maioria dos trabalhadores, e o CUC, moeda de conversão equivalente a 1,20 dólares, que tem um valor de 24 vezes superior ao peso e no que estão expressos os preços de grande parte dos bens que não estão contemplados nas “libretas” de racionamento que prove o Estado. Tirando os funcionários do Estado, somente um setor da população que recebe remessas de seus familiares no exterior, e os trabalhadores ligados ao turismo tem acesso ao peso de conversão.
Ao longo dos anos, a dualidade monetária e a escassez de certos bens a preços subsidiados pelo Estado, levou ao florescimento de um mercado negro no que se comercializam produtos em moeda de conversão.
Isto vem dando um lugar a mostras de descontentamento e críticas. Por exemplo, numa conferencia na Universidade com o presidente do parlamento Ricardo Alarcón, um estudante perguntou a ele por que, se ele recebe seu soldo em pesos devia pagar uma escova de dente em pesos de conversão cujo preço equivalia a três dias de trabalho.
Reconhecendo a carestia de vida e certo descontentamento social, o governo se referiu ao aumento de salário, mas ligando-o a “uma maior e mais eficiente produção ou prestação de serviços” (discurso de Raúl Castro no aniversário do assalto a Moncada, 27/07/07)
Inclusive, desde setembro de 2007, a própria direção burocrática do Partido Comunista vem impulsionando um “debate nacional” para que a população “expresse” suas opiniões e propostas sobre a economia. Indubitavelmente o objetivo deste tipo de “debates” é canalizar o possível descontentamento “desde cima” e manter inquestionado o controle do aparato estatal por parte do Partido Comunista.
As medidas “pragmáticas” de Raul.
Diante desta situação o governo de Raúl esta tomando uma série de medidas que apontam a resolver os problemas mais agudos da economia cubana - principalmente a escassa produtividade do campo e as elevadas importações, essencialmente de alimentos [1] - com o aprofundamento de medidas de mercado e sem reverter a crescente desigualdade desenvolvida particularmente durante o “período especial”.
Algumas destas medidas, como a liberalização da compra de televisores, DVD e de telefones celulares (que estavam reservados somente a funcionários e estrangeiros), a simplificação dos tramites para poder sair do país ou o acesso a complexos turísticos até então vedados aos cubanos, estão orientadas a ganhar como base social do governo aqueles setores que tem um melhor poder aquisitivo por seu acesso a moeda de conversão (enquanto um salário médio beira os 20 dólares um DVD custa 100 e um celular 260), mas que até agora vêem frustradas suas possibilidades de consumo pelas restrições impostas pelo regime.
Estes setores vão desde aqueles que fazem uma diferença pelo acesso a moeda forte até os que se poderiam chamar os “novos ricos”, que inclusive a uma parte importante da burocracia estatal, com os diretores de empresas estatais [2] (em sua maioria membros da FAR) ou setores principalmente do campo que dispõem de uma porção de sua produção para a venda no mercado. Muito provável que as FAR, que conduzem um holding com ao redor de 700 empresas, constituam o avanço ã restauração capitalista.
Outras medidas, mais importantes e profundas, apontam a estender a exploração privada do campo com a promoção de granjas cooperativizadas e camponeses individuais por meio de recursos financeiros, aumentando os preços que o Estado paga por seus produtos, e começando a discutir a entrega de mais terras estatais ao setor (no campo, 65% das terras são exploradas de forma privada, e a cifra aumenta ã 77% entre as terras cultivadas). Se o usufruto de terras se transforma majoritariamente em propriedade privada que se possa vender, a tendência ã transformação da pequena propriedade em grande propriedade seria inevitável.
Por ultimo, o governo tem decidido restringir a quantidade de empresas mistas, ainda que conservando as de maior capital em setores chaves da economia, para impulsionar um processo de “substituição de importações” e estabelecer um maior controle fiscal mediante impostos aos sobre salários e prêmios que recebem os trabalhadores destas empresas.
O governo apresenta estas novas medidas como forma de elevar a qualidade e produtividade da economia nacional, o que, por sua vez, permitiria elevar o nível de vida geral. No entanto, as empresas mistas, através dos quais a burocracia estatal se associa com o capital estrangeiro, a manutenção das zonas francas, o estímulo a iniciativa privada no campo e na cidade, a descentralização do comércio exterior, entre outras medidas que se tem mantido durante os últimos anos, tem debilitado as bases da economia nacionalizada, tendendo a recriar uma força social interna favorável a introdução de medidas capitalistas.
Pelo caminho do Vietnã?
O conjunto de medidas anunciadas por Raúl Castro indicariam que o plano da burocracia, depois da saída ordenada de Fidel Castro do poder, é avançar de forma gradual ã abertura econômica mas mantendo o controle do estado em mãos do Partido Comunista. Isto é o que genericamente se chama “modelo chinês” ou “vietnamita”. Neste caminho o regime poderia encontrar alguns obstáculos. Desde o ponto de vista social, a consciência igualitária que ainda vive nas massas operárias e campesinas poderiam levar a resistência popular a um processo em que se ponha em questão os privilégios da burocracia e dos novos ricos.
No plano internacional, há uma diferença de escala entre economia cubana e a economia chinesa ou ainda vietnamita. Esta diferença evidente faz com que a perspectiva mais provável para Cuba, se triunfa a restauração capitalista, seja retroceder ao seu status de nação semicolonial. O outro aspecto é a relação com o imperialismo. Enquanto que Vietnã não somente normalizou suas relações com a América do norte, mas também ingressou na OMC, assim como a China, os EUA vem sustentando uma política dura contra Cuba. A isto se soma que a burguesia cubana exilada em Miami, a escassos 140 km de Cuba, segue reclamando suas velhas propriedades expropriadas na revolução de 1959. Isto tem sido um fator determinante para a política da burocracia governante que tem buscado preservar-se mantendo o essencial ã propriedade estatal.
Com relação a este ultimo ponto, Raul Castro tem mostrado suas expectativas em que um possível governo democrata nos EUA, e o surgimento entre os gusanos de Miami de um setor disposto a negociar com o regime cubano, incentivam uma mudança na política imperialista. Esse parece ser o sentido das recentes conversas entre Raúl e o presidente brasileiro, nas quais pediu a colaboração para avançar na normalização das relações com os EUA. Desta maneira, a burocracia estaria em sintonia com uma abertura do diálogo que permita destravar paulatinamente o bloqueio econômico e o ingresso de capitais norte-americanos, que é uma das principais demandas de várias empresas deste país.
Abaixo o bloqueio. Abaixo os privilégios da burocracia.
A restauração capitalista em Cuba não somente significaria maiores padecimentos para o povo cubano, mas também se trataria de uma derrota de grande magnitude para os trabalhadores e as massas da América Latina. Seja mediante a linha dura do bloqueio ou mediante o “diálogo” e a negociação, a política imperialista para Cuba é conseguir plena liberdade para que seus monopólios possam explorar sem restrições aos trabalhadores e ao povo cubano, fazer grandes negócios e espoliar seus recursos naturais voltando Cuba ao seu status de semicolonia anterior a revolução de 1959.
O bloqueio selvagem com o que o imperialismo tem buscado isolar e arrogar a Cuba causa enormes padecimentos ã população é ainda uma arma permanente de chantagem para exigir reformas pró-capitalistas. Para defender as conquistas da revolução é imprescindível a luta contra o imperialismo e o bloqueio. O Partido Comunista Cubano confia na negociação e nos bons trabalhos dos “governos amigos”, como o governo capitalista de Lula. Os aliados do povo cubano em sua luta contra o imperialismo e o bloqueio são os trabalhadores e campesinos da América Latina e não as burguesias cipayas da região, sócias menores do imperialismo.
A única forma de evitar a perspectiva da restauração capitalista, que significaria um enorme retrocesso, é uma revolução política, encabeçada pelos operários e os camponeses pobres. Que termine com os privilégios da burocracia governantes e o reacionários regime de partido único imposto pelo Partido Comunista Cubano e assente as bases de um estado operário revolucionário com base ã conselhos de operários, campesinos e soldados e no armamento geral da população, em que tenham legalidade todos os partidos que defendam a revolução.
O programa desta revolução deveria incluir medidas elementares como:
Revisar exaustivamente as medidas do “período especial”, as concessões feitas ao capital estrangeiro (empresas mistas, zonas especiais), a política monetária e de preços. Somente a discussão democrática dos conselhos de operários, campesinos e soldados permitirá tomar as medidas necessárias em benefício dos trabalhadores, dos camponeses e das massas populares cubanas, abrindo o caminho ã planificação democrática da economia. Para isto é indispensável o controle operário da produção e das empresas, hoje em mãos da burocracia e dos altos mandos das FAR.
Terminar com os privilégios de funcionários estatais, permitindo assim um aumento geral do salário operário que, junto ã eliminação da dualidade monetária, diminua as desigualdades sociais. Recuperar o monopólio do comercio exterior, seriamente esmagado durante as ultimas décadas, para contrastar as fortes pressões do mercado mundial capitalista.
Garantir a liberdade de organização sindical e política dos trabalhadores e dos camponeses e legalizar todos os partidos que defendam as conquistas da revolução cubana.
Apelar ã solidariedade ativa dos milhões de trabalhadores e campesinos da América Latina e dos oprimidos do mundo contra o imperialismo e em defesa das conquistas da revolução.
Para levar a cabo este programa é necessária a construção de um partido operário revolucionário internacionalista, ou seja, trotskista, que enfrente todas as falsas opções que se apresentem ao proletariado cubano tanto desde o imperialismo como da própria burocracia governante.
O “período especial”
No marco do isolamento em que ficou Cuba, depois da desaparição da União Soviética e do chamado “bloco socialista”, a burocracia governante pos em marcha a princípios da década de 1990, um plano conhecido como “período especial”. Este se consistiu na introdução de medidas de abertura econômica e de certas concessões ao capital estrangeiro, principalmente no turismo. Introduziu-se o “aperfeiçoamento empresarial”, que permitiu que as empresas estatais se autofinanciassem para reduzir os gastos do estado e passar o controle de grande parte do aparato produtivo ás Forças Armadas Revolucionárias (FAR) que hoje controlam mais de 60% do comércio exterior. A reforma constitucional de 1992 legalizou junto ã propriedade estatal, a existência da propriedade mista (estatal e privada), cooperativa e pequena propriedade privada.
A burocracia conseguiu em grande parte o fluxo de divisas que necessitava e manteve seus privilégios, enquanto as massas sofreram um forte ajuste (o mais severo na história da revolução) vendo seu consumo reduzir-se em 30%. Isto, junto à legalização da circulação do dólar, gerou uma importante desigualdade social com os setores que tiveram acesso a moeda norte-americana.
A partir do ano de 2003, Fidel Castro deu um giro nesta orientação, pondo certos limites ás reformas dos ’90. Proibiu-se a circulação do dólar e centralizou-se todo o sistema financeiro no Banco Central de Cuba. A partir daí todo o dólar que entra na ilha fica nas mãos do Estado e o Banco Central se converte em um nexo indissolúvel para o intercambio com o exterior. Esta medida serviu para fortalecer o controle estatal das divisas, debilitado na década anterior, mas sem reverter os elementos capitalistas introduzidos durante o período especial.
Traduzido por: Felipe Lomonaco
NOTASADICIONALES
[1] Segundo as cifras oficiais, as importações de alimentos como arroz, feijões e leite, durante 2007 superaram os 1.600 milhões de dólares. Estas representam ao redor de 85% dos produtos básicos que o estado oferece ã população a preços subsidiados.
[2] Segundo a Agência Nacional de Estatística, no ano de 2006 existiam entre os mais de 4.500.000 trabalhadores um total de 366.000 “dirigentes” entre os que se encontram “ministros, presidentes, vice-presidentes, diretores, chefes de departamentos, chefes de seção, administradores, entre outros”. (www.one.cu)