FT-CI

Economia

Crise e contradições do "capitalismo do século XXI"

02/06/2009 EI Brasil N°3

A crise financeira em curso, como última e mais aguda manifestação das crises bancárias, cambiais e recessivas que afetaram a economia mundial nas últimas décadas, nos permite ilustrar as características do funcionamento do capitalismo atual. Nossa tese é que a ofensiva neoliberal (resposta política, militar e econômica ã queda da taxa de lucro que vinha decaindo desde finais dos anos 60, esgotando o caráter excepcional do boom do pós-guerra), apesar de que em grande medida tenha conseguido recuperar o rendimento, gerou contradições explosivas que antes do esperado abriram uma crise de conjunto, atualizando a definição do capitalismo como um sistema em declínio. Neste artigo pretendemos analisar as transformações produzidas na economia mundial nas últimas décadas, enfatizando suas contradições, para reafirmar, sobre esses fundamentos econômicos, a perspectiva da época atual como sendo marcada por “crises, guerras e revoluções”, em contraponto a toda a visão evolutiva da dinâmica do capitalismo.

OS CONTORNOS DA ECONOMIA MUNDIAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Contradição entre o aumento da taxa de lucro e a debilidade da acumulação de capital

Uma característica que se sobressai no capitalismo contemporâneo é a recuperação da taxa de lucro desde o começo dos anos 80, e mais decididamente a partir dos anos 90. Porém, esse processo (ver gráfico 1) não vem acompanhado de um aumento da acumulação capitalista de longa duração e generalizado. Esta é uma questão inédita na história do capitalismo. Como ilustra Michel Husson,

se fizermos abstrações das flutuações cíclicas, a nova fase se define da seguinte maneira: restabelecimento da taxa de lucro sem efeito na acumulação, crescimento medíocre e débil progressão da produtividade. Trata-se de uma configuração que surge a partir da análise dos grandes países imperialistas entendidos em conjunto, mas que não se encontra em cada um deles. Porém, essa diferenciação pode ser considerada efeito da distribuição desigual deste modelo geral devido ás relações mais assimétricas que existem, entre os diferentes pólos - EUA, Europa, Japão - de uma economia profundamente mundializada. A nova configuração não tem precedentes. O gráfico 2 exemplifica o caso da França em todo o século XX. Alternam-se fases expansivas e recessivas que desenham as grandes ondas do capitalismo. Em geral, lucros e acumulações evoluem segundo perfis parecidos: os movimentos da alta ou da baixa taxa de lucro repercutem, com mais ou menos defasagem, nos movimentos das taxas de acumulação. A divergência entre as duas curvas, em meados dos anos 80, aparece como fenômeno excepcional dessa dinâmica a longo prazo” [1]

A mesma característica semanteve no ciclo de crescimento de 2003-2006, período de crescimento mais alto da economia mundial desde os anos 70, com média anual de 5%. De acordo com Joseph Stiglitz, o financiamento barato que os bancos centrais induziram desde o começo da década

”funcionou”, porém de forma fundamentalmente distinta do funcionamento normal da política monetária. Em geral, as baixas taxas fazem com que as empresas peçam maiores empréstimos para investir, e o aumento do endividamento traz consigo mais ativos produtivos. [2]

Observemos mais de perto dois países - Japão e Alemanha - que após anos de estancamento ou crescimento débil, tiveram recuperação da competitividade e dos lucros. Isso se expressa por meio do aumento de exportações, o que contribui decisivamente como crescimento de seu PIB. No entanto, segundo afirma um estudo econômico dessas duas economias:

Uma parte dos lucros não vem sendo utilizada eficazmente (para estimular o crescimento a curto prazo ou a longo prazo). Pode-se observar em ambos os países a procura da liquidação de dívidas das empresas em relação ao PIB, inclusive no Japão, a níveis absolutos de acumulação de ativos líquidos por parte das empresas, o que não contribui para sustentar o crescimento registrado ou o crescimento potencial. Existe também uma soma dos dividendos pagos, porém continuam sendo débeis, e provavelmente se desgastam pouco. [3]

Debilidade da acumulação e tendência a sobreacumulação em determinados nichos da economia mundial

A ausência de um processo de acumulação capitalista sustentado e generalizado abre espaço ã uma tendência a sobreacumulação nos escassos nichos de valorização produtiva que o capital internacionalmente encontra. Esses foram, sucessivamente, desde o final dos anos 60 até a crise asiática de 1997 os chamadosNIC e novosNIC;mais tarde, a partir demeados dos anos 90 até 2000, o boom da “nova economia”,motorizado pelas telecomunicações e a informática; posteriormente, a chamada bolha imobiliária, com epicentro nos EUA, Espanha e Inglaterra, atingindo expressão mundial; e simultaneamente, o denominado “milagre” econômico chinês - que perdura até hoje.

Nesses setores houve aumento e/ou aceleração da taxa de investimento que desemboca, em todos os casos, em crise de sobreacumulação [4], acompanhadas subseqüentemente por uma crise de sobreendividamento e subespeculação (a exceção continua sendo a China, ainda que a acumulação de contradições que levam a esse desenlace esteja aumentando). Ilustremos o que estamos dizendo.

A respeito da chamada crise asiática de 1997, Isaac Joshua demonstra que

os casos da Tailà¢ndia, Coréia do Sul e Malásia são casos claros de sobreacumulação, Indonésia provavelmente também, porémemmenor grau. Pela escassez de dados, não é possível evidenciar semcalcular as taxas de acumulação correspondentes.No entanto, para os três países citados, é possível observar amanutenção, ao longo demuitos anos, de uma taxa de investimento particularmente elevada, na faixa dos 40%. O gráfico 3 demonstra, para esses três países, o aumento notável das taxas de investimento, assim como os níveis inéditos que alcançaram em1996. A abundância de capital estrangeiro contribuiu para o financiamento desse esforço nos países do Sudeste Asiático. Enquanto os fluxos de capitais privados líquidos com destino aos países em desenvolvimento na Ásia eram, em média anual, de 11.9 bilhões de dólares entre o período de 1983-1988, em 1996 alcançavam 94,70 bilhões de dólares, ou seja, oito vezes mais. O rendimento muito elevado desses investimentos nas novas áreas emergentes (até dez pontos mais do que nos países desenvolvidos) explica facilmente a amplitude dessemovimento de capitais. Entre as condições favoráveis que ajudavam a entender melhor esta atração, os autores citam como uma das mais significativas (junto ás escassas cargas fiscais e as facilidades para a exportação), os baixos salários para uma mão-de-obra qualificada, abundante e comprometida com seu trabalho. [5]

Posteriormente, após a fuga de capitais dos mercados emergentes, conseqüência da crise asiática e do default da dívida russa em 1998, as tendências de sobreacumulação foram reforçadas nos EUA por trás da euforia da nova economia, principalmente quando começarama cair os lucros das corporações não financeiras, processo que se estende de 1998 a 2001 (declive de quatro anos que a economia americana não experimentava desde 1973). Citemos as evidências que Isaac Joshua contundentemente aporta:

Na segunda metade dos anos 1990 o ritmo de crescimento dos investimentos das grandes empresas (líquido ou bruto) está, em longo prazo, acima da tendência. A amplitude do movimento é excepcional: não é possível encontrar semelhante crescimento sem nos remontar aos anos 1950 (o uso dos logaritmos permite colocar em evidência os ritmos de crescimento). Contrariamente ao discurso então na moda, a “nova economia” está longe de ser “imaterial”, supõe investimentos pesados em bens duráveis (infra-estruturas para as redes de internet, celulares, computadores, microprocessadores etc.). Apesar da obsolescência particularmente rápida, esses aparelhos não escapam de seu caráter de bens duráveis, por mais que tenham tempo de vida limitado, os proprietários não têm data marcada para trocá-los. A demanda correspondente pode, assim, ter flutuações de grande amplitude, um período de readequaçãomuito intenso (como é constatável nos anos 1990) pode estar seguido por uma queda brutal das demandas. A sobreacumulação pode se manifestar de várias formas: sobreabastecimento dos mercados, sobrecapacidade, guerra de preços, investimentos errôneos ou desproporcionais, levando tudo ã queda dos lucros( ver gráficos 4 e 5 e Tabela 1). [6]

A substituição da febre da Internet pela febre imobiliária, nos EUA e em outros países, como Espanha e Inglaterra, combinou, como toda “bolha especulativa”, o crescimento desmedido de ativos financeiros [7] com importante sobreinvestimento de ativos reais (moradias, terrenos etc.), fundamentalmente, porém não exclusivamente, nos Estados Unidos. Na Espanha, o crescimento na construção de moradias (o item mais importante dentro do setor de construção) foi acompanhado fortemente de crescimento nas obras de infra-estrutura (estradas, portos, canalização de água etc.) e de edificações de todo tipo (fábricas, escritórios, hotéis, entre outros), com investimento público e privado. O resultado foi um aumento acelerado dos preços desses ativos, chegando a níveis totalmente excessivos, inclusive se fazendo avaliação otimista dos lucros que podiam se esperar. A revista semanal The Economist, há mais de dois anos, vem dizendo:

Nunca antes o preço real das moradias cresceu tão rápido, durante tanto tempo, em tantos países. Os mercados imobiliários estão em efervescência, desde os EUA, Grã Bretanha e Austrália, até França, Espanha e China. O aumento dos preços das propriedades ajudou a impulsionar a economia mundial após a explosão, em 2000, da bolha do mercado bursátil. O que ocorreria se explodisse o boom da moradia? De acordo com estimativas feitas pelo The Economist, o valor das propriedades residenciais nas economias desenvolvidas aumentou mais de 300 bilhões de dólares nos últimos cinco anos, superando os 700 bilhões de dólares, aumento equivalente a 100%do PIB combinado de todos esses países. O fato não apenas diminui qualquer boom prévio do preço da moradia, como também supera a bolha do mercado bursátil global no final de 1990 (aumento de 80%do PIB em cinco anos) e da bolha do mercado bursátil norte-americano em finais da década de 1920 (55% do PIB). Em outras palavras, comprova-se como a maior bolha da história. [8]

Nos EUA, o setor de moradia foi chave no crescimento econômico de 2001 a 2006. Neste período, gerou um terço dos postos de trabalho criados e quase a metade dos gastos em consumo. No entanto, a sobreacumulação que provocou, se manifesta agora na pior depressão do mercado imobiliário desde 1929 - sendo que desde 2006 esta bolha vemsendo freada, colocando de lado os aspectos financeiros da crise.No último ano e meio, as vendas de novas residências (corte anual de 6,6% em julho) e os preços (1,4% menores) ainda não pararam de cair. Bill Gross, que dirige o principal fundo de bolsistas do mundo, fez um pedido diretamente ao presidente Bush, que salve a indústria de hipotecas subprime, para prevenir uma “destrutiva deflação no valor das moradias”. Ele alerta com a possibilidade de que mais de dois milhões de prestamistas entrem em default antes do término do ciclo atual. Gross adverte que os preços dasmoradias nos EUA podemchegar a cair 10%. E explica que tal queda nos preços das moradias “poderia representar deflação dos preços dos valores (ações) não visto desde a Grande Depressão” [9]. A forte queda nos preços é manifestação típica de crise de sobreacumulação.

Na Espanha o setor das construtoras representa aproximadamente um quinto (18%) do Produto Interno Bruto. A partir de 1999, quando ocorre a mudança da moeda de pesetas para euro, há crescimento significativo do setor, que obrigou a “aflorar” grandes capitais de negócios ilícitos para sua legalização. A isto se soma que a taxa de juros fixada pelo Banco Central Europeu beneficiou particularmente a economia espanhola. A magnitude da sobreacumulação, que apesar de algumas quedas pontuais de grandes imobiliárias, como é o caso da Astroc, ainda não parou, pode ser ilustrada com um dado preciso: durante os últimos anos, se construíram mais moradias na Espanha do que na França, Inglaterra e Alemanha juntas. Não surpreende que o calor de dito “padrão de acumulação” tenha desenvolvido vertiginosamente uma oligarquia financeiro-imobiliária poderosa que domina o financiamento e é dona dos conglomerados dos meios de produção necessários para produzi-las. Expressão disso é que cinco construtoras espanholas estão entre as dez maiores do mundo por capitalização bursátil, além do fato de que o Banco Santander está hoje entre os dez maiores em âmbito mundial. [10] Alguns outros exemplos da febre construtora são dignos de serem assinalados:

Desde 1990 até 2000 o solo passível de ser urbanizado na Espanha aumentou 170.380 hectares, perdendo 239.248 hectares de solo florestal. A edificação de moradias veio aumentando até 2005, ano em que se bateram todos os recordes, com a construção de 812.0000 moradias [...] A degradação do litoral mediterrâneo e das costas galegas chegou a extremos escandalosos, aumentando as edificações em 1.700 quilômetros das costas acima citadas. No litoral galego estão previstas 600 mil moradias a mais. Porém, não apenas nas costas observamos a febre urbanizadora. Madri, entre 1990 e 2000, superou a média nacional edificando 50% do total construído em todo o território nacional. [11]

O contraposto do brutal desenvolvimento é que o número de moradias vazias ascendeu no final de 2005 a 3,35 milhões, o que representa 14,59% do parque total de moradias no mercado espanhol (22,95 milhões de unidades [12] ), ao mesmo tempo em que milhares de pessoas procuram moradia em vão, e boa parte da juventude é incapaz de enfrentar o enorme gasto para adquirir uma unidade.

Por último, há o caso da China, o “milagre” econômico ainda em andamento (e a nova esperança - bolha - para a economia mundial, que os economistas crêem ter encontrado após o murchar da economia americana). Ali, os sintomas de sobreacumulação são evidentes. O ex-economista que gerenciava as economias de Morgan Stanley, Stephen Roach, já dizia em meados do ano passado:

As “macrocifras” falam por si mesmas. Em 2005, os investimentos em ativos fixos alcançaram 45% do PIB chinês e deveriam exceder o limite de 50% em 2006. Não podemos negar as regalias a favor do investimento para o desenvolvimento da economia chinesa - urbanização, industrialização e infra-estrutura. Porém, a China rompeu com esse molde, inclinando-se a favor de seu próprio modelo do setor provedor nessa macro-equação. Inclusive, em seus bons tempos, a proporção de investimentos no Japão e na Coréia nunca superou 40% do PIB. Pela segunda vez em dois anos, Pequim impôs uma série de medidas de ajustes no setor de investimentos de sua superaquecida economia. Da mesma forma que no “esfriamento” de 2004, três medidas foram tomadas: um modesto aumento de 27 pontos básicos nos juros sobre os empréstimos, aumento de 50 pontos básicos na relação das reservas bancárias, e uma série de controles administrativos apontados em direção ás indústrias mais importantes. No entanto, se essas medidas não funcionaram há alguns anos, duvido que o façam agora, enquanto o PIB nominal baseado no dólar é 35% maior e os fluxos de investimentos em ativos fixos são 60% mais altos do que eram em 2004 [13].

E para termos uma idéia do que isto significa internamente e em âmbito internacional, em um artigo anterior o mesmo analista dizia:

Os efeitos da escala das operações apresentam um desafio cada vez mais sério para a estratégia macropolítica chinesa. Este nem sempre foi o caso, especialmente quando a economia chinesa era pequena e em grande medida subdesenvolvida. Mas esses dias ficaram para trás. Enquanto a China dava conta de apenas 5% do PIB mundial em 2005 (medido por tipo de câmbio com base em dólares), os setores “superaquecidos” agora têm um peso muito maior em sua própria economia, tanto quanto na economia global. Este é o caso em particular para o candente setor de investimentos fixos na China. É muito provável que em 2006 os investimentos em ativos fixos ultrapassem os 1,3 trilhões de dólares, o que representa mais de 50% do PIB chinês. Isto é totalmente espantoso em todos os níveis. Inclusive, em seus dias de glória, os investimentos no Japão e na Coréia nunca superaram o patamar de 40%; por outro lado, é provável que nos Estados Unidos, a maior economia mundial, os investimentos em ativos fixos estejam próximos dos 2,3 bilhões de dólares, ou 17% do PIB em 2006. Em outras palavras, por mais que o PIB chinês represente apenas 18% do americano, os investimentos em ativos fixos da China se aproximam a 60% dos investimentos dos Estados Unidos. Colocando de outra forma, o “delta dos investimentos chineses” - o crescimento de seus gastos de investimento - diminui tudo o que tem sido visto nos últimos anos. De 2000 a 2005, registrou-se um aumento nos investimentos de ativos fixos da China, que subiram subitamente de 400 bilhões a 1,1 trilhão de dólares, aumento de 680 bilhões de dólares, que chega quase 70%a mais do que o delta de investimentos dos Estados Unidos, equivalente a 400 bilhões de dólares no mesmo período [14].

Não é surpresa que com essas cifras, já em 2006 a indústria automotriz teve capacidade suficiente para produzir 8 milhões de unidades ao ano, muito mais do que os 5,7 milhões de carros vendidos em 2005. Tampouco surpreende que 70% da oferta de produtos de consumo excedam ã demanda solvente, de acordo com dados do Ministério de Comércio, fatores que contribuíram para triplicar as exportações chinesas nos últimos cinco anos. Como demonstram os exemplos - os quatro nichos do capitalismo mundial nos últimos anos - a inexistência de uma acumulação durável e generalizada a nível mundial que siga a recuperação da taxa de lucro não é sinônimo de uma desacumulação absoluta, como uma tese de estancamento poderia sustentar, mas esta se combina com fortes processos de acumulação (e de sobreacumulação) em determinados países ou setores de produção, que são a base estrutural das fortes crises que vivemos nos últimos anos ou viveremos nos próximos. No caso da crise atual, diferentemente da crise asiática da década passada, a crise financeira nascida nos EUA precede a crise de sobreprodução que, como mostra a maioria dos indicadores, está se gestando lentamente na Ásia.

Aumento das crises monetárias e bancárias

Os crescentes fluxos de capitais vêm incrementando o desencadeamento de crises monetárias. O comércio mundial de divisas alcançou 1,9 trilhões de dólares por dia em 2004, três vezes mais do que em 1989 [15]. De acordo com Andrew Glyn,

se desenvolveram fluxos massivos de ida e volta de fundos entre bancos, e outras instituições simultaneamente se endividam e fazem empréstimos no estrangeiro. As estimativas mostram que o valor total do estoque de ativos estrangeiros de uma importante quantidade de países, duplicou entre 1980 e 1995, a partir de um equivalente de 36% do PIB para um 71% do PNB, tendo mais do que duplicado nas duas décadas anteriores. Em princípios de 2000, a relação provavelmente alcançou 100%, superando duas vezes seu pico em 1900. As transações de valores no estrangeiro de residentes americanos aumentaram 60 vezes em relação ao PIB entre 1977 e 2003 [16].

A mobilidade do capital é uma característica distintiva em relação ao período de taxas de câmbio fixas de Bretton Woods [17]. As desvalorizações apenas eram permitidas em situações de “desequilíbrio fundamental”, a conta corrente da balança de pagamentos era geralmente vista como constrição ã qual a política doméstica devia adaptar-se. Os déficits de conta corrente eram pequenos. A diferença não pode ser mais contrastante: desde começo dos anos 80 e principalmente nos anos 90 e na década em curso, ocorre um substancial incremento do tamanho médio dos superávits ou dos déficits de balança de pagamentos (em relação ao PIB). O déficit de conta corrente dos EUA alcançou recorde de 791 bilhões de dólares em 2005, quase 6,5% de seu PIB. A brecha entre os países com déficit em conta corrente e com superávit mundialmente se expandiu para quase 6%do PNB mundial, o dobro de 2000. Jamais o mundo conheceu semelhante disparidade.

As taxas de intercâmbio real frearam-se um pouco depois dos anos 1970, mas nos anos 1990 estas movimentações aumentaram novamente, como visto nos anos 1960. De acordo com Andrew Glyn,

se estas fossem meramente flutuações ao azar ao redor de tendências satisfatórias, é de se esperar que as mesmas fossem absorvidas pela economia real sem custos excessivos, especialmente quando uma maior sofisticação dos mercados financeiros e seus participantes facilita sua própria proteção contra as flutuações nas taxas de câmbio nominais. No entanto, os movimentos anuais também coincidem com oscilações a longo prazo nas taxas de câmbio real (e, portanto, no custo da competitividade dos setores comercializáveis de mercadorias), o que pode gerar na estrutura da economia um efeito duradouro e distorcido. Se prestarmos atenção ás três divisas (dólar, yen e euro - que substituiu o marco alemão) pode-se verificar a reavaliação do dólar - chega quase a 70% na primeira metade dos anos 80 - seguida por uma brusca queda e depois por uma importante subida após 1995. Ambos, euro e yen, vêm mostrando importantes mudanças em sua competitividade real, geralmente seguindo como um espelho ã do dólar. Tais movimentos contínuos na taxa de câmbio real podem ser extremamente perigosos para a capacidade da economia em médio prazo, pois são feito ajustes, há companhias que se retiram dos mercados exportadores, demissão em massa de trabalhadores (que não se revertem imediatamente se a taxa de câmbio real se ajusta a um nível mais apropriado). Um detalhado estudo sobre a indústria manufatureira americana destacou que a valorização do dólar aumentava de maneira considerável a destruição de empregos, porém isso não se compensava com a criação de novos postos de trabalho na manufatura quando o dólar voltava a se desvalorizar novamente. [18]

O mesmo autor afirma:

O caso patológico de flutuação da taxa de câmbio, uma verdadeira crise da “divisa”, convencionalmente se define como um mês no qual uma combinação da taxa de câmbio e os câmbios da reserva da moeda estrangeira ultrapassa o nível limite. Estudo recente de cinco países daOCDE (quatro países escandinavos e Espanha) demonstrou que cada umdeles havia tido pelomenos quatro crises financeiras desde 1970. O estudo mostrou situações em que havia grandes crises orçamentárias, de déficit de conta corrente, ou “excessos financeiros”, como também crises provocadas por convulsões bruscas nosmercados de capitais internacionais e ataques especulativo autocomplacentes – “as crises também ocorrem em economias com fundamentos irrepreensíveis” A incidência de crises baseada em algum elemento das divisas aumentou no período das taxas flutuantes a partir de 1973 até 1987, pior do que a da década seguinte. [19]

Nos últimos anos, as crises monetárias foram acompanhadas por crescente instabilidade financeira, como a que vivemos hoje em âmbito internacional e que tem seu epicentro nos Estados Unidos. Junto com estas vemos a volta das crises bancárias, que praticamente haviam desaparecido nos anos do boom. Analisemos as seguintes estatísticas para comprovar que isso não é uma questão passageira e tampouco acidental, mas que tem caráter sistêmico [20].

Pesquisa feita pelos economistas Gary Clyde Hufbauer e EricaWada, do Institute for International Economics, levantou um indicador estatístico impactante [21](ver Tabela 2): de 1970 a 1998 produziram-se 64 crises bancárias e 79 crises cambiais no mundo.

Outros autores, em abrangente estudo histórico, chegam a conclusão mais significativa a respeito das crises bancárias:

O que parece que está mudando é a freqüência das crises, maior nas décadas de 70, 80, 90 do que no total do século XX e a década de 50 e 60 em particular. O aumento na freqüência atribui-se principalmente a uma maior incidência das crises das divisas e das crises gêmeas (situações nas quais a crise bancária e a de divisas coincidem e se reforçam mutuamente [22]) (Ver gráfico 6).

AS RAZÕES DE FUNDO DESSA EVOLUÇÃO

Qual é a razão das evoluções e comportamentos acima citados? Por que o capitalismo contemporâneo está a um nível de crise similar ao período entre guerras mundiais? Nesta seção tentaremos dar respostas a estas interrogações.

A desestabilização do sistema financeiro e a ofensiva neoliberal

A desestabilização do sistema financeiro é conseqüência da ofensiva “neoliberal” para maximizar os lucros capitalistas. A liberalização financeira das últimas décadas implicou a desintegração das barreiras entre os bancos de investimento, os bancos comerciais e as companhias de seguro estabelecidas pelo New Deal como resposta ao superendividamento e ã superespeculação de década de 1920, que termina com a quebra de 1929 e a Grande Depressão. A transformação foi acompanhada pela titularização de empréstimos [23] em grande escala, com o objetivo de não estar ligada a ativos reais e possuir títulos de propriedade facilmente vendáveis por trás da busca do melhor investimento. Ou seja, a participação dos empréstimos bancários tradicionais se reduziu e o financiamento por meio de bônus aumentou [24].

As transformações no sistema financeiro vieram acompanhadas na administração das corporações pelo desenvolvimento do “modelo anglosaxão”, o capitalismo acionário [25].

Ambas as transformações, nos mecanismos e instituições de financiamento e a estrutura interna das empresas, ampliaram o terreno para a ofensiva do capital sobre o trabalho. Como resultado da ofensiva os detentores do capital ficaram livres para quebrar todos os compromissos (e concessões) com os trabalhadores obtidos após a Segunda Guerra Mundial [26], e sancionar no mercado bursátil as estratégias de “criação de valor” das empresas. Esse elemento, em conjunto com a extensão do capital a novas áreas geográficas e setoriais (voltaremos ao tema mais adiante), permitiu a recuperação da taxa de lucro, que vinha caindo desde a década de 60, nos EUA e nas principais potências imperialistas. O processo é o que se conhece como “neoliberalismo”. No entanto, a liberdade recuperada do capital líquido ou financeiro foi ao custo de incrementar o potencial desestabilizador das finanças, aumentando sua interpenetração com o capital produtivo (ou o “capital em função”, segundo Marx) em um mercado internacionalizado e sua tendência ã sobreprodução por um lado; e, por outro, sua face especulativa.

Vejamos o primeiro aspecto, a interpenetração com o capital produtivo. No capítulo de O Capital sobre “o papel do crédito na produção capitalista”, Marx sustenta:

Se o sistema de crédito aparece como alavanca principal da superprodução e da superespeculação no comércio, isto apenas ocorre porque neste caso se força até o limite extremo seu processo da reprodução, elástica por sua natureza, e porque o força por conta de que uma grande parte do capital social resulta empregado pelos não proprietários do mesmo [...] quebrados pelo sistema de crédito [27].

Nas crises de sobreacumulação que exemplificamos, as características que Marx outorga em geral ao sistema de créditos e as sociedades por ações foram levadas a limites impensáveis: o estímulo por via do endividamento da expansão produtiva a níveis gigantescos, muito além da capacidade de lucratividade ao nível das expectativas de lucro esperados pelos numerosos investidores, resultando em uma superabundância de mercadorias que não representam trabalho socialmente necessário. Simultaneamente a esse aspecto, a profusão do crédito abre espaço para o desenvolvimento das famosas bolhas especulativas. Induzido por grandes quantidades de dinheiro barato começa-se a se formar uma pirâmide de dezenas, ou centenas de vezes superior ao valor subjacente do ativo original, seja uma propriedade no mercado imobiliário ou uma companhia produtora de mercadorias criadas pelo primeiro empréstimo que apenas se sustenta por meio de crescentes quantidades de criação de crédito. O empréstimo original é revendido sob a forma de bônus, para distribuir o risco e fazer novos empréstimos. Por sua vez, os títulos são usados como garantia para obter maior financiamento dos bancos para investir nesses ou em outros bônus. E a expansão financeira se acelera até chegar a um ponto de ruptura, no qual o endividamento excessivo está financiando comportamentos especulativos, um valor dos ativos altamente inflacionado e empresas que apenas são viáveis ã medida que as condições do boom creditício continuem existindo. A desintermediação das finanças levou as tendências a limites desconhecidos, criando superestruturas cada vez mais colossais sobre bases cada vez mais estreitas. É assim que um articulista do Washington Post explicava recentemente:

No modelo antigo um banco podia essencialmente pedir dinheiro emprestado de seus depositantes e emprestá-lo a proprietários ou companhias que precisavam de empréstimos. No entanto, cada dólar que emprestavamao banco requeria-se colocar parte de seu próprio dinheiro em conceito de reserva para cobrir perdas que poderia sofrer no caso de que não se pagassem alguns dos empréstimos. Mas tudo isto acabou com a desregulamentação e o aumento da engenharia financeira. Atualmente, os grandes bancos pedem emprestado a maioria do dinheiro que emprestam vendendo bônus a seus investidores. E a maioria dos empréstimos que fazem não se contabilizam nos livros, mas imediatamente passam a formar um pacote junto com outros empréstimos e são vendidos a outros compradores, como os fundos de cobertura (hedge funds). Diferentemente dos bancos, os fundos de cobertura não são obrigados a manter níveis mínimos de capital, e podem comprar os instrumentos (ou seja, fazer empréstimos) com a totalidade do dinheiro proveniente de empréstimos. E, como não têm que revelar seus investimentos, nenhum regulador tem idéia do tamanho da dívida no sistema ou onde está concentrada. Estima-se, por exemplo, que mais da metade dos empréstimos utilizados para financiar aquisições das corporações está agora em pacotes financeiros com outros empréstimos, e vendidos como ‘obrigações colaterais de dividas’ (CDO, abreviação em inglês). Entre os grandes compradores de CDO estão os bancos de investimento que os empacotam com outros CDOs, e os colocam ã venda novamente. Os mesmos se denominam “CDOs ao quadrado” [28]

Pearlstein continua explicando que esta engenharia financeira fomenta a ampliação de dívidas sobre dívidas [29], fazendo com que o sistema seja mais suscetível a uma queda brusca caso o crédito se torne repentinamente mais caro, ou se não há crédito disponível. É precisamente isto o que estamos vendo se desenvolver nas últimas semanas.

E apontando ao coração da crise - a exposição dos grandes bancos potenciais defaults (não pagos ou quebrados) de empréstimos - assinala:

À medida que este drama do mercado creditício se expõe, os grandes bancos e as casas de investimento deWall Street ficam no centro das atenções. De acordo com gerentes de ativos de Barings, estas instituições comprometeram-se a doar 500 bilhões de dólares em créditos para financiar aquisições das corporações, com a expectativa de que rapidamente possam revender esses créditos com uma margem de lucro. Várias ofertas, no entanto, foram retiradas por causa da falta de compradores, e há uma grande posibilidade de que os bancos se vejam forçados a vender muitos créditos a preços baixos, ou retê-los em seus livros e apontar seu valor.

Terminemos este ponto com números chocantes, para imaginarmos a magnitude que adquiriu a inflação da esfera financeira. Durante os últimos anos, os chamados derivados se desenvolveram e se criaram instrumentos financeiros destinados ã especulação, com os tipos de câmbio, taxas de juros ou cotizações dos bônus. Como explicamos no caso anterior, as especulações se realizam não apenas com fundos próprios, como também com créditos, ou comprometendo apenas parte do total da operação envolvida, o que permite ampliar sua magnitude e seu nível de risco [30]. Em seu último estudo, o Bank of International Settlements (BIS) calcula que o total do valor ‘nacional’ de todos os derivados pendentes no mundo refletia a incrível cifra de 415 trilhões de dólares. A soma representa oito vezes o PIB de toda a economia mundial, 20 vezes o total de todo o estoque acionário americano e 50 vezes a dívida total do Tesouro do governo dos EUA. De acordo com o BIS, no entanto, em 1998, última vez em que o mercado de derivados quase se aniquila, eram apenas 80 trilhões de dólares de derivados pendentes no mundo inteiro. Essa cifra já era enorme. Porém, hoje, o total dos derivados pendentes soma 415 trilhões, cinco vezes mais! Se o risco se expande entre as milhares de instituições, cada uma com capital suficiente para respaldar suas apostas, a bolha dos derivados pode não ser uma ameaça tão grande. Porém, a Agência Controladora das Divisas do Governo (em inglês OCC) informa que, nos Estados Unidos, apenas cinco bancos controlam 97,1% dos derivados de todo o sistema bancário americano de conjunto. Pior ainda, entre estes cinco bancos, nenhum detém capital para cobrir seu risco de crédito líquido, a medida básica que o OCC usa para avaliar os riscos que assumemesses bancos emoperações comderivados. Cabe novamente citar 1998 no momento da última débâcle. JP Morgan Chase, ator mais importante no mundo do mercado de derivados, tinha 3,80 dólares de risco de crédito por dólar de seu capital. Atualmente, a OCC informa que a JP Morgan Chase tem 7,99 dólares em risco de crédito por dólar de capital. Cifra enorme, representa mais do que o dobro de seu nível de risco de 1998! E, junto com o resto dos grandes bancos, como o Citigroup, Bank of América ou Wachovia. O maior banco americano, o Bank of América, também está com a corda no pescoço, arriscando seu capital quatro vezes. De acordo com dados do OCC, o ator mais importante no mercado de derivados - JP Morgan Chase – é quem se arrisca mais: oito vezes seu capital total. Por último, e se faltava peça nesse terror financeiro, baseado nos dados coletados - porém não publicados - pela OCC, menos de 9% do mercado dos derivados dos mercados americanos negocia-se em transações reguladas. Os 91% restantes são estritamente contratos verbais, fora do domínio das transações reguladas. Isto significa que cada parte é responsável pelo monitoramento do crédito e da confiança de cada contraparte.

A internacionalização do capital produtivo: o mundo para o capital, mas também para a difusão de sua crise

A extensão do capital a novas áreas geográficas em uma fenomenal internacionalização do processo de produção capitalista também permitiu a recuperação da taxa de lucro, que vinha caindo desde finais dos anos 1960 nos EUA, e nas principais potências imperialistas. O processo que começa gradativamente durante o boom do pós-guerra e se acelerou a partir da década de 1970, quando ocorre a procura por pa–íses com mão-de-obra barata com o objetivo de baratear porções do processo de produção trabalho - intensivas- , e dessa forma aumentar as margens de lucro. O resultado da maior homogeneização e interconexão [31] da economia mundial capitalista tem sido a aceleração da difusão das crises recessivas ou depressivas, aumentando a intensidade das mesmas, e que colocam de manifesto as crises dos mercados emergentes da década passada, principalmente a crise asiática ou agora as primeiras mostras da crise financeira internacional. Lênin, em seu famoso livro O imperialismo, fase superior do capitalismo, definiu uma das características centrais da primeira onda de internacionalização do capital de fins do século XIX, começo do século XX: a exportação de capitais. Esta característica se mantém até hoje. Porém, há uma diferença qualitativa na com-posição dos fluxos de capitais: hoje primam os investimentos estrangeiros diretos (IED), especialmente títulos que em maior medida financiavam o Estado e não os agentes privados essencialmente no desenvolvimento da infra-estrutura, como, por exemplo, ferrovias. Veículo para o estabelecimento de novas relações de produção capitalista, essa IED implica a destruição das velhas relações de produção, verifica-se na redução da população ativa dedicada ã agricultura e no crescente processo de aumento do trabalho assalariado em âmbito mundial. É uma mundialização do capital produtivo. Como bem explica Isaac Joshua, esta é a extraordinária especificidade da mundialização atual:

É a do capital de produção em si, diretamente, sem migrações massivas de população. A mundialização do final do século XX prolonga, desta forma, a do século XIX americano, porém se diferencia desta profundamente porque em lugar de ser uma “mundialização inflacionada”, é mundialização-transformação, na qual o capitalismo se apropria das velhas populações ao invés de exportá-las a novos territórios. O capitalismo se lança a partir de agora aos países de história antiga, de civilizações antigas, para ali destruir, substituir, recompor as relações de produção existentes. A mundialização do século XIX estendeu o assalariado a novos territórios (o continente americano), permitindo a existência, ã sua margem, da imensidade de relações de produção “tradicionais” (Índia, China etc.). Por sua vez, este aumento do trabalho assalariado penetra nos antigos espaços sociais, destrói as antigas relações de produção e, fazendo-as se destruírem, redistribui ã maneira capitalista os elementos dispersos. A dinâmica do capital se aproxima de seu ideal: que tudo na terra seja capital ou frutificação de valor (ver anexo, “Uma assalariamento universal”).

A mundialização do capital produtivo se converteu, por outro lado, em duas modificações substanciais do processo de produção capitalista: crescente processo de integração do mercado de trabalho mundial, que por sua vez une os assalariados do mundo inteiro, desestabilizando as relações salariais nacionais, e ameaçando os sistemas de previdência social; por outro lado, a redefinição da velha divisão mundial do trabalho comparada com a época do imperialismo clássico. A respeito do primeiro processo, no marco das tendências assinaladas acima, nas últimas duas décadas o processo de restauração do capitalismo na China, ex-URSS e Leste Europeu, assim como uma maior abertura ao mercado mundial por parte de alguns países da periferia, que tinham um desenvolvimento mais autárquico, como a Índia, ampliou de maneira significativa a oferta da força de trabalho mundialmente. Isso provocou uma margem de vantagem enorme do capital em ralação ao trabalho. Mesmo tendo diferenças sobre seu impacto, diversos trabalhos dão conta disto. Citemos alguns. Richard Freeman, economista de Harvard, defende:

A comunidade econômica mundial e os que projetam as políticas econômicas dos governos e das instituições internacionais ainda não compreenderam a fundo todo o desenvolvimento econômicomais importante que ocorreu nessa etapa da globalização - a duplicação da mão-de-obra em âmbito mundial. Estimo que a inserção na economia mundial da China, Índia e ex-bloco soviético recortou a relação capital trabalho global aproximadamente em 55% a 60%. A duplificação ã qual me refiro é a crescente quantidade de pessoas inseridas na economia global, como resultado de a China, Índia e ex-União Soviética terem abraçado o mercado capitalista. Em 1980, a força de trabalho mundial consistia de trabalhadores dos países avançados, partes da África e a maior parte da América Latina. Aproximada-mente 960 milhões de pessoas estavam inseridas nessa economia. O crescimento da população, principalmente nos países mais pobres, fez com que o número de empregados nessas economias aumentasse para 1,460 bilhões em 2000. Mas nas décadas de 80 e 90 ingressaram no mercado de trabalho mundial trabalhadores chineses, indianos e do ex-bloco soviético. Obviamente, esses trabalhadores já existiam. A diferença, no entanto, consiste em que de repente suas economias se somaram ao sistema de produção e consumo mundial. Em 2000, estes países contribuíram com 1,470 milhões de trabalhadores ã força de trabalho mundial, de fato duplicando o tamanho da nova força de trabalho que está inter-relacionada. Os novos participantes da economia mundial trouxeram pouco capital. Seja pela pobreza ou pela desvalorização de suas moedas. Uma diminuição na relação capital-trabalho em escala mundial inclina a balança de poder dos mercados contra os salários pagos aos trabalhadores que competem para trabalhar com esse capital (...) A relação capital-trabalho é um crítico determinante dos salários dos trabalhadores e das recompensas do capital. Quanto mais capital tem cada trabalhador, mais alta será sua produtividade e seu salário [32].

O ex-economista líder do Morgan Stanley, Stephen Roach, há anos insiste que o que denomina “a arbitrariedade do trabalho global” (“Global Labor Arbitrage”) mudará a economia mundial. Em artigo de 2006 dizia:

Provavelmente não é uma coincidência que a relação entre o crescimento da produtividade e compensação do trabalhador tenha se esvaecido ã medida que forças da globalização se intensificaram. Primeiramente no setor manufatureiro, agora nos serviços. O fenômeno da arbitragem do trabalho global tem sido implacável em empurrar para baixo os salários americanos em níveis internacionais. Porém, a redução salarial real nos EUA não tem sido uniforme em todo o espectro da renda. Em grande medida isso vem acontecendo porque existem cada vez mais segmentos amplos do mercado de trabalho americano que estão expostos a uma poderosa e excepcional força competitiva - a informática - que facilita a arbitragem. Graças ã velocidade de penetração da internet, a arbitragem trabalhista global chegou a áreas que historicamente não estavam acostumadas ã competitividade salarial. Em pesquisa anterior me deparei com a desconexão entre a compensação e o crescimento da produtividade, durante a expansão econômica atual detectei que foi muito maior na área de serviços do que na manufatureira. Este segmento da economia americana, que antes não era comercializável, está sentindo cada vez mais a poderosa força da arbitragem trabalhista global. Isto faz com que trabalhadores de baixo custo, bem treinados e altamente qualificados de Bangladesh, Xangai e Europa Central e Leste se insiram no mercado global dos trabalhadores intelectuais. Este é o caso de programadores, engenheiros e designers de softwares, como também é válido para a ampla gama de profissionais que trabalham arduamente em postos legais, de contabilidade, médicos, consultores e analistas financeiros. Dentro do âmbito global de trabalhadores igualmente qualificados, atua uma arbitrariedade poderosa para diminuir as disparidades laborais. Como resultado, a redução do salário real em economias abertas, tais como as dos EUA, ascendeu rapidamente ã cadeia de valor, deixando cada vez mais uma porção menor de níveis mais altos da hierarquia profissional. Em outras palavras, a arbitragem do trabalho global que permite a informática é receita certa para o aumento da desigualdade dos que ingressam [33].

Florence Jaumotte e Irina Tytell, dois pesquisadores de economia do FMI, atribuem proporção maior na deflação do preço da força de trabalho ao progresso tecnológico do que ã internacionalização do processo produtivo. No entanto, não negam sua influência:

A globalização é um dos tantos fatores que vêm atuando para reduzir a parte do ingresso ao mercado de trabalho correspondente aos trabalhadores de economias mais avançadas, apesar das rápidas mudanças tecnológicas terem tido um impacto maior, especialmente nos trabalhadores dos setores não qualificados.

E completam:

Uma primeira pergunta é como a abertura da China, Índia e países do ex-bloco do Leste, junto com os desenvolvimentos demográficos em curso, vem afetando a oferta global de mão-de-obra. Isto não é fácil de responder porque depende muito das suposições sobre qual a proporção da força de trabalho de um país que está no mercado mundial ou poderia chegar a competir nele. Uma abordagem simples é balancear a força de trabalho de cada país de acordo com a relação entre as exportações e o PIB. A oferta global de força de trabalho real quadruplica-se entre 1980 e 2005, e a maior parte deste aumento acontece depois de 1990. Por causa de marcado crescimento da população em idade produtiva e maior abertura comercial, o leste asiático contribuiu com a metade desse incremento, o sul asiático e os países do leste dão conta de aumentos menores. Enquanto a maior parte do incremento absoluto da oferta global da mão-de-obra consistia em trabalhadores com níveis baixos de educação (não têm educação universitária, terciária ou superior), a oferta relativa de trabalhadores com educação superior cresceu aproximadamente 50%nos últimos 25 anos, a maioria proveniente de economias avançadas, porém a China também se inclui.

E por último, com relação a quais são os setores da economia mais afetados afirmam:

Observando separadamente os setores qualificados dos não qualificados, o fator principal que afeta a porção de ingresso no mercado de trabalho de trabalhadores no setor não qualificado, sobre o período estudado, por fora da troca de emprego para os setores qualificados, é amudança tecnológica.Oresultado é coerente coma crença de que os computadores e outros equipamentos de tecnologia informática operam como um substituto da mão-de-obra não qualificada, e tendem a complementar a mão-de-obra qualificada. Por outro lado, a globalização da mão-de-obra contribuiu para a diminuição na porção dos ingressos nos setores qualificados, muito mais do que no setor não qualificado. Isto coincide com outros descobrimentos anteriores, que o aumento dos deslocamentos de empresas afetou majoritariamente os trabalhadores qualificados ao invés dos trabalhadores não qualificados [34].

A segunda conseqüência do processo de internacionalização do capital produtivo é a redefinição da velha divisão mundial do trabalho. A nova divisão do trabalho que a estratégia produtiva das grandes corporações foi impondo tem implicado crescente gravitação da lei do valor em nível mundial. A maior influência das transnacionais, cada vez maior em outras áreas de valorização do capital, como os serviços, tende ã formação de preços mundiais em cada vez mais ramos da economia.

Isso é diferente do “imperialismo clássico”, em que os países da periferia capitalista eram integrados ã economia mundial como abastecedores e produtores de matérias-primas para os centros metropolitanos. Diferencia-se também do avanço nos anos do boom das multinacionais e de instalação de filiais em mercados protegidos, ainda que tenha sido nesse momento em que começa o processo de internacionalização do capital produtivo. A novidade nas últimas décadas é que a “especialização” primária como produtores de matéria-prima combina com a integração de um importante número de países da periferia aos circuitos de produção manufatureira internacional, administrados pelas transnacionais e outras companhias de menor porte, como o capital chinês ultramarino; processo permitido pelo barateamento significativo do transporte e das comunicações.

É importante ressaltar que diferentemente do que as teses “globalizadoras” sustentam (supõem maior internacionalização do processo de produção no nível das grandes indústrias), aparentemente deixariam atrás as fronteiras nacionais, e as diferenças na produtividade e nos salários entre os distintos países, contrariamente essas se aprofundam como base para baratear a força de trabalho para a obtenção de lucros extraordinários das grandes transnacionais. A crua competição entre os países da periferia, com o fim de atrair os grandes capitais mediante baixo nível dos salários, uma queda das cargas fiscais sobre o capital, a quase nula proteção social ou a ausência de legislações sobre o meio ambiente são exemplos.

O resultado é a formação da nova divisão mundial do trabalho, na qual certos países (os países centrais) tendem a concentrar os trabalhos complexos e a ciência básica, outro grupo de países (determinadas zonas da periferia) a exploração intensiva da força de trabalho, enquanto outros se mantêm como produtores de matérias-primas, e por último há um setor de países que funciona como reservatório de população operária, privados de qualquer possibilidade de se integrar ao processo de produção, como é o caso da maior parte do continente africano. A reestruturação da economia mundial permite ás grandes transnacionais obter lucros exorbitantes, garantir novos mercados para seus produtos, pressionar o preço das matérias primas e preservar seu monopólio tecnológico.

Como podemos observar, a internacionalização do capital produtivo transformou quase todo o planeta em sua cota de valorização, e tem sido um dos elementos essenciais que permitiram a recuperação da taxa lucro. Ao mesmo tempo, isto implica que os mecanismos de propagação e contaminação das crises tenham se acelerado. Issac Joshua enfatiza:

Contrariamente ao que ocorreu durante a Grande Depressão, hoje continentes inteiros, como a Ásia, países tão imensos, como a China, podem ser alcançados pelo turbilhão de uma crise e ao mesmo tempo ampliá-la, somando seus próprios desequilíbrios de um mundo em ebulição.

Mostra disto é que o processo de produção mundial é dependente dos EUA. Colocando de lado as conseqüências sobre os mercados financeiros e acionários - atualmente uma das principais vias de contágio das convulsões da economia mundial como mostra a atual crise financeira internacional - vejamos o efeito que uma crise nos EUA teria no comércio e no PIB de seus sócios comerciais:

Como sugere o déficit comercial recorde dos EUA de 800 bilhões de dólares, os exportadores ao redor do mundo são fortemente dependentes dos EUA como motor principal do crescimento da demanda global. Este é o caso, especialmente, dos sócios dos Estados Unidos, da Nafta: Canadá, a oitava economia mundial (intercâmbio), envia 84% de suas exportações aos Estados Unidos – 27% de seu PIB. México, segunda maior economia latino-americana e a décima terceira do mundo, envia 86% de suas exportações aos EUA – 24% de seu PIB. Porém, os impactos disso também se evidenciam em outros lugares. Na China, quarta economia mundial, as exportações aos EUA chegam a 40% do total (levando em consideração a reexportação por Hong Kong) – 15% de seu PIB. Como conseqüência, a crescente cadeia de fornecedores asiáticos “chino-cêntrica” é fortemente dependente das exportações chinesas-EUA. Isto significa que uma desaceleração nos EUA não afetaria, via China, somente o Japão, Taiwan e Coréia, mas também teria graves efeitos no complexo de produção global de commodities, que se tornou extremamente dependente da China nos últimos anos - Austrália, Nova Zelà¢ndia, Canadá, Brasil, partes da África e, desde sempre, a Rússia. O restante do mundo é uma mistura de graus de concentração de exportações ‘EUA-cêntricas’. No Japão, onde a tendência de últimos cinco anos de crescimentos das exportações (+5,2%) foi três vezes mais rápida do que ritmo do crescimento de consumo privado (1,6%), um total de 24% de suas exportações atualmente vão diretamente aos EUA. Além desses 24%destinados aos EUA, 14%das exportações japonesas se destinam ã China -atualmente seu segundo mercado de exportações – que, como mencionado, sua demanda final está destinada aos EUA. Portanto, é difícil imaginar o Japão escapando das conseqüências de um desaceleramento dos EUA. A Europa, que destina apenas 8% das exportações aos EUA, provavelmente está mais bem preparada para resistir a um encolhimento da demanda americana, porém os laços cada vez mais estreitos com a Ásia colocam as exportações européias indiretamente expostas aos EUA. Em resumo, não há dúvida de que existe um padrão ‘EUA-cêntrico’ do crescimento das exportações, característica que deixa a economia global de baixo consumo vulnerável a qualquer retirada prolongada do consumidor americano [35].

Uma recessão americana afetaria o conjunto do planeta. Visto a partir do ângulo da realização, o desaparecimento de velhas formas de produção privou o capitalismo mundial de regiões que absorviam o excedente de mercadorias da sobreacumulação e sobreprodução existente nos países metropolitanos nos momentos de crise, como era o casa dos ex-Estados operários burocratizados ou a substituição do modelo de importações na América Latina. Paralelamente, do lado da oferta, as transformações do sistema financeiro que permitem aos grandes grupos corporativos lançar seus próprios bônus ou obrigações negociáveis deixando para trás os limites da intermediação bancária, permitiram a difusão mais rápida de produtos, processos e inovações. As imposições de norma de juros comuns em todos os países reforçaram as contradições clássicas do capitalismo, debilitando os mecanismos anticíclicos que operam tradicionalmente em âmbito nacional ou regional, como prova a existência do pacto de estabilidade européia que restringe o manuseio monetário e fiscal dos governos em momentos de recessão. Estes elementos, tanto da oferta quanto da demanda, implicam a tendência ã profundidade da crise quando esta se desencadeia.

Que papel cumpre a China (e qual papel não cumpre) no novo modo de acumulação capitalista?

Em uma passagem do Capital, com uma intuição genial para a sua época, Marx evoca a hipótese de uma China capitalista. Constata o começo de “uma potência cosmopolita entre todos os trabalhadores do mundo dentro do desenvolvimento da produção capitalista” e prossegue: “Não se trata apenas de reduzir os salários ingleses ao nível dos do continente, senão baixar, em um futuro mais ou menos próximo, os salários europeus ao nível dos chineses”. Marx cita o discurso de um deputado inglês: “Se a China se transforma em um país manufatureiro, não vejo como a população industrial européia poderá lutar sem descer ao nível de seus competidores” [36]. Por um lado, ao agravar a concorrência dos assalariados dos diferentes países, pressiona a redução do preço pago pelos capitalistas pela força de trabalho. O processo ocorre por meio da mundialização do processo da taxa de lucro, fundamentalmente nas cadeias de produção e distribuição de produtos manufatureiros, expresso na guerra de preços e na redução das margens de lucro das companhias. Seu rápido desenvolvimento tem provocado mudanças drásticas no valor da força de trabalho, com importantes conseqüências na distribuição regressiva da renda. Em outras palavras, a China exerce claramente pressão deflacionária sobre a força de trabalho. Concomitantemente, a integração da China (repetimos, como expressão mais acabada da nova divisão mundial do trabalho) ã economia mundial significou o barateamento de muitos elementos do capital constante, assim como de grandes quantidades de bens de consumo, ainda que os salários dos trabalhadores dos países imperialistas diminuem ou permanecem estancados. Entre as forças contrastantes da lei da tendência decrescente da taxa de lucro, Marx assinalava que por meio do comércio internacional, o capitalismo é capaz de tirar vantagem das nações com menor composição orgânica do capital. Como explicou Marx, isso tende a incrementar a taxa de lucro

na medida em que o comércio exterior barateie parcialmente os elementos do capital constante, e em parte os meios de subsistência necessários pelos quais o capital variável se intercala, tende a aumentar a taxa de lucro ao incrementar a taxa de mais valia, fazendo descender o valor do capital constante [37].

É assim, em grande medida, que a integração dos países de mão-de-obra barata ao mercado mundial dá conta da redução generalizada no tempo de trabalho socialmente necessário nas mercadorias manufatureiras, o que ocasionou uma significativa deflação nos preços destas mercadorias nos últimos 15 anos. De acordo com o FMI:

Dado que as produções de baixo custo nos mercados emergentes e nos países em desenvolvimento continuarão integrando-se ao mercado mundial, é provável que essas forças assegurem uma baixa inflação em um futuro previsível, o que se assemelha ã deflação secular associada com grandes aumentos na produtividade durante o período clássico do ouro como divisa mundial em finais do século XIX [38].

Um outro indicador para medir o impacto é a porcentagem de importações de bens de consumo dos mercados dos países centrais. Por exemplo, no principal mercado consumidor, os EUA,Wal-Mart, a principal cadeia de comércio mundial e importadora americana de produtos da China e outros países do sudeste asiático, se vangloria de que sua política de baixar os preços eleva o nível de vida dos americanos, economizando 100 bilhões de dólares ao ano aos consumidores ou aproximadamente 600 dólares ao ano por família, ainda que na baixa dos preços não apenas intervêm o enorme peso dos produtos importados como também os salários mais baixos de seus trabalhadores, além de enorme infra-estrutura logística e de informática que é impossível de se alcançar para seus competidores no mercado de distribuição. Tomemos, para exemplificar o processo dos enormes lucros que recebem os imperialistas, um ramo da produção capitalista por excelência, a indústria têxtil, na qual a China é o maior produtor e exportador mundial, e, segundo a lógica da economia burguesa vulgar, um claro ganhador. No entanto, as coisas se dão ao contrário, como demonstra o seguinte artigo:

Primeiro, as companhias têxteis estrangeiras dão conta de um quarto de todo o lucro das exportações têxteis chinesas: elas, não as companhias chinesas, beneficiam-se diretamente da expansão das exportações. Segundo, as companhias chinesas ficam com os três quartos restantes dos lucros das exportações, porém, geralmente a taxa média de seus lucros é baixa. A maioria é terceirizada de empresas estrangeiras, portanto apenas recebem uma fração do valor agregado que, freqüentemente, tratase de 10%. Empresas importadoras, como a Wal-Mart, entre outras marcas conhecidas, ficam com a maior parte do lucro. Terceiro, quanto mais produtos têxteis a China exportar, maior será sua necessidade de importar maquinaria têxtil dos países desenvolvidos, como a Alemanha, o maior exportador neste ramo. Inclusive, a China tornou-se o principal importador do mundo desse tipo de equipamento e supera em 15% a Turquia, segundo país comprador de máquinas têxteis. No intercâmbio de produtos de mão-de-obra intensiva (têxteis chineses) por produtos de capital intensivo (maquinarias dos EUA e da UE), estes últimos ficam com o maior valor agregado. Portanto, o crescimento da China como exportador de produtos têxteis beneficia empresas chinesas, americanas e européias [39].

As duas primeiras razões mostram como opera a nova divisão mundial do trabalho governada pelas grandes multinacionais e como é distribuída a mais-valia nesse ramo de produção. [40] A terceira razão, mais tradicional, mostra que o intercâmbio desigual não foi eliminado com a nova divisão mundial do trabalho, mas ocorreu uma mutação por mais que a relação não seja entre produtos manufaturados e matérias-primas e sim entre produtos manufaturados de diferentes níveis de sofisticação técnica. Ocorre uma “commodittificação” da produção manufatureira. O balanço global da incorporação da China ao mercado mundial está totalmente claro para uma das revistas mais influentes do capital financeiro internacional, que usa a seguinte metáfora:

A integração da população chinesa, de 1,3 bilhões de pessoas, será tão transcendental para a economia mundial como em seu momento foi a peste negra para o século XIV europeu, porém com um efeito contrário. A peste negra dizimou um terço da população européia, os salários aumentaram e os lucros do capital e a terra diminuíram. De forma contrária, a integração da China fará com que os salários dos trabalhadores não qualificados diminuam e os preços de bens de consumo, e aumentará o lucro global do capital [41].

O que foi previamente defendido deixa totalmente claro quais têm sido os benefícios para o capital da restauração capitalista chinesa. Mas conseguirá a China superar aos EUA como consumidores em última instância, como se entusiasma a capa de 21/10/2006 da revista The Economist: “America drops, Asia shops?” (Os Estados Unidos caem, Ásia compra?”).

Comecemos ilustrando o que estamos falando: em 2005, o consumo total americano totalizou 9 trilhões de dólares, 20% maior que o gasto de consumo na Europa e três vezes e meia a média japonesa, os três principais pólos imperialistas. Como entra nesta lista o “novo e vibrante consumidor asiático, em particular o milagre econômico chinês?”. O managing editing do China Economic Quarterly, Arthur Kroeber, que conhece profundamente a realidade desse país, após morar 20 anos na China, não deixa pedra sobre pedra do mito. Em recente artigo enfatiza:

Muito se tem comentado sobre o boom de consumo na China e há considerável barulho sobre sua ascendente classe média. Alguns bancos de investimento chegaram a dizer que o consumidor chinês substituirá o consumidor americano como o condutor do crescimento econômico até 2015. Ninguém contesta que a China é mais rica e que seus consumidores nas grandes cidades e na costa estão comprando uma gama mais ampla de produtos, mas a notícia de um boom de consumo chinês é, em grande medida, uma fantasia, a versão moderna do sonho do ‘fiandeira de Manchester’ do século XIX [‘Manchester mill-owner’, o dono de uma fiandeira deManchester, usa-se como uma metáfora de desejo de ascensão social, N de R.] de cada chinês agregando uma pulgada a su faldón. A verdade é que o tamanho do mercado na China é quase a metade do que se diz, e a chamada “classe média” é menor, está mais dispersa e tem poder aquisitivo mais baixo do que muitos gerentes de venda esperançosos imaginam. A China continua sendo em grande parte o que tem sido há muito tempo: um país grande, habitado por muita gente, a maior parte dos quais não possui dinheiro. A solução do quebra-cabeças é reconhecer que a China realmente faz parte “dos países” do ponto de vista do consumo. O primeiro país, que poderíamos denominar “China de Sobrevivência”, consiste em aproximadamente 1 bilhão de pessoas que essencialmente compram comida e roupa em nível apenas acima da sobrevivência. Geram grande volume de vendas varejistas, mas vendas insignificantes do ponto de vista das companhias que vendem ou comercializam os bens de consumo estrangeiros ou de firmas estrangeiras instaladas na China. O segundo país, “China Consumidora”, consiste entre 100 e 300 milhões de pessoas que têm rendas que lhes permitem uma quantidade significativa de gastos e que vivem em concentrações capazes de permitir altos níveis de investimento para os produtores e distribuidores de bens de consumo. [42]

Mais adiante se pergunta quão grande e quão rica é a “classe média” chinesa:

Uma afirmação realista da “China consumidora” deve excluir não somente os lares abaixo do nível de renda, como tambémaquelesmuito remotos e dispersos. A “China consumidora”, portanto, consiste em diferentes regiões geográficas, onde o nível médio de renda é suficientemente alto para manter um gasto substancial.Mastercard constata que estas compras tornam-se parte importante do consumo nacional, pois o PIB per capita supera os 5 mil dólares, nível consideravelmente razoável. As estatísticas chinesas identificaram precisamente duas áreas com esse nível médio de renda: Yangtze River Delta, que em 2005 teve uma população registrada de 82 milhões e um PIB per capita de 5.013, de acordo com a taxa de câmbio contemporânea, e Pearl River Delta em Guangdong, com uma população de 43 milhões e um PIB per capita de 5.184 dólares. Estas duas áreas contêm 125 milhões de pessoas, se agregarmos o corredor Pequim-Tianjin, que abarca aproximadamente 25 milhões de pessoas e mais ou menos a mesma média de PIB per capita, significa que a “China consumidora” é um “país” de 150 milhões de pessoas com um PIB per capita de 5 mil dólares. Então, qual é exatamente o valor do mercado da “China consumidora”? Uma ferramenta útil de análise é compará-la à Malásia, pequeno país que pode se considerar mercado único, com PIB per capita de 5 mil dólares e população de 25 milhões em 2005. Multiplicando a população da Malásia pelo seu PIB per capita, obtém-se o que poderíamos chamar deMalaysian Consumption Unit (MCU, Unidade de Consumo Malásia). Se repetirmos o mesmo exercício com a população consumidora da China e o PIB per capita como entradas (“inputs”), podemos ver que gasto de consumo discrecional tem a China, em múltiplos do mercado malaio. Sobre esta base, a “China consumidora” tem MCU de 6, o mesmo ranking que a Coréia do Sul. Espanha (8), Alemanha (22) e Japão (37) estão muito adiante, enquanto os EUA (84) está em lugar própio, inclusive levando em consideração a população de 15 milhões excluída do mercado de consumo por distância geográfica [43].

Em outras palavras, a China é um milagre para baratear os custos das grandes multinacionais, mas não é fonte de mercado significativo para a maioria delas. O mesmo autor assinala, em outra nota, que, pelo contrário, o mercado chinês, pode ser onde se choque a realidade e as ilusões de grandes vendas de muitas multinacionais, com as conseqüentes perdas pelos importantes investimentos realizados para penetrar seu mercado interno. Assim:

As cadeias varejistas mundiais pensavam que tornar-se-iam ricas logo após o governo chinês levantar as restrições contra a participação estrangeira no mercado minoritário em finais de 2004. Há três anos, a esperada mina de ouro se assemelha mais a uma mina de ouro falso. Os novos participantes estrangeiros encontram-se frente a uma dura competição por parte de ágeis competidores locais. Inclusive firmas que contam com uma presença estabelecida terão de esperar anos antes que a China incremente de maneira significativa suas linhas de venda globais. O mercado varejista chinês é muito menor do que se acredita. O montante total de vendas varejistas na China se aproxima dos 500 bilhões de dólares. Metade desta cifra representa gastos em bens de subsistência (comida e roupa) de parte da população, em áreas rurais e em pequenos vilarejos e cidades, que não constituem mercado importante para as grandes cadeias varejistas estrangeiras. O gasto varejista por parte dos consumidores urbanos que se encontram possivelmente dentro do alcance de grandes cadeias varejistas estrangeiras ronda provavelmente os 250 bilhões de dólares - cerca de uma décima parte da venda varejista, sem incluir os automóveis, dos EUA, que se estima em 2,5 trilhões de dólares. Inclusive, nesse mercado a maioria dos consumidores continua procurando preços mais baixos, e não a qualidade superior ou o melhor serviço que as grandes cadeias estrangeiras varejistas podem oferecer. Em 2006, entre as 100 cadeias varejistas mais importantes da China, havia seis estrangeiras. Somente para uma delas - a britânica B&Q, dedicada ã venda de artigos para o lar - a China representa mais de 5%de sua venda total. Porém, o rápido crescimento da China continua sendo uma grande atração, e é esta a razão pela qual recentes investidores estrangeiros no setor varejista, na China, são mais ambiciosos do que as atuais vendas pareciam justificar. O Carrefour abriu na China 20 dos 95 novos supermercados que inaugurou no mundo inteiro apenas no ano passado. B&Q,Wal-Mart e a cadeia de supermercados britânica Tesco se expandiram agressivamente nos últimos anos. Dois grandes varejistas americanos - a cadeia que vende produtos para reparos no lar, Home Depot, e o gigante eletrônico Best Buy - entraram recentemente no mercado através de aquisições. Essas grandes empresas apostam no fato de que o mercado varejista chinês ainda continua relativamente fragmentado. As 30 companhias varejistas mais importantes do país davam conta de 16,5% do mercado nacional em 2006, comparado com 37% e 31% para EUA e Coréia do Sul, respectivamente. Mas a fragmentação também representa obstáculos. O mais importante é o alto custo unitário de distribuição. Os potenciais clientes de cadeias estrangeiras de venda varejista não estão distribuídos de maneira uniforme pelo país, mas se concentram em umas poucas ilhas: dois terços estão agrupados ao redor de Pequim, Xangai e Guagzhou - três cidades tão próximas umas das outras quanto Madri, Belgrado e Moscou. O sistema de transporte é ineficiente: os custos de logística na China representam 20% do PIB, comparado com o modesto 8% americano. Portanto, os varejistas estão pressionados entre o meio de um alto custo de distribuição e consumidores que sempre querem os preços mais baixos possíveis. Em um mercado assim, é difícil obter lucros [44].

A raiz dos desequilíbrios: eficiência em recuperar o lucro, estreiteza do mercado mundial e feroz competição capitalista

A desproporção entre o investimento, as exportações e o consumo na China não é somente característica do crescimento do gigante asiático, senão que, em última instância, é uma contradição aguda que surge das condições da economia internacional nas últimas décadas e do conseqüente estreitamento do mercado mundial, diferentemente da época dourada do boom. Em todos esses anos, a China, como paradigma da nova divisão de trabalho internacional, se beneficiou muitíssimo mais do que outros países por sua vasta disponibilidade de mão-de-obra barata, da tendência das economias e multinacionais dos países imperialistas a baixar os custos para recuperar a rentabilidade depois da crise dos anos 1970. A tendência se aprofundou como saída ao excesso de investimento dos anos 1990 nos EUA e a crise recessiva que a acompanhou, e segue se estendendo a novos setores (serviços) da economia mundial. No entanto, a mesma vem sendo contraposta por uma tendência oposta, mas que surge do mesmo processo de reestruturação e relocalização capitalista das últimas décadas: a estreiteza do mercado mundial, que não permite valorizar e realizar os níveis da taxa de lucro de maneira sustentável. Esse caminho, ainda que tenha permitido recuperar a rentabilidade, não levou a uma expansão como no boom do pós-guerra, senão a uma luta sem piedade pelos mercados. Desta lógica de ferro, resulta a busca incessante de fontes de mão-de-obra barata, o que beneficiou particularmente a China, transformando-a em suposto “novo milagre capitalista” (alguém se recorda que antes de 1997-8 esse mote era reservado para os NIC como Coréia, Taiwan, Hong Kong e Cingapura, ou os segundos NIC, como Malásia, Tailà¢ndia e Indonésia?). A mesma lógica, por sua vez, traz grande interrogação sobre a sustentabilidade da nova divisão mundial do trabalho, a menos que se creia no sonho sem fundamento das grandes empresas, de que a China emergirá como grande potência consumidora, algo que muito dificilmente ocorrerá, por razões internas e externas, ao menos em um ritmo que evite potenciais cataclismos econômicos nos próximos qüinqüênios. A esperança do Ocidente de que a China se converta não somente em uma “grande montadora mundial”, como também em um novo mercado consumidor que permita reequilibrar a economia internacional, mantida durante todos esses anos pelo crescimento para além de suas possibilidades, do consumo norte americano, não resiste ã menor prova. Em outras palavras e generalizando, podemos definir os últimos anos como período florescente do ponto de vista da capacidade do sistema para tornar rentável o capital. No entanto, a mais-valia assim obtida tem cada vez mais dificuldades para encontrar espaços de acumulação convenientes. Isso é reflexo, por sua vez, de uma contradição aguda entre a produção e o consumo, que está recriando nas últimas décadas as condições de uma crise de realização. Ao se estancar, a renda dos assalariados declina o poder de compra, e o ritmo de fabricação se desconecta da capacidade de absorção dos mercados. Alguns economistas, como Michel Husson, falam de um “equilíbrio de subacumulação”. Diz o seguinte:

O capitalismo contemporâneo é antes de tudo um capitalismo superexplorador (carnívoro, como diria Anglietta): o incremento da taxa de exploração permite restabelecer a taxa de lucro sem gerar novos lugares de acumulação na mesma proporção. O consumo de mais-valia permite então a redução dessa diferença. Nesse esquema de conjunto, a financeirização tem dupla função: põe de pé a concorrência exacerbada, necessária para sustentar a pressão para o incremento da exploração e estabelece um modo de repartição adequado ás novas condições de reprodução do capital. Assim, não se pode caracterizar o capitalismo atual somente fazendo referência ã financeirização, senão que há que ter em conta um conjunto de elementos para obter visão completa de suas contradições. A história concreta de algumas indicações sobre a ordem desses fatores: o giro liberal é antes de tudo uma derrota do trabalho para o capital, em que as finanças foram a alavanca, mais que um fator autônomo. O desenvolvimento posterior das finanças foi a forma de consolidar a nova relação de força, intensificando a concorrência, e de satisfazer – pelo menos de maneira provisória - as obrigações da produção. Parece que tudo anda como se as condições de reprodução estivessem asseguradas para uma taxa de acumulação relativamente pouco elevada, em todo caso mais baixa que o potencial de nível da taxa de lucro associada. Poderíamos falar de um equilíbrio de subacumulação. Contudo, a acumulação está determinada pela exigência de rentabilidade e, ao mesmo tempo, pela necessidade dos mercados. A baixa dinâmica do investimento pode então ser explicada pelas características essenciais do capitalismo contemporâneo:

Diminui seus mercados: o consumo dos ricos é um substituto imperfeito do consumo assalariado e contribui para o desaceleramento do ritmo de progressão dos mercados globais, pois não é apoio suficiente para o investimento. Ao fixar a norma de competitividade muito elevada tende a “desvalorizar” os projetos de investimento, nos quais a taxa de rendimento é insuficiente e conduz as empresas a saldar suas contas com a distribuição dos dividendos.

Colocando a si mesmo regras de funcionamento “puro”, o capitalismo engendra uma expressão “pura” de suas contradições. De um certo ponto de vista, obteve o que queria: o emergir de normas determinadas no mercado mundial e o bloqueio mais ou menos universal dos salários. Porém, a configuração faz surgir de novo todas as suas contradições, em particular a busca de uma rentabilidade máxima em contexto de mercados oprimidos. [45]

Esses fenômenos profundos estão por trás dos crescentes desequilíbrios da economia, como demonstra a existência, em âmbito mundial, de uma sobreabundância de poupança sobre os investimentos, isto é a mais-valia não acumulada, em outros termos, o lugar crescente ocupado pelas finanças. Sobre essa realidade, Martin Wolf, principal analista econômico do diário Financial Times assinala:

Para isto existem várias explicações: o fato de que a necessidade de investimento no Japão e na Alemanha tenha caído desde seus dias de alto crescimento; as importantes poupanças da China e algumas economias do leste da Ásia; e a maior cautela dos exportadores de petróleo com respeito a gastar seus bens, comparado com os anos 1970 e princípios dos 1980. O esforço em absorver este superávit tem tido conseqüências intimamente interconectadas: a primeira, o surgimento dos chamados “desequilíbrios globais”, nos quais os EUA tinham absorvido cerca de três quartos do excesso de poupança do resto do mundo; a segunda, um grande período de relaxada política monetária, particularmente no Japão e na Estratégia ‘eurozona’, mas também durante um tempo nos EUA. Isso se explica com efeitos poderosos nos preços vantajosos, particularmente de imóveis em uma série de países de altas entradas. Os elevados preços imobiliários têm sustentado, em troca, a demanda de níveis altos, especialmente nos EUA, Reino Unido e Espanha. [46]

O aumento desses desequilíbrios permitiu o extraordinário ciclo curto de crescimento da economia mundial de 2002/2006 e, por sua vez, explica a pouca sustentabilidade em longo prazo do mesmo.

Para Husson, estamos talvez frente a uma crise sistêmica, isto é, um período no qual estão questionados os próprios critérios de eficiência do capitalismo. A realidade parece desmentir aqueles que no final dos anos 1990 se apressaram a falar de uma revolução tecnológica:

As múltiplas inovações acumuladas durante os últimos decênios não dão lugar a crescimentos de produtividade suficientes. É o que explica o “paradoxo de Solow”, que constata que os lucros de produtividade permanecem medíocres apesar das inovações tecnológicas e das transformações na organização do trabalho. A ausência de mercadorias suscetíveis de sustentar uma produção e um consumo de massas impede retomar o “círculo virtuoso fordista”. Se essa leitura é correta, o capitalismo se encontra, talvez pela primeira vez em sua história, confrontando uma crise sistêmica. Essa põe em questão seus próprios critérios de eficácia, no sentido de que o capitalismo consegue cada vez menos “traduzir” em mercadorias rentáveis as necessidades hoje dominantes: saúde, educação, alojamento, qualidade de vida e, sobretudo por definição de tempo livre. Se, segundo a fórmula de Robert Boyer, o mau capitalismo expulsa o bom, é porque a boa forma de fazer lucros (aumento rápido da produtividade social) é expulsa pela má, a saber, o bloqueio do salário sob todas as suas formas. Fazer da financeirização a característica principal de tal configuração é tomar um sintoma pela causa e é também permanecer na superfície das coisas, não dirigindo ao capitalismo uma crítica que vá ã raiz de seus fundamentos. [47]

Ou dito de outra maneira, é que “a boa forma de fazer lucros (aumento rápido da produtividade social)” e dos salários só foi possível durante o boom do pós-guerra depois da enorme destruição de forças produtivas, conseqüência das catástrofes que se sucederam entre as duas Guerras Mundiais e a retração do consumo que a acompanhou (ver “O caráter excepcional do boom do pós guerra”). Sem novos cataclismos e novas grandes crises, é impossível que o capitalismo do século XXI alcance relativo equilíbrio que o permita atenuar temporariamente suas graves contradições.Ocapitalismo “carnívoro” de hoje, para utilizar a expressão de Aglietta, não é mais que a volta sob novas formas da expressão mais profunda da época imperialista, isso é “o imperialismo como reação em toda a linha”. Diante do quadro pavoroso, as idéias de “aprofundar a democracia”, controlar os movimentos especulativos do capital e defender os espaços públicos soam como utopias reacionárias frente ã única saída que pode evitar novas catástrofes para a humanidade: o fim da exploração capitalista mediante a revolução socialista internacional. Qualquer outro caminho é voltar ao reformismo em um momento em que, em termos históricos, não existe a mínima possibilidade de reforma.

As coordenadas geopolíticas: o já “não mais” da indiscutível supremacia norte-americana e o “ainda não” de uma nova potência emergente

Parte significativa da crescente instabilidade da acumulação capitalista atual surge como conseqüência do declínio histórico dos EUA. Podemos localizar o começo desse fenômeno no fim do boom do pós-guerra. Ao final dos anos 1960 e começo dos 1970, o ressurgimento do Japão e da Alemanha (no marco do processo de unificação européia) como potências emergentes terminou com a imensa superioridade econômica norte-americana e deu origem ã divisão do mundo em uma tríade de potências imperialistas mais ou menos equivalentes. [48]

Esse retrocesso relativo dos EUA levou ao fim do sistema Bretton Woods [49]. Desde então, os EUA utilizaram o novo regime de câmbio flexível e a continuidade do dólar como moeda de reserva e meio de pagamento em âmbito mundial como forma de enfrentar a crise, manipulando em seu proveito esse privilégio somente reservado ã potência hegemônica. O enorme benefício econômico para os EUA lhes permitiu viver para além de seus meios, o que tem se expressado em um sobreconsumo e em déficits comerciais de grande magnitude. Exportando sua inflação [50], os EUA têm aumentado a instabilidade e os desequilíbrios da economia mundial – como demonstra a aceleração de crises monetárias, financeiras e da bolsa de valores. Em outras palavras, durante esse período os EUA vêm atuando, cada vez mais, como o principal desestabilizador da economia capitalista mundial. [51]

Esse comportamento “irresponsável” foi “tolerado” por seus sócios comerciais como reflexo, em última instância, de sua imensa hegemonia como superpotência mundial, o que se fortaleceu com o desaparecimento da ex-URSS e que se sustenta na inigualável superioridade de suas Forças Armadas. No entanto, o débâcle no Iraque está corroendo essas bases políticas e geopolíticas nas quais se baseia uma economia com fundamentos frágeis.

Hoje, diferentemente do período posterior ã guerra fria, estamos entrando em um novo cenário geopolítico, caracterizado pela já “não mais” indiscutível supremacia norte-americana, e o “ainda não” surgimento de uma nova potência emergente. Um vazio hegemônico em âmbito internacional crescentemente perigoso. A Guerra do Iraque, que estava destinada a ser uma contundente demonstração do poderio norte-americano, tem se convertido, pelo contrário, numa constatação dos limites de seu poder. Os efeitos disso sobre os EUA e o mundo são profundos. A ocupação do Iraque e do Afeganistão tem desgastado os EUA. A confiança norte-americana em seu predomínio indiscutível tem se desvanecido. Isso é percebido mundialmente. Nessas circunstâncias, as outras potências, grandes ou pequenas, estão tratando de tirar vantagem da nova situação. Isto é um fato geopolítico de grande importância que afeta o funcionamento do sistema capitalista mundial. É que, contra as teorias da globalização, o capitalismo mundial não se desenvolve sem um marco político e geopolítico adequado.

Por sua vez, não se delineia facilmente, como no passado, uma potência capitalista que possa substituir o atual hegemon, como foi o caso da emergência norte-americana no final do século XIX e começo do século XX frente ao domínio britânico. A UE, a mais preparada economicamente, se encontra dividida por profundos e insolúveis antagonismos nacionais. A Rússia, apesar de sua recuperação parcial com respeito ã débâcle dos anos 1990, não tem no cenário mundial a mesma posição que tinha no passado, sobretudo no mundo semicolonial, e é um pigmeu no terreno econômico, somente beneficiado pelos altos preços do gás, do petróleo e minerais dos últimos anos. China, a que muitos com ligeireza chamam de “nova potência do século XXI”, apesar de seu crescimento, ainda está longe, em termos de PIB per capita e da produtividade do seu trabalho, dos principais centros imperialistas. Sua política exterior tem caráter defensivo e seu eixo é o controle da estabilidade interna cada vez mais transtornada por crescentes desigualdades. São essas contradições dos principais competidores dos EUA as que outorgam ã situação mundial certa inércia. No entanto, a hegemonia norte-americana é cada vez mais discutível. No princípio da década, os EUA evitaram que a recessão causada pelo desinflar da chamada “nova economia” se transformasse em depressão, mas ã custa de hipotecar e exacerbar os desequilíbrios próprios e da economia mundial, prolongando uma política que já dura vários anos: uma fuga para a frente, baseada cada vez mais na queda da poupança e na acumulação de dívidas. Esse modelo de sobreconsumo que dependente da financeirização do resto do mundo descansa sobre bases cada vez mais frágeis. A crise financeira atual pode dar sua sentença de morte. As autoridades políticas e monetárias dos EUA se encontram frente a uma encruzilhada maior: a necessidade de salvar a economia norte-americana a tempo de manter a confiança no dólar. Em outras palavras, o dólar necessita desvalorizar-se sem entrar em colapso. O Banco Central não pode arriscar um forte crescimento das taxas de juros de longo prazo, em resposta ã perda de confiança na estabilidade dos preços nos EUA e o colapso de sua taxa de intercâmbio. Manterá o dólar sua posição dominante como moeda de reserva mundial depois da crise atual? Uma crise do dólar pode significar um grande salto na crise da hegemonia norte-americana, somando-se ao fracasso de seus objetivos no Iraque. Contudo, haja ou não queda abrupta do dólar, seu papel como moeda de reserva mundial está entrando em período de lenta agonia. Uma crise do dólar somente aprofundaria as tendências ã desordem e ã instabilidade, aumentando as probabilidades de crises maiores.

O que está claro é que o papel dos EUA como consumidor em última instância poderia estar chegando a seu fim. Pelo contrário, é provável que o motor norte-americano atue de forma inversa buscando, mediante a desvalorização do dólar, melhorar sua balança de comércio exterior. É que no marco da queda do preço das moradias, inclusive com uma baixa das taxas de juros, é pouco provável que os norte-americanos sejam seduzidos para se endividar e gastar. Dessa forma, o resto do mundo deverá se acostumar a viver em uma situação em que o motor da sobredemanda norteamericana se torna lento agudamente. O famoso “re-equilíbrio” da economia mundial deverá se acelerar. Ao não se produzir – variante altamente provável -, a perspectiva é desaceleração ou recessão. Nesse cenário, aumentarão as possibilidades de choques comerciais e ameaças ã ordem política da chamada “globalização” [52].

A contradição entre economia e política ou as dificuldades na gestão geopolítica da “estrutura social da humanidade”

Em um excelente artigo, Justin Rosenberg trata de aplicar a lei do desenvolvimento desigual e combinado ã “Teoria das Relações Internacionais” para interpretar o mundo contemporâneo. As conseqüências de tal procedimento são surpreendentes. Pondo de lado a estrutura política do sistema de Estados, queremos nos deter no que Trotsky chamou “a estrutura social da humanidade” [53]. Segundo Rosenberg, a frase soa bastante abstrata, mas Trotsky queria expressar com ela algo muito concreto: a inter-relação real de todas estas diferentes sociedades, em virtude da qual constituem um todo dinâmico mais amplo; a contraditória, mas irreversível unidade de desenvolvimento social humano criada pela expansão do mercado mundial. E todas as tensões e conflitos originados pelo desenvolvimento geopoliticamente combinado e sociologicamente desigual do sistema internacional. Dentro dessa totalidade, o sistema de Estados é crucial, mas em nenhum caso independente. Pelo contrário, em parte sua posição histórica e geográfica dentro dessa estrutura social da humanidade explica por que o Estado na Inglaterra, Alemanha e Rússia adotou formas políticas tão distintas.Mais ainda, essamesma estrutura social da humanidade, em seu conjunto, as grandes potências se vêm obrigadas a gestionar geopoliticamente para defender seus próprios interesses. Se a penetração do capitalismo na Rússia deformou a sociedade russa, pela mesma razão incorporou essa distorção social na estrutura política do mercado mundial. “Vemos assim, escreveu Trotsky em 1906, como a burguesia internacional fez a estabilidade de seu sistema de Estados profundamente dependente dos instáveis baluartes pré-capitalistas da reação”. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo se expressa tanto por um nível interestatal como por um problema de ordem geopolítica [54].

Esse conceito é central porque contra toda a visão geopolítica e economicista da situação internacional tão cara ás teorias realistas das relações internacionais, que somente vêem ante a ausência de um governo mundial uma luta dos Estados pela sobrevivência tratando de estabelecer um equilíbrio de poderes entre eles, ou a visão “globalista”, que supõe que o capital criou um mundo homogêneo, permite explicar as linhas de falha da política internacional e a necessidade dos Estados, sobretudo da potência hegemônica, de manejar politicamente as mesmas.

Rosenberg, contra toda a visão ideológica que supõe que o interesse dos EUA durante a guerra fria foi “defender a democracia”, ou num estreito economicismo, o prosseguimento de seus próprios interesses econômicos, diz:

O desafio da política exterior do pós-guerra dos EUA eramanter politicamente unido o mercado mundial em um momento em que a desigual, mas rápida transformação capitalista das sociedades de Terceiro Mundo ameaçava empurrar muitas delas nos braços da URSS. De fato, quando analisamos a ocupação militar das potências fascistas derrotadas, a confrontação bipolar com a URSS, ou suas relações com os estados de Terceiro Mundo, descobrimos que o principal conteúdo social da política exterior de pós-guerra dos EUA não foi colocar ordem na anarquia, ou defender a democracia, ou inclusive perseguir seus próprios interesses econômicos: mas a gestão geopolítica do desenvolvimento combinado e suas conseqüências em escala mundial. Trotsky predisse essa conjuntura internacional de hegemonia norte-americana, a orientação geopolítica da política exterior dos EUA e sua paradoxal fusão de autoafirmação e involuntária implicação exterior. É precisamente – escreveu em 1928 - o poder internacional dos EUA e a irresistível expansão que o obrigam, ou o forçam a incluir entre as peças de sua estrutura os paióis de todo o mundo: cada um dos antagonismos entre o Leste e o Ocidente, a luta de classes na velha Europa, a revolta das massas coloniais e todas as guerras e revoluções... fazendo com que esteja constantemente mais interessado em manter a ordem em cada rincão do globo. [55]

Utilizando esse método passemos agora a elucidar quais seriam as linhas básicas da “estrutura social da humanidade” que as grandes potências, em especial os EUA, devem gestionar politicamente na atualidade, tomando em conta a nova divisão mundial do trabalho a que nos referimos.

A forte relocalização do capital industrial (e ultimamente dos serviços como o novo pólo da Índia) em países de mão-de-obra barata tem gerado, poderíamos dizer, dois tipos potenciais de conflitos de classe: um associado aos novos lugares de acumulação de capital, que tem fortalecido estruturalmente a nova classe operária, e no outro pólo da equação a liquidação (ou intento de) das conquistas sociais adquiridas pela força de trabalho nos velhos centros de acumulação capitalista [56]. Analisemos separadamente ambos os pólos.

Em primeiro lugar, vejamos a gestão geopolítica dos novos centros de acumulação de capital, em particular a China, e seu impacto sobre o mercado mundial capitalista. Enquanto a China é vista do ângulo do capital internacional, hoje poderíamos dizer, parafraseando Trotsky com respeito ã Rússia czarista, que “a burguesia internacional tem feito a estabilidade de seu sistema de Estados profundamente dependente dos instáveis baluartes” da arcaica estrutura de comando de origem stalinista/maoísta do PCCh que ainda governa o gigante asiático. Inclusive, o correto seria afirmar que essa dependência é muito maior que na Rússia de antes. Por que muito maior? Em primeiro lugar, pela escala da China. Segundo, porque o papel da Rússia czarista na divisão mundial do trabalho do final do século XIX e começo do XX empalidece com a atual localização da China na nova divisão do trabalho mundial, que tem liquidado em grande medida a antiga divisão do mundo entre países da periferia, produtores de matérias-primas, e países adiantados produtores de manufaturas. É certo que, particularmente em 1914, um quarto de todo o capital exportado pela França teve como destino a Rússia, e que os franceses possuíam cerca de um terço de todas as sociedades estrangeiras nesse país, desde minas até fábricas metalúrgicas, passando pelo sistema bancário. No entanto, o grosso dos capitais franceses ia para o Estado: 91,6% do estoque de capital em 1890; 87% em 1900 e 82% em 1914 [57]. Ao contrário disso, a China tem se convertido no principal foco de investimentos estrangeiros diretos (IED), que em menos de duas décadas a tem transformado na “oficina manufatureira mundial” [58]. Enquanto os pavões da burguesia estão preocupados com a ascensão da China como a próxima potência do século XXI, a verdadeira questão que poderá colocar (e já está colocando) ã prova o sistema capitalista mundial é como está preparada a China para uma crise econômica, social e política em seu território, e as repercussões que terá para o sistema capitalista mundial em seu conjunto. Essa é a verdadeira questão a analisar, e não tanto a sustentabilidade do crescimento ou os custos do atual modelo, ainda que esses aspectos não deixem de ser importantes. Essa preocupação, podemos ver, por exemplo, na seguinte análise:

A estratégia de crescimento tem implicado uma série de distorções e limitações políticas que tem reduzido enormemente a margem de manobras em caso de que haja algum colapso forte. É inevitável que, ã medida que a economia se torne mais complexa e mais integrada com o comércio e o sistema financeiro mundial, estará exposta a mais crises. Essas podem se produzir por causa internas - por exemplo, perda de confiança no sistema bancário, instabilidade social gerada por desigualdade cada vez maior - ou razões externas - por exemplo, crise do mercado internacional de capitais, colapso da demanda externa, sanções comerciais dos EUA, intensificação das tensões comTaiwan etc.[...] uma questão mais importante que a sustentabilidade sobre as bases de uma dinâmica puramente interna do sistema é a economia ter a suficiente flexibilidade para resistir e recuperar-se de grandes crises, internas ou externas. Aqui a resposta é muito menos clara. [59]

Digamos que um dos riscos maiores é a crescente instabilidade social que, combinada com um choque externo, pode ser explosiva:

A recente desigualdade de renda - entre as áreas rurais e as urbanas, entre os trabalhadores altamente capacitados e os não qualificados etc - tem criado ressentimento profundo numa sociedade aparentemente motivada por ideais de igualdade. Além disso, os efeitos da debilidade institucional, como a corrupção e a falta de transparência no setor público, são sentidos mais intensamente pelos pobres. Tais tensões poderiam explodir com facilidade por toda uma série de questões menores. O Partido Comunista Chinês até agora tem se arranjado para conter a instabilidade social ilhando e reprimindo tais incidentes, mas isso poderia sair facilmente do controle se o governo responde a um choque externo de maneira tal que a maior parte do peso da crise recaia sobre os pobres. [60]

Serão os golpes da crise financeira internacional em curso as que despertam o gigante operário chinês? Não sabemos. O que podemos afirmar, com Beverly Silver, é que a “importância para o futuro da conflitividade trabalhista da classe operária chinesa em escala mundial parece inquestionável ” [61]. Isso não significa que a força numérica e estrutural do novo proletariado chinês vá se expressar automaticamente em lutas. Existem fatores objetivos e subjetivos de peso que terá que superar para emergir com toda a sua potencialidade. Entre os primeiros, está a crescente informalidade do trabalho e inclusive um aberto desemprego nas cidades nos últimos anos, que pode atuar como fator conservador da luta operária [62]. E entre os subjetivos, a nova classe operária chinesa deverá saldar contas com as “três linhas” de controle que o PCCh ainda tem sobre ela: sindicatos oficiais, células do partido e uma espécie de comitês de fábrica.

Em segundo lugar, vejamos como a nova divisão mundial do trabalho tem transtornado as bases sociais e de estabilidade das democracias imperialistas. Isso tem dado lugar a conflitos operários e populares em defesa das velhas conquistas, em que o avanço mais importante tem sido o ciclo de lutas de 1986-2006 (especialmente de 1995 em diante) dos trabalhadores e estudantes franceses contra o desmantelamento do chamado “Estado de Bem–Estar”.

Neste outro pólo, a brutal redistribuição negativa da renda tem se convertido em crescente pauperização das classes médias e da classe operária. Como concebe Gabor Steingart, as “classes média e baixa” vivem sem reservas financeiras e se parecem mais “a famílias de terceiro mundo golpeadas pela pobreza. [63] A “aristocracia operária” dos países centrais, que durante o boom foi parte da base social dos regimes imperialistas, apoiando as políticas de colaboração de classes das direções social-democratas e stalinistas, vem sendo duramente golpeada e reduzida, e essa é a explicação, em última instância, das crises agudas dos partidos social-democratas. Um movimento de descenso social, inverso ao dos chamados “trinta gloriosos”, que havia levado muitos sociólogos a afirmar que a classe operária havia desaparecido porque tinha se tornado pequeno-burguesa, ou seja, seria parte da classe média [64]. Esse movimento tem sido acompanhado por crescente polarização da classe média e pauperização de um setor dessa classe média:

Se olharmos a experiência, nos últimos 30 anos, dos profissionais cuja vida está intimamente interconectada com a classe trabalhadora – professores de centros populares, advogados nas oficinas públicas ou com pequenos escritórios, doutores que trabalham em bairros operários e professores das escolas públicas – notamos que sua posição econômica e social tem se deteriorado. Contudo, se observarmos os profissionais que tem se dedicado a prestar serviços ã classe capitalista (advogados das grandes corporações, profissionais dos serviços financeiros, as quatro maiores empresas de contadores públicos, e os médicos que exercem a profissão além do alcance do seguro médico global e as companhias seguradoras fiscalizadoras), notamos que esses profissionais têm aumentado sua fortuna como a classe ã qual eles servem, ainda que somente até certo ponto. Isso tem sido de maneira absoluta e proporcional. [65]

Ambos os elementos têm rachado as bases sociais que garantiam a estabilidade das democracias burguesas imperialistas, e junto com as crescentes tensões econômicas e geopolíticas explicam as tendências ao bonapartismo no marco de regimes democrático-burgueses cada vez mais degradados em grande parte dos países capitalistas. O bushismo nos EUA – hoje em decadência política – com sua guerra contra o terrorismo no plano externo e o nefasto “ato patriótico” no plano interno, não é mais que sua manifestação mais aguda.

A pressão ã queda dos salários tem sido constante. Para Stephen Roach, essa é uma das principais tensões da chamada “globalização”:

O que têm em comum as três maiores economias do mundo? A resposta sublinha uma das tensões-chave da globalização – a implacável pressão sobre a renda dos trabalhadores. A natureza desse fenômeno é igualmente reveladora – ganhos cada vez mais altos para os donos do capital. Para uma economia mundial que está atravessando o boom mais forte desde o princípio dos anos 70, que já leva quatro anos, essa dominação vigorosa entre o trabalho e o capital é fonte de desequilíbrio cada vez maior [...] Nas três economias, o desemprego vem diminuindo nos últimos anos – queda de 27%no índice de desempregados nos EUA desde meados de 2003, declínio de 21% no Japão desde 2003, e de 15% na Alemanha desde meados de 2004. No entanto, em nenhuma dessas três economias o fortalecimento cíclico nos mercados trabalhistas resultaram em aumento significativo dos salários reais e/ou da porção do trabalho na renda nacional. De acordo com nossos cálculos, passados 57 meses do atual ciclo de ascenso, a compensação do setor privado dos EUA continua em quase 400 milhões de dólares (em termos reais) debaixo da média dos quatro últimos ciclos econômicos. Após um tênue vislumbre de reativação no início do ano de 2005, o estancamento é novamente evidente nos salários reais do Japão. Tampouco existem sinais de uma ativação significativa nos salários reais na Alemanha; ao contrário, as compensações ajustadas pela inflação dos trabalhadores no conjunto dos setores na realidade têm declinado em quatro dos últimos cinco anos [...] quanto ao incremento da produtividade, não existe nenhuma melhora importante da “parte da torta” que recebem os trabalhadores. Aí radica o problema: a economia nos ensina que os salários reais em última instância seguem o crescimento da produtividade – que os trabalhadores são recompensados de acordo com seu produto. Porém, esse não tem sido o caso nas economias com salários altos do mundo industrial nos últimos anos. De acordo com as estimativas feitas por nós, a porção real da renda nacional destinada a compensações nos chamados países do “G-7 plus” (EUA, Japão, os 12 países da Eurozona, Reino Unido e Canadá) caiu de 56%em 2001 para 53,7%em 2006 (o que parece ser um nível baixo recorde). Com um comércio e uma produção mundial orientados cada vez mais pelas economias de baixos salários e economias em transição, o que eu chamo a “arbitragem trabalhista global” coloca de maneira inexorável pressão nos salários reais no mundo industrial de salários altos. Algumas pessoas poderiam argumentar que o pior da arbitragem já passou - já que a inflação salarial decolou na China e Índia. Não confiem nisso. Nossas estimativas sugerem que inclusive depois de cinco anos de uma inflação de dois dígitos na China, a compensação por hora para os trabalhadores chineses do setor manufatureiro permanece a somente 3% dos níveis predominantes nas economias industriais mais importantes. Enquanto os trabalhadores são espremidos, os donos do capital têm desfrutado uma flexibilidade maior sob esse clima. Dada as extraordinárias pressões competitivas, as corporações têm redobrado seus esforços na área da produtividade. E, como se tem feito notar mais acima, todos esses esforços têm dado seus frutos – por mais de uma década nos EUA e ultimamente no Japão e Alemanha. Os frutos desses esforços têm se evidenciado sob a forma de crescente aumento dos lucros das corporações e aumento dos preços das ações [66].

Sua conclusão é que podemos estar frente a uma fase mais desestabilizante:

Contrariamente ã teoria ortodoxa que diz que todos ganham (“win-win theory”), a globalização é um fenômeno altamente assimétrico. Também resulta em desequilíbrios extraordinários entre as nações com déficit em suas contas correntes e os que têm excedentes. E tem levado a ampliar a disparidade dos lucros entre os trabalhadores e o capital. Isso significa que a globalização é um fenômeno inerentemente insustentável? Provavelmente não. Porém, significa que poderíamos estar diante da fase mais desestabilizadora dessa mega-tendência. A porção da renda da força de trabalho nunca tinha sido mais baixa. Como ao dia se segue a noite, o pêndulo oscilará até o outro lado - e o mesmo ocorrerá com o equilíbrio entre os salários reais e os lucros dos negócios. Somente é questão de quando e sob quais circunstâncias.

Economia, relações interestatais e luta de classes

Nos parágrafos anteriores analisamos a situação da economia, a dinâmica das relações interestatais e as tensões que essas geram na “estrutura social da humanidade”.

Aprofundemos mais esse aspecto, seguindo o método de Trotsky, que combinava em sua análise a economia, as relações entre os Estados e a luta de classes. Em outras palavras, como os dois primeiros elementos dessa relação dialética moldam a luta de classes (enquanto essa atua sobre a economia e a política internacional dos Estados e governos). Essa inter-relação se manifesta no aumento das tendências belicosas do imperialismo, principalmente norteamericano e de seus aliados, como o Estado de Israel. Ao mesmo tempo, a forte pressão da competição internacional provoca constantes ataques aos salários e ás condições de reprodução da força de trabalho em âmbito internacional. Dessa situação surgem duas tendências fundamentais da luta de classes na atualidade: por um lado, as tendências ao enfrentamento ás guerras imperialistas, e por outro lado uma lenta recomposição do movimento operário depois do retrocesso das décadas passadas, sobretudo em alguns países latino-americanos, mas também na Europa.

A luta contra a política neo-imperialista dos EUA tem seu ponto mais alto indubitavelmente na resistência iraquiana ás tropas de ocupação, ainda que pelo caráter de suas direções não se tem transformado numa verdadeira guerra de libertação nacional, que abarque o conjunto das massas, independentemente de sua religião ou etnia. Longe dessa perspectiva, desde o começo de 2006 a situação adquiriu traços de guerra civil, empurrada fundamentalmente pela política de “divide e reinarás” dos EUA e de seu sócio britânico frente ã impotência de derrotar a resistência com baixos custos. Porém, o enfrentamento aos planos neo-imperialistas não somente se manifesta no Iraque, como na crescente resistência no Afeganistão, que tem complicado enormemente as tropas de ocupação da OTAN, ou no Oriente Médio, na primeira derrota em toda a sua história do poderoso exército sionista pelas mãos do Hezbollah, na última guerra do Líbano.

A outra forma que adquire a luta de classes é a lenta recomposição do movimento operário, que tem sua expressão mais avançada na América Latina. Ainda que a recuperação das economias latino-americanas favorecidas pelo último ciclo de crescimento da economia mundial tem permitido o acolchoamento das tendências ã ação direta, e rebeliões, que se expressaram no princípio do século em países como Argentina, Bolívia ou Equador, consolidando os desvios dos distintos governos pós-neoliberais; o mesmo processo de melhora econômica tem fortalecido estruturalmente o proletariado industrial. O novo despertar do movimento operário se expressa em uma maior recuperação da luta de classes e da organização dos trabalhadores, questão que se manifesta em diferentes níveis em uma grande quantidade de países da região, e com a entrada em cena de importantes bastiões do proletariado, que se achavam postergados, como o caso dos mineiros, que desde o México, passando pelo Peru e Bolívia, até os trabalhadores chilenos do cobre têm protagonizado importantes lutas. [67]

Por sua vez, na Europa vêm se desenvolvendo dois tipos de luta: uma de caráter mais defensivo, porém altamente política, como a dos trabalhadores e estudantes franceses contra a liquidação das conquistas que ainda permanecem do chamado “Estado de Bem-estar”; e outras de tipo reivindicativo, que têm sido alimentadas, em certa medida, de um lado pela recuperação econômica dos últimos anos que alcançaram as economias européias, em especial seu motor mais importante, a Alemanha. Por outro lado, pela crescente carestia de vida no que tange ã alimentação e moradia, isto é, pelas tendências inflacionárias que se manifestam na grande maioria de países em escala mundial.

Exemplo do primeiro tipo de fenômeno são as lutas da classe operária e o movimento estudantil francês que, com suas ações, tem colocado importantes obstáculos ã aplicação da agenda neoliberal na França, e que agora o governo neo-bonapartista de Sarkozy tenta resolver a favor da classe patronal. A feroz ofensiva lançada por esse governo de dura direita já desatou em um primeiro teste de força em novembro de 2007, com a greve de mais de uma semana dos trabalhadores do transporte e da eletricidade, a luta dos empregados públicos contra a redução de pessoal e poder aquisitivo do salário e a entrada explosiva do movimento estudantil contra a privatização parcial da Universidade: em dezenas de cidades da França e na capital houve assembléias massivas e bloqueios das sedes, além de solidarizar-se, em muitos casos de forma ativa, com os trabalhadores em greve.

Os trabalhadores e estudantes franceses são, indubitavelmente, a vanguarda da luta de classes na Europa. Desde 1986 até o presente, vêmprotagonizando um ciclo de lutas contra a ofensiva neoliberal dos distintos governos de direita ou “socialistas”, destacando-se em particular a greve de 1995. Durante todos esses anos de luta foi se criarando uma subjetividade e uma rica experiência de organização que, ligadas ã degradação das condições de vida, ao fim dos direitos trabalhistas, e ao ataque a direitos democráticos e sociais, forjaram uma consciência mais profunda sobre os males do capitalismo. Isso se expressa em que hoje os franceses são os mais inseguros sobre o futuro que lhes aguarda, em especial os mais jovens, entre os quais um de cada três teme converter-se em pobre, sentimento que se reflete em muitos estudantes universitários que se percebem, ao contrário do Maio de 68, como trabalhadores em potencial, o que facilita a unidade operária e estudantil. Essa potencialidade assusta o governo e as direções burocráticas que têm feito tudo ao seu alcance para evitar que a convergência objetiva se expresse plenamente, derrotando a ofensiva capitalista. Os próximos meses e anos serão decisivos para o resultado da luta de classes na França. E, pela importância desse país, também para a relação de forças entre as classes na Europa. Se os trabalhadores e os estudantes franceses derrotam Sarkozy e seu plano, pode-se abrir uma tendência ao ascenso da luta de classes no Velho Continente. Se, ao contrário, Sarkozy consegue impor os aspectos centrais de seu plano, pode-se abrir um período reacionário em que primará a consolidação bonapartista [68].

A máxima expressão do segundo tipo de lutas, mais reivindicativas, que vêem se dando na Europa, é a greve de várias semanas do sindicato de maquinistas de trens alemães (GDL), os quais, em novembro de 2007, protagonizaram a greve ferroviária mais importante da história da Alemanha. A luta por aumento salarial de 31% significa o fim da moderação salarial na Alemanha que as burocracias sindicais podiam impor sobre os trabalhadores em troca de que se evitassem as demissões. Por sua vez, prenuncia o desenvolvimento de setores antiburocráticos e combativos. A luta encabeçada pelo GDL, um pequeno sindicato que agrupa ao redor de 1.800 trabalhadores e apesar disso ocupa lugar estratégico da condução dos trens, com o qual pode paralisar seu funcionamento, tem sido duramente atacada pelo resto das organizações sindicais ferroviárias, que já negociaram com a Deutsche Bahn, mas também pela direção do IG Metall e da federação de sindicatos Verdi, pois um triunfo desse setor teria importantes repercussões na luta de classes e na troca da relação co-gestionada das relações trabalhistas entre o capital, os sindicatos e o governo da Alemanha. O surgimento desses elementos novos não nega que ainda sigam primando lutas contidas ou traídas abertamente pela burocracia sindical, como as quase seis semanas de greve dos trabalhadores da Deutsche Telekom, que foi entregue escandalosamente pela burocracia do sindicato de trabalhadores públicos alemães, Verdi. Contudo, é sintoma dos novos fenômenos que estão emergindo [69].

Em síntese e como perspectiva, tanto a tendência ás guerras como o relativo vazio criado pela crise da hegemonia norte-americana e a tendência a atritos interestatais em âmbito internacional - em especial neste momento com a Rússia - como as mostras da luta de classes que estamos observando, permitem antecipar que é possível que se multipliquem as condições para uma maior emergência proletária e das massas em geral no próximo período. Essas tendências podem dar saltos qualitativos, ã direita ou ã esquerda, quando a crise financeira internacional nascida nos EUA se transporte abertamente ã produção, e as massas trabalhadoras se vejam submetidas a uma redobrada ofensiva sobre suas condições de vida com o conseqüente umento do desemprego e da miséria, enquanto setores das classes médias, afetados por essa situação, vêem diminuir seu patrimônio. Devemos nos preparar para essa perspectiva, manifesta no imediato das características mais profundas da economia e da política internacional do começo do século XXI (que temos descrito nessa nota).

A atualidade da definição do capitalismo como um sistema em declínio

Desde seu início, o capitalismo como modo de produção foi um regime inerentemente sujeito a crises. Toda a história do século XIX o prova. No entanto, essas crises brutais como, por exemplo, a chamada Grande Depressão, eram compensadas pela existência de um entorno social não capitalista, ou seja, de velhas relações de produção que atuavam, poderíamos dizer, como limite ã extensão e profundidade da crise, apesar da virulência que tinham nos próprios espaços capitalistas. Contudo, com as transformações desse modo de produção em resposta ás crises [70], foi-se obtendo um aprofundamento das relações capitalistas em grande parte ajudada pelo surgimento das finanças modernas, da grande empresa e da extensão das relações de produção capitalista a nível global, a menos como uma subsunção formal do trabalho ao capital. Essas transformações qualitativas do sistema capitalista em sua época foram resumidas por Lênin em seu célebre trabalho O imperialismo, fase superior do capitalismo. A Primeira Guerra Mundial foi uma prova eloqüente de que havia tido um salto de quantidade e qualidade na natureza do sistema social. Como é clássico sublinhar,

as forças produtivas têm superado há tempo os limites do Estado nacional, transformado em conseqüência o que era antes um fator histórico progressivo numa restrição insuportável. As guerras imperialistas não são mais que explosões das forças produtoras contra as fronteiras nacionais, que chegou a ser, para elas, demasiado limitadas. [71]

Essas características foram depois reafirmadas por distintos acontecimentos, principalmente o crack de 1929 e a Grande Depressão, a crise mundial mais virulenta da história do capitalismo, que desembocaram no estouro da Segunda Guerra Mundial, pois a Primeira Guerra não havia resolvido os problemas que a mesma deixou claro: mais ainda, havia postergado e, se quiser, agravado. Todos esses cataclismas confirmarão a definição da época imperialista própria da III Internacional como “época de crises, guerras e revoluções”.

A resolução da disputa pela hegemonia européia e mundial deu renovada vitalidade ao sistema capitalista no chamado “boom do pós-guerra”, período que abarcou 25 anos, durante os quais o capitalismo cresceu a taxas sem precedentes. No entanto, esse período foi uma excepcionalidade histórica, como demonstramos. Somente é possível pela enorme destruição de forças produtivas acumuladas durante o período prévio ã guerra, assim como fundamentalmente pela Segunda Guerra Mundial mesma. Isso é o que provam fidedignamente os trabalhos mais sérios que temos citado. O efeito “rattrapage”, junto com a atenuação da competição no marco da hegemonia “benigna” norte-americana, é o que dá conta centralmente do boom.

Porém, uma vez finalizada a excepcionalidade do boom, o capitalismo voltou a mostrar seu caráter destrutivo e desestabilizador (intrínseco aos limites desse modo de produção e ao caráter imperialista da época) [72]. Os problemas não são somente os menores índices de crescimento dos últimos 30 anos, comparados aos do boom. Tampouco estamos ante uma volta ao século XIX, ainda que as taxas de crescimento atuais sejam parecidas ás desse momento histórico, como afirmam muitos autores, para demonstrar que não estamos em um período de declínio capitalista e para desacreditar as posições mais catastrofistas [73]. Para elucidar o caráter do capitalismo do século XXI temos que seguir o método de Trotsky (e não nos guiarmos por comparações estáticas antidialéticas), quando sublinhava nos anos 1920 que a chave da economia mundial não estava nos índices econômicos, mas na existência de desequilíbrio na divisão mundial do trabalho.

A questão é que, por mais que os índices de crescimento sejam os “normais”, o capitalismo não é o do século XIX. A fronteira de sua expansão está qualitativamente esgotada, não somente como subsunção formal, como na época de Lênin, mas como subsunção real, com a internacionalização do processo de produção em âmbito mundial. Nesse marco se manifesta agudamente a estreiteza do mercado mundial e daí os efeitos destrutivos da competição entre firmas transnacionais cada vez mais poderosas, entre países mediante guerras comerciais, por ora de baixa intensidade, que podem desembocar no futuro em novos enfrentamentos políticos, geopolíticos e até militares entre as grandes potências. Com base nessas tendências de fundo da economia – além das idas e vindas da conjuntura - e contra toda visão ahistórica das crises capitalistas ou toda visão que normaliza as mesmas, devemos analisar o sistema capitalista do ponto de vista de suas forças vivas, capacidade ou não de reformar-se e, portanto, alcançar uma nova vitalidade, abandonado seu curso perigoso. Os ideólogos que se autocelebram nos dizem que as últimas crises têm sido relativamente menos profundas e mais curtas, levando em conta que tanto a recessão norte-americana do começo dos anos 1990 e a crise de 2001-2002 não se convertam em depressão, eles desestimam que a saída das mesmas tem significado uma fuga para frente, que não tem liquidado, mas agravado os desequilíbrios da economia mundial; em outras palavras, o risco de grandes catástrofes não desapareceu, mas se estendeu no tempo, ao preço de aumentá-as em proporção e explosão quando estourar. Portanto, longe de toda a visão evolutiva própria dos brokers das finanças que consideram que o Banco Central norte-americano [74] sempre poderá evitar as grandes perdas, e que portanto pode seguir arriscando e se endividando sem limites, que, como mostra na atual crise, deixou sem cobertura os buracos negros dos maiores bancos do mundo [75], o único prognóstico realista é se preparar para a irrupção de uma crise generalizada e profunda, o que levará ã explosão das poupanças das classes médias, demissão massiva de trabalhadores não somente na periferia mas também nos países centrais, e que portanto, a pequena burguesia deverá voltar a optar entre a revolução proletária ou o fascismo, como ocorreu na Alemanha nos anos 1930 ou na Guerra Civil espanhola. Essa base econômica realista dá fundamento ã validade da definição da época atual como “época de crises, guerras e revoluções” [76].

A questão a remarcar uma e outra vez é que a recuperação dos lucros nos anos 1980 se fez no marco de um mercado mundial mais estreito, como conseqüência do aparecimento, no começo dos anos 1970, da Alemanha (e outras potências da UE) e Japão como grandes competidores, ademais de se incorporarem países como Coréia do Sul e Taiwan, entre outros. Isso se manifesta numa competição exacerbada que leva a uma corrida louca pela baixa do preço da força de trabalho e a impor modelos exportadores que não impulsionem o desenvolvimento de seu mercado interno na mesma medida, coma China como exemplo paradigmático na periferia capitalista e nos países mais avançados, reduzindo-o ainda mais devido a queda do poder de compra dos salários, além do desemprego. Isso cria um mundo profundamente desequilibrado (que é a base dos desequilíbrios macroeconômicos entre os países com déficit de conta corrente e os países que têm superávit) que é bastante eficiente para aumentar a taxa de exploração e recuperar em grande parte a taxa de lucro, mas que, por outro lado, limita as possibilidades de“realizar” o conjunto das mercadorias para o nível de demanda solvente, e daí, as periódicas crises de sub-produção e sobreacumulação exacerbadas pelo crédito não somente para a produção, como também para o consumo.

Isso explica o paradoxo, que é central e inédito no capitalismo, de recuperação da taxa de lucro sem um aumento da acumulação durável e generalizada, como demonstramos baseando-nos em Husson. Isso se dá enquanto uma tendência a sobre-acumulação quando o capital encontra uma “janela de oportunidade” de investimento rentável, (chame-se revolução da informática e das telecomunicações, bolha imobiliária, China), já que a fonte única do lucro capitalista surge do processo de produção. Esse processo se viu exacerbado pelo sobreendividamento e a sobreespeculação com todas as características desestabilizantes que isso tem para um capitalismo que se estendeu geograficamente e que aumentou qualitativamente a assalarização, e atravessado por um forte sistema financeiro internacionalizado, que é o que amplifica as crises (compare, por exemplo, a repercussão da crise de S&L nos EUA nos 1980 com a crise dos créditos subprime de 2006-2007).

Em última instância, e quando a contra-tendência para a recuperação da taxa de lucro que significou a ofensiva neoliberal está alcançando um limite, como deixa claro a crise atual, que tem seu epicentro no coração do sistema capitalista mundial, os EUA, é importante recordar que ao longo do século XX o capitalismo somente pôde recobrar parte de seu dinamismo e vitalidade depois de grandes cataclismas e uma enorme destruição de forças produtivas, como demonstramos baseando-se nas elaborações de Johsua. As sucessivas crises financeiras - e a forma das mesmas [77] - que se incrementou ao longo dessas décadas, apesar de terem“limpado” alguns capitais excessivos não provocaram uma destruição comparável a desses acontecimentos históricos, como demonstra a debilidade da acumulação e o enlouquecido crescimento do capital fictício, apesar do “milagre” chinês, enquanto que a depressão da força de trabalho pela restauração capitalista (sobretudo na China) e as derrotas da ofensiva neoliberal, não podem evitar os limites do processo de realização do capital [78]. Essa situação, caracterizada por uma exacerbação da competição, por um lado, e pela volta ã crise de sobre-acumulação, sobre-endividamento e sobre-especulação por outro, coloca novamente no horizonte grandes crises como as de 1929 [79], apesar da existência de mecanismos “anticíclicos” que todavia conservam depois desse grande trauma histórico - como a rápida intervenção e as operações de resgate dos bancos centrais ante aos primeiros sintomas de estouro – ainda que exista um salto qualitativo no desmantelamento de aspectos cruciais dessa regulação.

Essa perspectiva de grandes cataclismas é o que dá vida ã definição do capitalismo atual como um sistema declinante, conservando toda sua atualidade a caracterização da época como “época de crises, guerra e revoluções”.

ANEXO I

O caráter excepcional do boom do pós-guerra

Depois da Segunda Guerra Mundial a economia internacional experimentou uma taxa de crescimento sem precedentes, com 30 anos de expansão forte e regular. Isso permitiu como tendência uma elevação do nível de vida dos trabalhadores. Presenciamos o funcionamento relativamente inédito do capitalismo que se caracterizou, sobretudo por uma intervenção crescente dos poderes públicos na vida econômica, uma lição da crise de 1929. Também observamos uma nova relação salarial, na qual os lucros de produtividade acompanhavam o aumento do salário real, permitindo o crescimento do consumo das massas. Assim houve forte regulação das atividades financeiras, subordinação da bolsa e estrita regulamentação bancária. Ademais, se criou um sistema monetário internacional, com tipo de câmbio sólido e estável fundado no domínio do dólar, adotando um padrão ouro-divisas no qual os EUA deviam manter o preço do ouro em U$ 35 por onça. Na mente de seus credores estavam para trás as destrutivas desvalorizações competitivas que quebraram a unidade do comércio internacional, durante os anos da Grande Depressão nos anos 30. Esses mecanismos permitiram não somente acelerar o ritmo da expansão mas, fundamentalmente, amenizar a profundidade da crise evitando a transformação das recessões em depressões maiores. As concessões ao trabalho e ás regulamentações sobre a mobilidade do capital teriam elevado custo, mas a alta taxa de lucro poderia permitir que o sistema funcionasse dessa maneira. Essa foi a base de um pacto social explícito ou implícito sobre o qual se baseou a estabilidade do pós-guerra.

No entanto, ao contrário do que afirma a Escola da Regulação, que bate o pé nas mudanças, nas trocas institucionais que sofreu o capitalismo nestes anos, é necessário remarcar que as altas taxas de crescimento e a forte recuperação da taxa de lucro que viveram os principais países imperialistas nesses anos se deram depois de uma destruição colossal de forças produtivas, causada primeiro pela crise de 30 e depois pela Segunda Guerra Mundial.

Como explica corretamente Isaac Johsua

É impossível pensar a conjuntura depois da Segunda Guerra Mundial sem levar em conta, em todas as suas dimensões, o período de 1914 a 1945, que foi particularmente excepcional, que abarca em três dezenas de anos, golpe sobre golpe, as duas guerras mundiais e a mais importante crise econômica que o mundo tinha conhecido. Um período que Churchill tivera qualificado de “guerra de 30 anos”, designado como período de “guerras, crises e revoluções” pela Internacional Comunista. Quanto ã Europa, tenho a hipótese de que as taxas de lucros elevadas e a força da expansão que se constata desde ’46 se explicam, em primeiro lugar, como taxas elevadas de “uma fase de recuperação do atraso”(“rattrapage”). As duas guerras mundiais e a grande crise implicaram uma enorme destruição, desgaste e falta de renovação do capital fixo, assim como grandes atrasos de consumo acumulados. Quando, no fim desse período agitado, se reuniram as condições para a volta ã atividade, o ascenso foi muito forte, alimentado por essas demandas, possibilidade de importar os avanços tecnológicos dos EUA e pela existência de numerosas oportunidades de investimentos rentáveis por causa da eliminação de enormes massas de capitais. Assim, foram resolvidos, por um tempo, os dois maiores problemas do sistema: realização e valorização [80].

O mesmo autor toma diversos indicadores econômicos, como nível de produção, consumo ou investimento para demonstrar a magnitude da queda em curso desse convulsivo período, em particular na Alemanha e França, ao contrário do Reino Unido. Sobretudo nos EUA, cuja trajetória é totalmente diferente daqueles países europeus. Assim sustenta:

O mais impressionante é, portanto, a observação da coluna “do total”: de 1913 até 1946 (ou 1945) os PIB alemão e francês caíram entre 20% e 30%, o da Inglaterra subiu quase 50% e o dos EUA mais de 150%! Que se trate da produção industrial tanto como do consumo dos lares, a gradação entre esses quatro países é a mesma e as diferenças também gigantescas. Assim, o consumo dos lares alemães havia diminuído (entre 1928 e 1946) mais de 150%, enquanto o dos ingleses aumentava uns 17% (entre 1931 e 1945) e o dos norte-americanos subia mais de 50% (entre 1929 e 1946). A situação particular da França e Alemanha se evidencia também quando estudamos a produtividade do trabalho. Comparativamente com a tendência de longo prazo (representada pelo período de 1870-1913), a desaceleração do crescimento da produtividade do trabalho se deve principalmente ã grande crise dos EUA, enquanto se deve imputar ã Segunda Guerra Mundial no caso da França. De sua parte, a Alemanha teria que fazer frente ao conjunto dos acontecimentos, pois o ritmo de crescimento de sua produtividade teve retrocesso sensível durante a grande crise, o único dos quatro países a registrar queda da produtividade ente ’38 e ’50. Porém, o mais interessante para a nossa análise é a evolução do estoque líquido no capital fixo. Havia diminuído 48% na Alemanha (entre 1930 e 1946, incluindo as moradias) e 35% na França (entre 1931 e 1945, excluindo as moradias). O estoque líquido de capital fixo do conjunto dos setores franceses se encontra em 1945 no mesmo nível que em 1910. Ao sair da Segunda GuerraMundial, voltou 35 anos. As coisas são ainda mais claras no que concerne ao estoque líquido de equipamentos, o centro da argumentação: seu volume caiu mais de 40%na França entre 1931 e 1945.

Estão dadas as condições para um salto no investimento:

Esse processo de desvalorização está assegurado, em condições mais ou menos boas, para o funcionamento normal do sistema. Se não é suficiente, as crises econômicas, mas também as guerras, são os meios pelos quais se destruíram massas importantes de capitais. Tal foi o caso entre 1914 e 1945: grandes massas de capital fixo foram destruídas, usadas e esgotadas sem ser renovadas; outras ainda mais importantes se encontraram obsoletas, se comparado ao estado dos equipamentos europeus em 1945 com o padrão internacional, ou seja, com os EUA. Essa situação permitiu a multiplicação das ocasiões rentáveis para o investimento.

Em conclusão:

A expansão depois do pós-guerra, forte e regular, tem duplo fundamento: uma fase durante a qual se recupera o atraso e uma nova regulação, a fase de recuperação do atraso explica melhor a força; a nova regulação explica melhor a regularidade. Essas duas fases têmorigemcomum: a guerra de 30 anos que, tudo aomesmo tempo, abriu a fase de recuperação e impôs a nova regulação. No entanto, as duas fases não podem ser consideradas da mesma maneira: a mais importante é a fase de recuperação, pois ajudou a sustentar a taxa de lucro e assegurou a durabilidade da nova regulação. Essa última será abandonada justo quando se acabou a fase de recuperação, quando as taxas de lucro chegaram a níveis considerados como demasiado baixos pelos possuidores de capitais. Os 30 gloriosos têm sua base nos 30 anos de guerras crises e revoluções.

Resta agregar a essa excelente explicação do caráter excepcional do boom que outra de suas condições foi o papel contra-revolucionário que o stalinismo cumpriu no cenário mundial, colaborando com o sustentação da estabilidade, expresso nos pactos de Yalta e Potsdam, um acordo entre as potências imperialistas vencedoras e a União Soviética comandada por Stálin, que contiveram as tendências revolucionárias que se deram no imediato pós-guerra. Somente depois da restauração da autoridade patronal [81] e da estabilidade macroeconômica, essas enormes forças acumuladas no corpo econômico puderam aplicar-se.

Em outras palavras, a enorme destruição de forças produtivas e postergação do consumo, e o desvio/derrota dos processos revolucionários nos países centrais, permitiram ao capitalismo – ainda que perdendo o controle de um terço do globo depois da revolução chinesa e as transformações na Europa do Leste - seus “anos dourados”, período que definimos como de “desenvolvimento parcial” das forças produtivas.

ANEXO II

Monopólios e exacerbação da competição

Segundo Lênin, o alto grau de desenvolvimento da concentração da produção e do capital deu origem aos monopólios, que cumprem papel decisivo na vida econômica. Porém, no começo do século XXI, a afirmação não é somente realidade no âmbito nacional, que era a que fundamentalmente se referia Lênin, mas que com respeito ao início do século XX é o grau de concentração e centralização do capital em âmbito internacional. Vejamos somente alguns exemplos da indústria automotiva e da indústria farmacêutica (ver Tabelas 1 e 2).

Porém, isso não implica eliminação da competição, como sustentava, por exemplo, Paula Sweezy, mas que, pelo contrário, essa se intensifica entre as grandes corporações. Na realidade, ambas as tendências se engendram reciprocamente e formam parte de um mesmo processo de acumulação, como pode se ver no fato de que a tendência ã concentração e centralização internacional do capital avance junto com a exacerbação da luta pelos mercados, lucros extraordinários por inovação tecnológica ou simplesmente o crescimento exponencial do mercado de fusões e aquisições (ver Tabela 3) na qual nenhuma empresa está segura de não sofrer uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) hostil [82], expressão de uma competição brutal que por sua vez aumenta a centralização do capital. Em outras palavras, sem essas duas tendências é impossível dar conta das características do capitalismo atual.

ANEXO III

“Um assalariamento universal”

O retrocesso da atividade agrária a partir dos anos 50 não é parte do prolongamento de tendência secular. Pelo contrário, existe nítida ruptura no ritmo de evolução durante o curso ou a saída da Segunda GuerraMundial. Os resultados são impressionantes. Como afirma Joshua: “A constatação é clara: durante a segunda metade do século XX a queda foi brutal, aproximando o número de países aos mínimos observados nas regiões desenvolvidas. Os que, como a China, saíram ‘mais tarde’, estão em níveis elevados, mas percorrem o caminho ainda mais rapidamente (ver Tabelas 1 e 2). A trajetória de certos países ‘atrasados’ da Europa é particularmente impressionante, como mostra o gráfico 1: Irlanda, Portugal e Espanha concentraramao longo de cinco anos uma evolução que outros haviam conseguido em muito mais tempo; a proporção de população ativa ocupada na agricultura, muito alta no início, está hoje na média da européia. Não é ainda o caso da Turquia, mas esse país literalmente está indo mais rápido e não deverá tardar a chegar perto do resto da tropa. A dinâmica da Europa “atrasada” está longe de ser ilhada: o crescimento do trabalho assalariado em certos países do Sudeste Asiático é igualmente impressionante (Tabela 3) e especialmente sugestiva quando põe-se em correlação com a famosa crise do verão de 1997, que teve lugar nesses países, com o impacto internacional que se conhece” [83].


Notas

[1] Michael Husson, “Finance, Hyper-concurrence et reproduction du capital” em la Finance Captaliste, Paris, PUF, setembro 2006.

[2] Joseph Stiglitz, “Estados Unidos, la hora de la verdad”, Buenos Aires, IECO, 12/08/2007.

[3] Patrick Artus, SophieMametz, Sylvain Broyer, “Allemagne et Japon: que faire après le rétablissementde de la profitabilité et de la compétitivité?”, em Flash Economie No 12, 11/01/2007.

[4] Isaac Joshua define da seguinte forma uma crise de sobreacumulação: “[...] uma acumulação do capital que se efetua a um ritmo tal que não consegue manter no tempo a taxa de lucro que esperam os que aportam o capital. A sobreacumulação é, de certa forma, uma acumulação que não soube deter-se a tempo.Oinvestimento ocorre no começo do período de ascenso, comtaxas de lucromuito altas. Porém, devido ao próprio período de ascenso, as coisas se degradam: por exemplo, os novos quilômetros de vias ferroviárias construídas são menos rentáveis do que os antigos, o mercado potencial é sobreestimado ou se estanca mais rápido do que o previsto, outros países começam a produzir com preços mais baixos (e começam a captar o mercado), os custos de produção (entre os quais se encontramos salários) aumentam fortemente etc. A acumulação teria de se reduzir. Porém, estimulados pelas elevadas taxas de lucro, atraídos pelo afã de lucro, levados pela euforia, o investidor continua esperançoso de que o que funcionou uma vez continuará funcionando no futuro, que nos daremos melhor do que a concorrência etc. Uma parte dos lucros termina se acumulando em puras perdas. A oferta se incrementa, quando os preços já estão baixos o suficiente para assegurar a rentabilidade esperada das capacidades em funcionamento. Uma conjuntura passageiramente favorável, um endividamento renovado, políticas governamentais de, apoio etc, podem, durante certo tempo, mascarar a situação e postergar os ajustes.Mas, cedo ou tarde, a realidade se imporá sozinha e o ajuste será aindamais brutal, já que a sobreacumulação haverá chegado a níveis muito altos.” Isaaac Joshua, Une trajectoire de capital Paris, Editions Syllepse, 2006, pág. 182.

[5] Idem, pág. 183-184.

[6] Idem, pág. 230.

[7] A especulação é consubstancial ao mercado imobiliário, aproveitando o fato de que a moradia é necessidade básica, cuja oferta é controlada ferrenhamente pelas imobiliárias, bancos e construtoras capitalistas, que pressionam o preço para obter maior lucro. Por sua vez, o Estado, responsável pelos planos de urbanização, qualifica os terrenos segundo sua capacidade de ser edificado e o uso do solo, e, portanto delimita o tamanho do mercado imobiliário. Em geral, dada a escassez de solo edificável e o ritmo acelerado na construção em países como os Estados Unidos, as decisões relativas ao uso do terreno geram em si mesmo milhões de dólares e/ou euros de pura especulação, pois de fato não estão criando nenhuma riqueza. Compreende-se assim que é rica fonte de negociações e corrupção. Por sua vez, pelo fato de que o terreno para construir é um bem escasso e regulado, os capitalistas do setor compram terrenos para logo vendê-los, a preços mais elevados, ás construtoras (que ás vezes são eles mesmos), obtendo com as operações desmedidos benefícios, que se transladam ao custo final da mercadoria. Portanto, se descarrega no consumidor, fundamentalmente a classe trabalhadora. Por último, o Estado também é proprietário exclusivo de recursos necessários ao desenvolvimento urbano, como é o caso da água. Sem abastecimento a edificação não tem sentido. O mesmo ocorre com o mercado energético etc.

[8] “The global housing boom: In come the waves. The worldwide rise in house prices is the biggest bubble in history. Prepare for the economic pain when it pops,” The Economist 16/06/2005.

[9] “Bush should bail out subprime industry” Agência Bloomberg 23/08/2007.

[10] Referência de Carlos Sanchez, Los nuevos amos de Espanha, Madri, La Esfera de los Libros, 2007. O outro elemento que explica o fenomenal processo de enriquecimento e concentração de capital é a brutal exploração da força de trabalho. Da mesma forma que o boom da construção nos EUA, o principal componente que permite manter salários baixos e uma forte precariedade trabalhista é a grande proporção de mão-de-obra imigrante nesse setor da produção. Sánchez explica: “A massiva entrada de imigrantes com salários baixos alargou a oferta econômica e, portanto, empurrou o crescimento do PIB. Nem a Alemanha dos anos 1950 e 1960 recebeu em tão pouco tempo tantos imigrantes. Os residentes estrangeiros passaram de 500 mil no começo de 1996, dos quais a metade era proveniente da União Européia, a aproximadamente 4 milhões em 2006. Em outras palavras, o que antes representava 1% da população na Espanha hoje chega próximo dos 10%, o que supõe uma verdadeira revolução do mercado de trabalha do lado da oferta, sem o qual haveria sido impossível o desenvolvimento do setor das construtoras, autêntico motor da economia espanhola”.

[11] Teresa Galeote “El derecho a la vivienda o el derecho a la especulación?” El inconformista digital, 15/06/2006.

[12] Dados da Fundação Eroski.

[13] Stephen Roach, “China’s great contradiction”, Morgan Stanley, 30/06/2006.

[14] Stephen Roach, “Scale and the chinese policy challenge”, 19/06/2006. Este boom de investimento é empurrado pela competição entre as companhias imperialistas que não querem ficar de fora do suposto “Eldorado” chinês, o fácil acesso por parte de empresas estatais a um capital subsidiado através dos bancos estatais com o conseqüente desenvolvimento de inumeráveis companhias não rentáveis e o caráter fragmentado de decisões chinesas, onde cada região compete para atrair investimentos e gerar seus pólos de desenvolvimento de uma forma terrivelmente anárquica e ineficiente, que escapa ás medidas da burocracia de Pequim, que demonstra-se imponente para frear as tendências de sobreaquecimento da economia, de acordo com a terminologia da economia vulgar, ou as tendências de sobreacumulação que já viemos mencionando em termos marxistas. Junto com a inflação dos preços das matérias-primas, o perigoso potencial que já começa a ser percebido é um crescente aumento da capacidade produtiva ociosa, com a conseqüente sobreprodução e eventualmente tendências deflacionárias (queda dos preços das mercadorias). O sobreinvestimento se estendeu ao terreno do mercado acionário – por meio de distintos mecanismos como a utilização dos empréstimos de bancos estatais para comprar ações, ao mesmo tempo em que estas são utilizadas para adquirir novos empréstimos, e frente ã falta de alternativas de investimento financeiro-, o que levou a um crescimento fenomenal da bolsa de valores que não está respaldado em bases sólidas. Isso tem levado a que alguns bancos chineses (conhecidos pela sua carteira de empréstimos incobráveis devido ás conexões políticas para sua concessão) tenham uma relação de preço/lucro maior que gigantes como o Chase ou o Deutsche (anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-Bank)))))))))))))))))))))))))))))))).Tudo isto mostra como o milagre econômico chinês vem acompanhado de fortes desequilíbrios. Para aprofundar o tema veja Juan Chingo, “Mitos y realidad de la China actual”, Estratégia Internacional No. 21, setembro de 2004.

[15] Financial Times, 29/09/2004.

[16] Andrew Glyn, “Global Imbalances”, New Left Review No.34, julho/agosto de 2005.

[17] Concebido por John Maynard Keynes e Harry Dexter White em 1944, o sistema de Bretton Woods era algo mais do que um simples reconhecimento de que os Estados Unidos sairiam da Segunda Guerra Mundial emuma situação bastante avantajada economicamete, e que qualquer regime financeiro global viável tinha de partir dessa premissa. Exigia uma ação institucional específica e a aprovação do FMI para definir o tipo de câmbio de qualquer moeda frente ao dólar, e mais importante ainda, requeria que os Estados Unidos mantivessem tanto a vontade quanto a capacidade para vender ouro a 35 dólares a onça aos bancos estrangeiros centrais a pedido destes, o que significava que Washington tinha que empreender ações sempre que o déficit comercial ameaçava com uma perda precipitada de ouro. Quando, em1971, a administraçãoNixon suspendeu a venda do ouro, sem colocar em prática medidas restritivas para reverter o déficit comercial estrutural, e sem conseguir persuadir ou intimidar seus sócios comerciais - particularmente o Japão - para que empreendessem ajustes compensadores, o sistema cai.

[18] Andrew Glyn, Op. Cit.

[19] Idem.

[20] É valida a seguinte metáfora de Stiglitz: “Quando apenas um carro tem um acidente na curva de uma estrada poder-se-ia tirar algumas conclusões sobre o motorista ou seu automóvel. Mas quando em uma mesma curva se produzem acidentes praticamente todos os dias, a conclusão é distinta: é provável que a causa seja a estrada. O próprio fato de que um número tão grande de países haja sofrido essas crises e precisaram de importantes medidas oficiais de resgate, permite pensar que existem algumas deficiências sistêmicas fundamentais.” Joseph Stiglitz, “Global Economic Prospects 1998/99”, Washington, Banco Mundial.

[21] Gary Clyde Hufbauer e ErikaWada, “Hazards and precautions: tales of international finance”, Peterson Institute for International Economics,Washington DC, 1999.

[22] Barry Eichengreen, “Financial Instability” (paper) Berkley, University of California, abril de 2004.

[23] Junto ás ações bursáteis, são os dois principais mecanismos de financiamento direto, a diferença da intermediação bancária, ainda que a crise financeira atual demonstre, em um certo sentido, os bancos se transformaram nos principais mantedores deste tipo de financiamento. Em outras palavras, apesar das regularizações a que estão sujeitos, e ã imagem de maior seriedade e aversão ao risco que tratam de mostrar, estes também participam ativamente em operações arriscadas.

[24] É desta forma que os nove países mais desenvolvidos tiveram um aumento de 54% do PIB em depósitos bancários em 1985 a 56% em 1997, enquanto os ativos dos investidores institucionais (seguradoras, fundos de pensão e hedge funds ou fundos de cobertura de alto risco) passam de 73% a 145% do PIB, Economic Outlook No.67, OCDE, junho de 2000.

[25] Para aprofundar o tema veja Juan Chingo, “Hacia una recuperación sustentable de la economia mundial?”, Estratégia Internacional No.20, setembro de 2003.

[26] O chamado modelo “fordista”, no qual o aumento do lucro e da produtividade caminhava junto com o aumento do salário real. Isto criava uma relação entre o management das empresas e os trabalhadores, representados pelos seus sindicatos.

[27] KarlMarx, O Capital, Crítica da Economia Política, Tomo III, Volume VII, Siglo XXI, 1979, pág. 568.

[28] Stephen Pearlstein, “Credid market’s weight puts economy on shaky ground”, Washington Post, 01/08/2007.

[29] Como explica o mesmo analista: “O que preocupa pessoas como Buffet é quanta dívida existe no mercado de crédito - e que parte da dívida é usada para comprar outras dividas”.

[30] A potência de alavanca em que consiste fazer operações, no geral de alto risco e/ou curto prazo, com fundo emprestado, é utilizada para financiar compras hostis de empresas (não acordada com os acionistas proprietários) ou fazer operações a futuro sobre tipos de câmbios, taxas de juros ou cotizações de commodities. Uma das características mais arriscadas do mercado é exatamente a difusão de tais operações e o crescente uso que instituições usam a ferramenta.

[31] A homogeneização se expressa na tendência do capital a eliminar ou integrar antigas formas de produção: a interconexão pode ser observada no salto que a economia capitalista mundial deu. Ao lado de um maior desdobramento interno, mediante a diferenciação de funções, particularmente a financeira, constitui os traços básicos do modo de produção capitalista, características que vêm se acentuando.

[32] Richard Freeman “China, India and the doubling of the global labor force: who pays the price of globalization?”, The Globalist, 03/06/2005.

[33] Stephen Roach, “Globalization’s new underclass” Morgan Stanley, 03/03/2006.

[34] Florence Jaumotte e IrinaTytell, “The globalization of labor” IMFWorld EconomicOutlook , abril de 2007.

[35] Stephen Roach: “The fallacy of global dedcoupling”, Morgan Stanley, 30/10/2006.

[36] Citado por François Chesnais, “La préminence de la finance au sein du “capital en général’’, lê capital fictif et lê movement contemporain de mondialisation du capital,” em La Finance Capitaliste. Actuel Marx Confontation, setembro de 2006.

[37] KarlMarx, Lei da tendência de queda da taxa de lucro, Cap. XIV, ‘Causas contra-restantes’ O Capital, Livro III, Vol. 6, op. cit.

[38] Fundo Monetário Internacional World Economic outlook, primavera de 2003 Cap. 3: “O crescimento na produtividade é tão grande que, apesar do aumento no custo das matérias-primas no final dos ano 90, o preço das manufaturas continua diminuindo em média 3% ao ano entre 2001-2004, com grande queda em particular nos produtos manufaturados de origem de países em desenvolvimento”, World (anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-Bank)))))))))))))), Global Economic prospects 2005.

[39] Au Loong Yu, “The postMFA era and the rise of China”, Asian Labour Update No. 56, julho-setembro de 2005. Versão posteriormente ampliada.

[40] Recente nota a respeito dos perigos para a saúde de produtos chineses enfatiza o segundo ponto: “A maior parte do poder destas cadeias de produção está nas mãos dos que controlam a distribuição final nos mercados mais importantes – EUA e Europa, as empresas multinacionais proprietárias das marcas e relações entre os distribuidores, e os próprios distribuidores, comoWal-Mart e Toys ‘R Us. Por esses atores controlarem o acesso aos consumidores finais, altamente concentrados onde os provedores estão fragmentados em milhares de pequenas firmas produtoras, os compradores podem ditar os termos e insistir para que os preços diminuam ano a ano. Neste ambiente, os provedores têm enormes incentivos para tomar atalhos com o fim de recortar os custos, precisamente o que ocorreu quando fabricantes de brinquedos chineses substituíram por pintura de chumbo, mais econômica, a mais custosa variedade de pintura sem chumbo. O governo chinês é apenas um espectador nesse processo” (Arthur Koreber, “Lessons for China Inc”, 20/08/2007). Em outros termos, a baixa dos preços das mercadorias está levando a uma piora da qualidade e do valor de uso destas, e as próprias companhias tiveram que reparar de alguma maneira para não ficar fora do mercado, o que está demonstrando limites ou pontos fracos da nova divisão mundial do trabalho, governada pelas grandes multinacionais.

[41] “The Dragon and the Eagle” The Economist, 30/09/2005.

[42] Arthur Kroeber, “Chasing the mythical China consumption boom”, China’s Economic Quarterly 08/01/2007.

[43] Idem.

[44] Arthur Kroeber, Retailer´s fool’s goad”, China Economic Quarterly, 16/07/2007.

[45] Michel Husson, op.cit.

[46] Martin Wolf, “O futuro da globalização é a questão de longo prazo mais importante”, Financial Times,09/01/2007.

[47] Michel Husson, “Após a idade do ouro”, em G. Achcar (ed.) The legacy of ErnestMandel, Verso, 2000

[48] Como disse Ernest Mandel: “ A lei do desenvolvimento desigual pela primeira vez na história se reverteu contra o imperialismo norte-americano. As outras potências imperialistas, que partiram de um nível de produtividade industrial muito mais baixo que os EUA, têm modernizado suas indústrias muito mais rapidamente e têm conseguido, por sua vez, vantagens de produtividade consideráveis. Muitas de suas mercadorias são, hoje em dia, de qualidade parecida e ás vezes superior e, antes de tudo, mais baratas que as mercadorias norte-americanas: os navios japoneses; os pequenos automóveis europeus e japoneses; as máquinas-ferramentas alemãs.” ErnestMandel, A crise do dólar, Ediciones del Siglo, Argentina 1973.

[49] Ver nota 17.

[50] Desde 1960, a oferta monetária dos EUA cresceu 25 vezes, enquanto o produto bruto real somente quatro. Isso temsido acompanhado por uma consistente baixa dos requerimentos para os empréstimos. Os bancos foram encorajados pelo Banco Central a expandir o crédito por uma série de reduções nas reservas requeridas contra seus próprios depósitos. No último ciclo de crescimento, essa política monetária de baixas taxas de juros – como resposta ã crise da chamada nova economia, para evitar que a mesma se transforme em uma depressão – foi utilizada de forma abusiva com abundante liquidez, dando origem ã bolha imobiliária creditícia mundial, que agora está se desinflando.

[51] É o contrário da atuação dos EUA durante o boom do pós-guerra. Esse período foi qualificado como de “hegemonia benigna” ou “benevolente”, baseada na necessidade dos EUA de conter o perigo da revolução na Europa e no Japão, ambos devastados pela guerra. O imperialismo norteamericano, que saiu como potência hegemônica após a Segunda Guerra Mundial, combinou a colaboração contra-revolucionária com a burocracia stalinista, posta em prática nos pactos contrarevolucionários de Yalta e Postdam, que dividiram o mundo em zonas de influência, e que permitiram no imediato pós-guerra derrotar e desviar a revolução em países centrais como França, Itália ou Grécia, com uma política de “contenção” dos movimentos geopolíticos do Kremlin, o que implicou a disputa relativa nos planos militar (corrida armamentista, criação da OTAN), político (luta por influência nos países da periferia capitalista) e ideológico (luta contra o “totalitarismo” em defesa do “mundo livre”), ainda sem ultrapassar nunca os estritos limites estabelecidos em Yalta. No entanto, esse pacto não impediu a existência de atrito, como a Guerra da Coréia, a crise de Berlim ou a dos mísseis cubanos, assim como períodos de “distensão” ou “detenção” – com uma política de desenvolvimento do “Estado de bem-estar” e a reconstrução da Europa (Plano Marshall) e Japão, para afastar o perigo da revolução. Isso permitiu aos Estados Unidos “hegemonizar” as distintas potências imperialistas atrás de seus desígnios, mas o fazia, e por isso se denominava “hegemonia benigna”, como garantia da “livre emprensa”, promovendo como base para a consolidação política de sua hegemonia o êxito econômico de seus aliados e competidores, ao mesmo tempo em que recriava um mercado para a expansão de suas multinacionais no estrangeiro. Assim, ao passo que os EUA asseguravam que suas firmas ficavam com a “maior parte” da acumulação capitalista mundial, permitiu e alimentou o extraordinário crescimento que Alemanha e Japão, as duas potências derrotadas na Segunda Guerra, tiveram durante o boom. As conseqüências desse último comportamento para a ordem mundial estão bem analisadas por Robert Brenner: “Devido a que o êxito econômico dos EUA estava tão fortemente ligado ao êxito de seus rivais e aliados, o desenvolvimento econômico internacional do pós-guerra dentro do mundo capitalista avançado pôde, por um curto período, manifestar-se em um relativamente alto grau de cooperação internacional – marcado por elevados níveis de ajuda norte-americana e apoio político econômico a seus aliados e competidores -, apesar do domínio do estado norte-americano e de estar em maior parte moldado de acordo com os interesses dos EUA. O governo dos EUA, assim como seus principais capitalistas, teve a vontade de tolerar esses níveis de intervencionismo estatal, de protecionismo comercial, de taxas de intercâmbio subavaliadas e de ataduras financeiras de seus rivais, porque eles mesmos possuíam um forte interesse no desenvolvimento econômico nacional de seus rivais – especialmente no crescimento de seu mercado interno – e sua estabilidade política. Em conseqüência se observava, ao menos por um tempo, uma simbiose, se bem que altamente conflitiva e instável, do líder e seus seguidores, dos desenvolvidos cedo e tardiamente, do hegemon e os hegemonizados”. Robert Brenner, “The boom and the bubble”, Londres, Verso, Maio 2002.

[52] “Grande parte do ajuste a um crescimento mais baixo, ou inclusive a uma diminuição no consumo norte-americano, deve vir de alguma parte. Entre outros, a China estará no olho do furacão. Suponhamos, por exemplo, que o dólar se desvalorize contra as moedas flutuantes, em particular o euro, acompanhado pelo renminbi (moeda oficial da China). Suponhamos, também, que as autoridades chinesas não tomem medidas para expandir a demanda doméstica. Então, o ajuste externo se sentirá em outra parte do mundo. Isso se demonstraria altamente disruptivo, particularmente na Europa continental. Inclusive o compromisso da abertura dos mercados estaria em perigo.” Martin Wolf, “Challenge of rescuing world economy”, Financial Times, 11/09/2007.

[53] Ainda que não a tenha teorizado, Trotsky utiliza essa expressão separadamente da economia, para dar conta de terceiro aspecto da teoria da revolução permanente: “Este aspecto da teoria da revolução permanente é conseqüência inevitável do estado atual da economia e da estrutura social da humanidade. O internacionalismo não é um princípio abstrato, senão unicamente reflexo teórico e político do caráter mundial da economia [...] A revolução socialista começa dentro das fronteiras nacionais; mas não pode se conter nelas. A contenção da revolução proletária dentro de um regime nacional não pode ser mais que um regime transitório, ainda que seja prolongado, como demonstra a experiência da União Soviética. No entanto, com a existência de uma ditadura do proletariado, as contradições interiores e exteriores crescem paralelamente a seus êxitos. Se continuar ilhado o Estado proletário cairia mais tarde ou mais cedo, vítima destas contradições”. Leon Trotsky, La revolución permanente,en La teoría de la revolución permanente (compilación), Buenos Aires, CEIP “León Trotsky”, 2000.

[54] Justin Rosenberg, “Isaac Deutscher y la historia perdida de las relaciones internacionales”, Tradução do inglês, Viento Sur.

[55] Idem. Essa correta visão dos objetivos da política exterior norte-americana durante o pós-guerra de Justin Rosenberg esquece que um grande elemento, senão o principal, da “gestão política do desenvolvimento combinado e suas conseqüências em escala mundial”, foi a colaboração contrarevolucionária da burocracia stalinista, sem cuja ajuda jamais haveria se consolidado e administrado a ordem mundial hegemonizada pelos EUA.

[56] Seguindo as leituras teóricas distintas de Karl Marx e Karl Polanyi, ainda que relacionadas nesse plano, Beverly J. Silver classifica ambos os tipos de conflitos da seguinte maneira: “Por conflitividade trabalhista de tipo polanyiano nos referimos ã resistência operária frente ã extensão de um mercado global auto-regulado, em particular aos segmentos da classe operária que sofreram erosão pelas transformações econômicas globais, assim como aos trabalhadores que haviam se beneficiado dos bloqueios sociais estabelecidos, quando esses se vêem abandonados desde cima. Por conflitividade trabalhista de tipo marxiano, entendemos as lutas da nova classe operária emergente, que se vê reforçada, como resultado não pretendido do desenvolvimento do capitalismo histórico, no momento mesmo em que os velhos segmentos da classe operária vão se decompondo”. Beverly J. Silver, Fuerza de trabajo. Los movimientos obreros y la globalización desde 1870,Madrid, Ediciones Akal S.A., 2005.

[57] Dados tomados de Isaac Joshua, op. cit.

[58] Contra toda a visão unilateral do crescimento chinês, que trata de apresentá-lo como o modelo mais bem-sucedido para os países em desenvolvimento, não devemos nunca perder de vista a dependência direta das reformas e de seu modelo de crescimento ou padrão de acumulação com respeito ás corporações multinacionais. Como assinalam corretamenteMartin Hart-Landsberg e Paul Burkett: “A estratégia de crescimento chinês temse diferenciado enormemente da empregada pelo Japão, Coréia do Sul e Taiwan. Como destaca um economista do Brooking Institute, esses países ‘dependem quase exclusivamente de firmas domésticas para fabricar e exportar commodities; a China depende enormemente das empresas de investimento estrangeiro para produzir artigos de exportação, e praticamente nenhuma companhia chinesa nacional controla redes de exportação de importância’. The Economist acrescenta: ‘devido a que o governo central tempermitido a entrada na China de companhias estrangeiras numa etapamuitomais prematura de seu desenvolvimento [...] essas firmas agora controlam o grosso da exportação industrial do país, têm aumentado seu posicionamento no seu mercado interno e retêm a propriedade de quase toda a tecnologia” Martin Hart-Landsberg & Paul Burkett, “China, capitalist accumulation, and labor”, Monthly Review, Volume 59, N° 2, Maio de 2007.

[59] Eswar S. Prasad, “Is the Chinese growth miracle built to last?” (paper), Cornell University, abril de 2007.

[60] Idem.

[61] A autora baseia sua afirmação na seguinte análise da conflitividade trabalhista chinesa que, em geral, para além dos termos conceituais que utiliza e que temos definido mais acima, compartilhamos: “De fato, vão chegando notícias de uma crescente conflitividade trabalhista na China. Um informe oficial estimava em 30 mil o número de manifestações somente no ano de 2000, ainda que a maioria dessas manifestações fossem protestos contra a perda de postos de trabalho e salário e pensões não pagas, dado que a rápida industrialização alimentada pelo investimento estrangeiro direto temido demão dada com o desmantelamento das empresas industriais de propriedade estatal. Portanto, a crescente conflitividade trabalhista na China tem adquirido até esta data, em grande medida, a forma do que vínhamos chamando movimentos de tipo polanyiano contra a quebra de formas estabelecidas de vida e de sustento [...] Por outro lado, a análise efetuada até agora [para dizer em poucas palavras, como disse a mesma autora, fazendo um percurso da conflitividade trabalhista desde 1870 até nossos dias, que “aonde vai o capital, o acompanha o conflito”, N de R.], também nos faz esperar que surja uma conflitividade trabalhista de tipo marxiano. Os trabalhadores de distintas indústrias contaram com um poder de negociação variável, muito maior para alguns (como os trabalhadores automobilísticos). Está ainda por surgir exatamente esse tipo de conflitividade trabalhista de tipo marxiano e como atuarão os trabalhadores com os protestos dos desempregados. No entanto, a importância para o futuro da conflitividade trabalhista em escala mundial da classe trabalhadora chinesa parece inquestionável”.

[62] Segundo assinalam alguns autores, “o exemplo no Estado e nas empresas coletivas (o que a Organização Internacional do Trabalho denomina empresas formais tradicionais) diminuiu em 59,2 milhões em um período de 13 anos, apesar do rápido crescimento do país e apoio do governo a um novo tipo de companhias não dependentes do Estado. As novas empresas formais que emergem (empresas cooperativas, empresas de propriedade coletiva, corporações com responsabilidade limitada, corporações de acionistas e empresas financiadas no exterior) geraram somente 24,1 milhões de postos de trabalho. O resultado foi a perda de 34,1 milhões de postos de trabalho no setor de emprego formal. Inclusive com a contribuição de emprego do setor urbano informal (pequenas empresas registradas privadas e empresas de propriedade individual), a economia chinesa somente conseguiu aumento geral no emprego regular de 1,7 milhões de trabalhadores em um período de 10 anos [período 1990-2000 N do R.]. Isso estava muito longe de ser suficiente para igualar o crescimento na demanda trabalhista. Portanto, uma quantidade cada vez maior de trabalhadores chineses tem se visto obrigada a aceitar empregos irregulares. Com aumento de 80 milhões, agora é a categoria única de maior emprego urbano. Uma porção cada vez maior desse trabalho irregular representa a indústria sexual chinesa. Enquanto o governo diz que existem 3 milhões de prostitutas em todo o país, cálculos independentes estimam que a cifra chega a 20 milhões (o trabalho sexual representa até 6% do PIB da China, se incluídos devidamente os trabalhadores sexuais em casas de massagem, casas de entretenimento e inclusive barbearias e salões de beleza). E mais adiante afirma: “Esse aumento massivo no emprego irregular é ainda mais chamativo quando se dá conta que uma quantidade cada vez maior de trabalhadores na realidade tem deixado o mercado de trabalho urbano. Por exemplo, a taxa de participação da força de trabalho dos residentes urbanos diminuiu de 72,9%em 1996 a 66,5% em 2002. Além disso, o desemprego total também segue sendo problema sério. Segundo explica a OIT: “Uma conseqüência importante das reformas da década de 1990 tem sido o surgimento de um desemprego aberto nas áreas urbanas da China. As cifras oficiais do governo subestimam a seriedade do problema em parte por causa da estreita definição que usa. A OIT, que emprega definições internacionais, mas comumente aceitas, estima que, em 2002, a taxa de desemprego para residentes urbanos de longa data estava em 11-13%’”. Martin Hart-Landsberg e Paul Burkett, op. cit.

[63] Gabor Steingart, “Declínio da superpotência: a classe média dos EUA, perdedora da globalização”, Spiegel Online, 24/10/2006.

[64] No entanto, apesar dessa tendência ã redução e debilitamento da aristocracia operária, segue sendo a base dos nefastos aparatos burocráticos dos sindicatos, com seus milhares de membros corrompidos pelas patronais e pelos Estados. A debilidade estrutural das burocracias pode, frente a futuras crises, permitir que surjam com mais facilidade setores da classe operária que radicalizem e recuperem suas organizações, colocando agentes das grandes empresas para fora de suas organizações. Nisso deveriam apostar e para isso deveriam se preparar as correntes que se denominam marxistas-revolucionárias.

[65] Michael Zweig,The working class majority: America’s best kept secret, Ithaca, N.Y Cornell University Press, 2000.

[66] Stephen Roach, “Labor vs. Capital”, Morgan Stanley, 23/10/2006.

[67] Para aprofundar as tendências de luta de classes na América Latina, ver EduardoMolina, “Elementos para um balanço da situação e perspectivas” – www.ler-qi.org.

[68] O outro batalhão de vanguarda da classe operária européia - os trabalhadores e jovens italianos - vem se recuperando lentamente da enorme confusão política que se abriu depois da subida do governo Prodi sustentado pela esquerda Refundazione Comunista e o conjunto da burocracia sindical, depois de anos de luta e ascenso contra a política anti-operária de Berlusconi. Sintoma disso é a paralisação e mobilização de 9 de novembro de 2007 em mais de 20 cidades da Itália.

[69] Nesse artigo, centrado na economia mundial, não desenvolvemos as tendências à luta de classes noutras regiões, como Ásia ou Rússia, onde vem acontecendo um ressurgir da luta operária, ou os EUA, onde o exemplo mais notório foi a recente greve dos trabalhadores da General Motors, a primeira nacional desde 1974, traída abertamente pela burocracia da UAW.

[70] Segundo Gerard Duménil e Dominique Levy: “Os historiadores econômicos concordam geralmente em identificar uma crise de grande envergadura entre 1875 e 1893 na Europa, sobretudo na França. As opiniões divergem sobre a extensão geográfica do fenômeno e sobre suas características, mas o fato mesmo está firmemente estabelecido. Na mesma época, os Estados Unidos conheceram um período de grande instabilidade, entre o fim da Guerra de Secessão em 1865 e o fim do século. Essas crises conduziram a uma transformação profunda do capitalismo nesse país. As tensões econômicas e políticas que se manifestaram nessa ocasião haviam criado as condições para uma profunda transformação da ordem capitalista anterior. O capitalismo posterior ã crise estrutural do fim do século XIX era muito diferente do anterior ã crise. Basta recordar que as finanças modernas e as grandes firmas, que ainda dominam nossas sociedades, ou seja, toda a estrutura social do capitalismo contemporâneo, nasceram como conseqüência dessas perturbações. Um aspecto fundamental dessa transformação foi a separação entre a propriedade do capital e a gestão do mesmo. O desenvolvimento das grandes sociedades deu à luz uma classe de acionistas, de credores e de financistas, a certa distância do funcionamento direto das empresas. Apareceu um sistema complexo de instituições financeiras enquanto os mecanismos monetários e financeiros passavam por uma verdadeira explosão. Também mudavam radicalmente as condições de trabalho do operário na oficina. Tal como se tem descrito amiúde esse processo, o produtor direto se convertia cada vez mais em um apêndice da máquina. Os marxistas, e em particular Lênin, perceberam a amplitude do que estava em jogo, ainda que a história não lhes haja dado razão em sua antecipação da destruição radical da sociedade capitalista”. Crise et sortie de crise. Ordre et désordres néolibéraux, Presses Universitaires de France, Paris, 2000

[71] LeónTrotsky, “Qué es el marxismo”, en SuMoral y la nuestra / Qué es el marxismo,Madrid, Fundación Federico Engles, 2003.

[72] Em um trabalho anterior sustentamos: “A vitalidade mostrada pelo capitalismo durante o “boom” não foi a de um menino, um adolescente nem a de um adulto em plenitude. Foi a de um homem maior, que depois de ter estado perto da morte, obtém uma herança, estica a pele, e volta aos maus hábitos, com a vantagem da experiência acumulada. Seu aspecto parecerá jovial, mas não poderá evitar o envelhecimento de suas células. Sua experiência lhe permitirá ainda fazer frente a novos percalços, mas tem envelhecido irremediavelmente. Suas recaídas serão cada vez mais periódicas e profundas. É essa a situação que vive o capitalismo desde princípios dos anos 1970. Christian Castillo, “Las crisis y la curva del desarrollo capitalista”, en Estrategia Internacional N° 7, março/abril 1998.

[73] Por isso é incorreto falar de uma crise estrutural aberta desde os anos 1970 até 2007, como se nunca se tivesse saído, ao menos parcialmente, e não tivessem atuado desde os anos 1980 com o neoliberalismo, fortes contra tendências que recuperam consideravelmente as taxas de lucro. Tampouco a questão é o nível alcançado por esta, comparada com os níveis alcançados durante o boom. Como corretamente diz Husson: “Finalmente, é preciso ter cuidado com uma concepção em que a taxa de lucro representaria o alfa e ômega, de tal forma que existirá um limiar de rentabilidade que bastaria alcançar para que se iniciasse espontaneamente uma nova fase de expansão”.

[74] A aura que rodeava o chamado “mago” das finanças, Alan Greenspan, presidente do FED durante quase duas décadas, era a expressão mais eloqüente de que com a financeirização brutal da economia o alinhamento próprio do sistema mercantil se desenvolveu a níveis jamais alcançados, onde o poder dos acionistas e a coletivização da poupança deslocaram as decisões hierárquicas anônimas que manipulam fundos e títulos e governam assim a vida de milhares de milhões de homens e mulheres no planeta.

[75] Assim, o principal banco do mundo, o Citicorp, faz milhares de piruetas para ocultar sua verdadeira contabilidade, frente a evidências cada vez mais certeiras, de que não dispõe de capital suficiente para pagar seus compromissos; em outras palavras, que está virtualmente quebrado ao menos segundo os parâmetros da contabilidade tradicional. SegundoMarketWatch (05/11/07), o Citigroupmantinha 134 bilhões 840 milhões de dólares no chamado “nível três”, cujas posses “carecem de liquidez e freqüentemente não são cotizáveis e suas valorizações se baseiam na intuição da diretiva”. Em finanças contábeis, o “nível três” equivale ao valor de “ativos” não determinados pelo mercado, pelo que carece de um preço confiável. Sobre Goldman Sachs - o principal banco de investimento do mundo, que no meio da turbulência financeira apresentou balanço com fortes lucros -Martin Hutchinson, economista crítico, explica que “existe um mistério em Wall Street: a semana passada Merrill Lynch cancelou 8 bilhões e 400 milhões de dólares da hipoteca imobiliária de baixa qualidade, cifra revisada dos prévios 4 bilhões 900 milhões de dólares informados; no entanto, Goldman Sachs não sentiu a necessidade de um cancelamento similar. O segredo real da diferença provavelmente reside nos detalhes de sua contabilidade, em particular no mundo turvo, que logo será revelado, de seus ativos que se encontram no ‘nível três’ de sua carteira” (Blog “The Bear’s Liar”, 29/10/07). Para esse economista, a partir do dia 15 de novembro “haverá uma nova ferramenta para esquadrinhar quanto resíduo tóxico existe das folhas contábeis dos bancos de investimentos”, referindo-se ã nova regra contábil FASB 157, que requer que os bancos dividam seus ativos cotizáveis em três níveis, de acordo com a facilidade para conseguir preço no mercado. Segundo o mesmo autor, “o ‘nível um’ expõe os ativos nos mercados dinâmicos. No outro extremo, os ativos do ‘nível três’ são impossíveis de serem avaliados e somente têm cotizações segundo a referência dos modelos dos próprios bancos”. Goldman Sachs revelou, em fevereiro, ou seja, antes do desabamento imobiliário, seu “nível três”, que ascendeu a 72 bilhões de dólares, que esses então representavam8%de seus ativos totais. Frente a isso comenta o autor citado: “Oproblema torna-se mais sério quando se estabelece que tais 72 bilhões de dólares representem o dobro do capital de Goldman Sachs, que é de 36 bilhões. Conseqüentemente, numa situação extrema, a inteira existência de Goldman Sachs reside no valor de seus ativos em ‘nível três’”, ou seja, também virtualmente se quebra. A mesma observação faz o economista Nouriel Roubini: “Repentinamente os mercados e os investidores estão descobrindo que muitas instituições financeiras estavam deixando uma grande parte de seus ativos no pilar do terceiro piso, quando queriam evitar usar os preços do mercado para avaliar ditos ativos, mas preferem confiar nas ‘apreciações modelo’(valorizações modelo)e ‘entradas despercebidas’. Porém, agora, a próxima regularização FASB 157 lhes impedirá (ao menos que um lobby político leve a uma prorrogação de sua implementação em 15 de novembro) que façam esses truques sujos contábeis e os obrigará a usar preços de mercado – quando estejam disponíveis inclusive em condições de liquidez do mercado – para avaliar esses ativos”. E o mais interessante é a conclusão a que chega: ”E agora, adivinhem o quê? Novas estimativas (cálculos) confiáveis sugerem que usar esses preços de mercado – em vez dos truques do terceiro piso – pode levar a perdas de outros 100 bilhões de dólares ademais dos bilhões que já se perderam nas subprimes. Alguns participantes do mercado já estão na realidade falando – algo bastante realista – de um total de perdas deste desastre creditício cercando os 500 bilhões de dólares”. (N. Roubini, “Credit and financial markets losses: $100.000 billion or $200 billion? Or most likely $500 billion?”, artigo publicado no blog do mesmo autor, 07/11/2007). Essas surpresas estão levando alguns analistas a falar de um “Enron dos bancos”: “Essas turbulências fazem recordar há alguns anos os escândalos financeiros da Enron, ou da Vivendi no começo dos anos 2000. “Nós vivemos um pouco o 2002 do sistema bancário”, já compara M. Mourier. “O vento de pânico dos mercados da bolsa deriva do ato de que se começa a adivinhar o tamanho da parte submergida do iceberg da crise dos subprimes”, explica Paul Jorion, economista e pesquisador daUniversidade da Califórnia” (“Les craintes sur le système bancaire s’accentuent, les Bourses plongent”, Le Monde, 08/11/2007).

[76] As correntes de esquerda ou extrema esquerda que consideram “anacrônicas” as questões estratégicas que apresentou a Revolução Russa e as Internacionais III e IV, tais como a luta pela ditadura do proletariado e a necessidade de um partido revolucionário, em última instância negam essa perspectiva e é o fundamento de sua adaptação ás democracias burguesas degradadas.

[77] As crises atuais têm uma dinâmica parecida ás crises do século XIX, motorizadas por um setor dinâmico - o ferroviário, a indústria elétrica, etc. - cujo estancamento depois de arrastar o conjunto dos setores no momento do ascenso do ciclo econômico gerava crises de todo o sistema. Essas características não se davam desde a Grande Depressão dos anos 1930.

[78] Para além da ofensiva do capital sobre as condições dos assalariados, se coloca em evidência o limite social do capitalismo, a base cada vez mais estreita das relações mercantis, a reprodução de valor, para transformar em realidade as possibilidades da organização social capitalista. Mais que nunca fica patente que o valor é uma medida miserável, que se traduz hoje nas dificuldades de realização.

[79] Apesar do caráter único e não repetível desse fenômeno histórico.

[80] Isaac Joshua, Op. Cit. As citações seguintes desse autor são da mesma obra.

[81] A instabilidade política e social do período de reconstrução é bem expressa pela seguinte citação de The Economist ao final dos anos 1940: “A burguesia francesa não está reconciliada com a passagem de uma grande parte do poder político e ainda mesmo do poder econômico ã classe operária organizada […] Guerra Fria na indústria italiana […] Com gritos até ficar rouco de “abaixo o comunismo”, os empresários japoneses se apressaram […] a eliminar o cambaleante movimento sindical japonês”. Citado por Andrew Glyn em Capitalism Unleashed, Nova York, Oxford University Press, 2006.

[82] Que atualidade frente ao brutal crescimento das fusões e aquisições tem essa frase de Lênin em seu citado livro! Para eliminar a competição numa indústria tão lucrativa, os monopolistas se valem inclusive de artimanhas diversas: fazem circular falsos rumores sobre a má situação da indústria; publicam nos jornais anúncios anônimos: “Capitalistas! Não coloquem vosso capital na indústria do ci mento!”; por último, compram empresas “outsiders” (quer dizer, que não fazem parte dos sindicatos), pagando 60, 80, 150 mil marcos ao que ‘cede’. O monopólio abre caminho em todas as partes, valendo-se de todos os meios, começando pelo pagamento de uma “modesta” indenização ao que cede e terminando pelo “procedimento” americano do emprego de dinamite contra o competidor”. O mesmo poderíamos dizer em outro plano com respeito ã seguinte afirmação: “Achamo-nos em presença não já de uma luta de competição entre grandes e pequenas empresas, entre estabelecimentos tecnicamente atrasados e estabelecimentos de técnica avançada. Achamos-nos ante o estrangular, pelos monopolistas, de todos aqueles que não se submetem ao monopólio, ao seu jogo, ã sua arbitrariedade”. No início do século XXI, essa tendência tem se aprofundado. O “estrangulamento” por parte da empresa norte-americana que melhor expressa o capitalismo de hoje, o empório comercial de qualidade de quase indústria, Wal Mart, não somente com respeito ás centenas de pequenos subcontratistas na China ou outros países da periferia, mas de grandes corporações manufatureiras de produtos de consumo, como Procter and Gamble, Clorox, Revlon, Nabisco ou Sara Lee (cujo montante de negócios com Wal-Mart varia entre 15 e 30% de sua produção total, criando no final enorme dependência) é prova contundente. Porém,Wal-Mart é somente um exemplo mais destacado de uma realidade que abarca empresas de porte como Carrefour, Royal Ahold, Tesco, Ito-Yokado, assim como IKEA, Home Depot, Costco e Best Buy. E essas grandes distribuidoras são acompanhadas por um conjunto de vendedores como Nike, Gap, Loius Vuitton, Dell, Hewlett Packard e muitas outras empresas similares.

[83] Isaac Joshua, op. cit., págs. 133-134.

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