FT-CI

Venezuela

Após os anúncios de “nacionalização” de Chávez

23/01/2007

Por Milton D’Leon 11/01/2007

Em 8/01 Chávez anunciou durante a posse dos ministros do novo governo a “nacionalização” de algumas empresas privatizadas, apelando a sua retórica de “socialismo do século XXI” e a “revolução bolivariana”, entre estas se encontram várias empresas norte-americanas, o que provocou declarações de alerta por parte dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que gera simpatia entre os trabalhadores e povos da América Latina. Entretanto, quase ao mesmo tempo, Ricardo Sanguino, presidente da Comissão de Finanças da Assembléia Nacional aclarou que “não se trata de uma medida de expropriação, as empresas estratégicas serão compradas”1. Desta maneira tranqüiliza aos setores afetados pelas medidas, enquanto mostra os limites desta estatização burguesa, ou dito de outra maneira, de seu maior giro nacionalista.

Chávez anunciou a nacionalização de todas as empresas estratégicas privatizadas durante governos anteriores, centralmente na área da telefonia e da eletricidade. “Todos os setores de uma área tão importante e estratégica para todos nós como é a energia elétrica, tudo o que foi privatizado nacionalize-se...A Companhia Anônima Nacional Telefones de Venezuela (CANTV) nacionalize-se...a Nação deve recuperar a propriedade dos meios estratégicos, de soberania, de segurança e de defesa”, completou em seu solene discurso2. Também afirmou que “todos os processos de melhorias na extração petrolífera da Faixa do Orinoco” devem passar ao controle do Estado. Ao mesmo tempo em que anunciou estas medidas fez chamados aos “opositores políticos” para que se somem ã “tarefa do desenvolvimento nacional” afirmando que “necessitamos de um empresariado nacional que sinta orgulho de ser venezuelano...”. Estes anúncios foram parte de uma série de medidas que escapam a esta primeira análise centrada nas medidas de “nacionalização”.

No mesmo dia 8/01 se produziu o maior impacto experimentado pelo mercado financeiro venezuelano - desde que Chávez assumiu ser primeiro mandato em 1999 - após ter anunciado os planos de nacionalização da telefônica CANTV e das empresas elétricas que operam no país, mas tendendo a regularizar-se no dia seguinte com a leve recuperação das ações da Bolsa de Valores de Caracas ao confirmar a indenização ás empresas afetadas. Na realidade tudo isso se trata de um processo de reestatização de empresas privatizadas, entre as quais se destacam a CANTV, a telefônica mais importante do país, e Eletricidade de Caracas (Elecar), ainda que Chávez não tenha feito menção direta a nenhuma empresa operadora de eletricidade. Estas, assim como as associações estratégicas petroleiras têm todas maiorias acionárias de empresas norte-americanas. O serviço elétrico venezuelano é manjado pela estatal Cadafe, mas na capital opera a companhia Elecar, que pertence ao grupo internacional AES com sede nos EUA, possuindo 86% das ações. Na telefonia fixa e celular o maior operador na Venezuela é CANTV, cujo principal acionista é a Verizon Comunications com 28,5% das participações. O consórcio que a CANTV administra com esta porcentagem de ações pode controlar e dirigir a empresa, enquanto que entre os trabalhadores e o Estado não chegam a 20% e o resto é oferecido a escala mundial. Vale aclarar que ao limitar-se ás empresas que alguma vez foram estatais deixa de fora das medidas os grandes grupos de telefonia celular, que concentram grande parte do mercado das telecomunicações.

Enquanto o anúncio de “nacionalização” afeta os negócios de certas empresas norte-americanas, fica fora das medidas nada mais e nada menos que a estratégica indústria petroleira, na qual as empresas nacionais e estrangeiras (quase exclusivamente norte-americanas) mantêm negócios milionários. Neste setor o que se busca é acelerar o processo de transição das associações estratégicas a outro esquema no qual o Estado assuma o controle dos negócios petroleiros via empresas mistas3. Este processo tinha se iniciado no ano passado e se esperava que o Ministério de Energia e Petróleo findasse as negociações com as transnacionais em dezembro de 2006 tal como se fez com os “convênios operativos”. Sincor, Petrozuata, Ameriven e Cerro Negro são as quatro associações estratégicas da Faixa e nelas participam, junto ã PDVSA; Total; Exxon Móbile, Statoil e Conoco Philips4. Estas últimas têm a maioria acionária das associações, aspecto que deve reverter-se nos próximos meses com as novas medidas e que já vinha sendo negociado. Como já se anunciou, a proporção acionária seria 51% (PDVSA) e 49% (transnacionais). É por isso que nenhum setor transnacional petroleiro se exaltou contra a medida, e como afirmou o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, as medidas anunciadas para o setor energético não afetariam os investimentos petroleiros no país. “Não deveria ser uma surpresa para ninguém. Decididamente não surpreende. Há um bom tempo ele (Chávez) vem anunciando isso”, disse Gabrielli. “É de conhecimento público que temos programado uma série de investimentos em comum tanto lá como aqui, e estas negociações não mudaram em nada”, concluiu5.

Segundo alguns cálculos de analistas econômicos, re-nacionalizar a CANTV custaria 3,5 milhões de dólares6, Elecar outros 3,5 milhões sendo que pagou-se 1,6 milhões para adquirir a maioria das ações no ano de 2000 das mãos de outros acionistas privados7, e os quatro projetos a Faixa totalizariam um custo de 17 milhões de dólares ainda que o plano seja não ultrapassar 51% das ações. Mas parte do empresariado nacional que tem trabalhado com o governo e que fez eco ao seu chamado, não se alarmou até o momento com tais medidas8. Assim Francisco Natera, de Empresários pela Venezuela, afirmou que “o empresário tem que trabalhar com o governo seguindo as políticas ditadas em 2006, e que serão potencializadas em 2007. Se manterão os estímulos ã indústria nacional, ao campo e aos serviços, através da exoneração do IVA e baixas taxas de juros. Haverá excelentes condições de financiamento e o empresário nacionalista deve adaptar-se ás novas políticas”9. E para além disso, Chávez continua chamando também a aqueles setores empresariais que estiveram com o golpe como Fedecámaras a que revejam suas posições e se somem a seu projeto. Assim, durante o seu discurso, após duras declarações contra este setor, afirmou que: “oxalá mudem e assumam um projeto nacional; necessitamos de um empresariado nacional, e estamos dispostos a trabalhar juntos com um empresariado crioulo, nacional, que sinta orgulho de ser venezuelano e que trabalhem para satisfazer as necessidades do povo, da sociedade venezuelana”. Neste marco, as medidas buscam retomar o controle das empresas que foram privatizadas na década de 90 no sentido de recompor o capital nacional e melhorar os termos de intercâmbio nas relações com as grandes potências imperialistas.

Ao retomar esta política se está operando no governo um giro nacionalista mais claro se o compara com seus oito anos do período anterior e, sobretudo, contratando-o com o de outros governos como o de Kirchner e Lula, mas para nada se trata de medidas revolucionárias que afetam decididamente o capital internacional ou local. Uma clara medida neste sentido teria significado a expropriação pura e simples sem nenhum tipo de indenização, tomando em conta que todas as empresas têm recuperado com facilidade a bagatela que pagaram por elas durante o período de abertura econômica de Carlos Andrés Pérez. Não há tampouco nenhuma medida que aponte a produzir alguma mudança substancial da distribuição da renda nacional a favor dos trabalhadores e dos setores populares e em detrimento da burguesia. Não há grandes mudanças quanto a seu projeto estratégico da “via venezuelana ao socialismo” de convivência entre o capital privado e o estatal. Chávez tampouco está avançando em nacionalizar 100% da indústria petroleira, senão que vem avançando para a constituição de empresas mistas, como já o tem feito com os “convênios operativos” e agora com as “associações estratégicas”.

1 El Nacional, 10/01/2007.
2 Discurso de Hugo Chávez durante a posse de seu novo gabinete ministerial no Teatro Teresa Carreño de Caracas.
3 Ver “La revolución bolivariana y el mito del socialismo del siglo XXI”, en Estrategia Internacional N° 23
4 A composição das “associações estratégicas” é a seguinte: Petrozuata (Conoco-Phillips 50,1%, PDVSA 49,9%), Hamaca-Ameriven (PDVSA 30%, Phillips 40%, Texaco 30%), Cerro Negro (PDVSA 41,67%, Exxon Mobil 41,67%, Veba 16,67%), Sincor (PDVSA 38%, Total 47%, Statoil 15%). As “associações estratégicas” produzem 620.000 barris de petróleo, de cuja venda a PDVSA obtém lucros significativamente menores ás que obtêm as transnacionais.
5 Últimas Noticias, 10/01/2006.
6 Cálculo feito em base aos investimentos feitos uma vez privatizada a companhia. Reporte Económico, 10/01/2007, e “Estado actual de las comunicaciones en Venezuela”, Universidad Central De Venezuela. Facultad de Ingeniería. Caracas. Venezuela.
7. Cálculo de custo atual também em base a supostos investimentos realizados após a recompra de 2000. “AES sufre revés en América Latina por nacionalización en Venezuela”. Reporte Económico 10/01/2007.
8 Para una melhor análise deste setor econômico ver “Las negociaciones con el empresariado y el surgimiento de los “nuevos ricos bolivarianos” en Estrategia Internacional N° 23.
9 El Nacional, 10/01/2007.

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