FT-CI

Eleições na Honduras

Com a fraude se legitimou o golpe

04/12/2009

No domingo 29, Tegucigalpa amanheceu deserta. Só algumas camionetes 4x4 e carros luxuosos buscavam estacionamento nos bairros mais acomodados, onde anciãs, vestidas com elegância para a ocasião, eram entrevistadas pelos meios de comunicação golpistas que lhes pediam que exibissem seu dedo pintado antes as câmeras. Ao mesmo tempo, o alto nível de abstenção podia ser visto nas colônias mais populosas da capital, onde os centros de votação permaneceram quase vazios durante toda a jornada, apesar das ameaças de demissões para quem não votasse e as sedutoras propostas de descontos em produtos da cesta básica, para quem sim o fizesse.

Fontes da resistência assinalavam que a abstenção superava os 65%. Os dados oficiais mostraram contradições: enquanto a empresa contratada pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) para digitalizar a contagem informava que a participação rondava os 47%, os próprios magistrados falavam de um problema técnico que lhes impedia dar as cifras no tempo estimado, tentando forjar o que já estava ã vista. Finalmente, a imprensa golpista, os funcionários do regime de Micheletti e os próprios candidatos assinalaram que se tratou de uma “festa cívica” onde, supostamente, haveria votado 61% do padrão eleitoral, dando como ganhador ao fazendeiro Porfírio “Pepe” Lobo, candidato ã presidência pelo direitista Partido Nacional (PN). Para a “festa”, entretanto, não estavam convidados quem se manifestavam contra as eleições em San Pedro Sula – ao noroeste do país -, que foram reprimidos com gases lacrimogêneos e balas de borracha.

Para “garantir a transparência” dos comícios, o Conselho Hondurenho da Empresa Privada (CoHEP) e o TSE convocaram como observadores a grupos reconhecidos por financiar e apoiar ã direita na região, como USAID ou UNOAmérica. Com um “lobo” não foi suficiente.. . assim que aqui se congregou uma manada.

Elvin Santos, o candidato golpista do Partido Liberal (PL), reconheceu prontamente a derrota e se comprometeu ao diálogo com Lobo. Tudo indica que a enorme diferença entre ambas as forças, projetada pelas primeiras apurações, foi “encurtada” posteriormente, visando preservar este pilar que, junto com o PN, sustenta ao regime burguês bipartidário de Honduras. Parágrafo aparte merece a vergonhosa posição que mantiveram dirigentes da esquerdista Unificação emocrática (UD), avalizando as fraudes eleitorais, sob o pretexto de não perder a legalidade partidária. O que terminaram perdendo foi – como era de se esperar – o apoio de seus tradicionais votantes, obtendo um mísero 1,7% do incerto resultado apresentado pelas autoridades.

A “democracia” de Obama e da OEA

A fraude de 29 marca, provisoriamente, o fechamento do processo iniciado em 28 de junho, com a derrubada do presidente Zelaya por parte do exército, do seu próprio partido, da oposição e da maioria dos funcionários e parlamentares do regime, incluindo as câmaras empresariais e das hierarquias eclesiásticas. O objetivo da burguesia hondurenha de preservar o regime reacionário da Constituição de 1982 cumpriu-se por meio deste golpe que, finalmente, foi legitimado através das recentes eleições fraudulentas, propiciadas pelo imperialismo norte-americano, mostrando a impotência de seu histórico “ministério das colônias”, a Organização de Estados Americanos (OEA).

Os pedidos de Lula e dos governos da região, incluindo Zelaya e o bloco da ALBA encabeçado por , para que o EUA intervenha “em defesa da democracia” ameaçada, semearam expectativas no diálogo auspiciado pelo imperialismo e a OEA. Entretanto, esta política foi a que terminou fortalecendo aos golpistas, mostrando a impotência dos governos latino-americanos para enfrentar o “smart power” da era Obama, quem detrás de seu branco sorriso de Prêmio Nobel da Paz, segue legitimando golpes cívico-militares e fraudes eleitorais no que considera seu “pátio traseiro”.

Ao tempo que, a XIX Cúpula Iberoamericana, reunida em Portugal, não conseguiu um pronunciamento comum sobre as eleições hondurenhas, ainda que os distintos países se manifestaram de acordo em promover “a abertura de um diálogo nacional”. Na América Latina, as eleições foram convalidadas por Oscar Arias, presidente da Costa Rica, como também por Peru, Colômbia e Panamá. Por outra parte, Argentina, Bolívia, Brasil, Venezuela, Nicarágua, Guatemala e Uruguai advertiram que não reconhecerão os comícios; enquanto que El Salvador, México e Chile se encontram em posições “intermediárias”.

O objetivo do EUA e dos golpistas é que, em médio prazo, todos terminem por aceitar o governo surgido do golpe e da fraude. A isto apontam as declarações do Secretário Geral da OEA e membros do governo de Lula, que reconheceram a Lobo como interlocutor para “reconstruir a democracia” em Honduras.

Nada a festejar

Incrivelmente, enquanto alguns ativistas anti-governistas mostravam sua inquietação ante este “final anunciado”, a Frente Nacional contra o Golpe de Estado lançava seu comunicado N° 40 onde assinalavam: “Com plena satisfação anunciamos ao Povo hondurenho e ã comunidade internacional que a farsa eleitoral montada pela ditadura tem sido contundentemente derrotada devido ã raquítica afluência de votantes ás urnas (...). Considerando que este resultado representa uma grande vitória do povo hondurenho, a Frente nacional de Resistência convida a todo o povo hondurenho em resistência a celebrar o dia de amanhã a derrota da ditadura”.

Este foi o espírito que reinou na assembléia da Frente Nacional de Resistência que se realizou no dia seguinte das eleições, na sede do Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Bebida e Similares (STIByS), onde aproximadamente umas 400 pessoas se reuniram para “celebrar” o alto nível de abstencionismo e escutar as palavras de Juan Barahona, Rafael Alegria e Carlos H. Reyes, que já se preanuncia como o candidato de uma futura força política, o “braço eleitoral” que pretendem fazer surgir do corpo desta resistência. O próprio assessor de Zelaya, Carlos Reina, abandonou, terça-feira, a embaixada do Brasil onde permaneceu 72 dias, para “reorganizar e resgatar ao Partido Liberal e dar coesão ao movimento da resistência em todo o país”, tentando capitalizar esta força popular detrás de uma nova variante política, subordinada a Zelaya.

Na assembléia de segunda-feira, as consignas cantadas a viva voz, a comunicação telefônica com “Mel” Zelaya e os preparativos para a caravana de carros e pick-ups que mais tarde percorreu as principais avenidas da cidade, passando inclusive pela embaixada do Brasil, impediram qualquer reflexão sobre o acontecimento. Entretanto, impõe-se tirar conclusões destes cinco meses de marchas, caminhadas, paralisações, bloqueios de ruas e plantões nos que, ã repressão dos golpistas, a direção da Frente Nacional de Resistência respondeu depositando confiança nas negociações que Zelaya e Micheletti levavam adiante, sob os ditames do Departamento de Estado norte-americano, ainda quando foi o presidente derrocado o que cedeu – em todas as oportunidades – ás exigências dos golpistas. A força demonstrada pelo magistério, durante longas jornadas de paralisações, os contundentes bloqueios de estradas e pontes protagonizados pelo movimento operário e camponês, junto aos povos indígenas em distintas zonas do país durante as primeiras semanas depois do golpe, marcavam o caminho da greve geral que os dirigentes sindicais e populares da Frente Nacional de Resistência se negaram a convocar, para desfechar uma derrota contundente aos golpistas. Por um lado, a brutal repressão do regime – com sua seqüela de mortos, presos e perseguidos políticos – e, por outro lado as falsas expectativas criadas pela direção da Resistência, em que as mesmas forças que derrocaram a Zelaya o podiam restituir novamente no poder, são responsáveis da desmobilizações que foi ganhando terreno, impedindo a realização de sérias medidas que impuseram o boicote ativo ás eleições, apesar do heroísmo demonstrado por mulheres e homens da classe trabalhadora, o campesinato, o movimento estudantil, os povos indígenas e as feministas de Honduras.

Redobrar a luta contra o governo ilegítimo de Lobo

Esse povo trabalhador e pobre de Honduras não concorreu ás urnas. Com suas “mãos limpas”, os homens e mulheres que enfrentaram aos golpistas devem organizar-se de forma independente para enfrentar, esta vez, o governo fraudulento de um dos fazendeiros mais ricos do país, representante do regime oligárquico e pró-imperialista que mantém sumido na miséria a mais de 70% da população, que permite a super-exploração de milhares de operários e operárias nas máquinas, que mantém a base militar norte-americana em Soto Cano... Com essas bandeiras, contra a oligarquia e a patronal hondurenha e seu reacionário regime salvaguardado mediante o golpe e a fraude, tem que unificar ao conjunto da classe trabalhadora e do campesinato pobre de Honduras, para lutar contra o governo ilegítimo de Lobo, por uma Assembléia Constituinte Revolucionária que coloque em questão a subordinação ao imperialismo, o domínio oligárquico e abra o caminho à luta por um governo operário, camponês e popular.

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