A 38 anos do início do Maio Francês
Debaixo do pavimento está a história
15/03/2006
Debaixo do pavimento está a história...
Por: Andrea D’Atri
Especial de Paris
Depois de três dias de ocupação, os estudantes da universidade La Sobornne foram desalojados, ã noite, com um operativo policial no qual houve feridos e detidos. Os quarenta estudantes que iniciaram a ocupação desta emblemática universidade foram rodeados, desde a primeira noite, pela polícia que impedia tanto a sai saída como a entrada de mais estudantes que se solidarizavam com esta medida de luta. Entretanto, centenas de jovens mantiveram a universidade cercada, furaram o cerco policial para entregar alimentos aos que permaneciam dentro e, finalmente no terceiro dia, conseguiram vencer o cerco da forças de segurança, e mais de quinhentos entraram no edifício.
Isto se sucedia enquanto o resto dos estudantes permanecia fora, armando barricadas pelas ruas laterais do edifício, onde se estacionavam mais de dez caminhões da polícia e desciam os efetivos antimotins. Diante de meus olhos, um automóvel BMW foi atravessado sobre a Rue Cujas, uma das laterais da Sorbbone, para fortalecer a barricada. Horas mais tarde começou a repressão. Os que permaneciam na ocupação arremessaram móveis e outros objetos que encontravam na universidade sobre a polícia. Finalmente, a repressão também recaiu sobre eles e foram desalojados.
Na manhã seguinte em Place de Sorbbone, sobre o Boulevard Saint Michel, conversamos com uma dessas jovens que permaneceu durante os três dias da ocupação. Nos dizia o seguinte: "O que acontece na França é enorme, pelo menos do ponto de vista simbólico. Na terça-feira éramos um milhão nas ruas, manifestando contra o CPE (Contrato de Primeiro Emprego, NdeR)". A Sorbbone esteve ocupada durante três dias. Claro que aqui o número de pessoas era menor, mas a princípio éramos quarenta e logo nos tornamos quinhentos... algo que, ainda que seja em nível simbólico, é muito importante. Ainda que nervosa pelos últimos acontecimentos vividos, mas preocupada em fazer-se entendida por uma cronista Argentina, explica como é o movimento: "Tratamos de nos reunir, não há líderes, não estamos detrás de lideres sindicais ou políticos, o que implica que tudo é mais difícil de organizar. Mas as pessoas têm gana de transformar as coisas, e ainda que não se consiga muda-las, ao menos têm vontade de refletir sobre como faze-lo".
Esta jovem está muito longe de se parecer com aqueles que habitam os bairros periféricos de Paris, os protagonistas daquelas revoltas das periferias que em novembro de 2005 apareceram nas capas dos jornais internacionais, incendiando tudo ã sua frente. Esta jovem estudante, pelo contrário, é branca, veste roupas de qualidade, está em uma das melhores universidades do mundo e se prepara provavelmente para ser uma das intelectuais de renome das próximas gerações. O que une esta jovem “revoltada” de classe média a estes outros jovens “revoltados”, filhos de imigrantes árabes e africanos, fartos do desprezo da França racista?
"Nós, enquanto estudantes, é evidente que temos muito mais facilidade para nos manifestar, por isso é normal que sejamos os primeiros a enfrentar o CPE e esperamos não ser os últimos. Outros nos seguirão. Os trabalhadores vão nos seguir, os estudantes secundaristas, os trabalhadores privados, os estatais, todos! Nós os chamamos; mas ao mesmo tempo somos nós os primeiros que nos manifestamos, então temos a responsabilidade de refletir. Efetivamente, o CPE afeta em primeiro lugar aos jovens, é discriminatório porque afeta aos que têm menos de vinte e seis anos e, os estudantes somos majoritariamente jovens. Então é normal que nos manifestemos! Somos os primeiros afetados por este contrato que é injusto! O ponto de partida é o CPE, mas nos damos conta de que há muita gente que tem problemas muito maiores, e temos que refletir globalmente sobre o sistema. Ontem houve uma repressão que é intolerável. Isto para nós é inadmissível e as pessoas como eu, que estamos neste movimento, também nos faz refletir. Porque não aceitamos que a França esteja governada...ou melhor dito, “gestionada” pelos delegados e policiais".
A assembléia está terminada. Nossa jovem entrevistada se afasta; os estudantes se juntam nas esquinas para continuar conversando; os jornalistas se protegem da chuva sob os toldos dos cafés. E todos os que temos mais de 38 anos, os que temos uma militância de esquerda, os que alguma vez lemos sobre Daniel Cohn Bendit, os que vimos o filme Grandes Noites, Pequenos Amanheceres...vemos flutuando o fantasma do Maio Francês.
E no fundo da praça, sobre uma cerca que cobre obras de reformas na Sorbbone se lê o que uma mão anônima escreveu em aerossol: “Debaixo do pavimento, está a praia”. A lenda está viva.