Contra a mídia burguesa, os monopólios e a propriedade privada
Colocar de pé uma grande campanha em defesa do MST!
19/10/2009
Há pouco mais de uma semana – 7 de outubro – cumpriu-se a reintegração de posse da fazenda Santo Henrique, em Bomberi na região de Bauru, e que estava sobre ocupação do MST desde o dia 28 de setembro. É revoltante notar o estardalhaço que fez a mídia burguesa ao longo dos últimos dias, criminalizando o MST sob a acusação de ter destruído cerca de 5 mil pés de laranja (o que não representa mais que 5% da área plantada da fazenda), que seria destinado a produção de feijão e arroz, colocando como um absurdo e um ato de vandalismo descomunal contra uma fazenda altamente produtiva.
Mas o que se encontra por traz da epopéia criada pela mídia?
Para entendermos a forma tão raivosa e ofensiva por parte da mídia burguesa, é preciso olhar fundamentalmente sobre dois fatores. Primeiro acerca da suposta proprietária da fazenda de um milhão de pés de laranja, a Cutrale, empresa brasileira que é o maior monopólio da produção de suco de laranja concentrado do mundo, detendo cerca de 30% do mercado mundial, em um produto onde o estado de São Paulo, no Brasil, e da Flórida, nos Estados Unidos, são responsáveis por mais de 90% da produção – e que no Brasil através de quatro grandes monopólios, que tem a sua frente a Cutrale, detém 70% do mercado mundial. Ainda que o setor não movimente um volume de capital expressivo comparado ã produção de outras commodities como a soja, possui uma rentabilidade muito alta, em torno de 15% do faturamento. E essa taxa de lucro alta provém da super exploração dos trabalhadores e pequenos produtores do campo para obter o fruto a um preço insignificante – eis o poder do monopólio, ou vendem ã Cutrale ou perdem o fruto! Há também o uso de brechas na legislação burguesa para movimentar capitais em paraísos ficais [1] . Além disso, a Cutrale que tem fábricas espalhados pelo estado de São Paulo e sua sede na cidade de Araraquara, teve muita relação através do governo local que até o ano passado pertencia ao PT, com o governo Lula, sendo em 2006 o segundo maior doador a campanha de Lula com mais de R$ 4 milhões [2], o que demonstra uma relação umbilical entre a Cutrale e o governo federal, onde este último apesar das várias pressões faz vista grossa ao cartel executado pela empresa, inclusive com a participação de José Luiz Cutrale no Conselho de Desenvolvimento Social, criado por Lula em 2003. Cabe assinalar que a família Cutrale teve sempre relação íntima com os governos no Brasil desde a ditadura, quando em 1972, por exemplo, foi eleita a exportadora do ano [3] . Nesse sentido fica claro que a defesa do latifúndio e da Cutrale, no marco da perda dos 5 mil pés de laranja, encobre na verdade a defesa da burguesia brasileira, altamente dependente de capital imperialista, pois sem a Parmalat, a Nestlé e a Coca-Cola, a super poderosa Cutrale não tem para quem vender, na principal plataforma de exportação do país, as commodities, que sustentaram o último padrão de crescimento, levando o Brasil entre os países semicoloniais ao rol dos BRICS, e a uma “estabilidade” econômica, que possibilitou as políticas assistencialistas do governo como o Bolsa Família, Reuni, Prouni e contribuiu em muito para popularidade do governo Lula – e vemos muito bem exemplificada nesse caso, a fragilidade desse padrão que apenas aprofunda a dependência econômica, pois para onde vai a verba pública de incentivo ã agricultura afinal de contas? Trata-se do verdadeiro rosto pró-capitalista de Lula. Defesa essa que não se restringiu apenas ã mídia, mas pelo contrário, o governo do estado São Paulo através da justiça paulista deu todo o suporte para que o mandato de reintegração de posse da fazenda Santo Henrique saísse o mais rápido possível e mandou os cães de guarda da propriedade privada, a polícia, com mais de cem homens para garantir a qualquer custo a desocupação. Justiça essa que é muito ágil para mandar reprimir os trabalhadores, mas para investigar a denúncia de grilagem das terras que foram ocupadas pelo MST - que correspondem a mais de 100 mil hectares de terras, denominado de Monções que segundo o Incra são terras pertencentes ã União e estão sob uso privado graças ã grilagem – e que a Cutrale reivindica supostamente como suas, arrasta a investigação por anos para que a empresa que tanto ajuda PT e PSDB, não seja prejudicada.
Há ainda outro fator não menos importante e que está diretamente imbricado com a defesa dos monopólios das commodities no país, o ataque irrestrito promovido aos movimentos sociais nos últimos anos e ao MST em especial. Durante o governo Lula aumentou consideravelmente o número de assassinatos de camponeses por bandos armados a serviço do latifúndio e do agro-negócio [4] , como no atentado ocorrido em agosto desse ano na cidade de Araraquara a Élio Neves, secretário-geral da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), que foi baleado na cabeça a queima roupa e ficou semanas sob coma induzido. Atentados como esse, a mídia não dá obviamente o mesmo peso, muito pelo contrário. Essa ofensiva da direita de tentar colocar o MST como bando de vândalos e de defender até o fim os latifundiários, escancara a realidade brasileira, que desde os barões da cana e café concentra quase a totalidade das melhores terras e alcança seus altos lucros ás custas da super-exploração dos trabalhadores rurais, trabalho escravo e mortes, o que na verdade só tem se intensificado com a mecanização e assalariamento do setor nos últimos anos, explorando ainda mais o trabalho por um lado, e jogando para cidades cada vez mais massas de pobres.
Lula de braços dados ao latifúndio, e o dilema do campo
Assim como colocamos anteriormente, as commodities tem sido a maior responsável pelo mal chamado “milagre do crescimento” do governo Lula, mas se elas puderam garantir as políticas de assistência no que toca a população urbana, no campo isso não se dá por uma simples questão: é impossível conciliar a demanda mais simples e imediata dos camponeses com o latifúndio, que é a demanda pela terra, o que torna as lutas no campo muito mais explosivas ainda que muitas vezes por políticas de pressão. A questão posta nesse sentido é bem simples o governo não pode conceder benefícios ao campo porque isso significa cortar de quem manteve até o momento a “estabilidade” econômica, e como medida paliativa tenta distribuir algumas pequenas partes de terras da União para a reforma agrária como forma de manter a estatística, mas que de concreto o governo Lula em troca das concessões monstruosas que faz a favor do latifúndio com isenções fiscais e subsídios que passam da casas dos bilhões, se tratando de reforma agrária assentou menos família que o próprio governo de FHC, e frente a crise que para Lula não é mais que uma marolinha cortou em 48% o repasse de verba para o Incra, e que nos últimos 10 anos a concentração de terras no Brasil tem aumentado violentamente [5] .
Oportunismo da oposição ou uma política estrategicamente pensada?
Há menos de duas semanas, a oposição – DEM e PSDB – liderou uma luta por abrir uma CPI contra o MST, que só conseguiu ser barrada no últimos momento por uma centralização da base governista, porém com o artifício criado com a ampla campanha da mídia que levou inclusive a várias declarações da base do governo como do próprio Lula contra a ocupação do MST [6], a oposição espera ter encontrado ou criado a brecha necessária para abrir a CPI, numa clara perseguição ao movimento, onde a principal acusação é de o MST não ser um movimento legalizado nos tramites burocráticos. Aqui escancara-se mais uma vez o profundo atrelamento da grande mídia brasileira aos setores mais reacionários e pró-imperialistas da política e economia do país. Seja na articulação e defesa da ditadura, na omissão e busca de imparcialidade criminosa sobre o golpe em Honduras ou mesmo o papel chave que cumprem para a criminalização do MST, um movimento legítimo, tão forte e histórico contra a concentração de terras deste país. É imperioso cercar de solidariedade, com frentes amplas, democráticas, que desmascarem tanta mentira descarregada contra os trabalhadores rurais e o MST e elevar a luta por uma reforma agrária radical que exproprie a burguesia que lucra com a exportação de quase toda a produção e colocá-la a serviço dos interesses da população. Assim fazemos um chamado a todas as entidades do movimento estudantil das estaduais paulista (USP, UNESP e UNICAMP), e dos trabalhadores desde a Conlutas e a Intersindical que no momento em que discutem uma fusão a solidariedade as lutas dos movimentos sociais deve ser uma questão central, e que a CUT também encampe essa batalha e rompa com o governo Lula que como vimos está de braços dados com o latifúndio, e ainda que a direção do MST se utilize de seu prestígio político para convocar e coordenar uma verdadeira unidade operário-camponesa-popular-estudantil em defesa dos sem terra, contra a criminalização dos métodos combativos de luta pela terra. Enquanto trotskistas sabemos da centralidade e do potencial revolucionário da luta pela terra em países como o Brasil (que se cansa de ver as velhas oligarquias envolvidas em tantos escândalos de corrupção) e que é uma demanda democrática que só pode ser concretizada pela aliança revolucionária dos trabalhadores da cidade em conjunto com os trabalhadores rurais e camponeses. por isso manifestamos nosso completo apoio ao MST, contra a criminalização do movimento, chamando também as demais correntes de esquerda, movimentos sociais e populares a combater na medida das suas forças e elevarmos essa luta ao questionamento da sociedade de classes, inclusive apontando a necessidade do MST girar sua estratégia nesse sentido – independência de Lula e independência de classe para enfrentar os latifundiários e capitalistas, os partidos burgueses e seus mecanismos reacionários como a imprensa canalhesca.
NOTASADICIONALES
[1] Ver revista Veja Edição 1802 14 de maio de 2003.
[2] Informação retirada de matéria do Jornal Folha de São Paulo (29/11/2006), disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87203.shtml.
[3] Mais informações a respeito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social encontram-se no site do próprio órgão: http://www.cdes.gov.br/. Onde, em nota sobre reunião de 2007, vemos que o conselho foi renovado em 46% com a justificativa de que a “escolha dos nomes teve por base a representatividade, a densidade política e a capacidade de contribuir com as atuais prioridades do País”, mas José Luís Cutrale continua lá!.
[4] Ver reportagem de Gilson Dantas ao Jornal Palavra Operária n°60.
[5] “O retrato surge dos dados do Censo Agropecuário de 2006, divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE –o último havia sido realizado em 1995 e 1996. Indicador-síntese da desigualdade no campo, o índice de Gini da terra subiu 1,9% na média nacional de 1995/1996 a 2006, para 0,872 pontos. Quanto mais perto esse índice está do número 1, maior é a concentração de áreas de cultivo.” Informação retirada de matéria do Jornal Folha de São Paulo (01/10/2009), disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u631696.shtml.
[6] "Todo mundo sabe que eu sou defensor das lutas sociais e de que o povo se manifeste. Agora, entre uma manifestação para reivindicar alguma coisa e aquela cena de vandalismo feita na televisão... Obviamente que não posso concordar com aquilo porque não tem explicação para a sociedade você derrubar tantos pés de laranja apenas para mostrar que você está reivindicando. Você poderia demonstrar sem precisar fazendo essa destruição em massa em pés de laranja". Declaração feita por Lula ã grande mídia, disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u635962.shtml, em matéria do dia 09/10/2009.