Economia
Comprendendo as crises capitalistas a partir do marxismo
21/08/2007
É sabido que para Marx a crise capitalista se expressa por vezes como crise se super-produção de mercadorias (há mais mercadorias disponíveis no mercado do que se demanda) e como crise de super-produção de capitais. Por sua vez Marx assinalava que para além das causas imediatas e das formas em que se manifesta cada crise capitalista particular, opera no capitalismo a chamada “lei da tendência decrescente da taxa de lucro [1]. A que se referia com isso?
Primeiro digamos que por taxa média de lucro Marx entende a soma total da mais-valia produzida no processo de produção dividida pela soma total do capital. No livro III de sua obra “O Capital” assinala que a tendência ã queda da taxa de lucro é a principal “lei de movimento” do modo de produção capitalista. Tenhamos em conta que do capital global que o capitalista investe, é da parte que se destina aos salários (que chamamos capital variável) da qual se gera a mais-valia, o trabalho não pago gerado pelos operários que o capitalista se apropria e que por sua vez é a fonte de seu lucro. Marx assinala que com o desenvolvimento histórico do capitalismo tende a diminuir o capital variável como fração do capital total, devido a que o progresso técnico implica uma crescente substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto (maquinaria) . Se produz deste modo um aumento da chamada “composição orgânica do capital”, isto é um incremente do capital constante (o destinado ã compra de maquinaria e matérias-primas) como fração do capital global na relação com o capital variável (a porção do capital destinada aos salários).
Colocando de maneira mais simples, do capital total que um capitalista investe deve destinar porções crescentes do mesmo ã compra de maquinaria e matérias-primas enquanto diminui a parte que se dedica ao pagamento dos salários. Mas como a mais-valia só surge desta última, do capital variável, o aumento da composição orgânica do capital implica a diminuição da fração de capital que produz mais-valor e, com isso, uma tendência ã queda na taxa de lucro. Isto é obtém uma menor rentabilidade em relação ao capital investido.
Esta tendência pode ser analisada tanto em relação ao que acontece em um ramo da produção determinado, como em função do processo histórico de ndesenvolvimento capitalista mais em geral. É colocada por Marx como uma “lei tendencial” porque não opera de forma ininterrupta ou linear, já que existem distintas formas mediante as quais os capitalistas podem limitar seus efeitos, as chamadas forças contra-tendenciais, a principal das quais é a possibilidade de aumentar a taxa de “mais-valia”, por exemplo, baixando nominalmente os salários reais ou incrementando a produtividade de cada trabalhador sem que isso se transponha aos salários. Outras forças contra-tendenciais são: o barateamento dos elementos que compõem o capital constante (maquinarias e matérias-primas) ; um aumento nos ritmos de rotação do capital (o qual se favorece tanto por uma circulação acelerada - mediante transportes e formas de venda mais rápidas - como por um processo de produção mais curto); dirigindo capitais para países que produzem com mais baixa composição orgânica de capital; ou estendendo o investimento de capital para setores da economia que não se encontravam organizados de forma capitalista, como ocorreu com o crescimento do setor de serviços após a II Guerra Mundial, ou mais recentemente, com a incorporação na órbita capitalista da ex URSS, dos países da Europa do Leste, China e do Vietnã.
Como se expressou esta tendência historicamente? Não houve um grande crescimento tanto da economia mundial como da taxa de lucro logo após a II Guerra Mundial?
É certo, mas as altas taxas de crescimento que os principias países imperialistas viveram nestes anos se deram após uma destruição colossal de forças produtivas, causada primeiro pela crise dos anos 30, e pela segunda guerra mundial, que alguns autores estimam em nada menos que um terço do capital (!!) previamente existente. Desta forma, e graças a que os pactos de Yalta e Postdam concertados entre as potências imperialistas vencedoras e a URSS comandada por Stalin contiveram as tendências revolucionárias que se deram na imediata pós-guerra, o capitalismo teve, ainda perdendo o controle de um terço da do globo após a revolução chinesa, seus novos “anos dourados”, um período que temos definido como de “desenvolvimento parcial” das forças produtivas [2].
Há que ter em conta que no capitalismo as crises, quando não abrem espaço ás revoluções, são habitualmente um mecanismo que permite a “limpeza” de capitais “sobrantes”, favorecendo a concentração e centralização do capital gerando as condições para a recuperação da taxa de lucro. Mas isso não é nem algo automático, já que depende de como se combina com a situação política, nem significa que após cada crise voltemos ao ponto de partida como se nada tivesse passado, como se o capitalismo se movesse de forma circular. O capitalismo tem mudado historicamente. Já no início do século passado tanto autores marxistas como investigadores burgueses assinalaram que havia entrado em uma nova fase, a do imperialismo, caracterizada classicamente por Lênin em seu trabalho O imperialismo, fase superior do capitalismo. Trostky, por sua vez, assinalava que na época imperialista os fenômenos políticos e militares adquiriam maior peso para entender a dinâmica mais geral do capitalismo [3]. Hoje mesmo a economia mundial apresenta características que não se deram antes na história do capitalismo, como é o peso exorbitante das finanças: o capital existente em bônus, ações e depósitos bancários se calcula que alcança 150 bilhões de dólares, três vezes mais que o produto bruto mundial.
Voltando ao sucedido com o “boom” do pós-guerra, em finais dos 60 começou a se verificar uma mudança de tendência que se expressou agudamente durante a crise de 1973-75, na qual a economia mundial sofreu uma forte recessão e a taxa de lucro, que já vinha diminuindo desde fins da década anterior, caiu fortemente. Ainda que esta queda não tenha sido a única causa imediata da crise, esta permitiu desmentir distintos autores (marxistas e não marxistas) que haviam colocada que na “tendência decrescente da taxa de lucro” não tinha evidência empírica [4].
Esta crise mostrou também que o “ciclo vital” do capitalismo não se havia revertido, como alguns acreditavam até então. Num artigo que publicamos há alguns anos dizíamos: “A vitalidade mostrada pelo capitalismo durante o “boom” não foi a de uma criança, um adolescente e menos ainda que de um adulto em plenitude. Foi a de um homem mais velho, que depois de ter estado perto da morte obtém uma sobrevida, estica a pele, e volta a caminhar com a vantagem da experiência acumulada. Sua experiência lhe permitirá ainda fazer frente a novos percalços, mas envelheceu irremediavelmente. Suas recaídas serão cada vez mais periódicas e profundas. É esta a situação que o capitalismo vive desde os anos 70 [5]. A crise atual e as que têm vivido o capitalismo no último período histórico cremos que mostram o caráter correto desta definição. Para além de seus respiros e recuperações periódicas, cremos que é correto definir o capitalismo atual como “capitalismo declinante”.
Mas o que aconteceu com a taxa de lucro desde então?
Durante o chamado “neoliberalismo” se puseram em marcha um conjunto de medidas políticas e econômicas tomadas para contrapor a queda da taxa de lucro que vimos com o fim do “boom” do pós-guerra. Nestes anos se incrementou brutalmente a taxa de exploração da classe operária e cresceu o espaço econômico capitalista, tanto geograficamente (produto do processo de restauração capitalista) como a partir da captura direta para os negócios capitalistas de distintos ramos, como vimos com a privatização da saúde, da eduicação, e dos serviços ppúblicos, e com o surgimento de novos setores da economia. Por sua vez, como assinalamos, se multiplicaram is negócios especulativos. Em particular a China se converteu nos últimos anos em um verdadeiro pulmão para o capitalismo mundial, atuando como uma forte pressão para a queda do preço da força de trabalho a nível mundial. Mas como diferentes autores marxistas têm mostrado (ver gráfico), ainda a custa de aumentar seus desequilíbrios potenciais, as recuperações da taxa de lucro foram apenas parciais, e nunca chegaram a alcançar os níveis do boom. Cada recuperação foi seguida por alguma crise de envergadura (crise da dívida de 1982, crack da bolsa de Wall Street em 1987, crise da bolha imobiliária japonesa em 1990, crise russa em 1998, crise da bolha de empresas ponto com, e crack da economia argentina em 2001) que ainda que não tenham se transformado em um crack generalizado, implicaram desequilíbrios importantes na política e economia mundiais. Taxas de lucro dos EUA. contando (-) e descontando (- -) o impacto dos vínculos financeiros [6].
Ainda que nos EUA a taxa de lucro voltou a se recuperar acompanhado pelo crescimento dos últimos anos, na crise atual estão estalando os mesmos mecanismos que permitiram aos EUA sair da recessão de 2001 e sustentar o crescimento mundial nestes últimos cinco anos [7].
Que impacto pode ter a crise atual sobre a luta de classes?
Ainda que seja certo que não há uma relação mecânica entre crise econômica e agudização da luta de classes [8] é também um fato que os ataques com que os capitalistas buscam descarregar a crise sobre o movimento de massas raramente resultam sem resposta. Para considerar só os fatos mais recentes, na crise asiática vimos os levantamentos que levaram á caída da ditadura de Suharyto na Indonésia. E em dezembro de 2001 tivemos na Argentina as “jornadas revolucionárias” de 19 e 20 de dezembro, nas quais se combinaram a ação dos desempregados com as classes médias, setores das quais haviam sido despojadas de suas reservas enquanto os grandes capitalistas fugiam em massa com suas divisas. Mais em geral com o despertar do século grande parte da América do Sul se viu comovida por situações pré-revolucioná rias que levaram ã queda de numerosos presidentes produto da mobilização popular. O novo da crise atual é que tem sua origem no coração do capitalismo mundial, e se continuar e se aprofundar poderá dar lugar a importantes acontecimentos da luta de classes nos EUA e nos países europeus que se vejam mais fortemente afetados pela crise. Por sua vez, é provável que tenha países semicoloniais aos quais o desenvolvimento da crise mostre como “elos débeis” da mesma. Em síntese, se a crise não for contida e uma recessão chegar efetivamente aos EUA devemos nos preparar para um período de intensificação da luta de classes em nível mundial que apresentará novas oportunidades revolucionárias para a classe trabalhadora.
NOTASADICIONALES
[1] Existem três grandes interpretações sobre a teoria das crises em Marx: i) A teoria da desproporcionalidad e, defendida entre outros pelo marxista “legal” ruso Mijail Tugán Baranovsky, por Rudolf Hilferding, por Nicolai Bujarin e, em certa medida, também por Lênin. Segundo esta concepção a causa principal das crises está em que as decisões de investimento capitalista geram uma desproporção entre as frações de valor produzidas e os fluxos de valor gerados pelo setor I da economia (o produtor de meios de produção) e o setor II (que produz bens de consumo). ii) A teoria subconsumista, sustentada entre outros por Karl Kautsky, Rosa Luxemburgo e Paul Sweezy. Esta teoria vê a causa essencial das crises na brecha existente entre a capacidade produtiva e a insuficiente capacidade de consumo das massas. iii) A teoria da pura sobreacumulaçã o, entre os que se encontra Paul Mattick. Este autor realiza uma análise esquemática acerca de como atua a tendência ã queda da taxa de lucro, vendo a razão principal das crises na massa insuficiente de mais-valia produzida, em comparação com a quantidade total de capital acumulado.
[2] Para uma análise detalhada das condições que favoreceram o forte crescimento no segundo pós-guerra ver Paula Bach, El boom de la posguerra. Un análises crítico de làs elaboraciones de Ernest Mandel, em Estrategia Internacional N ° 7, março/abril 1998. Também da mesma autora ver sua Introducción aos escritos de Trotsky em en Naturaleza y dinámica del capitalismo y la economía de transición, CEIP León Trotsky Ediciones, Buenos Aires, 1999.
[3] Trotsky soube assinalar isso com claridade a meados da década de 20 quando discutia com a teoria dos “ciclos longos” do capitalismo, sustentada por Kondratieff e outros: “Em condições de ascenso, em que a economia busca espasmodicamente seu equilíbrio, tanto outros fatores políticos como os militares jogam um papel distinto...Vemos aqui não o livre ou semi-livre jogo das forças econômicas, ao qual estávamos acostumados a analisar no período de pré-guerra, senão forças estatais concentradas que irrompem na economia, e isso tenta interromper ou está interrompendo os ciclos regulares ou semi-regulares, se é que todos chegam a notar”. León Trotsky, Sobre la cuestión de las tendencias en el desarrollo de la economía mundial (1926), en Naturaleza y dinámica del capitalismo y la economía de transición, Op. Cit
[4] Entre os primeiros críticos da “lei da tendência decrescente da taxa de lucro” se contaram, já na década de 1890, o filósofo liberal italiano Benedetto Croce e o economista neoclássico alemão Eugen von Böhm-Bawerk.
[5] ”Christian Castillo, Las crisis y la curva del desarrollo capitalista, en Estrategia Internacional N° 7, março/abril 1998.
[6] Gérard Duménil and Dominique Lévy, The Real and Financial Components of Profitability, pág. 11, 2005.
[7] Ver de Juan Chingo, Una amenaza al corazón de las finanzas de Wall Street.
[8] Trotsky assinalava que “Sob um conjunto de condições a crise pode dar um poderoso impulso ã atividade revolucionária das massas trabalhadoras; sob um conjunto distinto de circunstâncias pode paralisar completamente a ofensiva do proletariado e, em caso de que a crise dure demasiado e os trabalhadores sofram muitas perdas poderia debilitar extremamente não só o potencial ofensivo como também defensivo da classe” (León Trotsky, Flujos y reflujos. La coyuntura económica y el movimiento obrero mundial, en Naturaleza y dinámica..., Op. cit.). Gramsci opinava da mesma forma: “Se pode excluir que as crises econômicas produzam por si mesmas acontecimentos fundamentais, só podem criar um teremos mais favorável ã difusão de certas formas de pensar, e de resolver as questões que fazem todo o desenvolvimento ulterior da vida estatal” (Antonio Gramsci, Análisis de las situaciones. Correlación de fuerzas, en Antología, Ed. Siglo XXI).